Bens que não podem ser penhorados
A penhora de bens é necessária para o ordenamento jurídico para que se possa garantir o direito do credor de reaver os valores que tem direito, porém essa penhora de bens tem limites, e esses limites existem para que possa ser preservada a dignidade do devedor.
Imóvel Único de Família: De acordo com a lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, o imóvel único da família (a casa em que a família reside) não pode ser penhorado, o art. 1º da Lei mencionada diz o seguinte: “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”.
Além do imóvel residencial da família do executado o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ampliou o entendimento do bem de família que não pode ser penhorado. A Terceira Turma da corte considerou possível que a impenhorabilidade do bem de família atinja ao mesmo tempo dois imóveis do devedor. No caso avaliado, a turma considerou que não poderiam ser penhorados os imóveis onde o devedor mora com sua esposa e outro no qual vivem as filhas, nascidas de relação extraconjugal, decidindo que a impenhorabilidade do bem de família tem o objetivo de resguardar entidade familiar no sentido mais amplo.
Segundo o STJ, o recurso julgado foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que, por maioria, decidiu que a garantia legal da impenhorabilidade só poderia recair sobre um único imóvel, onde o devedor residisse com sua família.
No caso, o devedor, ao ser intimado da penhora, alegou que o imóvel em que vivia era bem de família e indicou, em substituição, um segundo imóvel. Após a substituição do bem penhorado, ele alegou que este também era impenhorável por se tratar igualmente de bem de família, porque neste imóvel residiam suas duas filhas e a mãe delas.
Como a Justiça não reconheceu a condição de bem de família do segundo imóvel, a mãe, representando as filhas, ofereceu embargos de terceiros para desconstituir a penhora incidente sobre o imóvel em que residiam. Dessa vez, a penhora foi afastada na primeira instância, mas o TJMG reformou a decisão, decidindo que a relação concubinária do devedor não poderia ser considerada entidade familiar.
A Terceira Turma do STJ, no entanto, reformou esse entendimento, considerando que a impenhorabilidade do bem de família visa resguardar o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos membros da família, como na hipótese, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, surge em duplicidade: uma composta pelos cônjuges e outra pelas filhas de um deles.
Para o relator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, a jurisprudência do STJ vem há tempos entendendo que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009 não se destina a proteger a família em sentido estrito, mas, sim, a resguardar o direito fundamental à moradia, com base no princípio da dignidade da pessoa humana. Segundo ele, o intuito da norma não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas garantir a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo.
"Firme em tal pensamento, esta Corte passou a abrigar também o imóvel de viúva sem filhos, de irmãos solteiros e até de pessoas separadas judicialmente, permitindo, neste caso, a pluralidade de bens protegidos pela Lei 8.009", afirmou o relator. "O conceito de entidade familiar deve ser entendido à luz das alterações sociais que atingiram o direito de família", diz o ministro.
Então, observa-se que o imóvel único de família só pode ser penhorado em casos previstos em lei, por exemplo, quando se trata de dívidas do próprio imóvel como um financiamento, hipoteca, pagamento atrasado de condomínio ou mesmo de IPTU. Para pagamento de pensão alimentícia também pode ser penhorado bem como em casos em que ele foi dado como a garantia de uma dívida, desde que escrita e assinada. Há também casos em que a penhora é feita para quitar dívidas com trabalhadores domésticos que trabalharam nessa residência.
Tendo em vista que os salários e os imóveis únicos de família não podem ser penhorados. Além desses bens existem outros que são impenhoráveis de acordo com o artigo 649 do Código de Processo Civil, modificado pela Lei 11.382/06, que entrou em vigor dia 21 de janeiro do ano de 2007. Confira abaixo:
I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
É permitido ao indivíduo gravar determinado bem com cláusula de impenhorabilidade retirando do Estado o direito de expropriá-lo para pagamento de dívidas, nesse caso, o objetivo do legislador era preservar a dignidade do executado perante o poder do credor representado pelo estado.
Com o passar dos tempos, com o surgimento de normas específicas e súmulas regendo a impenhorabilidade, esse direito se tornou desnecessário, porém, esse direito ainda está vigendo até os dias de hoje, sem nenhuma disposição legal regulamentando-o expressamente.
A preocupação perante a isso está no fato de que a intenção do legislador pode perfeitamente ser desvirtuada em benefício exagerado do devedor, e absoluto prejuízo do credor.
II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
A falta de objetividade para definir os critérios de bens suntuosos ou supérfluos, e até mesmo o que define o médio padrão de vida, vale observar o artigo a seguir:
“A Lei. 8.009/90, a chamada Lei da Impenhorabilidade do bem de família, tem por finalidade evitar que alguns bens fiquem a salvo da penhora judicial. A residência do casal é um exemplo disso. Se o casal possui mais de um imóvel, aquele que lhe serve de residência será impenhorável. Da mesma forma, alguns bens que guarnecem a residência da família não podem ser penhorados para o pagamento de dívidas.
A impenhorabilidade do bem de família, introduzida pela Lei 8.009/90, sofreu modificações importantes ao longo dos anos. A primeira modificação foi o conceito de família, que antes, resumia-se ao casal formado pelo homem e a mulher com filhos. Hoje o conceito é mais amplo, atingindo também o casal homoafetivo.
O artigo 1º, parágrafo único da Lei 8.009/90, diz que são impenhoráveis os móveis que guarnecem a residência do casal, considerando como tais, aqueles que sejam essenciais e indispensáveis à própria sobrevivência da família. Assim sendo, não podem ser penhorados a cama do casal, a cama dos filhos, o guarda-roupa das crianças e do casal, o fogão, a geladeira, a televisão, as roupas, os sapatos, as mesas, as cadeiras, os sofás, a máquina de lavar roupa, o tanquinho, enfim, os itens essenciais.
A Lei. 8.009/90 faz uma ressalva, ou seja, se os móveis essenciais existirem em duplicidade, um deles poderá ser penhorado. Assim sendo, se na casa do devedor, o oficial de Justiça encontrar uma TV antiga e uma TV de LCD, um DVD e um home theater, a penhora poderá recair sobre os bens de maior valor.
A impenhorabilidade dos bens que guarnecem a residência do casal, não abrange todo e qualquer bem que nela se encontrem. Estão fora da impenhorabilidade obras de arte, joias, pois o objetivo da Lei é garantir à família meios mínimos de uma vida digna, evitando a privação de utensílios indispensáveis ao lar.
Ainda assim a tendência dos Tribunais é limitar ainda mais a restrição imposta pela Lei, pois não se pode deixar de penhorar objetos e utensílios domésticos de alto valor em detrimento do pagamento de uma dívida.
A Quarta Turma do TRT da 3ª Região manteve uma decisão que mandou penhorar duas TVs de LCD e um home theater de um executado. Na decisão o relator afirmou que embora os aparelhos eletrodomésticos se mostrem úteis à vida doméstica, ao conforto do devedor e de sua família, não se sobrepõe à necessidade de subsistência do trabalhador. Afirmou ainda que tais aparelhos extrapolam o conceito de necessidade e passam ao conceito de superficialidade, mantendo a penhora dos bens.
Se por um lado a Lei 8.009/90 foi útil e necessária para evitar abusos na penhora de bens, por outro lado, a mesma Lei não pode tutelar a superficialidade. Com certeza o padrão de vida das pessoas é diferente e o que é essencial para um não o é para o outro. Por isso deve prevalecer o bom senso.
A impenhorabilidade do bem de família não pode prevalecer sobre o crédito de natureza alimentar como o é o crédito de natureza trabalhista e o pagamento de pensão alimentícia. Assim os bens a princípio impenhoráveis, poderão ser penhorados para satisfazer tais débitos.”
Podemos ver que a falta de critério pode ter sido proposital justamente para poder se adaptar ao caso concreto, o qual deve ser analisado com bom senso para se chegar à conclusão do que se deve ou não ser penhorado.
Góis Tedeschi, Edilaine Rodrigues de, Direito em debate 382: Impenhorabilidade do bem de família é relativa, 03/08/2012.
III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
Em geral não há muita controvérsia quanto à impenhorabilidade de vestuários e pertences de uso pessoal. O único problema é quanto ao elevado valor, que da mesma forma que o inciso anterior deve se usar o bom senso. Embora os tribunais têm decidido quanto a inviabilidade de se acolher vestuário como objetos de penhora com base na deterioração e inconstância do mercado da moda mesmo sendo de alto valor. Ainda assim, há possibilidades de penhora de objetos pessoais, como coleção de camisas de clubes de futebol ou coleção de óculos, por exemplo.
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;
De acordo com o regramento processual em vigor, tratando-se de verba oriunda de salário e/ou pensão, eventual constrição judicial sobre ela realizada é absolutamente inadmissível, em decorrência de seu caráter alimentar, comportando como única exceção a decorrente do inadimplemento de prestação alimentícia.
V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;
A impenhorabilidade dos instrumentos de trabalho é uma cláusula protetiva que preserva o trabalhador autônomo, pessoa física, que tem na profissão o seu sustento e o de sua família. A jurisprudência, no entanto, aceita a aplicação para as pessoas jurídicas, desde que se trate de empresa de pequeno porte e que os bens sejam imprescindíveis à manutenção da sua sobrevivência.
VI - o seguro de vida;
"A soma estipulada no seguro de vida feito pelo executado é impenhorável porque é coisa que nunca esteve em seu patrimônio..." (Amílcar de Castro - in Comentários ao Código de Processo Civil - ed. RT, vol. VIII, pág. 200).
VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
São impenhoráveis apenas os materiais que possuírem qualidade de móveis, sejam os destinados à construção, porém ainda não utilizados, sejam os provenientes da demolição de algum prédio (art. 84 do CC). De modo diverso, caso a própria obra seja objeto de penhora, haverá a penhorabilidade plena desses materiais.
VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
Superando a anterior referência ao imóvel rural de até um modulo (incisos II e III do art. 4º da Lei n. 4.504/64), a proteção legal abrange a pequena propriedade rural que, nos termos do art. 1º, §2º, inciso I, da Medida Provisória n. 2.166-67/2001, consiste naquela explorada mediante o trabalho pessoal do proprietário ou posseiro e de sua família (admitida a ajuda eventual de terceiro), cuja renda bruta seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de atividade agroflorestal ou do extrativismo, e cuja área não supere trinta hectares.
Não é necessário que a propriedade rural seja o único imóvel da família para ser impenhorável basta que a família trabalhe apenas para garantir seu próprio sustento. Caso a propriedade ultrapasse as dimensões definidas em lei, ao invés de retirar o status de impenhorabilidade se restringe a proteção as dimensões que atinjam a pequena propriedade rural.
IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
Por ter natureza “pública”, todo recurso público é inalienável e, por consequência, impenhorável(em regra), independentemente da área ou setor no qual seja aplicado. Principalmente enquanto for mantida sua destinação social, o recurso público continuará(em regra) impenhorável, ainda que não seja aplicado, pela instituição privada, em alguma das três áreas (educação, saúde ou assistência social), mas sim em quarta diversa (como meio ambiente por exemplo). E não somente os recursos públicos são impenhoráveis, mas também os bens que venham a ser adquiridas mediante esses recursos pelas chamadas organizações da sociedade civil de interesse público, criadas pela Lei n. 9.790/9946.
X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.
A impenhorabilidade limita-se ao valor total de 40 salários mínimos, mesmo que o dinheiro esteja depositado em mais de uma aplicação dessa natureza. Esse é o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Os ministros debateram a interpretação do artigo 649, inciso X, do Código de Processo Civil (CPC), que diz, expressamente, que é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos, conforme norma instituída pela Lei 11.382/06. A controvérsia estava em definir se a impenhorabilidade podia ser estendida a mais de uma caderneta ou se, havendo múltiplas poupanças, deveria ficar restrita apenas a uma delas.
A relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi, analisou que o objetivo da impenhorabilidade de depósito em poupança é, claramente, garantir um “mínimo existencial” ao devedor, com base no princípio da dignidade da pessoa humana. “Naturalmente, essa garantia somente pode ser efetivada caso incida sobre o montante total visado pelo legislador, não sobre o número de contas mantidas pelo devedor”, entendeu a ministra.
Ela ressaltou que há críticas contra a postura do legislador em proteger um devedor que, em vez de pagar suas dívidas, acumula capital em reserva financeira. Isso poderia incentivar devedores a depositar o dinheiro em poupança para fugir da obrigação de pagar o que devem. “Todavia, situações específicas, em que reste demonstrada a postura de má-fé, podem comportar soluções também específicas, para coibição desse comportamento”, afirmou a ministra. Para ela, nas hipóteses em que a má-fé não esteja demonstrada, só resta ao Judiciário a aplicação da lei.
No caso julgado, o recurso foi interposto por fiadores em contrato de locação, no curso de uma ação de despejo cumulada com cobrança, já em fase de execução. Eles tinham seis cadernetas de poupança. A Justiça paulista determinou o bloqueio de aproximadamente R$ 11 mil que havia em uma das contas.
No recurso, os fiadores alegaram que, mesmo havendo pluralidade de contas, deveria ser analisado o valor constante em todas elas, pois o valor total poderia ser necessário para seu sustento.
Como não havia indício de má-fé, todos os ministros da Turma seguiram o voto da ministra Nancy Andrighi para dar provimento ao recurso, determinando a impenhorabilidade dos valores depositados em caderneta até o limite global de 40 salários mínimos, ainda que depositados em mais de uma conta.
XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.
A impenhorabilidade dos recursos do fundo partidário justifica-se na forma de impedir que os diretórios nacionais de partidos políticos sejam responsabilizados por atos praticados pelos diretórios estaduais e municipais, com base em várias decisões judiciais que acabaram por determinar a penhora de recursos do fundo partidário de determinados partidos.
§ 1o A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem.
§ 2o O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia.
Referências Bibliográficas
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 01. 08. 1997. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: RT, 2007
GÓIS TEDESCHI, Edilaine Rodrigues de, Direito em debate 382: Impenhorabilidade do bem de família é relativa, 2012.
CASTRO, Amílcar de, Comentários ao Código de Processo Civil. ed. RT, vol. VIII.