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Teorias acerca do conceito de consumidor e sua aplicação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

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O artigo examina as teorias relativas ao conceito de consumidor no direito brasileiro e a perspectiva assentada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Resumo: O artigo examina as teorias relativas ao conceito de consumidor no direito brasileiro e a perspectiva assentada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de consumidor. 3. Teorias acerca do conceito de consumidor e suas aplicações na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 3.1. Teoria finalista ou finalista pura. 3.2. Teoria maximalista. 3.3. Teoria finalista mitigada ou finalista aprofundada. 4. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente estudo é analisar o significado da expressão “destinatário final” contida no conceito de consumidor, no caput do art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e as teorias existentes acerca desse conceito.

Será demonstrado que o termo “destinatário final” não é tão simples e óbvio como parece. Existem três teorias que buscam explicar seu significado: finalista pura, maximalista e finalista mitigada.

As três teorias foram analisadas à luz da doutrina e da jurisprudência, sendo comentados os julgados apresentados para melhor compreensão. Essa análise é importante, pois, dependendo da teoria escolhida, o consumidor poderá ou não invocar o CDC em seu favor.

Inicialmente, será abordado o conceito de consumidor e sua problemática diante do termo “destinatário final”. Em seguida, cada uma das três teorias será considerada e comentada. Ao final, apresenta-se a posição da jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.


2. CONCEITO DE CONSUMIDOR

A própria legislação consumerista se encarregou de conceituar consumidor no art. 2º, caput, do CDC, como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final" (BRASIL, 1990, p. 1). Comentando o dispositivo, Nehemias Domingos de Melo afirma que o conceito faz referência à “pessoa física ou jurídica que adquire o produto, para uso próprio ou de terceiro, ou contrato de serviço, condicionando apenas a que seja o destinatário final, isto é, que não recoloque o produto ou serviço adquirido no mercado de consumo” (MELO, 2008, p. 32).

Não obstante a aparente clareza dessa disposição literal da legislação, o tema não é pacífico, uma vez que se vislumbram debates acalorados acerca do significado da expressão “destinatário final”. Uma parcela da doutrina entende que a expressão se aplica ao consumidor fático e econômico do bem ou serviço, isto é, àquele que, em caráter definitivo, utiliza-se do que é oferecido pelo fornecedor, sem se colocar como intermediário da fruição do bem ou serviço por terceiros. Outros autores, porém, sustentam que será também considerado “destinatário final” todo aquele que se insere em relação de consumo, independentemente da expressão econômica dos sujeitos envolvidos (consumidor e fornecedor) e sem perquirir a finalidade da aquisição de produtos e/ou serviços.

Existe grande discussão doutrinária e jurisprudencial no que diz respeito à limitação da aplicação do Direito do Consumidor quando o adquirente for uma pessoa jurídica ou um profissional. Desse modo, discute-se, por exemplo, se o taxista, quando adquire um veículo para sua atividade profissional, pode ser considerado consumidor ou não, bem como se uma empresa que adquire um aparelho de ar-condicionado para instalar em seu escritório pode ser enquadrada como consumidora.

Nesse sentido, Cláudia Lima Marques ensina: “certamente, ser destinatário final é retirar o bem de mercado (ato objetivo), mas, e se o sujeito adquire o bem para utilizá-lo em sua profissão, adquire como profissional (elemento subjetivo), com fim de lucro, também deve ser considerado ‘destinatário final’?” (MARQUES, 2006, p. 303). De fato, a definição de consumidor do caput do art. 2º, do CDC, não responde à pergunta, sendo necessário interpretar a expressão “destinatário final”.

Rizzatto Nunes, tratando do problema no uso da referida expreszão, expõe:

O problema do uso do termo “destinatário final” está relacionado a um caso específico: o daquela pessoa que adquire produto ou serviço como destinatária final, mas que usará tal bem como típico de produção. Por exemplo, o usineiro que compra uma usina para a produção de álcool. Não resta dúvida de que ele será destinatário final do produto (a usina); contudo, pode ser considerado consumidor? E a empresa de contabilidade que adquire num grande supermercado um microcomputador para desenvolver suas atividades, é considerada consumidora? (NUNES, 2012, p. 122).

As questões suscitadas por Rizatto Nunes são importantes, pois, se for caracterizada relação de consumo, é o Código de Defesa do Consumidor que será aplicado, e não o Código Civil. Isso faz uma grande diferença no procedimento judicial e no ônus probatório direcionado às partes. No âmbito civil, as partes são literalmente iguais e devem provar as alegações que sustentam o seu requerimento em juízo. Já no CDC, como meio de igualar a vulnerabilidade do consumidor, ocorre a inversão do ônus probatório, que recai sobre o fornecedor.

Gustavo Pereira Leite Ribeiro, ao comentar o conceito de consumidor padrão, afirma que “o primeiro elemento característico deste conceito é a inclusão expressa da pessoa jurídica nele” (RIBEIRO, 2006, p. 93). Na ocasião, o doutrinador também faz uma crítica à autora Cláudia Lima Marques, a qual adverte que a pessoa jurídica não deveria ser consumidora, pois se apresenta aparelhada para concorrer com o fornecedor de produtos e serviços. O autor explica: “parece-nos que a autora possui uma opinião demasiadamente exagerada, pois, de fato, existem várias pequenas empresas que se encontram em posição de inferioridade diante de grandes fornecedores, assim como as pessoas físicas” (RIBEIRO, loc. cit.).

José Roberto de Castro Neves, ao tratar da definição de consumidor no direito brasileiro, ressalta que, no princípio, a figura do consumidor era identificada de forma restrita, como a de um adquirente de produtos farmacêuticos e alimentícios. Atualmente, “o entendimento dominante, tanto doutrinário quanto legal, é ver o consumidor como aquele que se utiliza, para seu uso privado, ao término da cadeia de produção, quer de bens de consumo, quer de serviços públicos ou privados” (NEVES, 2006, p. 101).

Visando a solucionar as questões relativas à ampla conceituação de consumidor trazida pela lei, formaram-se, basicamente, duas correntes de entendimento: a finalista e a maximalista, abordadas pela maioria da doutrina. No entanto, uma terceira teoria também tem sido utilizada em julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a saber, a teoria finalista mitigada. O próximo tópico deste trabalho se propõe a analisar as três correntes mencionadas e sua aplicação na jurisprudência do STJ.


3. TEORIAS ACERCA DO CONCEITO DE CONSUMIDOR E SUAS APLICAÇÕES NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Doutrina e jurisprudência desenvolveram três teorias para explicar quem vem a ser o "destinatário final" de produto ou serviço mencionado na definição de consumidor no caput do art. 2º da lei consumerista: a teoria finalista, a maximalista e a finalista mitigada.

Os finalistas defendem uma aplicação restritiva das normas de proteção do consumidor, enquanto os maximalistas defendem uma aplicação ampliativa do CDC. Já a terceira corrente, a finalista mitigada, é intermediária. “Aliás, ainda nesta discussão, apresenta-se relevante e problemática a caracterização da pessoa jurídica e do profissional liberal como consumidores” (RIBEIRO, 2006, p. 93).

Diante do impasse na definição do termo “destinatário final”, faz-se necessário descrever e analisar como a doutrina e a jurisprudência vêm tratando o tema, pois como já mencionado neste trabalho, a definição do termo acima irá direcionar as lides para o tratamento de acordo com o Código de Defesa do Consumidor ou conforme o Código Civil. Portanto, a seguir, analisam-se as teorias mencionadas.

3.1. Teoria finalista ou finalista pura

Nesta teoria, é considerado consumidor “quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções, de modo não profissional (destinatário final econômico)” (SILVA, 2008, p. 8).

A teoria finalista “alberga o entendimento de que se deve proceder in casu a uma interpretação restrita do que se tem por consumidor, diminuindo sobremaneira a protetiva incidência do Código, afeta, apenas, aos casos de rela existência de um pólo hipossuficiente, inferior” (NUNES JÚNIOR, 2008, p. 14).

Com isso, seria considerado consumidor, por exemplo, “o advogado em relação ao automóvel adquirido, pois este não estaria inserido entre os instrumentos necessários para o exercício da profissão, como os livros de direito, o computador ou a impressora” (SILVA, 2008, p. 8).

Cláudia Lima Marques, comentando sobre a restrição da teoria finalista, menciona:

Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. Consideram que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo, e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já lhes concede (MARQUES, 2006, p. 304).

Pela ótica dos finalistas, estão excluídas da proteção do Código do Consumidor as empresas que, por exemplo, compram uma máquina para a fabricação de seus produtos ou mesmo uma copiadora para ser utilizada em seu escritório. Desse modo, se o produto apresentar defeitos ou vícios, a empresa deverá resolver o problema com seu fornecedor pelas vias da legislação civil, jamais se utilizando da legislação do consumidor. Doutrinadores justificam tal posicionamento alegando que os referidos bens entram na cadeia produtiva e nada têm a ver com o conceito de destinação final. Trata-se de perspectiva altamente restritiva do âmbito de aplicação do CDC, que faz com que empresas e profissionais praticamente estejam excluídos do conceito de consumidor. É o que ensina Nehemias de Melo, in verbis:

Verifica-se, por esta teoria, que a pessoa jurídica ou o profissional dificilmente poderão ser considerados consumidores, na exata medida em que seus defensores reservam tal conceito tão só para as pessoas físicas que retiram do mercado de consumo um bem ou um serviço, para seu uso pessoal ou de sua família, como usuário final. (MELO, 2008, p. 35).

No mesmo sentido, Gustavo Pereira Leite Ribeiro afirma que a tese dos juristas pátrios, influenciados pela doutrina belga, que defende como regra geral, a impossibilidade de as pessoas jurídicas e de os profissionais liberais apresentarem-se como consumidores, uma vez que se apresentariam em desigualdade de condições no ato de contratação, parece improcedente, pois tal entendimento afronta expressa disposição legal, consubstanciando uma interpretação não autorizada ou contra legem (RIBEIRO, 2006, p. 95).

Para a teoria finalista, “destinatário final é apenas quem retira o produto do mercado para seu uso (próprio ou de sua família) e não profissional. Se o produto retornar ao mercado de alguma forma, não haverá relação de consumo” (NEVES, 2006, p.103). José Roberto de Castro Neves, ainda traz um exemplo sobre essa teoria:

Caso, um barbeiro adquira um creme para usar nos clientes de seu estabelecimento, não haverá, para os adeptos da teoria finalista, relação de consumo nesta aquisição. Afinal, o creme foi novamente introduzido no mercado. Essa teoria, assim, dá uma interpretação restrita ao termo “destinatário final”. Dessa forma, ao menos em uma interpretação apegada ao texto da lei, não se podem considerar consumidores os intermediários da relação de consumo (NEVES, 2006, p. 103).

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Em resumo, a teoria finalista, também conhecida como finalista pura, considera como destinatário final o adquirente fático e econômico do produto ou serviço. Essa corrente está preocupada em não banalizar o Código de Defesa do Consumidor. Sua preocupação é com a vulnerabilidade do consumidor e em proteger o “menor” na relação consumerista, razão pela qual restringe o conceito de consumidor.

Mas, como a jusrisprudência tem tratado os processos que envolvem a teoria finalista pura? Abaixo seguem alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para análise e compreensão:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. DESCABIMENTO. 1.- O critério adotado para determinação da condição de consumidora da pessoa jurídica é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a pessoa jurídica deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- Na hipótese, o Acórdão recorrido, examinando o contrato firmado pelas partes, conclui que a Cédula de Crédito Comercial teve por finalidade o fomento da atividade empresarial do recorrente. Consequentemente, a ele não se aplicam os ditames contidos no art. 52, § 1º da Lei consumerista. 3.- Não havendo relação de consumo entre as partes, não cabe a redução da multa moratória com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. 4.- Agravo Regimental improvido.

STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL Nº 1386938. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA: 06/11/2013 (BRASIL, 2013, p. 1)

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. 4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida, de modo que a aplicação do CDC deve ser afastada, devendo ser preservada a aplicação da teoria finalista na relação jurídica estabelecida entre as partes. 5. Recurso especial conhecido e provido.

STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1358231. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA: 17/06/2013. (BRASIL, 2013, p.1)

APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO PARA USO DE SOFTWARE DE VENDAS ON LINE. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. 1.- Quanto à aplicação do CDC, conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que pessoa jurídica contrata uso de software de vendas on line, não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que o programa teve o propósito de fomento da atividade empresarial exercida, não havendo, pois, relação de consumo entre as partes. 3.- Agravo Regimental improvido.

STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 245697. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:07/06/2013. (BRASIL, 2013. P. 1)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE FRANQUIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. 1.- Conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que se discute a validade das cláusulas de dois contratos de financiamento em moeda estrangeira visando viabilizar a franquia para exploração de Restaurante "Mc Donald's", o primeiro no valor de US$ 368.000,00 (trezentos e sessenta e oito mil dólares) e o segundo de US$ 87.570,00 (oitenta e sete mil, quinhentos e setenta dólares), não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que os empréstimos tomados tiveram o propósito de fomento da atividade empresarial exercida pelo recorrente, não havendo, pois, relação de consumo entre as partes. 3.- Agravo Regimental improvido.

STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL Nº 1193293. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:11/12/2012. (BRASIL, 2012, p. 1)

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. CLÍNICA DE ONCOLOGIA. COMPRA DE MÁQUINA RECONDICIONADA, DE VENDEDOR ESTRANGEIRO, MEDIANTE CONTATO FEITO COM REPRESENTANTE COMERCIAL, NO BRASIL. PAGAMENTO DE PARTE DO PREÇO MEDIANTE REMESSA AO EXTERIOR, E DE PARTE MEDIANTE DEPÓSITO AO REPRESENTANTE COMERCIAL. POSTERIOR FALÊNCIA DA EMPRESA ESTRANGEIRA. CONSEQUÊNCIAS. APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DO PREÇO TOTAL PELO REPRESENTANTE COMERCIAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DA PARCELA DO PREÇO NÃO TRANSFERIDA AO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. APURAÇÃO. LIQUIDAÇÃO. 1. A relação jurídica entre clínica de oncologia que compra equipamento para prestar serviços de tratamento ao câncer, e representante comercial que vende esses mesmos equipamentos, não é de consumo, dada a adoção da teoria finalista acerca da definição das relações de consumo, no julgamento do REsp 541.867/BA (Rel. Min. Barros Monteiro, Segunda Seção, DJ de 16/5/2005). 2. Há precedentes nesta Corte mitigando a teoria finalista nas hipóteses em que haja elementos que indiquem a presença de situações de clara vulnerabilidade de uma das partes, o que não ocorre na situação concreta. 3. Pela legislação de regência, o representante comercial age por conta e risco do representando, não figurando, pessoalmente, como vendedor nos negócios que intermedia. Tendo isso em vista, não se pode imputar a ele a responsabilidade pela não conclusão da venda decorrente da falência da sociedade estrangeira a quem ele representa. 4. Não tendo sido possível concluir a entrega da mercadoria, contudo, por força de evento externo pelo qual nenhuma das partes responde, é lícito que seja resolvida a avença, com a devolução, pelo representante, de todos os valores por ele recebidos diretamente, salvo os que tiverem sido repassados à sociedade estrangeira, por regulares operações contabilmente demonstradas. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1173 060. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA: 25/10/2012. (BRASIL, 2012, p. 1)

Nesses casos, entendeu o STJ que a pessoa jurídica pode ser considerada consumidora, desde que não se qualifique como a usuária final do bem ou serviço. Adotou, porém, a teoria finalista, considerando que o “destinatário final” é o que efetivamente faz uso do bem ou serviço no sentido econômico. Sob essa ótica, a expressão “destinatário final” se caracteriza pelo consumidor fático e econômico do serviço ou produto, o que exclui os consumidores intermediários. No entanto, o que se observa é que o Tribunal em questão tem, com frequência, mitigado a teoria finalista pura, dando origem a uma nova teoria que será estudada mais adiante.

3.2. Teoria maximalista

A teoria maximalista, diferentemente da finalista, amplia o conceito de consumidor. Entende, que a ratio legis trouxe ao ordenamento, com a Lei n.º 8.078/90, normas de regência de tudo quanto se refere a consumo, normas gerais, envolvendo todos os entes participantes do mercado econômico, oferecendo uma interpretação literal da norma sob comento (NUNES JÚNIOR, 2008, p. 14).

Com efeito, Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva ao tratar da corrente maximalista, apresenta as seguintes considerações:

Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no exercício de sua empresa ou profissão, isto é , ainda que venham a ser interligados, acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual, voltada ou não para o lucro (destinatário final fático) (SILVA, 2008, p. 8).

O doutrinador, ao concluir suas considerações sobre a teoria maximalista, traz exemplos esclarecedores a luz dessa corrente. Na sua perspectiva, seriam consumidores o advogado em relação ao computador, bem como o taxista em relação ao carro porque, ainda que sejam instrumentos necessários para o exercício de sua atividade profissional, o computador e o veículo jamais voltariam ou integrariam a cadeia de produção e circulação de bens ou serviços, por transformação ou beneficiamento, como poderia de fato ocorrer no caso do aço ou da energia elétrica adquiridos pela montadora de carros (SILVA, 2008, p. 8).

Desse modo, a teoria maximalista alarga a noção de consumidor, para abranger também os profissionais. Para os adeptos dessa corrente, “pouco importa se o produto será utilizado com benefício econômico por quem o adquiriu, se o consumidor usa o bem com um fim profissional. Avalia-se, apenas, se o produto foi retirado do mercado” (NEVES, 2006, p. 103).

Cláudia Lima Marques faz importantes exemplificações em sua obra sobre a amplitude da teoria maximalista:

A definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família”. (MARQUES, 2006, p. 305).

No exemplo do barbeiro mencionado na descrição da teoria finalista, caso a teoria maximalista fosse adotada, o barbeiro seria considerado consumidor. Dessa forma, os maximalistas sustentam que o amparo referido na Lei n.º 8.078/90 não serve apenas aos consumidores não-profissionais, mas a todo o mercado.

Importante se faz ressaltar, que, mesmo para a teoria maximalista, não será considerado consumidor quem adquire o produto para revendê-lo ou beneficiá-lo. “O comerciante que compra da fábrica para, em seguida, colocar o produto a venda em sua loja, não é consumidor, independentemente da teoria – finalista ou maximalista – adotada para interpretar o artigo 2º da Lei dos Consumidores” (NEVES, 2006; p.103).

Em síntese, a teoria maximalista trouxe amplitude ao conceito de destinatário final constante no caput do art. 2º do CDC. Para essa corrente, o CDC também é aplicável aos consumidores intermediários, pois somente a destinação fática do produto ou serviço é levada em consideração, sendo desconsiderada a destinação econômica do bem ou serviço. O foco da teoria maximalista é o objeto, enquanto o da teoria finalista é o sujeito.

No entanto, como a jurisprudência tem se comportado diante de situações que envolvem a provável aplicação da teoria maximalista? Tem aceitado consumidores intermediários como destinatários finais na relação de consumo, mesmo que esse seja uma empresa? Vejamos alguns julgados do STJ:

CONTRATOS BANCÁRIOS – CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA – AGRICULTOR – DESTINATÁRIO FINAL – INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – COMPROVAÇÃO – CAPTAÇÃO DE RECURSOS – MATÉRIA DE PROVA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA. I – O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. II – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. III – Afirmado pelo acórdão recorrido que não ficou provada a captação de recursos externos, rever esse entendimento encontra óbice no enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. IV – Ausente o prequestionamento da questão federal suscitada, é inviável o recurso especial (Súmulas 282 e 356/STF). Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia.

STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 445854. REL. MIN. CASTRO FILHO. DJ DATA: 19/12/2003 (BRASIL, 2003, p.1)

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Incidência. Responsabilidade do fornecedor. É de consumo a relação entre o vendedor de máquina agrícola e a compradora que a destina á sua atividade no campo. Pelo vício de qualidade no produto respondem solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18. do CDC).

STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 142042. REL. MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR. DJ DATA: 11/11/1997 (BRASIL, 1997, p.1)

Nesse interessante julgado, (Recurso Especial n.º 142042), o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a relação jurídica entre vendedor de máquina agrícola e o comprador que a destina à sua atividade no campo possui natureza de consumo, devendo, portanto, ser aplicado o Código Consumerista nesta relação de consumo.

Financiamento para aquisição de automóvel. Aplicação do CDC. O CDC incide sobre contrato de financiamento celebrado entre a CEF e o taxista para aquisição de veículo. A multa é calculada sobre o valor das prestações vencidas, não sobre o total do financiamento (art. 52, § 1º, do CDC). Recurso não conhecido.

STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 231208. REL. MIN. RUY ROSADO DE AGUIARCÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DATA: 07/02/2000. (BRASIL, 2000, p.1)

Código de Defesa do Consumidor. Destinatário final: conceito. Compra de adubo. Prescrição. Lucros cessantes. 1. A expressão "destinatário final", constante da parte final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento. 2. Estando o contrato submetido ao Código de Defesa do Consumidor a prescrição é de cinco anos. 3. Deixando o Acórdão recorrido para a liquidação por artigos a condenação por lucros cessantes, não há prequestionamento dos artigos 284 e 462 do Código de Processo Civil, e 1.059 e 1.060 do Código Civil, que não podem ser superiores ao valor indicado na inicial. 4. Recurso especial não conhecido.

STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 208793. REL. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. DJ DATA: 01/08/2000. (BRASIL, 2000, p. 1)

No Recurso Especial n.º 208793, acima, asseverou o Superior Tribunal de Justiça que o adubo é consumido pelo agricultor, não sendo matéria-prima destinada a outro consumidor, não havendo, portanto, beneficiamento do adubo para revenda. Significa dizer: o agricultor utilizou o adubo apenas para o preparo da terra, para criar condições necessárias ao seu trabalho profissional como agricultor. Dessa forma, entendeu o tribunal que não se pode afirmar ter sido o adubo incorporado ao produto agrícola.

DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO-QUILÔMETRO PARA UTILIZAÇÃO PROFISSIONAL COMO TÁXI. DEFEITO DO PRODUTO. INÉRCIA NA SOLUÇÃO DO DEFEITO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO PARA RETOMADA DO VEÍCULO, MESMO DIANTE DOS DEFEITOS. SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE. DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO POR ORDEM JUDICIAL COM RECONHECIMENTO DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DA MONTADORA. REPOSIÇÃO DA PEÇA DEFEITUOSA, APÓS DIAGNÓSTICO PELA MONTADORA. LUCROS CESSANTES. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO VEÍCULO PARA O DESEMPENHO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DE TAXISTA. ACÚMULO DE DÍVIDAS. NEGATIVAÇÃO NO SPC. VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. A aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC. 2. A constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da concessionária (fornecedor) e do fabricante, conforme preceitua o art. 18, caput, do CDC. 3. Indenização por dano moral devida, com redução do valor. 4. Recurso especial parcialmente provido.

STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 611872. REL. MIN. ANTÕNIO CARLOS FERREIRA. DJE DATA:23/10/2012. (BRASIL, 2012, p. 1)

Como pode ser observado, o Superior Tribunal de Justiça também possui jugaldos que acolheram a teoria maximalista. Essa teoria, no entanto, tem sido deixada de lado, uma vez que amplia demasiadamente o conceito de destinatário final do caput do art. 2º do CDC, não se preocupando com a vulnerabilidade do consumidor, e sim com a aplicação geral do Código Consumerista. No entanto, embora a teoria utilizada atualmente no CDC seja a finalista pura, uma terceira corrente, intermediária, criada pelo STJ tem sido utilizada, conforme será examinado no tópico seguinte.

3.3. Teoria Finalista Mitigada ou Finalista Aprofundada

Essa terceira corrente foi criada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Trata-se de uma teoria intermediária, que não observa apenas a destinação do produto ou serviço adquirido, levando em consideração, também, o porte econômico do consumidor. Cláudia Lima Marques expõe em sua obra acerca da corrente finalista aprofundada:

A partir de 2003, com a entrada em vigor do CC/2002, parece estar aparecendo uma terceira teoria, subdivião da primeira – que aqui passo a denominar de “finalismo aprofundado” – na jurisprudência, em especial do STJ, demosntrando ao mesmo tempo extremo domínio da interpretação finalista e do CDC, mas com razoabilidade e prudência interpretando a expressão “destinatário final” do art. 2º do CDC de forma diferenciada e mista. (MARQUES, 2006, p. 305).

Verifica-se, pois, segundo Cláudia Lima Marques, o crescimento de uma nova tendência na jurisprudência brasileira. A autora ainda considera que o STJ apresenta-se efetivamente mais “finalista” e executando uma interpretação do campo de aplicação e das normas do CDC de forma mais subjetiva quanto ao consumidor, porém mais finalista e objetiva quanto à atividade ou ao papel do agente na sociedade de consumo. “É uma interpretação mais aprofundada e madura, que deve ser saudada.” (MARQUES, 2006, p. 347)

A ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, descreve muito bem as características da teoria finalista aprofundada ou teoria finalista mitigada:

(...) a jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29. do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora (...). (BRASIL, 2012, p. 1)

Nehemias Domingos de Melo, comentando em sua obra sobre a teoria da causa final abordada por Roberto Senise Lisboa, concorda que se justifica a aplicação desta teoria pelos seguintes argumentos: a) O CDC considera pessoa jurídica consumidora, conforme expresso no caput do art. 2º do Código Consumerista; b) ainda que o produto seja transformado para uso próprio, essa condição, de per si, não retira do adquirente a condição de consumidor final, assim, esse consumidor merece a proteção do CDC; e c) se o CDC quisesse excluir os profissionais, teria feito menção expressa, assim como se desejasse excluir a pessoa jurídica não a teria mencionado (MELO, 2008, p. 37-38).

Gustavo Pereira Leite Ribeiro, também se valendo da teoria da causa final por Roberto Senise Lisboa, expõe, in verbis:

No entanto, parece-nos que somente através da teoria da causa final defendida e empossada por Roberto Senise Lisboa, é que poderemos resolver adequadamente o problema da delimitação da destinação final dada ao produto e ao serviço e, consequentemente, da qualificação da pessoa jurídica e do profissional liberal como consumidores. Segundo o professor paulista, para a delimitação da expressão "destinatário final" deve-se analisar a causa final da aquisição ou utilização do bem, isto é, deve-se analisar "a finalidade ou o objetivo pelo qual um sujeito de direito acaba de constituir uma relação jurídica". A causa final explica "para que" determinado fato ou relação jurídica ocorreu (RIBEIRO, 2006, p. 97).

José Roberto de Castro Neves, ao tratar das teorias sobre “destinatário final”, ensina:

Pode-se dizer que, atualmente, há, da parte do Supremo Tribunal de Justiça, uma contribuição inteligente à discussão entre as correntes maximalista e finalista, na medida em que se busca aferir a necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto em função do grau de desigualdade material existente entre as partes envolvidas. A vulnerabilidade passa a ser pedra de toque (...). Não há consenso hoje sobre qual das duas teorias vai prevalecer, a nossa doutrina não oferece uma orientação segura, havendo, todavia, uma inclinação à teoria finalista. Para dar um exemplo, Cláudia Lima MARQUES, Carlos Alberto BITTAR, José Geraldo Brito FILOMENO, Antônio Herman BENJAMIM são adeptos da teoria finalista. De outro lado, James MARINS defende a teoria maximalista. A jurisprudência tende para a corrente finalista. A doutrina e a jurisprudência, hoje, se inclinam para a corrente finalista (...). Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca de equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para avaliação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores - empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. (NEVES, 2006, p. 104. - 105)

Vidal Serrano Nunes Júnior, em sua obra, se posiciona favorável à aplicação da teoria finalista mitigada:

A nosso ver a questão se resolve ante uma interpretação sistemática do Código, o que nos aproxima, embora com restrições, da corrente finalista. A lei veio para trazer guarida aos economicamente frágeis, e não para resolver litígios concernentes às inflamadas relações comerciais (...). Destaca-se, contudo, que nada obsta que uma pessoa jurídica figure – com justiça – em uma relação de consumo no pólo hipossuficiente. (NUNES JÚNIOR, 2008, p. 15)

Alguns julgados do STJ demonstram a aplicação da teoria finalista mitigada. A jurisprudência tem considerado o fator vulnerabilidade e hipossuficiência como essenciais para a caracterização dessa corrente:

RESPONSABILIDADE CIVIL. VENDA PELA INTERNET. CARTÃO DE CRÉDITO CLONADO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CONSUMERISTA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REEXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO. SÚMULAS STJ/5 E 7. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. 1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, hipótese não observada caso dos autos. 2.- No que tange ao dever de indenizar, ultrapassar e infirmar a conclusão alcançada pelo Acórdão recorrido - existência de relação jurídica entre as partes - demandaria o reexame do contrato, dos fatos e das provas presentes no processo, o que é incabível na estreita via especial. Incidem as Súmulas 5 e 7 desta Corte. 3.- Agravo Regimental improvido.

STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 328043. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:05/09/2013 (BRASIL, 2013, p.1)

EMBARGOS À EXECUÇÃO EM CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO, MANTENDO HÍGIDA A DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO DA EXECUTADA 1. Expediente manejado com nítido e exclusivo intuito infringencial. Recebimento do reclamo como agravo regimental. 2. É vedado a este Tribunal apreciar violação de dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento. 3. Incidência dos óbices das súmulas 5 e 7/STJ, no tocante às teses de inexigibilidade da cédulas de crédito, vulnerabilidade e hipossuficiência da recorrente e ocorrência de fraude na operação de transferência dos títulos. Tribunal local que, com amparo nos elementos de convicção dos autos e nas cláusulas contratuais, entendeu não existir circunstâncias capazes de ensejar a ineficácia, anulação ou invalidade da cédula de crédito, tampouco de provas aptas a corroborar a alegação de que tenha ocorrido cessão de créditos, fraude ou conduta capaz de gerar prejuízos à ora insurgente e demonstração da vulnerabilidade e hipossuficiência da insurgente. Impossibilidade de reexame de fatos, provas e cláusulas contratuais. 4. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo, podendo no entanto ser mitigada a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica. O Tribunal de origem asseverou não ser a insurgente destinatária final do serviço, tampouco hipossuficiente. Inviabilidade de reenfrentamento do acervo fático-probatório para concluir em sentido diverso, aplicando-se o óbice da súmula 7/STJ. Precedentes. 5. Agravo regimental não provido.

STJ. QUARTA TURMA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 265845. REL. MIN. MARCOS BUZZI. DJE DATA: 01/08/2013. (BRASIL, 2013, p.1)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PARA PROTEÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. REQUISITO DA VULNERABILIDADE NÃO CARACTERIZADO. EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO ASSUMIDA EM MOEDA ESTRANGEIRA. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO NÃO ATACADO. 1.- A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. 2.- No caso dos autos, tendo o Acórdão recorrido afirmado que não se vislumbraria a vulnerabilidade que inspira e permeia o Código de Defesa do Consumidor, não há como reconhecer a existência de uma relação jurídica de consumo sem reexaminar fatos e provas, o que veda a Súmula 07/STJ. 3.- As razões do recurso especial não impugnaram todos os fundamento indicados pelo acórdão recorrido para admitir a exigibilidade da obrigação assumida em moeda estrangeira, atraindo, com relação a esse ponto, a incidência da Súmula 283/STF. 4.- Agravo Regimental a que se nega provimento.

STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIALNº 1149195. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA: 01/08/2013 (BRASIL, 2013, p.1)

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. TEORIA FINALISTA. DESTINATÁRIO FINAL. NÃO ENQUADRAMENTO. VULNERABILIDADE. AUSÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade e da economia processual. 2. Consoante jurisprudência desta Corte, o Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo (teoria finalista ou subjetiva). 3. Esta Corte tem mitigado a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica. 4. Tendo o Tribunal de origem assentado que a parte agravante não é destinatária final do serviço, tampouco hipossuficiente, é inviável a pretensão deduzida no apelo especial, uma vez que demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se sabe vedado em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7 desta Corte. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

STJ. QUARTA TURMA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1371143. REL. MIN. RAUL ARAÚJO. DJE DATA: 17/04/2013 (BRASIL, 2013, p. 1)

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29. do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257. do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186. e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento.

STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1195642. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA:21/11/2012 RDDP VOL.:00120 PG:00135 RJP VOL.:00049 PG:00156 . DTPB. (BRASIL, 2012, p. 1)

Logo, acórdãos recentes apontam o crescimento da utilização da teoria finalista mitigada na jurisprudência do STJ. No entanto, conforme demonstrado no último julgado (Recurso Especial n.º 1195642), a construção da teoria se dará de forma casuística, analisando diferentes hipóteses em que uma pessoa jurídica possa demonstrar vulnerabilidade ou hipossuficiência em relação a outra. Nesse sentido, importante considerar que a hipossuficiência não se restringe à esfera econômica, sendo três as modalidades de vulnerabilidade tradicionalmente apontadas pela doutrina: a) técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo); b) jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo); e c) fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra), admitindo-se, também, a possibilidade de constatação de outras espécies de vulnerabilidade, pelo que se afirma o caráter casuístico da teoria.

Sobre a autora
Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva Lima

Advogada inscrita na OAB/PE. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE), Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Maceió/AL. Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Erika Cordeiro Albuquerque Santos Silva. Teorias acerca do conceito de consumidor e sua aplicação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4153, 14 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30052. Acesso em: 24 nov. 2024.

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