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Virtù e Fortuna em Maquiavel a partir da obra ‘O Príncipe’

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Agenda 31/05/2014 às 18:19

Resultado de um pensamento efetivo dos assuntos de Estado, Maquiavel expressa as necessidades de um governante na obtenção e manutenção do poder, sem influências do moralismo tradicional, medieval.

Resumo: O trabalho busca esclarecer dois pontos centrais da Filosofia política de Maquiavel – as figuras da Virtù e da Fortuna. A virtú deve ser vista como uma forma do livre-arbítrio do governante, sendo a principal variável na condução do principado. Destaca-se, também, a utilização da variável na contestação aos valores tradicionais. Já a Fortuna constitui-se na indeterminabilidade de parte dos resultados do governo: ela deve ser dominada, conquistada para o benefício do príncipe.


Introdução

O trabalho estuda duas variáveis fundamentais na Filosofia política de Maquiavel – Virtù e Fortuna. Esses dois conceitos estabelecem um momento inédito na filosofia política até então aplicada - a partir deles começa-se a pensar política de forma factual, através da expressão ‘verdade efetiva das coisas’, ao contrário do pensamento medieval, em que se abordava o poder a partir de análises religiosas ou morais, espelhando o que deveria fazer o príncipe, isto é, um fundamento deontológico do poder.

A Virtù trata-se da capacidade do príncipe em controlar as ocasiões e acontecimento do seu governo, das questões do principado. O governante com grande Virtù constrói uma estratégia eficaz de governo capaz de sobrestar as dificuldades impostas pela imprevisibilidade da história. Assim, o político com grande Virtú observa na Fortuna a probabilidade da edificação de uma estratégia para controlá-la e alcançar determinada finalidade, agindo frente a uma determinada circunstancia, percebendo seus limites e explorando as possibilidades perante a mesma. Destaca-se também a estabilidade requerida por Maquiavel – a virtú seria uma forma de manter a paz e estabilidade do Principado. Outro ponto importante é acerca da superioridade da vida pública em detrimento da vida privada na constituição da Virtù. Por fim, destaca-se a contestação dos valores e virtudes da moral cristã tradicional à época de Maquiavel.

A Fortuna diz respeito às circunstâncias, ao tempo presente e às necessidades do mesmo: a sorte individual. É, para o filósofo, a ordem das coisas em todas as dimensões da realidade que influenciam a política. Observa-se que a Fortuna não pode ser vista como um obstáculo ao governante, mas um desafio político que deve ser conquistado e atraído. O príncipe que vive despreparado em função da Fortuna apenas atrairia desonra e fracasso, mas o de Virtù procura utilizá-la, controlá-la da tal forma que lhe possa ser útil. É nesse sentido da Fortuna que se debruça este trabalho, isto é, procura esclarecer acerca da (in) determinabilidade da Fortuna.


1  A Virtù

A Virtù de Maquiavel trata-se de um signo valorativo utilizado pelo autor para refletir a um conhecimento prático, técnico da realidade efetiva das coisas. O sujeito possuidor da Virtù é o que obtém êxito em obter e manter o poder. Os fundadores do principado, sujeitos com tal característica, são homens excelentes – dispostos a agir da forma mais corajosa possível no sentido de se fundar um governo. Segundo Maquiavel, a manutenção e a obtenção do poder torna-se variável, portanto, conforme seja maior ou menor a Virtù de quem o conquistou. Os homens de Virtù receberam da Fortuna não mais do que a ocasião, que lhes deu a matéria para introduzirem a forma que lhes aprouvesse, sendo que aqueles que por Virtù conquistam o poder tendem mais facilmente a conservá-lo. Os mais organizados teriam conseguido que suas constituições fossem seguras se também considerassem as armas necessárias para mantê-la. Assim, há homens que enfrentam grandes dificuldades, defrontando-se em seu caminho com perigos que foram superados. Depois de vencerem esses perigos e passarem a ser venerados, tendo aniquilado os que tinham inveja de suas qualidades, tornam-se poderosos, seguros, honrados e felizes, segundo Maquiavel.[1] (Vide Maquiavel, 2008, pp. 23-26).

Do contrário, aqueles que não possuem a Virtù na aquisição do principado esforçam-se pouco para conquistá-lo, mas muito para mantê-lo. Todas as dificuldades, a partir daí, surgem quando já conquistado o principado. Os novos príncipes, que adquirem o poder a par da Virtù, apóiam-se exclusivamente na vontade de quem lhes concedeu. Diz o autor (2008, p. 27):

Não sabem porque, a menos que sejam homens de grande engenho e Virtù, não é razoável que saibam comandar tendo sempre vivido como particulares; e não podem porque não têm forças que lhes possam ser amigas e fiéis. Além disso, os Estado que nascem subitamente – como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem depressa – não podem ter raízes e ramificações, de modo que sucumbem na primeira tempestade. A menos que – como já disse – aqueles que repentinamente se tornaram príncipes sejam de tanta Virtù que saiba rapidamente preparar-se para conservar aquilo que a Fortuna lhes colocou nos braços e estabeleçam depois os fundamentos que outros estabeleceram antes de se tornarem príncipe. (grifo meu)

Também, segundo Maquiavel, os governantes que possuíram os seus principados por muito tempo, não podem acusar a Fortuna por tê-lo perdido, mas a sua própria indolência (ou a falta de Virtù) por não terem, em tempos de paz, pensado que as condições estabelecidas poderiam mudar sua situação de estagnação social e econômica. Segundo Maquiavel (2008, pg. 118):

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Quando chegam os tempos adversos, pensam em fugir e não em defender-se, esperando que o povo, cansado da insolência dos vencedores, os chame de volta. Este caminho, à falta de outros, é bom; porém é muito mau ter abandonado outras soluções para adotar esta, porque não deves jamais querer cair por acreditar que encontrarás alguém para te reerguer, coisa que ou não acontece ou, quando acontece, não contribui para a tua segurança, pois esta defesa é vil e não depende de ti. Certamente, as defesas só são boas, seguras e duráveis quando dependem de ti mesmo e de tua Virtù.

Observa-se, outrossim, que a Virtù não se confunde com a virtude cristã, sendo que ao príncipe não há restrições, ou não deve importar-se em incorrer na infâmia religiosa dos vícios necessários para o seu governo. O comportamento do príncipe, pelo menos nos assuntos acerca do principado, não obedece aos preceitos da moral piedosa tradicional; não compete ao governante conduzir os assuntos de governo conforme uma deontologia tradicional, mas conforme apenas à Virtù. Nas palavras do autor (2008, pgs. 73 e 74):

Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e quem nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distancia entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinar-se que a preservar-se; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a valer-se ou não disto segundo a necessidade. (Grifo meu)

(…)

Sei que vão dizer que seriam muito louváveis que um príncipe, dentre todas as qualidades acima, possuísse as consideradas boas. Não sendo isto, porém inteiramente possível, devido às próprias condições humanas que não o permitem, ele necessita ser suficientemente prudente para evitar a infâmia daqueles vícios que lhe tirariam o poder e guardar-se, na medida do possível, daqueles que lhe fariam perdê-lo; se não o conseguir, entretanto, poderá, sem grande preocupação, deixar estar.

Também não deverá importa-se de incorrer na infâmia dos vícios sem os quais lhe seria difícil conservar o poder porque, considerando tudo muito bem, encontrar-se-á alguma coisa que parecerá Virtù e, sendo praticada, levaria à ruína; enquanto uma outra que parecerá vício, quem a praticar poderá alcançar segurança e bem-estar.

Ou seja, a Virtù não se importa com aspectos da compaixão e benevolência da tradição moral cristã.[2]

O príncipe, ainda, não deve sequer se preocupar com a fama de severo que uma eventual decisão lhe traga, quanto mais os preceitos de uma religião. Segundo Maquiavel, quando o príncipe está em campanha, no comando de inúmeros soldados, não deve se preocupar com a fama de cruel, pois a mesma mantém um exército unido e disposto à ação. E essa fama apenas surge de sua forma desumana de crueldade, que juntamente com outras várias formas da Virtù, fazem venerável o príncipe. (2008, pg. 81)[3]

Observa-se, entretanto, que apesar de refutar a moral tradicional cristã através da Virtù, o sistema de Maquiavel não pode ser considerado amoral ou mesmo imoral, mas simplesmente diverso da moral medieval. Segundo Marilena Chauí (2000, pg. 203), a Virtù nunca deixou de estar presente também na ética e, como esta surgia inseparável da política, a mesma oposição se fez presente no pensamento político. Neste, o governante virtuoso é aquele cujas virtudes não sucumbem ao poderio da caprichosa e inconstante Fortuna. Ainda, para a autora, Maquiavel retoma essa questão da moralidade, mas lhe imprime um sentido inteiramente novo.  A Virtù do príncipe não consiste num conjunto fixo de qualidades morais que ele oporá à Fortuna, lutando contra ela.  A Virtù é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a Fortuna. Isto é, um príncipe que agir sempre da mesma maneira e de acordo com os mesmos princípios em todas as circunstâncias fracassará e não terá Virtù alguma. Para ser senhor da sorte ou das circunstâncias, deve mudar com elas e, como elas, ser volúvel e inconstante, pois somente assim saberá agarrá-las e vencê-las.

Conclui a autora (CHAUÍ, 2000, pg. 204):

Em certas circunstâncias, deverá ser cruel, em outras, generoso; em certas ocasiões deverá mentir, em outras, ser honrado; em certos momentos, deverá ceder à vontade dos outros, em alguns, ser inflexível. O ethos ou caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja senhor delas.

Para Maria Tereza Sadek (1993, pg. 21), Maquiavel recorre aos pensadores clássicos, investigando os preceitos dominantes em política para fundar o conceito de Virtù. A estratégia argumentativa do pensador está em demonstrar que apesar da quase determinabilidade da história, a Virtù pode conquistar essa imprevisibilidade da Fortuna, ou seja, uma figura política pode superar as variações arbitrárias do movimento contingente da história. Consequentemente, Maquiavel sublinha a indubitável origem do poder na força. A força continua fundamentando o poder, porém é a Virtù a chave para a excelência e o sucesso do príncipe. O governo tem que ser capaz de resistir os inimigos e os infortúnios da sorte. “O homem de Virtù deve atrair os favores da cornucópia, conseguindo, assim, a fama, a honra e a glória para si e a segurança para seus governados” (SADEK, 1993, pg. 23)

Assim, afirma a autora supra, que a questão trata-se das qualidades valorativas do príncipe. As qualidades do governante não devem estar atreladas à tradição moral medieval, mas comportam um novo sistema de preceitos. Para Maquiavel há vícios que são virtudes para os medievais. Nesse sentido, os ditames da moralidade tradicional não são considerados e podem levar o príncipe à ruína. Mas dentre os novos valores do príncipe destaca-se a flexibilidade – a qualidade exigida é de que ele mantenha uma sabedoria de agir conforme as circunstancias. Ou seja, a Virtù política também exige valores considerados vícios para os doutores da igreja, da mesma forma que exige as questões da força e graus de irracionalidade. A Virtù resulta, assim, de uma combinação entre virilidade e natureza animal, “quer como leão (para aumentar os lobos), quer como raposa (para conhecer os lobos), o que conta é o triunfo das dificuldades e a manutenção do Estado. Os meios para isso nunca deixarão de ser julgados honrosos, e todos aplaudirão.” (SADEK, 1993, pg. 23) Ou seja, a política tem uma ética e uma lógica própria, em que não se enquadra o tradicional moralismo piedoso, mas da mesma forma não é niilista.

Complementa Maria Tereza Sadek acerca da contestação por parte de Maquiavel de uma moral tradicional cristã. Nas palavras da autora (1993, pg. 21 e 22):

Não cabe nessa imagem a idéia da virtude cristã que prega uma bondade angelical alcançada pela libertação das tentações terrenas, sempre à espera de recompensa no céu. Ao contrário, o poder, a honra e a glória, típicas tentações mundanas, são bens perseguidos e valorizados; o homem de Virtù pode consegui-los e valorizados. O homem de Virtù pode consegui-los e por eles luta.

Dessa forma, o poder que nasce da própria natureza humana e encontra seu fundamento na força é redefinido; não se trata mais apenas da força bruta, da violência, mas da sabedoria no uso da força, da utilização virtuosa da força; o governante não é, pois, simplesmente o mais forte – já que este tem condições de conquistar mas não de se manter no poder -, mas sobretudo o que demonstra possuir Virtù, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido e se não o amor, pelo menos o respeito dos governados.

Conforme Quentin Skinner (1996, pg. 146), a Virtù de Maquiavel apresenta-se como uma forma extremamente criativa - a forma pela qual o governante mantém seu estado e se capacita a confrontar seus inimigos. Além, a Virtù está como fundamento da liberdade para Maquiavel – esta somente pode se conservar promovendo-a, isto é, com o pleno desenvolvimento político dos cidadãos. Também ela contesta as piedades dominantes, que ao contrário de serem pacifista, representam para o filósofo florentino apenas uma forma dissimulada de aquisição do poder, porém, conforme demonstra a história, sem condições de mantê-lo – daí resulta a dificuldade de conexão entre a Virtù e as exigências da fé cristã[4]. O autor afirma que existia certa complacência entre os valores propostos pelos republicanos da época e a religião cristã em relação à Virtù e às virtudes, contudo Maquiavel ataca essas teses supostamente tranquilizadoras. Se o governante estiver autenticamente empenhado no ideal da Virtù e dedicar-se primordialmente aos valores da república acima de todos os outros, não poderá supor que será um homem virtuoso e de Virtù necessariamente na mesma proporção (SKINNER, 1996, pg. 202).

Constitui-se, portanto, em um dilema para o governante – comandar conforme os ditamente da moral cristã, tradicional, ou através da Virtù. Para Maquiavel a resposta é indubitável – as metas da liberdade e segurança da república representam os valores mais elevados. Assim, conclui que não há sentido em utilizar-se dos valores religiosos nos assuntos políticos. Apesar de que o governante deva comportar-se da forma mais popular possível: aconselha a utilizar-se de todos os instrumentos da Virtù a nosso alcance, mesmo também a dissimulação encontrada na tradição medieval. Recomenda que se a liberdade de nossa pátria exigir que trilhemos o caminho dos malfeitores, fazê-lo sem hesitar é o principal papel político do príncipe. (SKINNER, 1996, pg. 203).

Enfim, nas palavras de Skinner acerca do conceito de Virtù:

Para Maquiavel, como para os outros humanistas, o conceito de Virtù serve dessa forma para indicar a qualidade indispensável que capacita um príncipe a vencer as pedras e setas da enfurecida Fortuna, e a aspirar assim à obtenção da honra, glória e fama; isso se evidencia com muita nitidez em seu capítulo “Por que os príncipes de Itália perderam seus Estados”. Aqui ele prevê todos os novos príncipes, se desejam alcançar “a dupla glória” que resultará de ter fundado um principado novo e de lhe consolidar a existência, que “os únicos meios bons, certos e duradouros” a utilizar são “aqueles que dependem de tuas próprias ações de tua Virtù”. O mesmo tom ressurge, ainda mais vigoroso, no capítulo final do Príncipe, na “exortação” de Maquiavel aos Medice para que ‘livrem a Itália das mãos dos bárbaros”. Depois de assegurar-lhes que sua ‘ilustre casa’ possui ‘Fortuna e Virtù’, afirma não haver alguém mais capacitado que eles a conduzir a Itália a sua redenção.

Observa que para Abbagnano (1998, pg. 642), em função da diferença entre o pensamento da Virtù e as considerações acerca da expressão pejorativa ‘maquiavélico’, segue a posição mesma da Chauí e Skinner, afirmando a também eticidade sui generis do pensamento do autor, assim como também não há espaço para uma moral restrita aos preceitos tradicionais. A posição justifica a má leitura feita em relação à instrumentalidade do poder em Maquiavel, sendo o resultado da expressão ‘os fins justificam os meios’. Segundo Abbagnano, a Filosofia política de Maquiavel passou a ser convencionalmente resumida de que "o fim justifica os meios". Tal máxima, porém, não foi formulada por Maquiavel, que não considera o Estado como fim absoluto e não o julga dotado de existência superior à do indivíduo Além disso, Maquiavel tinha grande simpatia pela honestidade e pela lealdade na vida civil e política; portanto, admirava os Estados regidos por essas virtudes, como os romanos e dos suíços. Contudo, seu objetivo era formular regras eficazes de governo, tendo como base a experiência política antiga e nova, considerando que essa eficácia era independente do caráter moral ou imoral das regras tradicionais. No entanto, Maquiavel percebeu, segundo Abbagnano, que a moral e a religião podem ser - como às vezes são - forças políticas que, como todas as outras, condicionam a atividade política e seu êxito; também que às vezes isso não acontece e que a ação política se mostra eficaz mesmo quando exercida em sentido contrário ao das leis da moral. Como essa era a realidade mais freqüente nas sociedades de seu tempo (especialmente a italiana e a francesa)—que ele chama de "corruptas" - e como Maquiavel tem, sobretudo, em vista a aplicação de suas regras políticas à sociedade italiana para a constituição de um Estado unificado, explica-se sua insistência em certos preceitos ‘imorais’ de conduta política, o que acabou sendo mal expresso ou generalizado na máxima de que "o fim justifica os meios", mesmo sendo o pensamento de Maquiavel oposto a tal máxima.

Para Norberto Bobbio (1998, pg. 87), quanto aos novos principados, assunto da maior parte do livro, Maquiavel distingue quatro espécies, de acordo com as diferentes maneiras como o poder pode ser conquistado: a) pela Virtù; b) pela "Fortuna"; c) pela violência; d) com o consentimento dos cidadãos. Estas quatro espécies podem ser dispostas em duplas antitéticas: Virtù-"Fortuna"; força-consentimento. Os conceitos de Virtù (coragem, valor, capacidade, eficácia política) e de "Fortuna" (sorte, acaso, influência das circunstâncias) têm grande importância para a concepção maquiaveliana da história. Por Virtù, diz Bobbio, Maquiavel entende a capacidade pessoal de dominar os eventos, de alcançar um fim objetivado, por qualquer meio. Observa-se que para Maquiavel o que se consegue realizar não depende nem exclusivamente da Virtù nem só da "Fortuna"; quer dizer: nem só do mérito pessoal nem apenas do favor das circunstâncias, mas de ambos os fatores, em partes iguais. Enfim, A diferença entre os principados conquistados pela Virtù e os conquistados pela "Fortuna" é que os primeiros são mais duradouros; os segundos, que o príncipe conquista devido a circunstâncias favoráveis, e não pelo próprio mérito, são menos estáveis, destinados a desaparecer em pouco tempo.

Ainda conforme Bobbio, em relação ao pensamento político medieval existente a época de Maquiavel, o cristianismo continuava forte nos espíritos da época, e se declarar de maneira veemente, como o faria Maquiavel, que, além de tudo, estava o soberano totalmente liberto dos imperativos éticos que regiam os homens comuns, era coisa absolutamente inaudita em uma Europa ainda ideologicamente bastante ligada aos valores medievais e constituiu uma reação contrária por parte da Igreja. Neste sentido, afirma Norberto Bobbio (1994, pg. 14):

Quanto se proclamava que o príncipe estava acima das leis, geralmente não se queria dizer com isso, que ele estivesse acima das leis divinas e morais. Por meio da teoria do maquiavelismo são quebrados também esses limites: o príncipe não é mais somente livre dos vínculos jurídicos, mas também (para usar de uma expressão provocativa), além do bem e do mal, quer dizer, livre dos vínculos morais que delimitam a ação dos simples mortais. O maquiavelismo, neste sentido, é a exposição teórica mais audaciosa sobre o absolutismo do poder estatal.

Observar-se, portanto, a importância da figura da Virtù no pensamento político de Maquiavel, não podendo negar também a sua preocupação, ainda que em desacordo com a tradição, com uma ética do príncipe. Ou seja, não há de considerar o pensamento de Maquiavel como amoral ou imoral, ou designá-lo como niilista, pois possuiria uma filosofia destituída de valores. O que se encontra no texto do filósofo italiano, entretanto, é um pensamento valorativo diverso do tradicional, o que por muito tempo (ou mesmo por má-fé) recebeu a alcunha de niilista. Há, portanto, valores no texto de Maquiavel, contudo, são novos valores, criativos e transformadores.

Sobre o autor
Rubin Assis da Silveira Souza

Pós-graduando em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Pelotas (RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Rubin Assis Silveira. Virtù e Fortuna em Maquiavel a partir da obra ‘O Príncipe’. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29050. Acesso em: 22 dez. 2024.

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