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Competência para fiscalizar na Lei Complementar nº 140/11

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Agenda 08/10/2014 às 16:22

3. SISTEMA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL COMUM

A competência comum para a proteção do meio ambiente prevista no art. 23 da CF/88 (BRASIL) é expressão da autonomia dos vários entes federativos e ocorre em diversos momentos e inúmeros atos administrativos. Trata-se de atividade complexa sujeita a análise multidisciplinar e que pode ser fonte de divergências e conflitos de atuação dos atores envolvidos.

De forma a organizar a atividade de proteção do meio ambiente, o legislador complementar optou por definir com precisão os conceitos de atuação administrativa no Capítulo I, disciplinou instrumentos de cooperação no Capítulo II e distribuiu ações de cooperação no Capítulo III (BRASIL, 2011). Observe-se que o legislador teve o cuidado de não tratar de competências, porquanto a competência para proteção do meio ambiente é comum, única, e é atribuída a todos os entes federados pela Constituição. O objetivo do legislador, pela forma de redação, é esclarecer e organizar os meios como se deve exercer a competência comum. Não há alteração da competência comum, o que não poderia ocorrer, visto que é outorgada pela CF/88 (BRASIL).

Para cumprir com a delegação de organizar a atividade de proteção comum, a LC 140/11 (BRASIL) institui um sistema de atuação cooperada. Para o funcionamento deste sistema buscou o legislador definir com precisão os conceitos, distribuir as ações de cooperação e instituir formas de solução de conflitos.

Organizar em sistemas a atividade comum é tradição do sistema federativo cooperativo brasileiro. Nessa tradição, o legislador já instituiu na área ambiental o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criado pela Lei nº 6.938 (BRASIL, 1981) e o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), trazido pela Lei nº 9.985 (BRASIL, 2000), que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal. Na mesma tradição, tem-se o Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Lei nº 8.080 (BRASIL, 1990), que teve determinada sua organização em forma de sistema pela própria Constituição no art. 198.

Ainda que não haja na lei complementar descrição expressa da instituição de um sistema de proteção ambiental comum, esta interpretação é perfeitamente extraída da leitura integrada da norma. Há uma separação clara entre a atividade preventiva e repressiva na proteção do meio ambiente. No momento preventivo, as ações de cooperação são organizadas e distribuídas, o que permite otimizar o trabalho e melhor empregar os recursos públicos. A atividade repressiva, corolário final da verificação de adequação das atividades às normas ambientais, foi realçada como atividade cumulativa para implementação plena da competência comum. Essa atividade de fiscalização, que resume a expressão comum do poder/dever de proteção ambiental, foi reafirmada como atividade de todos os entes para que não houvesse ofensa à competência comum instituída pela Constituição, art. 17, § 3º da LC 140/11 (BRASIL).

Deve-se responder se esse sistema de proteção integrado respeita a competência comum para proteção do meio ambiente ou se há necessidade de licenciamentos múltiplos, como defende Paulo Afonso Leme Machado.

A grande maioria da doutrina e da jurisprudência defende a instituição de um licenciamento único. Neste sentido: “A competência específica para o licenciamento ambiental deve recair, no caso concreto, apenas ao ente federado competente, tendo em vista não haver possibilidade de licenciamento ambiental simultâneo.” (SILVA, 2012, p. 60).

E ainda:

De acordo com a doutrina de Hamilton Alonso Jr., já citado, ‘é inadmissível mais de um licenciamento a respeito de um empreendimento’.

(...)

A partir do advento da LC 140/2011, a regra do licenciamento único foi consagrada em seu art. 13, que assim, dispõe: ‘Os licenciamentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar’. (FIGUEIREDO, 2013, p. 250-251).

Colhe-se de recente sentença proferida no processo nº 0800223-07.2013.4.05.8400:

EMENTA: DIREITOS AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. IBAMA. COMPETÊNCIA. FISCALIZAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. MULTA. PROCEDÊNCIA PARCIAL.

I – O IBAMA é competente para fiscalizar empreendimento licenciado por órgão municipal ou estadual.

II - Validade do auto de infração. (BRASIL, 2013).

Ainda que o entendimento de Paulo Afonso Leme Machado fosse efetivamente o mais seguro, visto que a instituição de múltiplos licenciamentos resguardaria ao máximo a competência comum para proteção ambiental e garantiria um amplo cuidado, a doutrina, a jurisprudência e, sobretudo, o legislador optaram pela regra do licenciamento único. O grande embate era entre a segurança do licenciamento múltiplo e a eficiência (rapidez e redução de dispêndio) do licenciamento único. Pode-se entender que mantida a atribuição para que todos os entes possam fiscalizar e verificar a adequação das atividades com as normas ambientais, resta garantida a competência comum, ou seja, a expressão do poder do ente federado proteger o meio ambiente sem que haja hierarquia, sobreposição ou precedência de qualquer órgão ou ente.

Assim, somente pode-se admitir a instituição de um licenciamento único desde que este seja entendido apenas com parte da atribuição de um sistema único de proteção ambiental. Sistema que não macule o poder e a autonomia dos entes federados outorgados pela Constituição em matéria ambiental. Essa foi a opção do legislador complementar. Distribuiu as ações de cooperação e resguardou o poder de todos os entes em fiscalizar, para verificarem que tudo esteja sendo feito com respeito às normas e à garantida da proteção ambiental.

A LC 140/11 (BRASIL), portanto, institui um sistema de divisão das atividades administrativas, especialmente as ações preventivas, e mantém a atividade fiscalizatória repressiva de forma cumulativa. O legislador optou por organizar as atribuições administrativas enumerando, de forma mais precisa possível, as ações administrativas. Especialmente nos art. 7º, 8º e 9º da LC 140/11 (BRASIL) há uma enumeração pormenorizada das atribuições de cada ente, com o fito de evitar a sobreposição de atividades e de otimização dos recursos públicos.

Por certo, não se pode admitir qualquer ilusão positivista de que seja possível a lei prever todas as situações futuras. Desta forma, o legislador estabeleceu formas de solução de conflito, bem como criou fóruns administrativos para o estabelecimento conjunto de regras de definição futura de divisão de atribuições, como o caso as comissões tripartites, o que também se pode entender como solução adequada.

Passa-se agora a analisar essas formas de funcionamento do sistema de proteção comum.

3.1. FISCALIZAÇÃO REALIZADA PELO ENTE LICENCIADOR

As atividades de fiscalização e de licenciamento são facetas da mesma competência comum para a proteção do meio ambiente. Não há, contudo, confusão entre as duas atividades e uma não vincula a outra e, também, não há qualquer subordinação. Ora, como a competência é comum para proteger o meio ambiente, não poderia a fiscalização estar limitada às atribuições de licenciamento. Esta limitação importaria em significativa redução da competência comum e importaria afronta à Constituição.

Nada disso é novo e não deve ser de difícil compreensão. Conforme exposto acima, o texto do § 3º do art. 17 da LC 140/11 (BRASIL) não apenas não limitou a competência comum como reafirmou que todos os entes da federação devem fiscalizar em todos os casos em que houver dano ao meio ambiente. A lei complementar não poderia efetivamente limitar/reduzir a competência comum. Ela pode apenas delimitar, regulamentar a atuação, dar contorno, informar como se dá a cooperação e o trabalho comum dos diversos entes. Ou seja, o disciplinamento da competência comum não pode ser feito com a redução de nenhum poder de fiscalização. Somente a Constituição poderia impor qualquer redução da competência comum ou dispor de forma diversa. A lei complementar somente pode organizar a atuação comum para dar maior eficiência à atividade administrativa, nos exatos termos do art. 3º, III, da LC 140/11 (BRASIL). Assim a LC 140/11 (BRASIL) deu contornos para evitar o conflito de atribuições e harmonizar as políticas e ações administrativas.

Para o leitor apressado, o caput do art. 17 e o art. 7º, XIII, que se repetem nos arts. 8º, XIII, e 9º, XIII, da LC 140/11 (BRASIL), poderia parecer limitar a fiscalização ao ente responsável pelo licenciamento. Não é, contudo, o que se apreende da leitura integrada do texto. Entender daquela forma seria fazer letra morta do texto do § 3º do art. 17 LC 140/11 (BRASIL) e limitaria, inapropriadamente, a competência comum, bem como limitaria a defesa do meio ambiente, patrimônio indisponível da coletividade. Dispõem os referidos textos da lei:

Art. 7º São ações administrativas da União:

XIII - exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for cometida à União;

(...)

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

(...)

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

A interpretação do texto leva à conclusão de que não existe limitação dos demais entes quando se descreve as ações administrativas do responsável pelo licenciamento. Quer o texto reafirmar que cabe ao ente licenciador “exercer o controle”. Ou seja, ele não pode apenas autorizar, mas deve ter mecanismos e instrumentos adequados e eficientes para o controle contínuo das atividades potencialmente poluidoras. Este controle se faz também pelo instrumento da fiscalização. Mas é obrigação do órgão licenciador organizar o aparato estatal para o controle contínuo e não episódico. O controle não pode se restringir ao momento do processo de licenciamento. Deve-se observar que aqui a LC 140/11 (BRASIL) foi extremamente cautelosa em prever expressamente esta obrigação, sem afastar, em nada, a obrigação de fiscalização comum e geral que cabe aos demais entes da federação.

Assim, o ente licenciador tem a obrigação de manter o acompanhamento contínuo das atividades que licencia. Por este motivo, a lei previu esta obrigação de fiscalização expressamente ao ente licenciador. É um plus, é uma obrigação expressa que não exclui o dever dos demais entes de proteger o meio ambiente. Não diz a lei que somente o ente licenciador fiscaliza, pelo contrário, realça no § 3º do art. 17 da LC 140/11 (BRASIL) que fica mantida a obrigação de fiscalização comum de todos os órgãos estatais. Quem licencia e autoriza se torna também responsável pelo funcionamento da atividade potencialmente poluidora. Deverá o licenciador manter o acompanhamento constante, cobrando relatórios, realizando vistoria, estabelecendo prazos para renovação de licenças, tudo para evitar ou mitigar qualquer possibilidade de dano. A lei prevê dessa forma, porquanto, ainda que a atividade seja licenciada e todos os estudos tenham sido realizados, sempre há a possibilidade da atividade não ocorrer conforme planejado, seja por execução em desacordo com a licença, erro nos projetos ou estudos, ou mesmo pela ocorrência de evento inesperado.

A atividade de licenciamento é típica atividade preventiva, que busca evitar a ocorrência do dano ou, ainda, sua mitigação ou compensação. A lei, portanto prevê que o órgão licenciador mantenha o acompanhamento contínuo da atividade licenciada, por isso prescreve expressamente essa função de fiscalizar (BRASIL, 2011). Fiscalizar aqui quer dizer acompanhar, verificar se a licença está sendo respeitada, bem como se o desenvolvimento do projeto impõe outra exigência que porventura não foi prevista. Não se deve confundir essa fiscalização continuada com a obrigação comum a todos os entes de fiscalização ambiental. A falta de cumprimento dessa obrigação específica de acompanhamento da atividade pelo órgão licenciador o torna corresponsável direto por qualquer dano que a atividade possa gerar ao meio ambiente.

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Portanto, a fiscalização de que fala a LC 140/11 (BRASIL) nos seus arts. 7º, 8º, 9,º e caput do art. 17 é a fiscalização específica, continuada e obrigatória a ser exercida sobre todas as atividades licenciadas. Atividade de fiscalização inerente ao próprio processo de licenciamento, em atividade tipicamente preventiva. Essa tarefa é diferente da atividade repressiva da competência comum de fiscalização ambiental. Assim, quem licencia deve exercer minucioso acompanhamento, dentro dos limites do processo administrativo. A atribuição aqui é limitada, especificada, sem que haja multiplicidade de órgãos ambientais atuando em um mesmo processo de licenciamento.

A atividade de fiscalização da competência comum, reafirmada no art. 17, § 3º da LC 140/11 (BRASIL) é atividade típica de repressão a eventuais danos ou ameaças. Ainda que a fiscalização também exerça função preventiva, porquanto pode interromper uma atividade antes que se efetive o dano, não se confunde com a atividade de prevenção do licenciamento. Portanto, mesmo que um ente não seja competente para licenciar, ele é competente para fiscalizar, podendo, inclusive, autuar todos os responsáveis por qualquer dano que vier a ser causado, em atividade licenciada ou não.

A natureza das atividades de licenciamento e de fiscalização é distinta. A fiscalização por ser geral e repressiva não pode ser especificada ou limitada como ocorre com a atribuição para licenciar. Esta impossibilidade de limitação da fiscalização decorre da previsão da competência comum do art. 23, VI e VII, da CF/88 (BRASIL).

Não há, portanto, qualquer contradição entre o § 3° do art. 17 LC 140/11 (BRASIL) e seu caput e os artigos citados acima. A obrigatoriedade de fiscalização do ente licenciador é específica e não se confunde com a competência geral de fiscalização.

Neste sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

O nosso pacto federativo atribuiu competência aos entes da Federação para a proteção do meio ambiente, o que se dá mediante o poder de polícia administrativa (art. 78 do CTN). Esse poder envolve vários aspectos, entre eles, o poder de permitir o desempenho de certa atividade (desde que acorde com as determinações normativas) e de sancionar as condutas contrárias à norma. Anote-se que a contrariedade à norma pode ser anterior ou superveniente à outorga da licença, portanto a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada àquele ato administrativo. Isso posto, não há que se confundir a competência do Ibama de licenciar (caput do art. 10 da Lei n. 6.938/1981) com sua competência para fiscalizar (§ 3º do mesmo artigo). Assim, diante da omissão do órgão estadual de fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, o Ibama pode exercer seu poder de polícia administrativa, quanto mais se a atividade desenvolvida pode causar dano ambiental em bem da União. (BRASIL, 2009).

E em recente decisão:

Ademais, a atribuição do IBAMA para a fiscalização de atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental mesmo nas hipóteses em que a atividade tenha sido licenciada por órgão ambiental estadual ou municipal decorre do art. 2º da Lei 7735/89, em vista da competência constitucional concorrente atribuída à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição, em qualquer de suas formas, e preservar as florestas, a fauna e a flora (Constituição, art. 23, VI e VII e Lei 9605, art. 70, § 1º) (BRASIL, 2013).

Do Supremo Tribunal Federal (STF) também se colhe o mesmo entendimento:

É preciso destacar que não há dúvida de que existe uma fiscalização inerente ao exercício de licenciamento ambiental por parte do órgão competente para tanto. O que se espera, nesse sentido, é que o órgão competente para licenciar exerça amplo controle e fiscalização nos limites do processo administrativo de licenciamento ambiental, sem interferências de outros órgãos integrantes do SISNAMA, ressalvadas eventuais exceções previstas em lei.

Entretanto, o artigo 23 da Constituição e a legislação federal como um todo apontam como dever de todos os entes integrantes do SISNAMA a fiscalização de descumprimento das normas ambientais e o impedimento de degradações ambientais indevidas, fornecendo-lhes instrumentos adequados para a prevenção e a repressão de eventuais infrações contra a ordem ambiental.

Esse é o entendimento que está disciplinado, por exemplo, nos artigos 70 a 76 da Lei n.º 9.605/98, que tratam da definição das infrações administrativas e do dever de todos os órgãos do SISNAMA em preveni-las e reprimi-las mediante o exercício do seu poder de polícia ambiental, sob pena de sua omissão configurar, inclusive, corresponsabilidade, como dispõe o art. 70, §3º, da Lei n.º 9.605/98: ‘A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.’

(...)

Contudo, cabe destacar que, se há um dever comum de fiscalização dos órgãos do SISNAMA quanto a infrações e crimes ambientais, isso não significa que se possa interpretar o seu poder de polícia ambiental a ponto de se incitar, em último caso, uma inoperância da preservação ambiental a partir da divergência de entendimentos dos órgãos de fiscalização ambiental e da ação de uns em prejuízo dos outros e da coletividade.

Por isso, o parâmetro mínimo que pode ser considerado aqui é exatamente se a fiscalização em análise decorreria diretamente do exercício regular do licenciamento ambiental (para a concessão de uma licença, para a discussão quanto a condicionantes e requisitos necessários à licença), o que evidenciaria, em princípio, possível superposição da atuação do IBAMA sobre a competência do órgão municipal/estadual para o licenciamento, o que não está permitido, provisoriamente, pelas decisões desta Presidência.

Há, entretanto, situações que evidenciam uma zona de penumbra para a aferição do cumprimento do mencionado critério, o que demonstra que a análise caso a caso deverá ser realizada. (BRASIL, 2010).

Distinta é, portanto, a atividade de fiscalização, a ser realizada de forma contínua pelo ente licenciador, da atividade de fiscalização geral, a ser efetivada por todos os entes em seu território, como poder/dever originário constitucionalmente da competência comum para proteção do meio ambiente.

3.2. INEXISTÊNCIA DA PREVALÊNCIA DO ENTE LICENCIADOR

A atribuição de fiscalização preventiva para os entes licenciadores no inc. XIII dos art. 7º, 8º, 9º e caput do art. 17 da LC 140/11 (BRASIL), bem como a previsão de prevalência do auto de infração do ente licenciador no art. 17, § 3º da LC 140/11 (BRASIL), tem gerado enorme confusão. São inúmeros os autores que defendem haver prevalência, ou proeminência do ente licenciador. Entendem que a LC 140/11 (BRASIL) teria criado um vínculo entre o licenciamento e fiscalização ambiental.

Assim, verifica-se que a Lei Complementar trouxe avanços no que diz respeito à fiscalização ambiental, em especial quanto à definição de que prevalecerá a competência do órgão ambiental que licencia ou autoriza a atividade. Entretanto, a Lei deixou dúvidas que poderão causar insegurança jurídica, caso não sejam devidamente regulamentadas. (WALCACER e outros, 2013, p. 71).

E ainda:

O art. 17 contém norma de maior importância, pois, como já escrevemos em outros lugares, o exercício do poder de polícia administrativo em matéria ambiental (como ocorre em outros setores) se dá em duas fases sucessivas e indissociáveis (a primeira fase, a do licenciamento e a segunda de repressão), o que leva à conclusão de que somente quem licencia pode aplicar sanções. (...)

Portanto, acaba aqui aquela confusão: um órgão competente é que licencia e outro qualquer aplica sanções, que tem ocorrido na prática. (MUKAI, 2012, p. 40).

Como visto acima, a fiscalização do ente licenciador é distinta da fiscalização geral a ser realizada por todos os entes da federação. Diz o art. 17, § 3º da LC 140/11 (BRASIL) que prevalece o auto de infração do ente licenciador quando houver duplicidade de autuação. Não se trata aqui, como já dito, de qualquer limitação do poder de fiscalização. O que prevalece é apenas e tão-somente o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização. Observe-se que não prevalece a atividade do órgão licenciador ou autorizador, não há concentração ou prevalência da atividade do ente licenciador. Existe simplesmente uma regra de solução para duplicidade de autuação, caso contrário se estaria reduzindo inconstitucionalmente o poder de fiscalização dos demais entes da federação.

Neste sentido, com algumas nuances:

Não obstante tenha causado grande apreensão, esta nova regra, por si só, à primeira vista, não parece padecer de qualquer vício, desde que adotemos uma interpretação conforme à Constituição Federal. O ente responsável pelo licenciamento ambiental deve estar capacitado para também exercer o poder de polícia sobre o empreendimento ou atividade que licenciou (ou não licenciou).

Ademais, o § 3º de referido dispositivo reafirma a atribuição comum dos demais entes federativos para o exercício da fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor. Nesta hipótese, em se omitindo o órgão licenciador do dever de fiscalização, o poluidor poderá ser autuado por outro órgão ambiental. E, em havendo duplicidade de autuações, prevalecerá auto de infração lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização. (FIGUEIREDO, 2013, p. 253).

A solução para duplicidade de autuação já existia no art. 76 da Lei nº 9.605/98 (BRASIL):

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.

O texto da Lei nº 9.605/98 (BRASIL), contudo, não respondia a todos os problemas concernentes à duplicidade de autuação. Observe-se que a solução era exclusivamente financeira, não havia preocupação quanto aos demais efeitos da autuação. Como se sabe, a questão financeira, nem de longe é a questão mais importante de uma autuação ambiental. A pena pecuniária cumpre função pedagógica e não arrecadatória. Mesmo que se defendesse a função arrecadatória da pena, esta estaria em último plano. Além do mais, a solução anterior informava que a multa federal era substituída sem qualquer critério, e não resolvia sequer o conflito entre uma multa estadual e municipal. O mais grave de tudo era o fato de não informar qual ente deveria seguir com as exigências administrativas e legais para recuperação do dano ambiental.

A solução do art. 17, § 3º, da LC 140/11 (BRASIL) é mais equânime, completa e adequada. A lei complementar adequadamente informa que não há prevalência de qualquer ente. A multa federal não será sempre substituída. Aliás, não havia qualquer razão para esta previsão anterior da substituição financeira da multa federal. Com a nova disposição, quis o legislador concentrar a atividade administrativa em um único ente e usou como critério o ente que já concentrava a atividade de licenciamento, porquanto é atividade contínua e preventiva. Adequado o critério, e quando a atividade for licenciada pelo ente federal, ainda que o ente estadual lavre multa, o auto de infração federal persistirá.

Deve-se, contudo, analisar com precisão para saber quando realmente há duplicidade de autuação. Somente há duplicidade quando o fato, o sujeito passivo e o tipo infracional forem absolutamente idênticos. Faltando algum elemento de identidade, não se estará diante de duplicidade de autuação e não há incidência da regra do art. 17, § 3º da LC 140/11 (BRASIL).

Por exemplo, em um mesmo empreendimento pode haver multa por atividade sem licença e por agressão a área de preservação permanente (APP). Caso outro órgão também lavre multa por atividade sem licença, prevalecerá em relação a esta multa dúplice a multa do órgão licenciador. Mas, se não houver duplicidade em relação à multa por dano à APP, a multa já lavrada, ainda que não seja pelo órgão licenciador terá seu curso, mantidas todas as exigências ambientais e administrativas.

O mesmo ocorre se o sujeito passivo for distinto. Assim, caso a multa seja lavrada contra o construtor e, posteriormente, o órgão licenciador lavre outra multa contra o empreendedor, que pode ser diverso, também não haverá duplicidade. Sendo o sujeito passivo distinto, cada um responderá nos termos de sua responsabilidade, conforme art. 2º da Lei 9.605/98 (BRASIL).

A necessidade de aplicação do mecanismo de solução de duplicidade de autuação, previsto no § 3º do art. 17 da LC 140/11 (BRASIL), ocorre apenas se a autuação for pelo mesmo fato, pelo mesmo tipo infracional e contra o mesmo sujeito passivo. Faltando um elemento de identidade, a nova multa do órgão licenciador não terá o condão de impedir o prosseguimento das apurações em razão dos danos ou vícios já autuados.

Cabe aqui fazer um pergunta fundamental: Por que a prevalência apenas do auto de infração do ente licenciador não fere a competência comum e, ao contrário, a prevalência da atividade do ente licenciador (como querem ler alguns) seria inconstitucional?

A prevalência do auto de infração é mera regra de solução para duplicidade de autuação. É norma de proteção do cidadão. Não pode uma mesma pessoa ser apenada duplamente pela mesma falta. O duplo apenamento contraria vários princípios jurídicos e constitucionais.

Por outro lado, a prevalência do auto de infração não significa que a infração ficará impune ou que não será corrigida. Somente quando o ente licenciador autuar absolutamente pelo mesmo motivo é que estará legitimado para prosseguir nos trâmites administrativos para aplicação da pena e exigir a recomposição do dano.

Além de ser regra de proteção do cidadão, a prevalência de auto de infração também é regra de proteção do meio ambiente. Observe-se que somente outro auto é que tem o condão de prevalecer. Portanto, não há prevalência da atividade de licenciamento. Ou seja, não pode o ente licenciador fiscalizar um empreendimento e certificar que está em conformidade com a lei para que a multa anterior seja anulada. Não havendo nova multa, não há incidência da regra e o autuado deverá demonstrar no processo administrativo do ente fiscalizador que corrigiu o dano ou que não havia razão para a multa.

Por fim, mesmo que haja novo auto de infração e prevalência do ato administrativo do ente licenciador, o dano detectado será devidamente apurado e exigida a correção. Ou seja, como regra de eficiência e como regra protetiva do meio ambiente, a solução para duplicidade importa em controle absoluto da atividade. O mesmo não se pode dizer se apenas um ente tivesse a palavra final sobre a matéria ou competência exclusiva de fiscalização. A omissão do ente licenciador em fiscalizar não poderia ser suprida por outro órgão, em completo descompasso com as normas do art. 23 e 225 da CF/88 (BRASIL).

Portanto, a regra da prevalência do auto de infração do ente licenciador não fere a competência comum. É regra protetiva do meio ambiente. Prevê a possibilidade de mais de um auto de infração, e a prevalência somente ocorre com a lavratura de novo auto de infração. Assim, reduz-se muito a possibilidade de um dano ambiental permanecer impune.

Caso o ente licenciador não autue, a multa lavrada por outro órgão terá seu curso normal. Dessa forma, a competência comum para a proteção do meio ambiente está preservada. Exemplificando, em um empreendimento licenciado pelo ente Federal, caso o Estado-Membro aplique uma multa por dano ocorrido na atividade, ainda que o licenciador não entenda da mesma forma, estará mantido o direito/dever de proteção do meio ambiente como expressão do poder originalmente conferido pela Constituição Federal a todos os partícipes da federação.

A interpretação equivocada de prevalência do ente licenciador, e não apenas do auto de infração, que levaria a uma concentração da fiscalização no ente licenciador, é completamente contrária à competência comum e por isso inconstitucional e deve ser rejeitada. Caso houvesse esta prevalência da atividade de licenciamento, não mais poderiam os membros da federação exercer sua competência constitucional de proteção do meio ambiente. Haveria redução da competência constitucional, o que não pode ser feito por lei complementar.

Deve-se, portanto, atentar para a correta interpretação do texto do § 3º do art. 17 da LC 140/11 (BRASIL). O texto é apenas uma regra de solução de duplicidade de autuação, e não se pode fazer leitura ampliativa para incluir significado inexistente e, pior ainda, inconstitucional.

Essa preocupação parece ter sido o motivo da emenda de redação feita pelo Senado Federal no texto deste § 3º da LC 140/11 (BRASIL). O texto recebido da Câmara falava que era nula a autuação feita por ente diverso, caso novo auto de infração fosse lavrado pelo ente licenciador. Aquele texto poderia levar ao entendimento de que a competência comum estaria reduzida apenas à atividade do licenciamento, concentrada em um ente da federação. Essa possibilidade de interpretação equivocada parece ter sido a razão de a alteração feita no Senado ser entendida apenas como emenda de redação. Ou seja, apenas mudou a redação para facilitar o correto entendimento, sem haver alteração do conteúdo da norma. (BRASIL, 2014).

A preocupação em apresentar uma emenda de redação era justamente porque não se poderia limitar a competência comum, o que afrontaria o texto infraconstitucional. O texto foi emendado para expressar apenas aquilo que era permitido pela Constituição, ou seja, que não há limitação para a proteção ao meio ambiente por qualquer ente da federação. O parágrafo único do art. 23 da CF/88 (BRASIL) não permite restrição da competência comum, o mandado constitucional é tão somente para que a lei complementar explicite as formas de cooperação e de otimização da autuação administrativa na defesa do meio ambiente. Nada mais poderiam dispor os legisladores complementares.

Imaginar que possa haver uma preponderância ou prevalência do ente licenciador seria inconstitucional. Por essa razão, pode-se entender a preocupação de Paulo Afonso Leme Machado quando defende a multiplicidade de licenciamentos. É o temor que a unicidade de licenciamento leve a uma interpretação reducionista da competência comum, de retirar dos entes federados o poder constitucional de proteção do meio ambiente.

O risco da concentração em matéria ambiental é grande, visto que a matéria é multidisciplinar e extremamente complexa, onde a precaução deve estar sempre presente. Concentrar pode não ser adequado, visto que sequer o Estado é detentor da resposta final, porquanto não é o titular único do direito e também não pode se entender como representante ímpar da sociedade. Essa é a novidade dos direitos difusos que precisa ser profundamente entendida. Como muito bem lembra Paulo Machado (2013, p. 331) da lição de Garcia de Enterría e Fernandez:

A Administração Publica não é representante da comunidade, senão uma organização posta ao seu serviço, o qual é, em essência, distinto. Seus atos não valem, por isso, como próprios da comunidade (...) senão como próprios de uma organização dependente, necessitada de justificar-se, em cada caso, em seu serviço à comunidade, para a qual está ordenada.

Não há fundamento constitucional para o entendimento de prevalência da atividade do licenciamento, pois é contrário a qualquer princípio ambiental e constitucional. Caso houvesse a prevalência do ente licenciador, os demais entes da federação estariam impedidos de proteger o meio ambiente em relação àquela atividade licenciada. Houvesse dano, que muitas vezes pode ser da responsabilidade do próprio ente licenciador, este poderia passar impune. Pode haver inclusive conflito de interesse entre quem autorizou a obra e que pode ao mesmo tempo ser também responsável pela infração. Não poderia a lei encarregar exclusivamente para fiscalizar quem pode ter interesse que a fiscalização não ocorra. É uma interpretação que fugira à máxima proteção ambiental que se extrai dos arts. 23 e 225 da CF/88 (BRASIL).

Não pode norma infraconstiuticional retirar qualquer parcela de poder originalmente dado pela Constituição. A combinação dos arts. 23 e 225 da CF/88 (BRASIL) é justamente para garantir essa ampla proteção. Essa interpretação de prevalência do ente licenciador não está prevista na lei complementar e não é permitida pela Constituição, e nem mesmo os defensores do progresso a qualquer preço conseguiram impor no texto final da lei complementar.

A organização/distribuição das atividades administrativas prevista na LC 140/11 (BRASIL), portanto, não reduz a competência comum e não padece de qualquer vício de constitucionalidade. A fiscalização pode ser feita por qualquer ente da federação e não está adstrita ao órgão licenciador. Como visto, até em muitos casos, o próprio agente do órgão licenciador deverá ser responsabilizado pelo dano e a fiscalização de outro ente da federação normalmente é mais eficaz, neste caso, por estar apartada do processo de licenciamento.

Essa regra de solução de duplicidade de autuação é uma grande e importante inovação da LC 140/11 (BRASIL). Substitui com vantagens a previsão anterior do art. 76 da Lei 9605/98 (BRASIL) e, sobretudo, respeita a competência comum para atuação de todos os entes da federação na defesa do meio ambiente.

3.3. FISCALIZAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS LICENCIADOS OU LICENCIÁVEIS

A fiscalização, portanto, não se confunde com o licenciamento. É importante, contudo, discorrer sobre situações diversas que podem advir em fiscalização de empreendimentos licenciados ou licenciáveis.

A LC 140/11 (BRASIL) prevê que o ente licenciador deve manter a fiscalização contínua da atividade que licenciou ou autorizou, ou da atividade que é responsável pelo licenciamento ou autorização. Mas a fiscalização pode ocorrer por outro ente, por falha do ente fiscalizador ou porque este também é responsável pelo erro ou conivente com o dano ambiental. Qualquer ente da federação pode fiscalizar as atividades potencialmente poluidoras, ainda que não seja responsável pelo licenciamento. Anota-se decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), neste sentido:

A fiscalização, por sua vez, se perfaz na possibilidade de se verificar a adequação de atividades ou empreendimentos às normas e exigências ambientais, sancionando aquelas que estejam em desacordo. Tal fiscalização pode ocorrer em atividades sujeitas ou não ao licenciamento e em momento anterior, concomitante ou posterior à emissão da licença. (BRASIL, 2009).

E no mesmo sentido do TRF4:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO AMBIENTAL, MULTA E EMBARGO. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE, LEGITIMIDADE E VERACIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. LICENCIAMENTO ESTADUAL. ATUAÇÃO DO IBAMA. ATRIBUIÇÃO CONCORRENTE.

O auto de infração atende aos requisitos de validade, a descrição da infração é claro, há motivação e expõe a fundamentação legal em que se baseia.

Na ausência de produção de prova capaz de afastá-la, o ato administrativo goza da presunção de ser legal, legítimo e veraz.

O auto de infração expedido no exercício do poder de polícia ambiental, atribuição concorrente dos órgãos ambientais estaduais, municipais e federal é consequência da competência administrativa comum de preservar o meio ambiente (art. 23, VI da CF/88) e característica do federalismo cooperativo (art. 24 da CF/88).

Apelação Improvida. (BRASIL, 2012).

Em razão desta complexidade, é importante analisar algumas situações práticas para facilitar a compreensão. O dano ambiental pode ocorrer em área que o infrator não requereu a licença devida. Neste caso, a autuação não traz maiores dificuldades. Após a lavratura do auto de infração cabe a comunicação ao órgão licenciador, que poderá também autuar. Havendo nova autuação do órgão licenciador, esta prevalece sobre as anteriores desde que haja duplicidade de autuação caracterizada pela identidade de fato, tipo e sujeito passivo. A cobrança das obrigações pecuniárias, administrativas e ambientais passa para a responsabilidade exclusiva do órgão licenciador.

Pode haver, porém, situação mais complexa quando o dano ocorre em empreendimento licenciado. Neste caso, o dano pode ocorrer por vários motivos. O dano pode existir porque o empreendedor extrapolou os limites da licença ou, ainda, tendo respeitado a licença, pode ser causado por fato não previsto. Pode, ainda, na pior das hipóteses, ocorrer porque a própria licença possui vício. Nesta última situação, a autuação deve ter como sujeito passivo não apenas o empreendedor, mas também os responsáveis pelo vício na emissão da licença.

Havendo licença ou sendo licenciável a atividade, e tendo ocorrido dano ou na sua iminência, qualquer ente pode autuar e deverá comunicar ao órgão licenciador, conforme o art. 17, § 2º, da LC 140/11 (BRASIL). Caso o dano ocorra em razão de desrespeito à licença concedida ou por fato não previsto nos estudos, é provável que o órgão licenciador lavre multa própria e passe a acompanhar o processo, prevalecendo sobre eventuais multas do órgão ambiental comunicante.

A competência comum para fiscalização é mantida ainda que tenha a atribuição para o licenciamento seja de um ente específico. Milaré (2011, p. 1135) destaca:

Acresce, ainda, que todos os entes federativos têm competência comum para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; isso envolve atribuições na esfera administrativa, com fulcro no poder de polícia ambiental.

Por outro lado, como aos Municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local, suplementando, neste particular as legislações federal e estadual, cabe afirmar que a polícia ambiental pode (e deve) ser exercida cumulativamente por todos os entes federativos, genericamente referidos como Poder Público; isso, aliás, decorre claramente do art. 225, caput, da Carta Magna.

Contudo, quando a multa for dada por dano em razão de licença viciada a situação torna-se bem mais difícil. Neste caso, é possível que órgão licenciador não tenha agido com as cautelas devidas, ou pode haver vícios de diferentes ordens, como autorização de atividade em local proibido ou fora dos padrões exigidos pela legislação ambiental. A fiscalização, neste caso, não significa interferência na competência do órgão licenciador. O que o ente federativo estará coibindo é a atividade contrária às normas ambientais em seu território, não importando quem executa ou licencia. A fiscalização não deverá efetivar novo processo de decisão sobre o licenciamento. É apenas a verificação da adequação das atividades com as normas ambientais. Mas, é muito importante que sejam reunidos elementos de prova suficientes para sustentar a autuação, porquanto deve ficar devidamente demonstrado que, apesar da licença, a atividade afronta a legislação ambiental.

O vício da licença emitida, contudo, não pode ser confundido com situações limites de decisão do órgão licenciador. A matéria ambiental é complexa e multidisciplinar. As decisões, no processo administrativo de licenciamento, dependem da análise de técnicos de diversas áreas do conhecimento e não há respostas simples. É sempre necessário sopesar ganhos e perdas de diferentes áreas e de interesses distintos. É comum que haja opiniões distintas sobre determinado elemento técnico, se é possível ou não o empreendimento. Sempre podem surgir divergências se a situação se enquadra ou não na legislação ambiental. Neste caso de zona cinzenta, cabe ao órgão licenciador a atividade administrativa para correta solução. Por isso, os licenciamentos são procedimentos administrativos abertos e participativos, inclusive com previsão de audiências públicas[3]. Quanto mais aberto e participativo for o processo administrativo de licenciamento, mais segura será a decisão do ente licenciador e poderá minorar as possibilidades de divergências ou erros. O verdadeiro processo de licenciamento deve ser entendido apenas como um ato presidido pelo ente licenciador, em que os vários atores técnicos, sociais e políticos interagem para encontrarem a melhor escolha possível da comunidade.

O § 1º do art. 13 da LC 140/11 (BRASIL) prevê a manifestação dos demais entes federativos no processo de licenciamento. Essa manifestação não é vinculante, pois o processo de licenciamento é aberto e participativo, deve reunir a contribuição de todos os interessados. Contudo, ainda que a manifestação não seja vinculante, havendo desrespeito a normas ambientais, os entes da federação não estão impedidos de atuar para proteção de seu território, conforme dispõe o art. 23 da CF/88 (BRASIL). O adequado, contudo, é que o processo de licenciamento seja o mais aberto e participativo possível para permitir a atuação harmoniosa prevista no art. 3º, III, da LC 140/11 (BRASIL).

A multa, portanto, para os casos de constatação de vício na própria licença deve ter as cautelas acima apresentadas. Deverá ser bem fundamentada e deve ser expedida contra todos os responsáveis pelo dano. Conforme o caso, pode se responsabilizar os empreendedores, os responsáveis pelos laudos e estudos e até mesmo os responsáveis pela licença, tudo na medida de sua culpabilidade, conforme prevê o art. 2º da Lei nº 9.605/98 (BRASIL). Devem ser lavradas tantas multas quanto forem os responsáveis. Não há bis in idem, mesmo que o fato seja único, e se possa repetir o tipo infracional, o infrator é distinto para cada multa. O tipo infracional também pode ser diferente, dependendo da atividade de cada agente. Um pode ser responsabilizado pelo estudo falso, outro por licença falsa[4], etc. É importante que fique devidamente esclarecida a participação de todos os agentes.

Após a lavratura da multa, deve-se comunicar ao órgão licenciador. Contudo, como a multa, neste caso, detectou que há vício na própria licença, é possível que o órgão licenciador discorde e não lavre multa própria. Assim, a multa já expedida terá seu curso normal, com julgamento pelo órgão que a lavrou. Todos os agentes envolvidos na infração terão oportunidade de defesa, bem como poderão provar no processo administrativo que a conduta era adequada.

Dessa forma, não há interferência na competência para licenciar. Esses exemplos permitem entender mais facilmente a distinção entre a atividade de licenciamento e a atividade fiscalizatória. A Constituição levou a proteção ambiental a um patamar de tamanha relevância a ponto de prever a atribuição de todos os cidadãos e de todos os entes da federação na sua proteção, não limitando a proteção à atividade preventiva do licenciamento ambiental, conforme art. 23 e 225 da CF/88 (BRASIL).

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Henrique Albino. Competência para fiscalizar na Lei Complementar nº 140/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4116, 8 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29730. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Centro de Educação a Distância – CEAD, da Universidade de Brasília – UnB, como requisito parcial à obtenção do grau de Especialista em Direito Público.

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