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Considerações sobre a Lei dos Juizados Especiais Federais.

Infrações de menor potencial ofensivo e suas implicações.

Agenda 01/02/2002 às 01:00

A promulgação da emenda Constitucional n. 22, de 18 de março de 1999, fez surgir a previsão de criação, através de lei federal, dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal.

Esta previsão está contida no parágrafo único do artigo 98 da Constituição Federal/1988 que diz que lei federal disporá sobre a criação de Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. Este intento foi concretizado.

Assim, entrou em vigor no dia 13 de janeiro de 2002, após seis meses da data de sua publicação, a Lei nº 10259, de 21 de Julho de 2001, que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. A competência da Justiça Federal, entre outras, está fixada no artigo 109 da CF/88 que prevê, também, o processo e julgamento de:

- crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;

- os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

- os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico- financeira;

- os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;

- os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves,

- os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização, ressalvadas, em todos, as competências das Justiças Militar e Eleitoral.

Semelhante à Lei nº 9099/95, de 26 de outubro de 1995, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais, a Lei n º 10259/01 veio para dar mais rapidez a ações que não precisam de procedimentos longos que abarrotam a Justiça Federal como também, proporcionar uma justiça acessível, de qualidade e sem exclusão.

Fazendo referência aos Juizados Especiais Criminais Estaduais, Pazzaglini Filho et al [1] diz que:

A criação dos Juizados Especiais Criminais, com fundamentais inovações em nosso ordenamento jurídico penal e processual penal, decorre da imperiosa necessidade de recepcionarmos em nossa legislação instrumentos jurídicos já utilizados com êxito, em vários países, com vistas na desburocratização e simplificação da Justiça Penal, propiciando solução rápida, mediante consenso das partes ou resposta penal célere, de certas infrações penais. Sua criação atende a inadiável necessidade de deformalização do processo criminal, dotando-o de mecanismos rápidos, simples, econômicos, com o objetivo de torná-lo adequado à solução das controvérsias de cunho penal, notadamente aquelas oriundas da prática de infrações definidas como de menor potencial ofensivo, em especial as denominadas pela doutrina como infrações bagatelares.

Os crimes de menor potencial ofensivo se enquadram no princípio da intervenção mínima, despenalizador, pois as Leis dos Juizados Especiais propõem que "as penas privativas de liberdade devem ser reservadas para os casos em que constitua o único meio de proteção suficiente da ordem social frente aos ataques relevantes"[2].

A Lei dos Juizados Especiais Federais diz em seu artigo 1º que serão aplicados a eles, no que não for incompatível, o disposto na Lei 9099/95.Isto quer dizer que todas as disposições materiais, como também, as processuais referentes às fases preliminar e da transação penal, ao procedimento sumaríssimo obedecerão, no que não conflitar com a Lei 10259/01, ao disposto na Lei 9099/95. É o que a primeira lei prevê no parágrafo único do artigo 11 que, para a audiência de composição dos danos resultantes de ilícito criminal, o representante da entidade que comparecer terá poderes para acordar, desistir, ou transigir. Esta audiência seguirá os ritos previstos nos artigos 71, 72 e 74 da lei 9099/95, que dispõem :

Art. 71- Na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos artigos 67 e 68 desta Lei.

Art. 72- Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

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Art. 74- A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz, mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

O artigo 10 da Lei n º 10259/01 diz que as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogados ou não. Esta dispensa de advogados pode gerar um grande problema pois, os Juizados vão lidar, também, com pessoas que não têm conhecimento jurídico, ocasionando danos, por vezes, irreversíveis para estas pessoas leigas que não fazem uso do advogado. Este artigo desprestigia a figura do advogado já que ele é essencial para a administração da justiça, conforme artigo 133 da CF/88.

O artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10259/01 diz que compete ao Juizado Especial Criminal Federal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa.

Importante observar que a Lei dos Juizados Especiais Criminais Federais não abrange as contravenções, conforme inciso IV do artigo 109 da CF/88 e súmula 38 do STJ, que diz que compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades. Isto a difere da Lei 9099/95, artigo 61, que considera como infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos de procedimento especial.

A lei dos Juizados Especiais Criminais Federais deu uma nova definição a um conceito já existente sobre o que são infrações considerados como de menor potencial ofensivo. Estipulou um rol de crimes para a sua jurisdição e, consequentemente, aumentou os que serão julgados pelos Juizados Especiais Criminais Estaduais. Esta questão sobre o aumento do rol dos Juizados Especiais Criminais Estaduais cria novas situações tanto na área penal material quanto na processual. Vejamos:

Primeiramente, a Justiça Federal não é considerada uma Justiça Especial. É, sim, Justiça Comum e simplesmente o fato de ser da esfera federal não justifica o tratamento diferenciado dado às duas Leis, no que se refere à conceituação do que sejam crimes de menor potencial ofensivo.

A figura da novatio legis in mellius deve ser aplicada aos Juizados Especiais Criminais Estaduais pois, como é lei posterior mais favorável ao agente, deve ser aplicada ao caso, ainda que decidido por sentença transitada em julgado (artigo 2º, parágrafo único do Código Penal). Ainda, temos o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, artigo 5º, inciso XL da CF/88 que diz: "A Lei Penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Uma eventual não aplicação deste princípio, por entender a palavra réu em sentido estrito, não deve ser aceita. Deve-se interpretar extensivamente para abranger o agente que está sendo submetido à execução da pena ou da medida de segurança. A lei que resultar em maior benefícios ao agente é que deve ser aplicada, pela ultratividade ou pela retroatividade. Neste caso, deve retroagir.

A retroatividade da lei nº 10259/01 à Lei nº 9099/95 se dá pelo elevação do máximo da pena abstratamente cominada para dois anos nas infrações considerados como de menor potencial ofensivo e pela supressão em seu conceito da expressão constante no artigo 61 da Lei 9099/95 "excetuados os casos de procedimento especial".

Deste modo, além de ampliar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo por meio da elevação da pena, a lei nova silencia a respeito das exceções estendendo o conceito de infrações de menor potencial ofensivo novamente.

Mirabete[3] entende que

ainda que assim não se entendesse, o artigo 2º, parágrafo único do CP, é taxativo, assegurando a aplicação da Lei posterior mais benigna aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Não se infringe a regra constitucional que preserva a coisa julgada no artigo 5º, XXXVI, da CF, porque este dispositivo se refere apenas às garantias individuais e não aos direitos do Estado como titular do jus puniendi.

Outro princípio que fundamenta o aumento do rol dos crimes considerados como de menor potencial ofensivo junto aos Juizados Especiais Criminais Estaduais é o princípio da isonomia, assegurado pela CF/88 no artigo 5º, onde diz que todos são iguais perante a Lei, significando que a mesma lei e seu sistema de sanções devem ser aplicadas a todos que praticarem o fato típico nela definidos como crime.

Assim, o conceito de crime de menor potencial ofensivo deve ser aplicado igualmente para todos que infringirem a norma penal, não podendo haver diferenciações entre as duas leis em estudo. As duas são leis federais, o que as difere são as suas áreas de jurisdição, ou seja, federal e estadual.

Disto decorre um fator de extrema importância: a aplicação da Lei Processual Penal no tempo.

A Lei nº 10259/01 é norma jurídica de natureza mista, ou seja, trata de dispositivos materiais e processuais concomitantemente. Por isso, o constante no artigo 2º do Código de Processo Penal que diz que "a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior", não pode ser aplicado sem antes verificar o disposto no artigo 2º, parágrafo único do Código Penal. Capez[4] explica que

se a norma processual penal possuir também caráter material penal, aplicar-se-ão, quanto a sua disciplina intertemporal, as regras do artigo 2º e parágrafo único do Código Penal, recepcionadas pelo artigo 5º, XL da Constituição Federal; em outras palavras, atribuir-se-á efeito retroativo ao dispositivo que for mais favorável ao réu.

Assim, a partir de agora, as ações dos crimes em que a pena máxima não ultrapasse dois anos e que antes não eram da Jurisdição dos Juizados Especiais Criminais Estaduais, também, por ser de procedimento especial, deverão ser iniciadas através de Termo Circunstanciado de Ocorrência e seguirão os mesmos ritos que a Lei n. 9099/95 prevê, como as fases preliminar, transação penal, procedimento sumaríssimo como também, a modificação na suspensão condicional do processo previsto no artigo 89 da lei supra citada.

Devem ser, também, revisadas as ações anteriores mesmo que já decididas por sentença condenatória transitada em julgado e, conseqüentemente, beneficiar o agente que está sendo submetido à execução da pena ou da medida de segurança.

O não acatamento desses novos crimes considerados como de menor potencial ofensivo na jurisdição dos Juizados Especiais Criminais Estaduais após a vigência da Lei nº 10259/01 ou então, a não revisão de ações anteriores à mesma, será inconstitucional por violar os princípios constitucionais da retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu e o da igualdade perante a lei.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 3ª ed. São Paulo, Saraiva., 1999.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. V. 1. Parte Geral.

São Paulo: Atlas, 2000.

PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado Especial Criminal.

Aspectos Práticos da Lei 9099/95. 3ª ed. São Paulo. Atlas, 1999.

Constituição da República Federativa do Brasil. Colaboração de

Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos

Windt e Lívia Céspedes. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Organização Juarez de

Oliveira. São Paulo. Saraiva, 1995.

Código Penal. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a

Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luiz Eduardo Alves de Siqueira. 39ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

Código de Processo Penal. Coordenação Maurício Antônio Ribeiro Lopes. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Lei n. 10259. www.senado.gov.br. Legislação.


Notas

1.PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado Especial Criminal. Aspectos Práticos da Lei 9099/95. 3º ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 18.

2.JESCHECK, Hans- Heinrinch. Tratado de derecho penal: parte general.p. 70-71, apud Júlio Fabrini Mirabete, Manual de Direito Penal, vol. 1, 16 ed. São Paulo, Atlas, 2000,p. 119.

3.MIRABETE, Júlio Fabrini. Obra citada. p. 63.

4.CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 47.

Sobre a autora
Aline Seabra Toschi

advogada em Anápolis (GO), especializanda em Processo Penal pela UFG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOSCHI, Aline Seabra. Considerações sobre a Lei dos Juizados Especiais Federais.: Infrações de menor potencial ofensivo e suas implicações.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2709. Acesso em: 23 dez. 2024.

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