BREVE ANÁLISE DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO DIREITO COMPARADO
De início, cumpre anotar que o dissenso acerca do instrumento injuncional é algo que lhe faz companhia desde o seu nascedouro, porquanto doutrina e jurisprudência apontam para diferentes ordenamentos a partir dos quais possa o legislador constituinte ter-se inspirado quando de sua formulação.
Para José Afonso da Silva, o mandado de injunção é um instituto cujas raízes remontam à Inglaterra do século XIV, onde servia como “essencial remédio da Equity. Nasceu, pois, do Juízo de Equidade. Ou seja, é um remédio outorgado, mediante um juízo discricionário, quando falta norma legal (statues) regulando a espécie, e quando a Common Law não oferece proteção suficiente” [1].
Contudo, pondera o mesmo autor residirem suas fontes mais próximas no Direito norte-americano[2]. No que toca a este, Diomar Ackel Filho acrescenta ser a injunção um instrumento de uso corriqueiro[3], que, tal como no Direito inglês, funda-se em juízos de equidade, a serem despendidos quando a norma não bastar para compor os litígios que se lhe apresentam[4]. De igual entendimento comunga Sérgio Bermudes, para quem a injunção no ordenamento ianque figura como “uma providência outorgada com base num juízo de equidade, a requerimento de uma parte, impondo à outra a obrigação de abster-se ou fazer com que pessoas a ela subordinadas se abstenham da prática de um ato, ou cometendo-lhe a obrigação de praticar ou fazer com que se pratique ou se tolere um ato” [5].
A par dos que pronunciam ser anglo-saxã a origem da injunção brasileira, existem os que defendem haver o constituinte tomado de empréstimo tão-somente o nomen juris do instrumento existente naqueles ordenamentos. Sobre isso, oportuno lembrar Hely Lopes Meirelles, para quem “o nosso mandado de injunção não é o mesmo writ dos ingleses e norte-americanos, assemelhando-se apenas na denominação” [6].
Há ainda quem entenda lembrar o mandado de injunção a Verfasungsbeschwerde (literalmente, “reclamação constitucional”) do direito alemão, porquanto pronuncia a Lei Fundamental de Bonn que a qualquer cidadão é dado, perante o Tribunal Constitucional Federal, lançar mão do instrumento mencionado quando órgão ou autoridade pública, por ação ou omissão, prejudicar um seu direito fundamental[7].
Lançadas essas considerações, é de se notar que o mandado de injunção, nos moldes em que concebido pela ordem constitucional de 1988, é instituto sem precedentes, quer no direito pátrio quer no alienígena, de sorte que o estudo do Direito Comparado não nos pode oferecer auxílio de grande valia.
O só cotejo com a equity do direito britânico, a injunction do direito ianque ou ainda a Verfasungsbeschwerde do direito tedesco nos serve para apontar a singularidade do mandado de injunção, uma vez que, muito embora guarde semelhanças no que respeita ao juízo de equidade e à proteção de direitos fundamentais, traz consigo um rosário de particularidades que autoriza concluir cuidar, em verdade, de flor nativa, sem similar preciso no direito comparado[8].
Não sem razão escreveu Ivo Dantas:
“Dentre os vários institutos criados pelo texto constitucional de 1988, sem dúvida que o mandado de injunção será aquele que mais necessitará da criação doutrinária e jurisprudencial, tendo- se em conta que não temos nenhum precedente em nosso ordenamento jurídico que se assemelhe àquele que se encontra no inciso LXXI do artigo 5º, todo este voltado para os Direitos e Deveres individuais e Coletivos. Ademais, os institutos que no Direito Comparado se assemelham ao nosso instituto não respondem satisfatoriamente ao conteúdo que lhe deram os constituintes de 1987/1988, pelo que, no tocante à sua correta compreensão, haverá de repetir-se o que aconteceu com o Mandado de Segurança, ou seja, a doutrina e a jurisprudência é que lhe traçarão os contornos ontológicos” [9].
Ao que se pensa, é bem de ver que a originalidade do mandado de injunção se justifica à medida em que não nos olvidamos de que foi ele concebido como remédio a uma dramática patologia nacional que lhe precedia: a desvalia de um sem-número de direitos fundamentais, de matriz constitucional, que restavam desamparados, à mercê da discricionariedade legislativa.
Nesse contexto, quem melhor define o mandado de injunção instituído pela Constituição brasileira é o constitucionalista português Canotilho, uma vez que da sua descrição extrai-se o propósito de buscar aplacar uma realidade bem característica do nosso país. Com efeito, “se o mandado de injunção puder, mesmo modestamente, limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando a sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras actuativas de direitos e liberdades constitucionais; se, por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começa a destruir o ‘rochedo de bronze’ da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de injunção logrará seus objetivos”.
[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 448.
[2] Ibidem, mesma página.
[3] Sobre a prodigalidade do uso da injunction no Direito norte-americano, Sérgio Bermudes comenta um caso ocorrido no Texas, lembrado pelo Prof. Hélio Tornaghi, em que um certo Warfield valeu- se de tal expediente para conseguir que um seu vizinho se abstivesse de fazer a corte à sua mulher. (O mandado de Injunção. In: RT, n. 642, p. 22).
[4] ACKEL FILHO, Diomar. Mandado de Injunção, In: RT, a 628, p. 423.
[5] BERMUDES, Sérgio. Op. Cit. p 22.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública... , 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 239. Também esta é a posição de, dentre outros, José Carlos Cal Garcia, Mandado de Injunção, In: Revista de Direito Público, 1988, p. 113 e Sérgio Bermudes, op. cit., p. 22.
[7] Neste sentido, Ademar Ferreira Maciel. Mandado de injunção e inconstitucionalidade por Omissão. In: Revista de informação Legislativa, p. 10], Brasília, jan/mar. 1989, p. 133.
[8] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira, 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 248.
[9] CAVALCANTI, Francisco Ivo Dantas. Mandado de Injunção — Guia Teórico e Prático, 1. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1989, p. 66. Também Alcides Saldanha Lima aponta a autóctone criação do Mandado de Segurança, ao tempo em que admite ser a síntese das características dos assemelhados estrangeiros o que particularizou o mandado de injunção como uma criação brasileira. (Do Mandado de Injunção. In: Revista Pensar, UNIFOR — Universidade de Fortaleza, CCH).