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Breves considerações sobre jurisdição e competência

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Agenda 01/04/2002 às 00:00

4 - Determinação da competência pela atribuição das causas aos órgãos jurisdicionais

A Constituição Federal regula a competência das denominadas "Justiças" especiais (do Trabalho, Eleitoral e a Militar da União - arts. 113, 114, 121 e 124), delegando às "Justiças" comuns (Federal e dos Estados) a competência residual - muito embora também à competência da Justiça Federal seja conferida uma certa especialidade (arts. 108 e 109).

4.1 Tomando-se por referencial essa distribuição das causas aos diversos órgãos que integram a estrutura judiciária brasileira, fala-se em competência de jurisdição, significando essa locução o conjunto das atividades jurisdicionais conferidas a determinado organismo judiciário (ou a determinada "Justiça", no sentido ora empregado). Aliás, só nessa medida é admissível e compreensível o emprego da locução em pauta, pois sua interpretação desvinculada do contexto deste trabalho pode gerar uma indevida confusão entre institutos distintos.21

Enquanto certas causas competem exclusivamente a determinadas "Justiças" (v.g., CF, art. 124), algumas poderão competir, em abstrato, a uma ou outra dessas "Justiças", apurando-se concretamente a competência, nesses casos, com base em critérios objetivos ou territoriais (v.g., art. 109, parágrafo 3º); todavia, como o fator preponderante na atribuição das causas às diversas "Justiças" é a natureza daquelas, diz-se que a competência de jurisdição é material22 - pese, embora, a crítica anteriormente formulada a respeito da utilização dessa última palavra (supra, nº 3.1).

4.2 Determinada em concreto a Justiça competente para o processamento da demanda, cumpre verificar, entre os diversos órgãos que a compõem, aquele funcionalmente competente, ou, se preferir, cabe a verificação do grau de jurisdição em que correrá o processo.

Sabe-se que as diversas Justiças são integradas, em regra, por órgãos monocráticos (de primeiro grau) e órgãos colegiados (de segundo grau - tribunais).

Os últimos têm, por sua vez, competência originária (para aquelas causas que desde logo lhe são atribuídas por lei - v. g., C.F., arts. 102, I e 105, I) e competência recursal (poder de reexaminar, mediante recurso interposto pela parte ou interessado, o ato recorrido).

Estabelece-se entre os órgãos jurisdicionais inferiores e superiores, portanto, uma relação de hierarquia para o exercício da função jurisdicional, de tal sorte que os primeiros não podem decidir aquelas causas de competência originária dos segundos, cabendo a estes, ademais, o reexame das decisões daqueles, em grau de recurso.

Esse critério hierárquico é fundado, no mais das vezes, ou na qualidade das partes ou no objeto do processo, valendo lembrar, ainda, que a lei atribui ao Supremo Tribunal Federal, com exclusividade, competência para o processamento e julgamento de determinadas causas especialíssimas (CF, art. 102, I) e, excepcionalmente, confere poder jurisdicional mesmo a órgãos estranhos ao Poder Judiciário, com a exclusão deste (CF, art. 52, I e II).

4.3 O terceiro critério para apurar-se concretamente a competência é o territorial.

A competência de foro acarreta, como já visto (supra, nº 3.3), a distribuição das causas a determinados órgãos territorialmente delimitados (comarcas ou seções judiciárias), servindo como elementos de determinação do foro competente ora o local do domicílio de uma das partes (v.g., CPC, arts. 94, caput, 99, 100, I a III), ora o local do cumprimento da obrigação (v.g., art. 891), ora o local da prática do ato ilícito (art. 100, V, a), entre outros.

Repita-se mais uma vez, nesta oportunidade, que a competência de foro regida pelo Código não se confunde com a dos denominados foro central, foros distritais e regionais existentes no Estado de São Paulo, conforme será demonstrado em seguida.

4.4 Determinado o foro competente, impõe-se a verificação do juízo competente.

Claro que só tem sentido verificar-se essa competência quando no foro houver duas ou mais varas (juízos) com competência plena (i.é, civil e penal) ou concorrente (ou seja, a mesma competência material ou funcional), pois em caso contrário todas as causas competirão ao juízo único da comarca - ressalvadas, evidentemente, aquelas de competência exclusiva de outros órgãos jurisdicionais.

A competência de juízo é determinada, entre outros critérios, ora pela natureza da causa (varas criminais, cíveis, de Acidentes do Trabalho, de Registros Públicos, de Família e Sucessões), ora pela qualidade das partes (varas da Fazenda Estadual ou Municipal). Como também aqui influi, como fator determinante da competência, a natureza da relação controvertida, diz-se que a competência de juízo é material (v., porém, a crítica apresentada no item 3.1., supra).

Ademais, aos diversos juízos com a mesma competência territorial é feita a repartição da massa de demandas quer através da sua livre distribuição (CPC, arts. 251 a 257), quer pela sua atribuição por dependência23 ao órgão já prevento (art. 253), como ocorre, por exemplo, nesta última hipótese, nos casos dos artigos 57, 108, 575 e 800, entre outros, casos em que o critério predominante é o funcional.

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4.4.1 Exige particular atenção a competência das denominadas varas distritais instaladas em algumas comarcas do Estado de São Paulo. Quanto aos juízos integrantes dos foros regionais, reportamo-nos ao próximo item.

Como se sabe, a divisão político-administrativa dos Estados-membros (em municípios) não coincide, necessariamente, com a sua divisão judiciária (em comarcas), de tal sorte que uma mesma comarca pode abranger mais de um município - como geralmente ocorre, aliás -, caso em que um deles é a sede da comarca, enquanto que todos os demais a integram.

Considerados diversos fatores, tais como a distância do município sede do juízo em relação aos demais, volume de feitos, densidade populacional, etc., poderão ser instaladas varas nos outros municípios da comarca, denominadas distritais (ou foros distritais), com sua competência regida por critérios estabelecidos pela lei de organização judiciária estadual, sem prejuízo da aplicação, no que couberem, daqueles previstos pela lei processual.

Tomemos como paradigma a Lei paulista nº 3.396, de 16.O6.82, que criou inúmeros foros distritais.

A competência dessas varas é, em regra, plena, vale dizer, perante elas serão processadas causas cíveis e criminais, com as ressalvas que a própria lei estabelece (v.g., arts. 2º, parágrafo 1º e e 4º, par. único). É correto afirmar-se, no entanto, que a grosso modo prevalecerão para essas varas os critérios de fixação da competência territorial do Código, contidos nos seus artigos 94 e seguintes, bem como, sendo o caso, as regras de competência funcional (v.g., art. 575, II, do CPC).

Assim - e exemplificando -, um réu domiciliado em município integrante da comarca, mas não em sua sede, será processado perante a vara distrital local, muito embora se considere, para fins de determinação da competência territorial, que a ação foi proposta no foro de seu domicílio (art. 94).

4.4.2 Na Comarca de São Paulo foram criados os denominados foros central e regionais (Lei nº 3.947/83), que aglutinaram em si, observadas as bases territoriais para tanto estabelecidas por lei, os juízos ou varas distritais até então existentes (art. 2º).

Na dicção do artigo 1º da lei sob exame, a Comarca de São Paulo é integrada pelo foro central e foros regionais, nos termos da legislação em vigor (i.é, fundamentalmente o Código Judiciário do Estado e as Resoluções nº 1/71 e nº 2/76), observada, para os últimos, a mesma competência dos foros distritais (rectius: varas distritais) existentes até então, mais os acréscimos previstos na própria lei sob exame (art. 4º).

Então, a Comarca (ou Foro) da Capital possui, hoje, juízos centrais e juízos regionais (ou, na inadequada terminologia eleita pela aludida lei, foro central e foros regionais, respectivamente), cada qual exercendo sua competência dentro de certos limites territoriais, observados o valor ou a natureza da causa, o local do domicílio do réu ou, ainda, a natureza do procedimento adequado para o processamento da demanda (art. 4º da Lei nº 3.947/83, mais arts. 26 e 54, respectivamente das Resoluções nºs 1 e 2). Em outras palavras, o Foro da Capital foi territorialmente dividido, cada uma das frações territoriais resultantes contendo juízos centrais e juízos regionais, com a sua competência fixada com base nos critérios acima apontados, prevalecendo, em regra, aquele que leva em consideração o local do domicílio do réu.

Nunca é demais repetir-se, nesta oportunidade, que o foro indicado pelo Código de Processo Civil não se confunde com os foros, central ou regionais, criados pela lei estadual tantas vezes lembrada.

Conforme já lembrado neste trabalho (supra, nº 3.3) e alhures24, no sentido que lhe empresta o Código foro significa comarca, ao passo que nos termos da referida lei paulista representa cada uma das divisões territoriais da Comarca da Capital.25

Conseqüentemente, os critérios indicados pelo Código de Processo Civil atuam na fixação da competência territorial dessa Comarca e, uma vez determinada tal competência, a de juízo, isto é, de vara (central ou regional) será apurada com base nos critérios da lei de organização judiciária.

Exemplificando: a ação de usucapião será proposta, segundo o Código, no foro da situação do imóvel (art. 95). Estando o imóvel usucapiendo situado na Comarca de São Paulo, nela será ajuizada aquela ação, pouco importando neste caso, todavia, em que foro regional esteja ele localizado, pois nesse caso a competência de juízo é, com exclusividade, de uma das Varas de Registros Públicos (centrais - art. 4º, I, a, da Lei nº 3.947).

A distinção ora feita entre as diversas acepções do vocábulo foro é indispensável para a solução de diversas questões técnico-processuais, tais como a verificação da ocorrência da prevenção, a possibilidade, ou não, da prorrogação, a natureza relativa da competência fundada no valor da causa (infra, nº 5.2), entre tantas outras.

Enfatizando: os foros regionais resultam da reunião de juízos da mesma comarca, cada qual possuindo sua própria base territorial, na qual é realizada a atividade jurisdicional; os critérios de determinação da competência territorial previstos no Código são utilizados apenas para a fixação da competência da Comarca da Capital , ao passo que os juízos integrantes de seus foros, central e regionais, têm sua competência apurada mediante a utilização de critérios estabelecidos por normas de organização judiciária.

Cumpre, pois, examinar-se tais critérios.

A - Permanece em vigor, no que tange aos foros central e regionais, o critério determinativo de competência fundado no valor da causa, visto que a Lei nº 3.947 não o aboliu; ao contrário, manteve-o integralmente, consoante deflui da redação de seu artigo 4º (A competência de cada foro regional será a mesma dos foros distritais existentes, com os acréscimos seguintes...,etc). Aliás, tivemos a oportunidade de opinar nesse sentido em diversas ocasiões26, sendo também este o entendimento esposado pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.27

Assim, compete às varas integrantes dos foros regionais, em primeiro lugar, o processamento e julgamento das causas de valor igual ou inferior a cinqüenta salários mínimos (Resolução nº 2, art. 54, I e Lei nº 3.947, art. 4º, caput), observados, complementarmente, outros critérios determinativos da competência, tais como o local do domicílio ou residência do réu, da situação do imóvel sobre o qual versa a demanda (Resolução nº 1/71, art. 26, I), local do fato ou da prática do ato ilícito (Resolução nº 2/76, art. 53, II). Já as causas de valor superior serão processadas e julgadas pelos juízos centrais (foro central), abandonados, nesse caso, os critérios acima referidos.

Como a competência fixada com base no valor da causa é relativa (infra, nºs 5 e 5.2.2), opera-se a prorrogação caso o réu não excepcione o juízo incompetente (CPC, art. 114); convém anotar, no entanto, que tal conclusão não é endossada pacificamente em sede jurisprudencial28, conforme será demonstrado adiante (infra, nº 5.3.2).

B - Considerando a natureza da causa (e em nada importando o valor a ela atribuído), compete aos juízos integrantes dos foros regionais processar as demandas relacionadas nos incisos I a IV do artigo 4º da Lei nº 3.947/83, sempre se atendendo, ainda, aos critérios complementares mencionados anteriormente (art. 26, I, da Resolução nº 1/71, c.c. arts. 53, II e 54, da Resolução nº 2/76).

Exemplificando: nos termos do artigo 100, inciso I, do Código de Processo Civil, a ação de separação judicial será processada no foro (comarca) onde a mulher tenha sua residência; caso o foro competente seja o da Capital de São Paulo e o marido nela também tenha domicílio, o juízo de Família e Sucessões competente será (ou deveria ser, nos termos da lei estadual) aquele integrante do foro regional (ou central) do domicílio do réu, restando atendidos, assim, quer os critérios determinativos de competência territorial do diploma processual civil, quer da lei de organização judiciária.

C - A natureza do procedimento é outro critério de determinação da competência dos juízos dos foros regionais.

A eles compete processar e julgar demandas cíveis que tramitem no rito sumaríssimo (exceto as acidentárias e as de interesse das Fazendas Públicas), sempre que qualquer daqueles elementos que atuam como critérios complementares (local do domicílio ou residência do réu, situação do imóvel, local do ato ou do fato) esteja relacionado com a sua base territorial (Lei nº 3.947/83, art. 4º, I, c, mais as normas das resoluções anteriormente aludidas); sendo o réu domiciliado, estando o imóvel localizado, ou tendo ocorrido o fato ou ato em território considerado central pela lei de organização judiciária, o processamento e julgamento da demanda caberão a um dos juízos centrais (foro central).

Independentemente, porém, de tais circunstâncias, determinadas causas, qualquer que seja seu valor, competem exclusivamente aos juízos centrais, entre elas as ações de usucapião, de retificação de área, acidentárias, de registro e cumprimento de testamento ou codicilo, de arrecadação de herança jacente (Lei nº 3.947/83, art. 4º, I, a, b e c; III, a e b) e falimentares (Resolução nº 2/76, art. 54, parágrafo 2º, b) - e nesses casos a competência é absoluta.

D - Uma última ponderação: a competência dos juízos integrantes doa foros regionais é quase sempre relativa, pois assentada, basicamente, no critério territorial (v., infra, nºs 5 e 5.2.2).

Enquanto considerado o foro (comarca) como um todo, a competência desses juízos é, em abstrato, a mesma, sofrendo apenas as limitações territoriais de cada um dos foros integrados.

Assim - e a título de exemplificação -, a competência objetiva da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa é, em abstrato, idêntica à da 3ª Vara Cível, as quais, por seu turno, têm também a mesma competência objetiva (mas não territorial) da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Santana, e assim por diante.

Ajuizada a ação perante juízo regional territorialmente incompetente (v.g., diverso daquele onde se situa o domicílio do réu), a não oposição regular da exceção declinatória acarretará a prorrogação de sua competência, ressalvada a possibilidade do reconhecimento ex officio da incompetência, admitida por nossos tribunais.

É certo que cada juízo integrante de um mesmo foro regional terá, em situações particulares, competência exclusiva para o processamento de determinadas causas (assim, os juízos especializados de Menores (hoje denominados juízos da Criança e Adolescente, pela nova lei menorista, bem como os demais juízos, quando se trate da execução de seus próprios julgados).

Também é de clara evidência que o juízo regional será absolutamente incompetente para o processamento de causas que compitam, com exclusividade, a determinados juízos especializados centrais, tais como os da Fazenda Pública, de Registros Públicos, de Acidentes do Trabalho (v. Lei nº 3.947/83, art. 4º, I, a, c e d; III, a e b). Ademais, a competência desses juízos centrais é mais ampla que a dos regionais, já que a estes é defeso, por exemplo, processar causas falimentares (Resolução nº 2/76 do TJSP, art. 54, V, parágrafo 2º, b, c.c. art. 4º da Lei nº 3.947/83).

Finalizando, resta apenas lembrar que a Resolução nº 2/76 do Tribunal de Justiça de São Paulo prevê, no inciso IV de seu artigo 54, uma regra de competência funcional (compete às Varas Distritais a execução das sentenças proferidas nas causas de sua competência), coerente com os artigos 93, 2ª parte e 575, incisos II a IV, conjugados, do Código de Processo Civil.

4.5 Em uma mesma vara poderão atuar dois juízes, o titular e seu auxiliar, sendo certo, ainda, que os órgãos superiores (tribunais) são sempre fraccionados em outros (turmas, seções, grupos, câmaras), compostos, por sua vez, por juízes, desembargadores ou ministros.

Fala-se, nesses casos, em determinação da competência do juiz, ou competência interna de juízo (no que tange aos órgãos judiciários de primeiro grau) e da competência de turma, seção, grupo ou câmara (no que pertine aos órgãos de segundo grau).

Interessa, neste estudo, somente o exame da competência interna dos órgãos de primeiro grau, pois a dos demais órgãos mencionados é regulada pela Constituição (v.g., arts. 102, I, a e 104, I, b), pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar nº 35, de 14.O3.79), pelas normas de organização judiciária e pelos respectivos regimentos internos (v. CPC, art. 93).

O principal princípio informativo da competência de juiz é aquele insculpido no artigo 132 do Código, ou seja, o da identidade física, segundo o qual compete ao juiz (titular, auxiliar ou substituto) que der início à audiência, concluir a instrução e sentenciar o feito, exceto se antes do julgamento for promovido, transferido ou aposentado.

Esse princípio, influenciado que é pelos da oralidade e da imediatidade na coleta das provas, tem sua incidência condicionada à efetiva coleta, pelo juiz presidente do processo, de provas orais na audiência, com o encerramento da instrução, já que nenhum outro estaria mais habilitado que ele para sentenciar o feito.29

Sobre o autor
Antonio Carlos Marcato

professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, coordenador acadêmico do CPC – Curso Preparatório para Concursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCATO, Antonio Carlos. Breves considerações sobre jurisdição e competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2923. Acesso em: 22 dez. 2024.

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