INTRODUÇÃO
A criminologia é uma ciência de natureza autônoma que estuda as causas e os efeitos do crime baseada no estudo do homem delinqüente, observando o seu comportamento e sua conduta. Possui como objetivos desenvolver métodos preventivos e ostensivos contra a criminalidade, bem como oferecer soluções que facilitarão o trabalho da justiça quanto à aplicação de medidas punitivas.
Considerando que a sociedade contemporânea vive por um momento de transição, devido aos fenômenos econômico-sociais da Globalização, desencadeou o surgimento de novas formas de criminalidade, esta, mais qualificada e mais ameaçadora ao Estado e seus cidadãos.
Com o início dos anos 80, houve um aumento da criminalidade urbana, principalmente do tráfico de drogas e dos crimes contra o patrimônio, o que exigiu uma postura diferente e uma maior intervenção do Estado para resolução dos problemas de segurança pública.
Diante desse contexto, criminólogos, em determinadas partes do mundo, passaram a desenvolver as suas investigações aos serviços das próprias instâncias formais de controle, surgindo assim, a Criminologia Administrativa.
Tal vertente da Criminologia surgiu como reação à ascensão da criminalidade, defendendo a idéia de utilização de elementos eletrônicos como meios eficazes na prevenção da criminalidade.
Igualmente, a criminologia administrativa apresenta como peculiaridade a renúncia à descoberta das causas dos crimes e afirma que o crime é, em muitos casos, oportuno e, fruto de uma decisão fundamentada do autor.
De início, faremos uma breve análise da evolução histórica do pensamento criminológico até as correntes criminológicas que surgiram ao mesmo tempo com a Criminologia Administrativa que passaram a pautar o pensamento da Criminologia Contemporânea.
Em um segundo momento, analisaremos a Criminologia Administrativa, compreendendo seu contexto histórico, suas idéias e a sua correlação com as outras correntes criminológicas contemporâneas.
E por fim, faremos um panorama da aplicação da Criminologia Administrativa, mostrando as políticas criminais inspiradas nesta vertente criminológica.
Em razão desses aspectos, o presente trabalho visa, não apenas analisar a Criminologia Administrativa, mas também, demonstrar a mudança do paradigma da Criminologia contemporânea.
1.ESBOÇO HISTÓRICO DA CRIMINOLOGIA
1.1.Evolução histórica do pensamento criminológico
A Criminologia é uma ciência do “ser”, ou seja, aquela que aspira compreender e elucidar a realidade. Já o Direito caracteriza-se como uma ciência do “dever ser”. Ao passo que o Direito aprecia o fato, determinando-o ou não como algo nocivo para a coletividade; a criminologia o analisa e explica como um fenômeno real.
A Criminologia possui como um dos seus objetos de estudo o delito. É bem verdade que sabemos pouco sobre a história do crime. Geralmente, nos livros de criminologia encontramos a história da criminologia propriamente dita, mas não a história do crime como tal. Algumas pesquisas históricas específicas revelam questões pontuais que ligam o início do estudo do crime na França e Inglaterra1.
É certo que, desde antiguidade, alguns autores já escreviam sobre o crime. Platão viu o crime como sintoma de uma doença cujas causas seriam: as paixões (inveja, ciúme, ambição, cólera), a procura do prazer e a ignorância. Aristóteles, por sua vez, considerava o criminoso como um inimigo da sociedade que deveria ser castigado e imputou na miséria a causa do crime. São Tomás de Aquino, também entendia a miséria a causa do crime; Morus analisava o crime como reflexo da própria sociedade e por fim; Della Porte desenvolveu seus estudos a partir das observações dos cadáveres de vários criminosos estabelecendo uma conexão entre as formas dos rostos dos delinqüentes com o crime2.
Essas ideias influenciaram posteriormente as escolas criminológicas, conforme veremos a seguir.
Inicialmente, podemos considerar a existência de um período clássico na história da evolução da ciência da Criminologia. Tal período clássico ou "a idade dos pioneiros" refere- se às teorias do crime, direito penal e as sanções, desenvolvidos em vários países da Europa durante o século XVIII e início do século XIX, tendo como referência, em particular, os trabalhos de Jeremy Bentham na Inglaterra, da Anselm Von Feuerbach na Alemanha e Cesare Beccaria na Itália3.
A obra de Beccaria: De los delitos y de las penas (1764) é tida como marco histórico da Criminologia. A aludida obra expõe conceitos como à efetividade e utilidade das penas, bem como a necessidade de decisões céleres, de modo a garantir a punição, e que tivessem eficácia na prevenção de delitos. Já Bentham, transmitiu conceitos como o de proporcionalidade das penas, e sobrepôs a isso a idéia de que o castigo imposto deve ser útil e servir para justificar a exclusão de um mal grave que é o delito, aliado às idéias de um Direito Penal preventivo4.
As contribuições da Escola clássica justificam seu reconhecimento como o marco inicial do estudo da criminologia como ciência. Possui como enfoque a análise do delinqüente, além de defender a aplicação de uma pena que fosse justa, proporcional e útil. Tal legado persiste até os dias de hoje no pensamento criminológico.
O positivismo é considerado a primeira escola da Criminologia. Refere-se às teorias desenvolvidas na Europa entre o final do século XIX e início do século XX. Trata-se, em particular, da escola sociológica francesa (Gabriel Tarde), da escola sociológica da Alemanha (Franz Von Liszt), mas, sobretudo, na escola positiva da Itália (Cesare Lombroso, Enrico Ferri, Raffaele Garofalo)5.
Lombroso, em sua obra L'uomo delinqüente (1876), considerou o crime como um fenômeno necessário, como o nascimento, morte, concepção, verificado por causas biológicas da natureza principalmente hereditária. A visão antropológica de Lombroso foi mais tarde ampliada por Garofalo, acrescentando fatores psicológicos ao crime e, por fim; Ferri, considerou também a influência de fatores sociológicos as causas dos crimes.
O pensamento criminológico da Escola Clássica ficou marcado pela teoria do “criminoso nato”, a qual defendia que os criminosos já nasciam com uma espécie de disfunção patológica que os levariam à prática do crime. O criminoso é levado a cometer o crime por um determinismo.
Todavia, esse pensamento não perdurou por muito tempo. Nasceu a Sociologia Criminal, iniciada por Ferri, período que compreende todas as doutrinas que se levantaram para combater a teoria lombrosiana. Considerando os fatores exógenos como os mais importantes ocasionadores do delito, rechaçando assim, a idéia de que os valores endógenos eram causadores de criminalidade. O objeto de estudo é a delinqüência como fenômeno social ou de massa. Augusto Comte e Adolphe Quetelet também desenvolveram teorias importantes nessa escola6.
Ainda na seara da sociologia criminal, destacamos também as teorias oriundas da Criminologia americana. Com início, nas décadas de 20 e 30, à sombra da Universidade de Chicago, Park e Burguess com a teoria ecológica encaram o crime como sendo um fenômeno ligado a uma área natural, afrontando-se com problemas como o “ghetto”. Outras teorias que marcaram a evolução histórica do pensamento criminológico que se encontram inseridas na criminologia americana foram à teoria da delinqüência juvenil de Cohen, a teoria da anomia de Merten e a teoria da associação diferenciada de Sutherland7.
Resumindo, a Sociologia Criminal concentra-se suas idéias nos fatores sociais da delinqüência (morais, econômicos, políticos, raciais, climáticos, educacionais etc.), ou seja, ela trata o crime como fato social.
No inicio dos anos 60, surgiu a Criminologia Crítica causando uma verdadeira revolução no pensamento criminológico. Antes, o cerne do pensamento era a figura do “delinqüente” ou mesmo o “crime”; agora, passou a ser, sobretudo, o próprio sistema de controle. Ao invés de questionar por que é que o criminoso comete crimes, passou a indagar-se porque é que determinadas pessoas são tratadas como criminosos e quais as conseqüências desse tratamento e qual a fonte da sua legitimidade. Os mecanismos de seleção das instâncias de controle constituem o campo natural desta nova criminologia8.
Do mesmo modo, houve uma expressiva ruptura metodológica e epistemológica com a criminologia tradicional. Observou-se o abandono do paradigma etiológico-determinista (sobretudo no plano individual), bem como a substituição de um modelo estático e descontínuo de abordagem do comportamento desviante por um modelo dinâmico e contínuo. Podemos destacar as três teorias mais relevantes desta perspectiva que comprovam a mudança de paradigma: o labeling approauch, a etnometodologia e a criminologia radical ou marxista9.
Portanto, percebemos que Criminologia nesta fase não estava preocupada em estudar as características de quem a desviou, mas tão somente, os verdadeiros motivos que levavam os criminosos a prática do crime. Autores como Becker, Lemert, Garfinkel, Shutz, Platt e Baratta contribuíram para o desenvolvimento da Criminologia Crítica.
Após esse período, alguns observadores diagnosticaram que estava ocorrendo na Criminologia uma mudança de paradigma10. Outros como Muñoz Conde e Hassemer, defenderam que este diagnóstico foi pretensioso e exagerado, haja vista que uma mudança de paradigma é uma revolução científica. Ademais, as abordagens interacionistas certamente enriqueceram a Criminologia, mas não a revolucionaram11.
Controversas a parte, é certo que o pensamento criminológico ao longo dos anos sofreu várias transformações e, de certo modo, acarretaram mudanças de paradigmas do mesmo. Conforme veremos a seguir.
A Criminologia Contemporânea ficou marcada pela consolidação da mudança do paradigma etiológico para o paradigma da reação social para a explicação do crime. Diante disso, surgiram várias teorias criminológicas após a segunda guerra mundial e, principalmente, nos anos 80, preocupadas com expansão do crime na sociedade, vejamos algumas delas:
A Teoria da Atividade de Rotina foi desenvolvida, por Cohen e Felson em 1979. Os autores defendem que a mudança nos padrões de atividades rotineiras das pessoas poderia afetar as taxas de criminalidade.
Igualmente, o crime resulta das oportunidades proporcionadas pela convergência de três fatores principais: delinqüentes motivados; alvos apropriados e ausência de um guardião capaz de prevenir sua prática12.
Ademais, ignora a etiologia do comportamento criminoso, O pressuposto é que sempre haverá indivíduos na sociedade em diferentes graus motivação aptos a cometer o crime a depender das oportunidades e de uma avaliação racional dos riscos e recompensas13.
Nesta perspectiva, o crime ocorre como resultado das oportunidades decorrentes da rotina da vida cotidiana. O objetivo é desenvolver políticas públicas com o intuito de aumentar os riscos e reduzir as recompensas do crime, desta forma o evitando. A teoria da atividade de rotina foi alvo de críticas por ignorar fatores sociais, econômicos e culturais.
As mulheres também foram foco de estudo da Criminologia contemporânea. Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, elas começaram a ganhar espaço na sociedade e poder econômico. Perceberemos que a Criminologia Feminista está inserida à luz dos conflitos econômicos e sociais decorrentes da mudança de comportamento da mulher no seio da sociedade.
Ao longo dos anos, o crime era associado ao sexo masculino em sua grande parte. Contudo, desde a década de 60 do século passado, a associação entre o crime e o sexo feminino vem ganhando destaque, haja vista o número crescente de prisões de mulheres. Desta forma, surgiram três correntes que tentam explicar a criminalidade feminina: Teoria das oportunidades e libertação das mulheres, do conflito e feministas14.
Essas foram algumas das teorias que permearam o pensamento da Criminologia contemporânea. Não podemos deixar de citar também os movimentos de Realismo de Direita, Idealismo de Esquerda e Criminologia Pacificadora que também contribuíram para o pensamento moderno. Como também, a teoria da Escolha Racional e a Teoria da Prevenção Situacional que serão análise de estudo mais a frente.
Posto isso, após recordarmos as tendências do passado e pontuarmos as do presente, passaremos a analisar de forma minuciosa a Criminologia Administrativa, mais uma das vertentes dominantes da Criminologia Contemporânea.
2.CRIMINOLOGIA ADMINISTRATIVA
2.1 - Contexto Histórico
Com o início dos anos oitenta, testemunhamos, quer nos Estados Unidos quer em vários pontos da Europa, uma nova mudança no paradigma da criminologia, ou seja, uma diminuição da perspectiva crítica na criminologia e o ressurgimento de algumas características geralmente associadas ao pensamento positivista15.
Um relevante número de criminólogos passaram a desenvolver suas investigações ao serviço das próprias instâncias formais de controle. Retornando a visão da Criminologia como essencialmente auxiliar, instrumental em relação ao Direito Penal e à Política Criminal16.
René Van Swaaningen asseverou que os anos 80 foram caracterizados por uma tendência para voltar “ao normal”, ou seja, voltar ao positivismo17.
Tais idéias encontram um público favorável entre políticos conservadores da década de 80 em ambos os lados do Atlântico. O inglês Jock Young foi o primeiro criminólogo a usar o termo 'criminologia administrativa'. Também merecem destaque na Criminologia Administrativa o americano neo-conservador James Q. Wilson e o também americano Ronald Clarke que ajudaram a definir as bases do pensamento da corrente em destaque18.
2.2 - Os Aspectos da Criminologia Administrativa
A Criminologia Administrativa surgiu como uma reação ao avanço da criminalidade, com a proposta de substituir o Estado Social pelo neoliberalismo e fazendo uso dos avanços tecnológicos19.
Para isso, pauta suas atividades através da utilização de câmeras de vídeos nas ruas, toques de recolher, uso da força policial, monitoramento eletrônico e outras formas de combate preventivo aos crimes, objetivando eliminar ou minimizar as condições que estimulam o cometimento de crimes20.
Os defensores desta Criminologia acreditam na idéia de que o crime é, em muitas vezes, oportuno, fruto de uma conjugação de fatores circunstanciais; ignorando as explicações voltadas para a pobreza ou na estrutura social21.
Vale salutar que a mencionada corrente possui como natureza exclusivamente preventiva e repressiva, não se preocupando com as possíveis causas dos crimes.
Dessa forma, a Criminologia Administrativa age antes do cometimento do crime e não visa apenas ser aplicada a uma só pessoa, mas a um grupo ou categorias de pessoas (jovens, imigrantes, negros, pobres, etc).
James Q. Wilson, alerta que mesmo na hipótese de que o crime foi causado por fatores endógenos ou exógenos, a melhoria das condições sociais pouco podia fazer para combatê-los. Segundo o mesmo, o agressor antes de agir, faz uma escolha moral, por vezes, influenciado por circunstâncias exógenas, todavia na maioria dos casos, por uma decisão fundamentada. O criminoso acredita que o crime é a “melhor” solução para o seu problema22.
Wilson ainda preconiza que o tipo de sociedade em que a reabilitação do condenado era viável, desapareceu. Conseqüentemente, o pragmatismo é a "prevenção situacional"23.
Em resumo, podemos dizer que o agente possui a capacidade de escolher uma solução diferente para o seu problema; todavia, opta pelo crime, por achar mais conveniente aos seus objetivos. Ademais, o fato do delinquente ter o controle da situação e mesmo assim pratica o delito, o instituto da reabilitação passou a ser questionada na sociedade de risco.
A criminologia administrativa apresenta uma especialidade: renúncia à descoberta das causas dos crimes. Tal renúncia é justificada pela idéia que tentar descobrir as causas do crime levaria ao lapso e a negligência no tocante à aplicação de medidas de política criminal, essas sim, importam na luta contra a criminalidade24.
Deste modo, pouco importa as origens ou as causas do crime para esses criminólogos. Ora, não é dever da criminologia ou do Direito Penal tentar descobrir as causa ou fatores dos crimes, mas sim, procurar formas de solucioná-los, ou seja, desenvolver métodos ou traçar diretrizes que busquem prevenir ou eliminar o crime e seus efeitos.
Podemos perceber que a criminologia administrativa concentra-se sobre o crime. Ela defende que os infratores são 'pessoas racionais' que ponderam os custos e benefícios antes de cometer um determinado crime.
Os postulados da Criminologia Administrativa podem ser resumidos como:
A) A indiferença para com a etiologia;
B) A negação de que o crime tem a sua fonte em circunstâncias sociais;
C) A infração reflete uma escolha racional;
D) É possível prevenir o crime.
Dentre os postulados, gostaria de destacar as afirmações de que o crime não tem sua fonte em circunstâncias sociais e que ele reflete de uma escolha racional. Em nossa opinião, a ratificação dessas idéias mostra os avanços do pensamento criminológico ao longo do tempo.
Desde o início da Criminologia, o crime foi associado às características físicas do agente ou justificado nas condições sociais do mesmo. No entanto, ao longo da evolução do pensamento criminológico, essas premissas foram perdendo credibilidade ao tempo em que ficava cada vez mais evidente que tais dogmas não condizem com a realidade. O crime de colarinho branco é um excelente exemplo para demonstrar que a pobreza ou “características físicas” não são causas determinantes do delito.
A idéia de que o crime é fruto de uma escolha racional, em nossa opinião, é a forma mais coerente em explicar a questão da criminalidade; pois, por mais que existam influências exógenas ao agente, ele será sempre capaz, dentro da sua racionalidade, escolher o caminho do crime ou não.
Nas palavras de Young, “o crime, como todas as outras formas de comportamento, envolve uma escolha moral em algumas circunstâncias limitadoras”25.
2.3 Méritos
Um dos méritos da Criminologia Administrativa foi a sua associação aos conceitos da Teoria da Prevenção Situacional e da teoria da Escolha Racional do crime. Ela fugiu das tradicionais abstrações criminilógicas e considerou as circunstâncias do tempo e do espaço que condicionam a experiência da escolha do autor26.
Para uma melhor compreensão, preferimos abordar as referidas teorias neste momento, haja vista a co-relação existente entre o pensamento da Criminologia Administrativa e as respectivas teorias contemporâneas.
A Teoria da Escolha Racional pode ser definida como aquela que defende o delinqüente como indivíduo livre e racional que opta pelo crime e, virtude de uma decisão guiada por critérios subjetivos de utilidade27.
Possui como pressuposto a idéia de que há muitos potenciais infratores 'lá fora' na sociedade. Ademais, analisam as circunstâncias sob as quais um indivíduo decide ir à frente e cometer um crime. Uma vez entendida esta razão pela escolha, procura-se fomentar intervenções destinadas a alterar essas circunstâncias, ou seja, circunstâncias de prevenção do crime28.
Basicamente, os defensores da Teoria da Escolha Racional (tendo como precursor Ronald Clarke) estão preocupados com a redução das oportunidades disponíveis para o agressor em potencial. O objetivo é diminuir as oportunidades dos crimes.
Já a Teoria da Prevenção Situacional foi elaborada sob a conjectura da seletividade do crime, que afirma que o crime é "uma opção reflexiva, calculada, oportunista, que pondera os custos, riscos e benefícios em função sempre de uma oportunidade ou situação concreta" 29.
Além disso, não se preocupa com as “causas” do delito, apenas por suas manifestações ou formas de aparição, desenvolvendo meios que limitam as “oportunidades” de seu cometimento (variáveis temporais, espaciais, situacionais, etc)30.
Igualmente, centra todas as suas investigações e programas de intervenção na delinqüência utilitarista das baixas classes sociais urbanas. Tentando prevenir eficazmente o crime, sem analisar a origem dos problemas sociais e abdicando das raízes profundas do problema criminal31.
Portanto, caracteriza-se por uma não preocupação com a busca de explicações teóricas para a criminalidade. O seu objetivo é impedir a prática dos delitos diminuindo as oportunidades na sua formação32.
Assim sendo, a Teoria da Escolha Racional e a Prevenção Situacional corroboram a idéia de que na origem do crime está em uma ponderação das possíveis vantagens e desvantagens a ele associadas; sendo assim, o mesmo poderá ser evitado com a introdução de modificações exteriores idôneas que restrinjam as oportunidades para o seu cometimento33.
Por fim, após essa breve análise sobre as mencionadas teorias, verificamos a importância das mesmas para construção do pensamento da Criminologia Administrativa e para a evolução do pensamento criminológico.
2.4 Críticas
No tocante as críticas, podemos considerar que esta forma de fazer criminologia poderá, caso não adotem as devidas cautelas, contribuir de forma acentuada para um “apagamento” dos delitos daqueles que tem poder para influenciar as investigações34.
Tal afirmação é pertinente e perigosa, haja vista que levanta a possibilidade de manipulação, em sítios desenvolvidos, pelos “poderosos” que estão com o controle das investigações nas mãos na contabilização das taxas de criminalidade.
P. Sorokin35 vai mais além, afirma que na Criminologia Administrativa não há nada de novo: combinação de amnésia e "complexo descobridor". Para ele, os cientistas criminais defensores desta, ignoram ou fingem ignorar o passado, fingindo descobrir idéias conhecidas por um longo tempo; pois, as idéias básicas da Criminologia Administrativa já aparecem na "substituição penal" de Enrico Ferri, e no Programa de Lizt, por isso não é nada novo36.
2.5 Políticas Criminais
Nas palavras de Zaffaroni, política criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados juridicamente e penalmente pelo Estado, escolhendo os caminhos para efetivar tal tutela37.
Os postulados da Criminologia Administrativa inspiraram algumas políticas criminais, senão vejamos.
2.5.1 Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory)
A idéia da Teoria das Janelas Quebradas surgiu no famoso artigo “Broken Windows: the police and neighborhood safety” de autoria de James Q. Wilson e George Kelling em 1982. Tal idéia defendia que uma pequena infração, quando tolerada, pode levar ao cometimento de crimes mais graves, em função de uma sensação de impunidade pertinentes em determinadas áreas da cidade: “Psicólogos sociais e chefes de polícia tendem a concordar que se uma janela de um prédio é quebrada e não é consertada, todas as demais janelas serão imediatamente quebradas”38.
A Teoria é explicada através de um exemplo assaz peculiar e inspirada em uma experiência executada por um psicólogo americano Philip Zimbardo onde o mesmo citou o seguinte exemplo: Dois carros foram abandonados em duas diferentes ruas e cidades. Um em Palo Alto/Califórnia e outro no Bronx/Nova York. O carro abandonado no bairro do Bronx fora imediatamente depenado. A maior parte dos vândalos estava bem vestida e eram brancos. O carro, em condições análogas, parado em um bairro de classe alta em Palo Alto, não foi tocado no prazo de uma semana. Todavia, após quebrar uma janela, passado poucas horas o automóvel estava totalmente danificado e roubado por grupos vândalos e até pessoas “respeitáveis” que por ali passavam39.
Segundo os autores, a explicação da diferença das posturas das comunidades explica-se pela sensação de anomia no Bronx, pela freqüência com que carros são abandonados e coisas são roubadas. Em contrapartida, no bairro de Palo Alto, após uma simples infração (uma janela quebrada), atraiu a atenção dos vândalos para o veículo e o mesmo fora totalmente depreciado40.
Destarte, a Broken Windows Theory é baseada na premissa de que "desordem e crime estão, em geral, inextricavelmente ligadas, num tipo de desenvolvimento seqüencial". Segundo os autores, pequenos delitos (ex.: pichação e vadiagem), se tolerados, poderão levar a crimes maiores. Por fim, acastelam ainda que se um criminoso pequeno não é punido, o criminoso maior se sentirá seguro para atuar na região da desordem41.
Podemos resumir a Teoria das Janelas Quebradas em quatro elementos principais:
(a) Ao combater a desordem e aos pequenos marginais, a polícia acaba ficando mais bem informada e se põe em contato com os autores de crimes mais graves, prendendo também os mais perigosos;
(b) a alta visibilidade das ações da polícia e de sua concentração em áreas caracterizadas pelo alto grau de perigo, protege os bons cidadãos e, ao mesmo tempo, enuncia mensagem para os maus mostrando que suas atitudes não serão mais toleradas;
(c) os cidadãos começam a retomar o controle sobre os espaços públicos, movendo-se para o centro dos esforços de manutenção da ordem e prevenção do crime;
(d) Cooperação mútua entre os cidadãos e a polícia, na medida em que os problemas relacionados à desordem e ao crime deixam de ser responsabilidade exclusiva da polícia e passam a envolver toda a comunidade42.
Com base nestes elementos, percebemos que um dos fundamentos da teoria das janelas quebradas é a prevenção do crime realizada com a presença constante da polícia no meio da comunidade (característica da Criminologia Administrativa). O policiamento comunitário torna-se, portanto, peça fundamental na prevenção do crime. Kelling defende a idéia do "foot patrol", ou seja, do patrulhamento a pé na comunidade; segundo o autor, a medida é mais eficaz em no controle da criminalidade.
Todavia, a aludida teoria sofreu muitas críticas dentre elas: A respectiva política criminal não se preocupa com a reabilitação, tendo em vista que propõe a punição pela punição. Igualmente, ela não prega a reforma do "desordeiro", mas tão somente a sua punição e exclusão da sociedade, tornando-o alguém que necessita ser controlado, removido e observado43.
Portanto, a idéia central do tema é resolver os problemas quando eles são pequenos. Quando uma janela está quebrada e ninguém conserta, é sinal de que ninguém liga para o local; logo, outras janelas serão quebradas.
Em suma, a aplicação da Teoria das Janelas Quebradas como modelo de política criminal proporciona a diminuição do crime de pequena escala ou comportamento anti-social é diminuído, bem como, a prevenção do crime de grande escala, como resultado da diminuição dos crimes de menor importância.
Por fim, entendemos que o maior legado dessa teoria é nos fazer refletir sobre a idéia de que alvos fáceis ou com pouca vigilância incentivam a ação dos criminosos, independente, da presença ou ausência de fatores criminógenos clássicos.
2.5.2 Tolerância Zero
Após o término da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos viveram um período de elevado aumento nos parâmetros sociais, geração de empregos e segurança econômica.
Todavia, no início dos anos 80, em virtude de conflitos sindicais e instabilidades políticas, a economia americana ficou abalada e provocou conseqüências sociais marcantes em suas grandes cidades. Os índices de criminalidade passam a crescer e o velho sistema construído nos anos anteriores não mais dá conta do enfrentamento do problema criminal.
No início da década de 90, o candidato pelo Partido Republicano, Rudolph Giuliani, foi eleito prefeito de Nova York, com uma plataforma de governo “dura” contra os criminosos, declarou guerra ao crime. Giuliani nomeou William Bratton, ex-chefe do Departamento de Trânsito de Nova York, para ser comissário de polícia de Nova York, outorgando amplos poderes para enfrentar os problemas criminais da cidade44.
Neste contexto, em Nova York foi criada a política de tolerância zero para combater a criminalidade; todavia, tal política se tornou um símbolo da luta contra os “parasitas sociais” que ameaçavam o bem-estar dos “bons cidadãos”.
Desta forma, criou-se de um modelo repressor e violador, inclusive, de direitos humanos, sob o prisma de que as desordens sociais são frutos das baixas taxas de coeficiente de inteligência, ou seja, os pobres são pobres e delinqüentes porque possuem capacidade mental e moral inferior aos demais, sendo inútil a destinação de recursos para os mesmos, haja vista a ineficácia da medida.
O referido programa foi inspirado, em grande parte, pela teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory) de autoria de James Q. Wilson e George Kelling. Como já vimos, tal idéia preconiza que uma pequena infração, quando tolerada, pode levar ao cometimento de crimes mais graves, em função de uma sensação de impunidade.
Entre as medidas iniciais do programa, destacamos:
(a) A descentralização do policiamento da cidade. Incumbindo ao chefe de cada distrito policial prestar contas da redução da criminalidade.
(b) A Introdução de um sistema computadorizado de mapeamento dos atos criminosos (COMPSTAT da sigla em inglês: computerized mapping system). O respectivo sistema recebeu suporte de câmeras de monitoramento externo auxiliaram no controle de verificação dos crimes45.
Além disso, uma das principais características desta política é o maior rigor na punição de crimes menores para prevenir crimes mais graves, o que fere, na maioria das vezes, o princípio da proporcionalidade.
Diante dessa situação, lavadores de pára-brisas foram perseguidos, grafiteiros foram presos e mendigos sobrepujados. A conduta de pular roletas no metrô deixou de ser tolerada. Prostituição e pornografia foram enfaticamente combatidas. O controlo era tão demasiado que até mesmo sentar-se na calçada passou a ser uma infração a ser jugulada pela polícia de Nova York46.
Com a adoção de tais medidas, Giuliani começou a divulgar a queda das taxas de criminalidade com bastante entusiasmo, em determinado período, houve queda de 70,6% da criminalidade. Porém, o mesmo omitiu algumas informações importantes: a queda acentuada do desemprego nesse período; a estabilização e exaustão do mercado de crack; a diminuição do número de jovens envolvidos no crime e a redução de 20% da criminalidade antes da aplicação da política. Também deixou de informar que outras importantes cidades americanas tiveram queda de criminalidade no mesmo período, sem aplicação de qualquer medida semelhante à Tolerância Zero47.
Prova disso, em San Diego, através da implantação de uma política de policiamento comunitário, apresentou queda de 76,4% na taxa de homicídios no mesmo período. Boston obteve índices de 69,3%, semelhantes aos de Nova York, utilizando uma política de envolvimento de líderes religiosos na prevenção de crimes. Houston e Los Angeles obtiveram índices de 61,3% e 59,3%, respectivamente, sem qualquer política coerente pré-determinada48.
Contudo, a aludida política criminal proporcionou alguns momentos lamentáveis em sua vigência. Dentre eles, destacamos as ações desumanas da polícia, como no caso de Abner Louima, imigrante sodomizado com um cassetete; Amadou Diallo, assassinado no hall do prédio onde morava com 41 tiros. Ademais, o Departamento de Polícia de Nova York recebeu a grave acusação de race profiling, isto é, a seleção de alvos do policiamento pela cor da pele e pelos jovens representantes de minorias (negros, latinos e imigrantes)49.
Podemos perceber que o programa de Tolerância Zero foi muito mais do que uma estratégia policial, simbolizou a expressão de um contexto em que predominou a descrença na reinserção do egresso do sistema punitivo, na busca da identificação das razões sociais últimas do crime, na transcendência das estruturas sociais, na superação do processo de exclusão produzido e reproduzido diariamente nas relações sociais50.
Portanto, podemos assim dizer que este modelo americano de política criminal ficou marcado por uma política seletiva e excludente, que funciona apenas como instrumento de controle social.
Aliado a isso, ficou também caracterizado pelo uso da força violenta e desproporcional. Inclusive, passou-se a reprimir todo tipo de desordem social, ainda que isso não significasse necessariamente um crime, sendo isso uma das maiores críticas.
Em suma, esta política foi aquele que mais transpareceu a idéia do Darwinismo Social. “Aqueles que não se encaixam na sociedade de consumo são os responsáveis pelo seu próprio destino”.51
Polêmico ou não, o movimento de Tolerância Zero conseguiu mostrar na prática o pensamento da Criminologia Administrativa utilizando-se câmeras de segurança e da atuação rígida das autoridades policiais nas ruas.