Princípios são mandamentos basilares que norteiam e otimizam a aplicação das demais normas jurídicas. Com isso, os princípios que serão desenvolvidos a seguir devem cumprir essa função no âmbito do compromisso de ajustamento de conduta e mais, diante da ausência de normas disciplinando o assunto, os princípios devem guiar os legitimados para que o TAC não seja uma “carta em branco” em suas mãos[1].
1.5.1. Princípio do Acesso à Justiça
Grande preocupação dos estudiosos do Direito é se as normas positivadas estão de fato melhorando a qualidade de vida da população, se as normas estão de fato aplicando justiça ao caso concreto. Talvez esse desassossego diferencie os juristas dos meros aplicadores técnicos do Direito.
Mauro Cappelletti e Bryanth Garth explicam que a expressão “acesso a justiça” possui duas acepções. Significa que todos devem poder ter acesso ao sistema, mas, também, que o sistema deve produzir soluções justas e de acordo com os anseios sociais.[2]
Do mesmo ilustre entendimento é Kazuo Watanabe:
A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso a justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.[3]
O TAC surgiu da necessidade de meios alternativos de tutela aos direitos transindividuais, mas ressalta-se que “O ajuste de conduta não objetiva substituir a atividade jurisdicional.... mas complementá-la nos casos em que a solução negociada se revele mais apropriada.” [4]
Geisa de Assis Rodrigues[5] defende que o compromisso só propiciará o acesso à justiça “se for um meio econômico, breve e justo de solução de direito transindividual, pois caso contrário, a promessa nele inserida, de aumentar o acesso à justiça, será frustrada.” A autora[6] acrescenta que para tanto o TAC não pode “(...) criar um excessivo formalismo para a celebração do ajuste que o tornaria mais dispendioso e demorado, nem criar óbices que limitem a sua operosidade imediata (...)”.
Cumpre ressaltar que uma vez que o ajuste objetiva tutelar os direitos transindividuais, nunca pode haver disposição e renúncia destes, assim como concessões que comprometam a defesa desses interesses.
Para que o acesso à justiça seja efetivo também se deve observar o princípio da proporcionalidade que deve ser considerado na fixação das condições e prazos do ajuste, de forma que estes sejam os mais adequados possíveis para a reparação ou prevenção do dano transindividual.
A proporcionalidade também deve ser aplicada nas seguintes situações: ao se estabelecer exigências no compromisso, estas devem ser feitas da forma menos onerosa possível ao sujeito passivo; e na admissibilidade de “alteração do conteúdo do ajuste quando seu cumprimento se tornar um sacrifício excessivo, desde que não se reduza a proteção do direito transindividual, nem se lese direitos individuais.” [7]
Tais ponderações são essenciais, posto que a Constituição tutela os direitos transindividuais, o meio ambiente, mas também a dignidade da pessoa humana, a prevalência dos valores do trabalho, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, etc.
1.5.2. Princípio da Tutela Preventiva
Na mesma direção do acesso à justiça está o princípio da tutela preventiva “que preconiza que sempre que possível o sistema jurídico deve evitar a ocorrência de atos ilícitos e danos. O compromisso foi concebido como um mecanismo de solução extrajudicial de conflito justamente para propiciar essa prevenção.” [8] Ainda, porque o tradicional ressarcimento pecuniário deve ser sempre a última opção na reparação do dano ao meio ambiente ou a qualquer direito transindividual, este tem sua real importância em evitar a impunidade dos violadores.
Luiz Guilherme Marinoni[9] defende que, sem uma tutela preventiva, as normas que protegem direitos fundamentais “não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano”.
Para o autor esse tipo de tutela possui, inclusive, previsão constitucional, quando no art. 5º, XXXV a CF preceitua que “nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Portanto, “não pode restar dúvida que o direito de acesso a justiça (5º., XXXV, CF) tem como corolário o direito à tutela efetivamente capaz de impedir a violação do direito.”[10]. Cumpre observar que, apesar de a tese de Marinoni defender a existência de uma ação inibitória genérica, esta em nada se distancia do TAC; este pode, até mesmo, ser visto como uma modalidade de ação inibitória, pois “a tutela dos direitos se dá tanto através dos mecanismos jurisdicionais quanto através da formas extrajudiciais de solução de conflitos.” [11]
A tutela inibitória para alcançar seus objetivos preventivos não se vincula a ocorrência do dano, mas apenas a probabilidade de ilícito. Marinoni[12] explica tal diferença:
(...) imaginar que a ação inibitória se destina a inibir o dano implica na suposição de que nada existe antes dele que possa ser qualificado de ilícito civil. Acontece que o dano é uma conseqüência eventual do ato contrário ao direito, os quais (o dano e o ato contrário ao direito), assim, podem e devem ser destacados para que os direitos sejam adequadamente tutelados.
O professor[13] oferece um bom exemplo para a situação, é o caso daquele que possui uma marca registrada e detém o direito de coibir que a utilizem, independente de haver dano em decorrência do possível uso.
Geisa de Assis[14] contextualiza a lição no âmbito do compromisso de conduta: “(...) a tutela dos direitos individuais tem como fundamento a solidariedade social, deve haver a responsabilidade de assumir uma dada conduta ou deixar de fazê-la mesmo que não se trate de reparar danos, mas sim de previni-los.” e exemplifica com “o caso de um ajustamento de conduta que regulou como deveria ser feita a exploração turística de um parque ecológico.” [15]. Este TAC cumpriu sua função preventiva, evitando que a exploração turística degradasse o parque, como tantas vezes ocorre.
A representante do Ministério Público[16] ensina que se houver possibilidade de que sobrevenha um ilícito, com ou sem previsão de dano imediato, o compromisso deve ser celebrado. Ainda que a lesão já tenha se efetivado, se faz importante a tutela preventiva para que se iniba a repetição ou continuidade do dano.
A autora alerta que no que tange o meio ambiente o princípio em tela se faz mais importante, posto que lhe é inerente o princípio da prevenção. Como bem aborda Celso Antônio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues[17]:
Em sede principiológica do Direito Ambiental, não há como escapar do preceito fundamental da prevenção. Esta é e deve ser a palavra de ordem, já que os danos ambientais, tecnicamente falando, são irreversíveis e irreparáveis. Por exemplo, como recuperar uma espécie extinta? Como erradicar os efeitos de Chernobyl? E as gerações futuras que serão afetas? Ou uma floresta milenar que é devastada e que abriga milhares de ecossistemas diferentes, cada um possuindo o seu essencial papel na natureza? Diante da impotência do sistema face a impossibilidade lógico-jurídica de fazer voltar a uma situação igual a que teria sido criada pela própria natureza, adota-se, com inteligência e absoluta necessidade, o princípio da preservação do dano ao meio ambiente como verdadeira chave-mestra, pilar e sustentáculo da disciplina ambiental, dado o objetivo fundamentalmente preventivo do Direito Ambiental.
Sobre esse assunto acrescentamos a crítica de Paulo de Bessa[18] relativa a atuação do judiciário brasileiro, posto que este tende no sentido de exigir um dano efetivo ao meio ambiente para autorizar intervenção. Nas palavras do autor:
O próprio risco, no qual se funda a responsabilidade ambiental, não é muito considerado, pois, ao que parece, é necessário que o risco se materialize em um “acidente” para que se seja efetivamente reparado. Concretamente, o Poder Judiciário está abdicando de sua função cautelar em favor de uma atividade puramente repressiva que, em Direito Ambiental, é de eficácia discutível.
1.5.3. Principio da Tutela Específica
Quando o dano ecológico (ou a direito transindividual) já houver se configurado e, assim, não haja mais espaço para a tutela preventiva, deve sempre ser privilegiada a tutela específica. Ou seja, o objetivo do ajuste de conduta deve ser o retorno ao status quo do ambiente antes da degradação.
Geisa de Assis[19] define o princípio em estudo como “o conjunto de remédios e providências tendente a propiciar àquele que será beneficiado com o cumprimento da prestação o preciso resultado prático atingível por meio do adimplemento.” A autora[20] considera que as obrigações firmadas são, muitas vezes, deveres jurídicos obrigatórios por lei, como “o dever de promover o licenciamento ambiental das obras de potencial impacto ao ecossistema, o dever de preservar o patrimônio histórico nacional, o dever de exercer de forma adequada o serviço de vigilância sanitária sobre o comércio de medicamentos.”
Esses tipos de direitos, indisponíveis, em especial o meio ambiente só são plenamente defendidos por meio da tutela específica. É o que assevera Édis Milaré[21]:
A regra, portanto, é procurar, por todos os meios razoáveis, ir além da ressarcibilidade (indenização) em seqüência ao dano, garantindo-se, ao contrário, a fruição plena do bem ambiental. Aquela, como já alertamos, não consegue recompor o dano ambiental, tendo em vista que o valor econômico conferido a título de indenização não tem o condão – sequer por aproximação ou ficção – de substituir a existência do meio ambiente ecologicamente equilibrado e o exercício desse direito fundamental.
Consoante a esse entendimento está o Ministério Público de Goiás[22] que traz no artigo 1º da orientação técnico-jurídica 001/2008 a seguinte disposição: “O compromisso de ajustamento de conduta deve ter como prioridade a restauração natural do dano, que deve ser feita, no lugar da degradação ambiental (art. 2º da Lei nº 7.347/85) e comporta a cumulação de obrigações de fazer e/ou não fazer com indenização.” Não obstante, também preceitua no art. 4º, da mesma orientação, a seguinte ordem de prioridade para se reparar um dano ecológico: “I – Substituição por equivalente in situ; II – Substituição por equivalente em outro local; e III – Medida compensatória patrimonial/indenização pecuniária.” [23]
Notas
[1] LEITE, Rubens Morato; LIMA, Maíra Luísa Milani de; FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. Ação civil pública, termo de ajustamento de conduta e formas de reparação do dano ambiental: reflexões para uma sistematização. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 340.
[2]TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 637.
[3]LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. ver. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 698.
[4] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.120.
[5] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 121.
[6] Ibidem. p. 121.
[7] Ibidem. p. 123.
[8]RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 123.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme. As ações inibitória e de remoção do ilícito: na dimensão do direito ambiental. Disponível em:< http://www.planetaverde.org/index.php?pag=14> . Acesso em 18 de fev. 2010. p.2.
[10] Ibidem. p. 2.
[11] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 126.
[12] Op.cit. p. 4.
[13]MARINONI, Luiz Guilherme. As ações inibitória e de remoção do ilícito: na dimensão do direito ambiental. Disponível em:< http://www.planetaverde.org/index.php?pag=14> . Acesso em 18 de fev. 2010. p. 4.
[14] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 125.
[15] Ibidem. p. 126.
[16] Ibidem. p. 126.
[17] Apud AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 106.
[18] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 12. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.. p. 250.
[19] RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de ajustamento de conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 128.
[20] Ibidem. p. 129.
[21] MILARÉ, Edis; SETZER, Joana; CASTANHO, Renata. O Compromisso de Ajustamento de Conduta e o Fundo de Defesa de Direitos Difusos: Relação entre os Instrumentos Alternativos de Defesa Ambiental da Lei 7.347/1985. Disponível em: http:<//www.milare.adv.br/artigos/tac_fundo_rda.htm>. Acesso em 29 set. 2009.
[22] MINISTÉRIO PÚBLICO DE GOIÁS. Orientação técnico-jurídica Nº 001/2008: Dispõe sobre medidas compensatórias para fins de reparação de dano ambiental, nos compromissos de ajustamento de conduta. Disponível em: http:<//www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/9/docs/2008_ort_tj_no_01.pdf> Acesso em 23 fev. 2010.
[23] Ibidem.