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Tutelas de urgência e devido processo constitucional

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4 AS TUTELAS DE URGÊNCIA COMO PROVIMENTOS ANTECIPATÓRIOS E O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL

As tutelas de urgência são sempre objeto de discussão e pesquisa entre os doutrinadores, especialmente frente às novas teorias processualistas, as quais constitucionalizam o processo, dando-lhe nova interpretação sob a ótica da Constituição Federal.

A grande polêmica que surge com relação às tutelas de urgência refere-se à sua adequação ao devido processo constitucional. Afinal, trata-se de provimentos antecipatórios, os quais são concedidos, na maioria das vezes, sem que a parte contrária se manifeste, uma vez que o grande objetivo das tutelas de urgência é o gozo dos direitos fundamentais em curto tempo. Sendo, portanto, dispensáveis o contraditório, a ampla defesa e a isonomia.

Por vezes, então, levanta-se a hipótese de que não se teria a observância do devido processo constitucional, com o efetivo exercício do contraditório, da ampla defesa, e respeito à isonomia, que são verdadeiras garantias fundamentais.

Contudo, a possibilidade de se obter a efetivação do direito, antes mesmo do provimento jurisdicional final definitivo, por meio das tutelas de urgência, não é capaz de afastar a observância do devido processo constitucional. Nesse sentido, Juliano Vitor Lima afirma:

Tais medidas consistiram no aprimoramento da técnica processual do procedimento ordinário, tornando possível a fruição do direito antes mesmo da coisa julgada material, por meio de decisão interlocutória, em qualquer espécie de procedimento, de forma que sua aplicação deve estar em  consonância com o devido processo legal, princípio  fundante  e autorizativo de sua utilização no direito pátrio.(LIMA, 2008)

Ademais, as tutelas de urgência não ficam sob o poder discricionário do juiz em concedê-las ou não. Desde que presentes os requisitos para sua concessão, o magistrado tem o dever de conceder as tutelas requeridas.

A tutela antecipada, cuja previsão legal está no art. 273, CPC[2], é direitos das partes processuais, e acabou gerando nova visão do procedimento ordinário. Nesse sentido, há que se considerar que esse procedimento, no qual se insere a antecipação da tutela, deve ser adequado ao princípio e garantia constitucional do devido processo legal, buscando-se o equilíbrio, conforme assevera Juliano Vitor Lima (LIMA, 2008).

Com relação à tutela cautelar, a doutrina tradicional entende que seu precípuo objetivo é a garantia dos procedimentos de conhecimento e execução, conforme é o posicionamento de mestre Humberto Theodoro Júnior ( THEODORO JR,2002). Todavia, na atual concepção do processo constitucionalizado, em um Estado Democrático de Direito, o qual se vivencia não se pode admitir a existência de um procedimento apenas para assegurar que outro seja útil (LIMA, 2008). O processo cautelar há de ser, portanto, visualizado com função própria, tendo por finalidade a tutela de bens, pessoas, ou até mesmo provas.

Leonardo Oliveira Soares entende que:

Do procedimento em contraditório, assim como do procedimento para a concretização do devido processo legal democrático, podemos perceber o papel garantístico do processo cautelar. Se as decisões no Estado Democrático de Direito se legitimam pela obediência à principiologia constitucional do processo, se o direito à simétrica paridade na construção das decisões é forma de expressão da liberdade e da dignidade humanas, é óbvio que os procedimentos cautelares, ao tutelarem o procedimento, servem ao princípio do devido processo legal. Daí vem a relação entre processo cautelar e devido processo legal: sempre que se fale em devido processo legal, ocorre que a procedimentalidade democrática sempre se desencadeia em seqüência de atos relacionados segundo prévia definição  legal.(SOARES, 2004)

No universo das tutelas de urgência, observam-se, ainda, as liminares que por vezes são concedidas. São as liminares que permitem a concessão das tutelas pretendidas initio litis, por meio dos provimentos antecipatórios, sem que seja instaurado o contraditório, fazendo com que o magistrado profira decisão sem que a parte adversa se manifeste.

Segundo Lima:

Uma outra questão que deve ser analisada com cuidado é no que se refere à concessão de liminares, pelo Poder Judiciário. Elas são uma técnica criada por doutrinadores adeptos da Teoria do Processo como Relação Jurídica, em que, sob a justificativa de uma “justiça rápida”, a fim de se atingirem a tal propalada “efetividade” do processo, permitem que antecipações de tutela da lei sejam concedidas pelos juízes, sem a oitiva da parte contrária. (LIMA, 2008)

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Ocorre que, a concessão das tutelas de urgência, por meio das medidas liminares, faz com que sejam realizados apontamentos de que se estaria ferindo o princípio do devido processo constitucional, uma vez que o ato de conceder a liminar se faz de forma a ignorar o contraditório, a ampla defesa e a isonomia, garantias fundamentais e inerentes ao processo. Para Lima, “uma vez admitindo medidas como esta, poderíamos dizer que não haveria sequer processo, mas somente um ‘rito’” (LIMA, 2008).

No Estado Democrático de Direito, sabe-se que a construção de decisão legítima no processo há de ser construída a partir da participação plena e efetiva das partes processuais. O que garante esta atuação dos interessados é o devido processo constitucional com a observância de todas as garantias constitucionais que visa assegurar, em especial: contraditório, ampla defesa e isonomia.

Destarte, diante das medidas liminares, muitos são os entendimentos de que seriam decisões ilegítimas, eis que não permitem a argumentação das partes. Nesse sentido:

Para ser democrático, o direito não pode ser aplicado a partir da fala de um só. Daí que as liminares, em tutelas de urgência, tornam-se decisões ilegítimas, eis que não passam pela possibilidade obrigatória e fundamental de argumentação das partes. A efetividade do processo, dita reiteradas vezes aqui, passa pela observância do devido processo constitucional, que não envolve apenas a celeridade, mas também, todos os direitos fundamentais que o instituem: ampla defesa, contraditório, isonomia, direito ao advogado, gratuidade postulatória e duração razoável do processo. Democráticas serão as decisões, desde que produzam resultados a partir do campo argumentativo daqueles sobre os quais seus efeitos recairão, sem o que não se terá devido processo, mas mero procedimento. (CASAGRANDE, 2007)

Lança-se, portanto, o grande desafio do Poder Judiciário: a utilização das liminares, na intenção de se ter a efetividade do processo, sem que o direito fundamental ao devido processo constitucional – com a garantia ao contraditório, ampla defesa e isonomia, que lhe são inerentes – seja violado.

Ocorre que a doutrina pós-moderna, vem entendendo que as tutelas de urgência não violam o devido processo constitucional, visto que possuem finalidade de implementação imediata de direitos fundamentais:

As tutelas de urgência caracterizam-se não por serem a solicitação jurisdicional dependente de uma cognição exauriente, mas manifestação de existência de provimento prévio de fruição de direitos já acertados antecipadamente ao procedimento judicial e, por esta razão, não envolve risco e nem magicidade do julgador. Tais procedimentos têm como conteúdo os direitos fundamentais, cujo exercício não pode ser obstado sob pena de lesão à democracia e à cidadania. A urgencialidade que as qualifica é justamente a certeza e a liquidez de que estão revestidos os direitos em apreço. (LIMA, 2008)

 O entendimento é de que os direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, já passaram pelo devido processo legal em âmbito legislativo e devem ter aplicabilidade plena e imediata, sendo dotados de certeza e liquidez. Portanto, as tutelas de urgência que pretendam assegurar, ou mesmo efetivar, algum dos direitos fundamentais, jamais violarão o devido processo constitucional, visto que esse já fora anteriormente assegurado.

As tutelas de urgência, nesse sentido, deixam clara a sua importância e utilidade processual, ao garantirem que direitos fundamentais, que de alguma forma se encontram ameaçados ou lesionados, sejam garantidos e implementados, especialmente nas situações em que se faça necessária uma resposta imediata.


CONCLUSÃO

É perceptível que no Estado Democrático de Direito, no âmbito do Direito Processual, existem direitos fundamentais que se conflitam e podem gerar consequências na formação do provimento final do processo.

Ademais, convive-se com a morosidade processual que por vezes precisa ser superada e, assim pode ser feito com as tutelas de urgência, seja por meio da tutela cautelar, seja pela tutela antecipada.

Contudo, até mesmo na concessão das tutelas de urgência, que se delineiam em situações excepcionais, há de ser observado o devido processo constitucional, com todas as garantias que lhe são inerentes, quais sejam contraditório, ampla defesa e isonomia.

Já está claro que a decisão judicial, inclusive liminar, para ser legítima, deverá ser construída com a participação dos sujeitos processuais que poderão atuar no processo, observando-se o princípio do devido processo constitucional. A não observância desse devido processo, por vezes ilegítima as decisões jurisdicionais, visto que a participação dos destinatários é imprescindível.

Dessa forma, parte da doutrina aponta que na concessão das tutelas de urgência podem-se ter decisões ilegítimas, visto que não se garante o contraditório e a ampla defesa.

Contudo, conforme preceitua a doutrina pós-moderna, que entende que processo e Constituição Federal se integram, tendo-se visão constitucionalizada do processo, os direitos constitucionais, quando constituídos, passam pelo devido processo. Assim, as tutelas de urgência ao permitirem a imediata efetivação desses direitos em nada viola o princípio do devido processo constitucional, uma vez que já fora anteriormente observado.

As liminares proferidas nos casos de tutelas de urgência, portanto, possui legitimidade suficiente e exigível às decisões jurisdicionais, uma vez que buscam apenas efetivam direitos fundamentais constitucionalmente previstos e que estejam sob ameaça ou lesados.

Deve-se, então, buscar nova interpretação da técnica de processamento das tutelas de urgência, repensando-a sob a ótica constitucionalizadora do processo, tendo esse que admitir e observar os direitos constitucionais.


REFERÊNCIAS

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CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 21. ed. v. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

CASAGRANDE, Érico Vinícius Prado. Efetividade do Direito e Eficiência do Judiciário. In: TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Urgências de Tutela: Processo Cautelar e Tutela Antecipada – Reflexões sobre a Efetividade do Processo no Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, p. 79-99, 2007.

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LIMA, Juliano Vitor. As tutelas de urgência no estado democrático de direito: adequação da urgência da tutela ao devido processo. 2008. 122 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito, Belo Horizonte.

MENDES, Gilmar Ferreira ,Curso de direito constitucional,4ª ed.,São Paulo,Saraiva, 2009, p.592

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SOARES, Leonardo Oliveira. Devido Processo Legal e Procedimento: Correlações Teóricas. In: LEAL, Rosemiro Pereira (Coord.). Estudos Continuados de Teoria Geral do Processo. 1. ed., Porto Alegre: Síntese, 2004, v. IV.

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[1] A identificação do princípio do devido processo legal como um “instituto” decorre da noção, já defendida anteriormente, de que o Processo, por ser uma instituição constitucionalizada com características próprias definidas nos princípios que lhe são integrantes, quais sejam, o contraditório, a ampla defesa e a isonomia. Esses princípios, conforme ver-se-á ao longo do presente estudo, são todos irradiados pelo princípio do devido processo legal, de forma que sua natureza jurídica possui amplo grau de fecundidade teórica, assumindo a característica de autêntico “instituto” porque, seguindo os ensinamentos de Rosemiro Leal “ao estudá-los, depara-se com vasto painel de implicações teóricas de conotações enciclopédicas”. (LEAL, 2005a).

[2] O artigo 273 do Código de Processo Civil afirma que: “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou antecipadamente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”. Como se vê, de acordo com o previsto pelo artigo 273, o juiz poderá antecipar a tutela “desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”. Desse modo, o que se parece à primeira vista é que a prova inequívoca é um pressuposto para que ocorra a verossimilhança daquilo que foi alegado em juízo.

A doutrina tradicional entende que na tutela antecipada, assim como nas tutelas cautelares, exige-se também que estejam presentes os requisitos do “periculum in mora” e do “fumus boni juris”, já tratados anteriormente. Mas não só. Embora sejam estes justificadores do deferimento daquela antecipação, exige-se mais: acresça-se aos requisitos específicos das cautelares a necessidade de demonstrar-se a verossimilhança da alegação para obtenção da tutela prévia (antecipação da aplicabilidade da lei). Assim sendo, Birchal (1999, p. 94) preleciona que “a verossimilhança surge, na tutela antecipada, como um plus em relação ao fumus boni juris e está para a probabilidade, assim como a plausibilidade está para a cautelaridade”. (LIMA, 2008)

Sobre os autores
Andre Vicente Leite de Freitas

Advogado em MG. Professor da Universidade Católica de Minas Gerais ( PUCMINAS). Professor de Direito em curso de Graduação e Pós Graduação. Prof. de Graduação em Sistemas de Informação. Relator da Comissão de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/MG); Pós-graduado lato sensu em Direito Processual pela Universidade Gama Filho - UGF; Mestre em Direitos Humanos, Processos de Integração e Constitucionalização do Direito Internacional pela Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Andre Vicente Leite; REIS, Valéria França. Tutelas de urgência e devido processo constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3994, 8 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28186. Acesso em: 2 nov. 2024.

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