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Os antigos desafios à igualdade e os novos instrumentos de sua consecução na perspectiva sócio-jurídica

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Agenda 09/10/2014 às 12:22

O tratamento desigual, objetivando a igualdade, desde que atendidos pressupostos de democracia, é legitimado na Constituição Federal. Todavia, há que se evitar discricionariedade, insegurança e variação das interpretações.

INTRODUÇÃO

Impressiona que ideais forjados ao longo dos séculos e que encontraram marco e voz na Revolução Francesa de 1789 (embora sejam, sem dúvida, o produto de transformações históricas e sociais e que se manifestaram não somente em França) sejam, ainda hoje, desafios a serem perseguidos. Nesse passo, o brado revolucionário francês – liberdade, igualdade, fraternidade – se mostrou como que um oráculo das transformações do próprio Estado – como hoje o conhecemos – a se evidenciar na evolução da abrangência e eficácia das conhecidas gerações de direitos fundamentais.

Hoje a concepção do liberalismo é ultrapassada e até mesmo antagônica com o objetivo empírico do Estado – realização do bem comum – assim como também o é a concepção pura dos chamados Direitos Fundamentais Sociais, que serviram de estribo débil para a consolidação de regimes totalitários que prometeram a garantia das condições mínimas para que o homem obtivesse condições para a realização de suas virtudes potenciais.

Inegavelmente, todavia, os chamados direitos fundamentais de primeira e segunda geração, mesmo que não conquistados em sua inteireza, serviram para que, no atual estágio de evolução político-jurídica do Estado, ao menos se identificasse, à luz dos reclamos sociais, as novas utopias a serem contempladas (já que a utopia em si não serve a ser concretizada). A afirmação de que os direitos de primeira e segunda geração não foram efetivados por inteiro decorre de sua violação amiúde.

Há quem diga que os direitos de primeira e segunda geração contemplem os chamados Estado Liberal e Estado Social e, ainda, aos ideais de liberdade e igualdade. A fraternidade seria objetivo de outra forma de Estado acrescida de um plus legitimador - a democracia – e que contemplaria direitos fundamentais de outra grandeza geracional.

Ocorre que a igualdade – essa será a tônica primordial deste artigo –, condição para o desenvolvimento das potencialidades humanas, não foi – e nem poderia ser – obtida durante o chamado Estado Social, justamente pela carência da democracia como cerne fundamental e que possibilita o deslocamento da tensão de conflito entre as funções do Estado nem tanto para Executivo e Legislativo, senão, sobretudo, para o Judiciário, que imprescinde da provocação para o atuar concreto já no Estado Democrático de Direito.

É sobre o que se pretende discorrer, apontando as velhas necessidades igualitárias e a nova instrumentação de consecução, segundo a evidência dos reclamos sociológicos, com vista, todavia, à necessidade de um plus de legitimidade estatal, decorrente da Democracia e que faz imperar diferenças para a consecução da igualdade.


A PROBLEMÁTICA

A se partir de uma concepção naturalista, o homem (paradoxalmente) é desigual em relação a seu semelhante. Tomando-se por base uma concepção hobbesiana (e contratualista), segundo a qual a hostilidade da natureza, e aquela formada pelas próprias diferenças dos seres humanos, faz com que haja uma inventiva de técnicas de sobrevivência da sociedade incipiente, o direito exsurge de uma submissão voluntária dos homens para que, desde o início, se obtenha manutenção social e a garantia do Estado, ‘fomentador’ da existência social e do bem comum. [1] Para a consecução dessas missivas, a doutrina dos Direitos Fundamentais é sine qua non. Ou, para citar Bonavides: [2]

A primeira tese que vingou nos tempos clássicos foi a da desigualdade natural dos seres humanos proclamada por Aristóteles e Platão, servindo-lhes de base a toda a especulação política subseqüente.

Os direitos fundamentais nascem da identificação de valores comuns às diversas sociedades e grupos. Não dependem da vontade do legislador, mas de princípios universais, frutos da razão humana e das diversas complexidades da convivência humana.

Em um primeiro momento, o Estado (moderno) nasce antes da Constituição, com a ruptura do sistema feudal e a centralização absolutista do Poder.

As modificações dos paradigmas sociais fazem exsurgir o Estado Liberal. As bases do Estado Liberal provêm dos argumentos de Locke, para quem a questão dos direitos humanos se dá em função da propriedade. Esta é que iria sedimentar, proteger e assegurar o produto das liberdades, do exercício da autonomia e do trabalho humano.

Como o estado liberal se funda no contratualismo, propriedade e no formalismo jurídico, os direitos sociais vêm no sentido de ameaçar o contrato e a propriedade. O conflito na sociedade liberal, entre a pessoa e a legalidade material em relação ao formalismo e à objetividade normativa do governo burocrático se resolve no nivelamento das possibilidades da vida econômica e social, assumindo essa função não meramente formal, porém substancialmente.

Retornando, o germe do Direito de Igualdade, exsurge dentro de uma ótica de que o exercício das liberdades pressupõe a igualdade dos seus titulares. [3] Imperam, pois, na origem, uma limitação ao Estado. Essa limitação dá apenas um conceito formal de igualdade. Nessa linha, cito Touraine: [4]

Este modelo clásico de sociedad produce indivíduos similares pero no iguales; se contrapone directamente com El modelo que asocia igualdad y diferencia, ... Em efecto, lo que es universal es um derecho general e incluso natural, como enuncia El primer articulo de la Declaraciòn de los derechos Del hombre y del ciudadano de 1789: “Los hombres nacen y permancen libres e iguales em sus derechos”, añadiendo enseguida: “las distinciones sociales pueden ser fundadas solo sobre la utilidad comùn”.

E, em Bonavides: [5]

Dentro da Sociedade liberal, os direitos fundamentais eram os direitos da liberdade, traçados segundo uma imagem isolante e individualista, pertinente à liberdade pessoal, à propriedade, à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, às liberdades de opinião, assembléia, reunião e crença religiosa, entre outras.

Para ser breve na evolução histórica – e sempre com ênfase na peculiaridade sociológica como um dos principais fomentadores das alterações do Direito –, a concepção Liberal do Estado se mostrou deveras insuficiente. Na evolução e consequente multiplicação de direitos, orientados pelo aumento de bens considerados merecedores de tutela e, com força, porque o homem deixa de ser considerado abstratamente e cada vez mais é entendido dentro de sua especificidade, tanto individual, como de grupo, além da simples ingerência negativa do Estado (ou não ingerência, se preferir), advém novo reclamo de atividade estatal para cumprir com aquela citada empírica finalidade de promoção do bem comum.

O direito não é apenas símbolo, como também um sistema de ação, dentro do qual as normas de ação se ramificam entre morais e jurídicas. Os direitos humanos seriam formariam os princípios fundadores do próprio direito, sejam de que ordem (geração) o forem.

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Os Direitos são “indubitavelmente, um fenômeno social. Ou, pelo menos, são também um fenômeno social: e, entre os vários pontos de vista de onde podem ser examinados (filosófico, jurídico, econômico, etc.), há lugar para o sociológico, precisamente o da sociologia jurídica”. [6]

É em contexto realístico formado de lutas e movimentos que as alimentaram e deram origem, que se encontram as condições para a produção dos direitos, segundo as diversas realidades sociais complexas e contraditórias em si, de modo que, o desenvolvimento do Estado, então, e as modificações das exigências da população, é que vetorizam o desenvolvimento do Direito. [7]

Ocorre que as exigências sociais não antes de serem atendidas, foram aviltadas no contexto liberal capitalista. Atingido determinado nível de desenvolvimento econômico e tecnológico, as transformações sociais fizeram nascer novas necessidades a reclamar intervenção do Estado, que outrora se procurou suprimir. Isso não é nem bom e nem ruim, apenas retrata que as transformações sociais fizeram surgir reclamos imprevisíveis e inexequíveis antes delas próprias, significando uma conexão entre as mudanças sociais e a aplicação prática dos direitos fundamentais. Mais ainda. Demonstram que os direitos sociais não obtiveram êxito em sua implementação por carecerem de um estado igualitário, ou, ao menos, que promovesse certo nível de igualdade. Não foi – e nem poderia ser – bastante a inserção da igualdade dentro da concepção liberal. Com força, tem-se que a igualdade meramente civil ou formal é direito fundamental de primeira geração, ao passo que a igualdade material ou efetiva, porquanto exija intervenção estatal, é uma grandeza de uma outra etapa evolutiva do direito, abarcando já os direitos sociais.

Em suma, no Estado social contemporâneo, o sentido do princípio da igualdade se contém na sua significação como direito e como técnica.

Novamente com Touraine, em tradução livre, cabe agregar que a chamada igualdade de direito contra a desigualdade de fato não havia adquirido a força que historicamente teve se não tivesse passado uma confiança absoluta no sentido de uma evolução histórica natural. Quanto mais moderna uma sociedade, mais rápido se modifica e transforma e atua sobre si mesma demolindo as barreiras e distâncias sociais herdadas. Se volta à razão em detrimento das tradições. (ob. cit. p. 14).

Se a igualdade civil é produto da Revolução Francesa de 1789, apenas com Marx é que o conceito ganha uma dimensão material ou econômica, a ponto de abalar as próprias estruturas do Estado Moderno. [8] Contudo, os direitos sociais não são meio de corrigir injustiças e nem são subsidiários de outros direitos. Direitos sociais – igualdade material e liberdade real – exercem posição e função que incorporam aos direitos humanos uma dimensão necessariamente social, retirando-lhe a pecha de ‘caritativo’ e dotando-lhe de caráter de exigência moral como condição da sua normatividade.

Mister, no entanto, entender os chamados direitos sociais – e nesses, há que se incluir a dimensão material da igualdade – como fundamentais. Os direitos sociais foram inseridos na Constituição Federal como categoria jurídica essencial e, assim, são direitos fundamentais e mantenedores de relações de igualdade com os direitos civis e políticos. Isso decorreria da carência de fundamentação lógico-racional para os direitos sociais, a fim de que eles possam ser integrados no núcleo normativo do estado democrático de direito, ao lado dos direitos civis e políticos, já consagrados no Estado Liberal. A exclusão dos direitos sociais reflete o predomínio de hermenêutica constitucional que conflita com os paradigmas políticos e jurídicos do Estado Democrático de Direito.[9]

Esse tipo de organização pressupõe uma hermenêutica que supera a tradicional na medida em que coloca a Constituição como ferramenta à disposição do intérprete. Além da característica principiológica, considerar a constituição como ferramenta, possibilita a realização de seus objetivos e confere, mesmo à parte programática, força impositiva, independentemente de arranjos sociais ou econômicos.

Fala-se dos direitos sociais e políticos, que exigem uma intervenção direta do Estado e mais que isso, também a consideração que extrapola a individualidade, passando a considerar sujeitos diferentes do indivíduo, como a família, as minorias étnicas, enfim, toda a humanidade em seu conjunto.

Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder –, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. [10]

O ganho qualitativo do direito de igualdade ocorre quando o homem genérico dá lugar à observância das especificidades da pessoa em seus diversos status sociais com base em critérios objetivos de diferenciação a proteger, v.g., a mulher, o idoso, as crianças, os doentes, etc. Bobbio disserta sobre isso [11]:

Essa universalidade (ou indistinção, ou não-discriminação) na atribuição e no eventual gozo dos direitos de liberdade não vale para os direitos sociais, e nem mesmo para os direitos políticos, diante dos quais os indivíduos são iguais só genericamente, mas não especificamente.

...

É que a proteção destes últimos [referindo-se aos direitos sociais] requer uma intervenção ativa do Estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade, produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu até mesmo uma nova forma de Estado, o Estado social.

Contra uma ingerência absoluta do Estado é que se sobrelevam os Direitos Fundamentais Individuais. Contra a inércia, é que surgem os Direitos ‘Fundamentais’ Sociais. Um contrapõe-se ao outro, e, se de um lado tem-se que o aumento das liberdades acarreta prejuízo à atuação do Estado, de outro, o inverso é ocorrente, de modo que a solução para o paradoxo seria “a busca do controle e do condicionamento do poder do Estado, através da construção de sistemas jurídicos moldados por procedimentos democráticos participativos”.

Com Bobbio, é certo que além de declarar e fundamentar os direitos fundamentais é tempo (passado o tempo na verdade) de implementá-los, sobretudo propiciando mais do que um Estado paternalista, mas condições para que os méritos pessoais se sobressaiam.

Não se quer dizer com isso que se prega o retorno liberal (ou neo-liberal), até porque se concorda com Lenio Streck quando afirma que ‘em países de modernidade tardia é imprescindível que o Estado atue forte’[12], mas se quer afincar firme a necessidade do atuar do Estado.

A questão que se coloca é aquela que redunda nos limites da atuação Estatal na efetivação da igualdade e que, justamente vem a reclamar o imperativo democrático.

Por vezes, são necessários os reconhecimentos e até mesmo garantia de tratamento não isonômico. Essas diferenciações poderão ou não ser legítimas, desde que analisadas objetivamente à luz da Constituição Federal e, com ênfase, no princípio democrático em que as multifacetas sociais são toleradas e “reconhecidas”, afinal, “Somos todos iguales em la medida em que todos buscamos constuir nuestra individuacion.” [13]

Denuncia Bonavides: [14]

Houve, porém, depois do nascimento dos direitos sociais, um grave erro constitucional de ordem interpretativa, que consistiu na oposição frontal dos dois direitos, como se eles fossem excludentes, como se a realização social dos direitos do Homem, reforçando o valor Sociedade e inferiorizando o valor indivíduo, importasse necessariamente uma servidão da Sociedade ao Estado, uma capitulação do princípio da liberdade ao princípio da igualdade, ou, ainda, uma alienação completa do Homem a fins e interesses estranhos ao círculo mais íntimo e autônomo de sua personalidade, que ficava, assim, desfigurada e marginalizada.

Necessária e pertinente a ponderação do Ministro Joaquim Barbosa: [15]

Em algumas situações especiais, porém, o tratamento discriminatório é chancelado pelo Direito. São situações em que a discriminação se reveste do caráter de inevitabilidade, seja em razão das exigências especiais do tipo de atividade, que exclui por princípio e com boa dose de razoabilidade certas categorias de pessoas, seja em função de características pessoais das pessoas envolvidas.

Além, portanto, daquelas diferenciações naturais, outras, de cunho jurídico hão de ser aplicadas. Refere-se às ações de discriminação positivas ou ações afirmativas. De Sell: [16]

A ação afirmativa consiste numa série de medidas destinadas a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais: aquela que parece estar associada a determinadas características biológicas (como raça e sexo) ou sociológicas (como etnia e religião), que marcam a identidade de certos grupos na sociedade.

E na expressão de Joaquim Barbosa: [17]

As ações afirmativas também têm como meta a implementação de uma certa diversidade e de uma mairo represntatividade dos grupos minoritários nos mais diversos domínios de atividade pública e privada.

Em suma, objetiva-se superar a igualdade formal e inserir um grupo historicamente discriminado no processo democrático, superando a neutralidade das leis e, ainda, atendendo a um imperativo do próprio Estado Democrático de Direito, considerando as realidades históricas, sociais e culturais para que não se perpetue a desigualdade. “Em suma, cuida-se de dar tratamento preferencial, favorável, àqueles que historicamente foram marginalizados, de sorte a colocá-los em um nível de competição similar ao daqueles que historicamente se beneficiaram de sua exclusão”. [18]

Essas atuações devem se dar em todos os níveis do Estado, mas também alcançar a esfera privada por meio de mecanismos de inclusão. Pensar de forma diversa é desconsiderar um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade sem a qual o ser humano priva a si e à todos de desenvolver suas potencialidades.

Logicamente, e nesse ponto se ousa discordar de Joaquim Barbosa, para quem há certa discricionariedade para o juiz na aplicação de medidas afirmativas, [19] há que se respeitar limites na aplicação dessas diferenciações positivas. Doutrinariamente, criaram-se algumas barreiras de atuação, [20] todavia, mais consentâneo que devam ter por estribo a própria Constituição Federal e os princípios e normas que dela emanam, posto que apenas haverá legitimidade para essas diferenciações que, de fato, asseguram a igualdade se observados os pressupostos do Estado Democrático de Direito. É a opinião também de Paulo Bonavides: [21]

O arbítrio aparece como noção-chave, capital delimitadora da aplicação jurídica do princípio da igualdade. Concebe-se essa noção na teoria constitucional contemporânea menos como conceito formal do que material, representando, por esse aspecto, a negação de um valor de justiça. É a fronteira para o território da inconstitucionalidade, desde que o arbítrio, com respeito à igualdade, representa a inconstitucionalidade máxima. (...)

O princípio da igualdade veda, por conseguinte, a criação de desigualdades carentes de justificação em fundamentos reais, plausíveis e racionais.

Como se vê, todas essas reflexões acerca do arbítrio na teoria e na práxis indicam que o princípio da igualdade pode limitar juridicamente a atuação do Estado, expressa em atos do administrador, do juiz e do legislador, sendo que a vinculação deste último foi a mais difícil de estabelecer, em razão de tocar em pontos teóricos mais delicados e complexos, referentes ao princípio da separação dos Poderes e ao controle de constitucionalidade.

O teor social do igualitarismo democrático contemporâneo também dificulta o estabelecimento de limites precisos à atuação do Estado. De sorte que o princípio da igualdade só se emprega eficazmente como limitação ao poder estatal quando este atua de maneira arbitrária.

Mais ainda, deve-se atentar para que se evite o paternalismo. As medidas precisam propiciar a inclusão social das minorias dentro do fundamento democrático constitucional. Apenas com a matiz democrática e sob os auspícios da Constituição é que se pode efetivar positivamente – comissivamente – a igualdade.

Isso vem ao encontro do Estado Democrático de Direito.

Como afirmado, os direitos sociais devem ser vistos como fundamentais e, ainda, nestes se inclui a igualdade substancialmente vista.

Não é gratuita ou vazia de significado a expressão Estado Democrático de Direito. Isso deve ser entendido como uma terceira forma de Estado, que supera o Liberal e o Social e que é intervencionista, porém limitado ao fator legitimador da Democracia. É (ou deve ser) inclusivo. E mais, traduz comandos programáticos com vistas à realizações concretas das ‘promessas da modernidade’.

Por certo que não se exaure essa forma de Estado ‘constituído’ pela Constituição Federal de 1988 em paternalismo (ou populismo, como sói ocorrer nesses últimos anos), mas há verdadeira imposição para que o Direito passe a ter um papel transformador. Esse papel transformador com vistas na igualdade, perpassa pelo Poder (função) Legislativo, pelo Poder (função) Executivo e também pelo Poder (função) Judiciário, até porque para este se desloca a tensão do não cumprimento do imperativo Constitucional.[22]

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 é dirigente. Entender essa característica no sentido de que as normas programáticas que encerra apenas são condutores interpretativos é minorar (para não dizer suprimir) sua cogência. No contexto do Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais em sua grandeza total e absoluta devem ser providos pelo Estado e até por um corolário lógico. A se partir da premissa que a Constituição Federal ‘constitui’ o Estado, negar eficácia aos imperativos dirigentes de efetivação dos direitos fundamentais vai de encontro à própria natureza do Estado advindo da Constituição.

Há que se processar uma ‘revolução copernicana'. No Estado Democrático de Direito, a materialização de direitos, precisa ser confrontada racionalmente até para que se supere a baixa efetividade dos direitos sociais [23] e para reconhecer que a própria Constituição Federal traz em sua essência a efetivação desses reclamos.

O direito de igualdade que reclama atuação comissiva do Estado não pode deixar de ter aplicabilidade imediata, a imutabilidade material ocasionada pelas cláusulas pétreas. Reduzir isso a meras pautas programáticas, submetidas à reserva do possível ou restrito à objetivação de um padrão mínimo social é um paradoxo intransponível no Estado Democrático de Direito.

A concretude fática atual, inserida em um contexto globalizado, não pode servir para que se deixe à revelia essas imperativas necessidades normatizadas. Kant pensou a idéia de um direito cosmopolita segundo o qual a violação de um direito em qualquer lugar do mundo repercutiria em toda a humanidade. Segundo Kant, os laços comerciais é que definiriam e criariam esse direito cosmopolita.

A globalização demonstrou o equívoco de Kant, pois as desigualdades se evidenciaram, bem como a corrupção, toda a sorte de exploração e violação da dignidade da pessoa humana.[24]

A validade dos direitos humanos, portanto, não se limita à justificação racional de sua positividade. Os direitos humanos legitimam-se de fato, quando assegurado pela sanção pública. E também se auto legitimam.

Afinal: [25]

¿De qué sirve hablar aún de democracia em um país que no sería sino um conjunto de comunidades ligadas entre si solo per El mercado y por otros sistemas de regulacion? Y por qué hablar aun em este caso de sistemas políticos?¿Como impedir la segregacion, El racismo y la agresion? ¿De que modo, para ser más precisos, evitar que los patrones y los usuários de los mercados constituyan um aparato de dominacion al cual se someterian las comunidades, reducidas por entero al estatuto de minorias? Es preciso para podamos vivir junto reconociendo y tutelando la diversidad de los intereses, que se tengan convicciones y creencias, que cada identidad personal o colectiva particular lleve em si uma orientacion universal, em consonância com la inspiracion general Del pensamiento democrático tal como lo He definido em muchas ocasiones. El debate principal confluye sobre la naturaleza de esta orientacion universal y la respuesta dada a tal cuestión informa directamente la Idea que tenemos de democracia.

Sobre o autor
Rochele Vanzin Bigolin

Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá<br>Procuradora Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIGOLIN, Rochele Vanzin. Os antigos desafios à igualdade e os novos instrumentos de sua consecução na perspectiva sócio-jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4117, 9 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29786. Acesso em: 22 nov. 2024.

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