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Responsabilidade civil do fornecedor.

Aplicabilidade das excludentes de caso fortuito ou força maior na doutrina e jurisprudência

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4. POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Como se vê, a doutrina diverge com relação a considerar caso fotuito e força maior como excludentes de reponsabilidade do fornecedor. No entanto, embora o Código de Defesa do Consumidor não mencione expressamente essas hipóteses como excludentes da responsabilidade, a posição majoritária da doutrina é de aceitação das referidas circunstâncias como exlcudentes. Logo, para esses, o rol do art. 14, § 3º, do CDC não é taxativo, admitindo, portanto outras excludentes.

Agora, faz-se importante verificar a posição dos tribunais brasileiros sobre o assunto, pelo que alguns julgados serão aqui abordados e comentados:

STJ. TERCEIRA TURMA. RESP 200100905522. REL. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. DJ DATA:25/03/2002 PG:00278 LEXSTJ VOL.:00152 PG:00192 RJTAMG VOL.:00087 PG:00376 RSTJ VOL.:00158 PG:00287. Ação de indenização. Estacionamento. Chuva de granizo. Vagas cobertas e descobertas. Art. 1.277 do Código Civil. Código de Defesa do Consumidor. Precedente da Corte. 1. Como assentado em precedente da Corte, o "fato de o artigo 14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil" (REsp n° 120.647-SP, Relator o Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 15/05/00). 2. Havendo vagas cobertas e descobertas é incabível a presunção de que o estacionamento seria feito em vaga coberta, ausente qualquer prova sobre o assunto. 3. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, 2002, p. 1)

No julgado acima, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), admitiu o caso fortuito e a força maior como excludentes da responsabilidade do fornecedor. O acórdão a seguir, também da Terceira Turma do STJ, mas, desta feita, da relatoria do Min. Ari Pargendler, é outro exemplo de aconlhimento do Judiciário da teoria que aceita o caso fotuito e força maior como excludentes da responsabilidade do fornecedor de produtos ou serviços:

STJ. TERCEIRA TURMA. RESP 200702410871, REL. MIN. ARI PARGENDLER. DJ DATA:01/02/2008 PG:00001. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. Nas relações de consumo, a ocorrência de força maior ou de caso fortuito exclui a responsabilidade do fornecedor de serviços. Recurso especial conhecido e provido. (BRASIL, 2008, p. 1)

A seguir, novo exemplo de julgado do STJ que admitiu caso fortuito e força maior como excludente da responsabilidade civil objetiva do fornecedor:

STJ. TERCEIRA TURMA. RESP 199700123740, REL. MIN. EDUARDO RIBEIRO, , DJ DATA:15/05/2000 PG:00156 LEXSTJ VOL.:00132 PG:00101 RSTJ VOL.:00132 PG:00311. Automóvel. Roubo ocorrido em posto de lavagem. Força maior. Isenção de responsabilidade. O fato de o artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas. Aplicação do artigo 1.058 do Código Civil. A inevitabilidade e não a imprevisibilidade é que efetivamente mais importa para caracterizar o fortuito. E aquela há de entender-se dentro de certa relatividade, tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que seria razoável exigir-se. (BRASIL, 2000, p.1)

Os Tribunais Regionais Federais também têm adotado o mesmo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, como pode ser observado a seguir:

TRF-1. QUINTA TURMA. AC 200138030049530. e-DJF1 DATA:30/07/2010 PAGINA:105. CIVIL - PROCESSO CIVIL. AGRAVO RETIDO. IMPROVIDO. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. REJEITADA. DANOS MORAIS. CULPA CONCORRENTE DA AUTORA. AFASTADA. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM VIRTUDE DE INCLUSÃO E MANUTENÇÃO INDEVIDAS DE NOME DE PESSOA FÍSICA NO SPC. 1. Tenho que os documentos juntados pelas partes mostram-se suficientes para a solução da lide posta a desate, razão pela qual nego provimento ao agravo retido interposto pela CEF e rejeito a preliminar de cerceamento de defesa baseada no indeferimento de depoimento pessoal do autor. 2. A alegação de que não houve prova dos danos morais pela CEF não merece acolhida, pois o apelado, profissional liberal, teve cheque, emitido para pagamento de um de seu fornecedores, equivocadamente devolvido pela alínea 11, "insuficiência de fundos", o que lhe casou os alegados danos morais. 3. A CEF, como prestadora de serviços bancários, tem responsabilidade objetiva por qualquer dano causado a seus consumidores, que só pode ser afastada com a comprovação de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Apesar de a CEF alegar culpa concorrente do autor, nada conseguiu comprovar a respeito disso nos autos, pois a simples alegação de que o talonário não fora desbloqueado não se presta a tal finalidade. Não se tendo, então, como comprovada culpa do autor, sendo isto mera hipótese, deve prevalecer a responsabilidade objetiva da CEF como prestadora de serviços. 4. Valor do dano moral foi fixado adequadamente (R$ 1.500,00), dentro dos parâmetros usados neste Tribunal, para compensar dor da vítima, sem gerar enriquecimento sem causa. 6. Apelação, agravo retido e recurso adesivo improvidos.

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TRF-2. OITAVA TURMA ESPECIALIZADA. AC - APELAÇÃO CIVEL - 350265 REL. DES. FED. MARIA ALICE PAIM LYARD. DJU - Data::07/10/2009 - Página::145. CIVIL. CEF. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. LEI N.º 8.078/90 - CDC, ART. 3º, § 2º. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. NÃO EFETIVAÇÃO DO TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO ADQUIRIDO PELO AUTOR POR FALTA DE DIGITAÇÃO DOS DADOS NO SISTEMA DA CEF. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CABIMENTO. - (...) No caso, a relação jurídica material enquadra-se como relação de consumo, nos termos do § 2º, do artigo 3º, da Lei 8.078/90, sendo a responsabilidade da CEF de ordem objetiva. Assim, cabe ao consumidor demonstrar que sofreu um prejuízo (dano injusto), em decorrência de uma conduta imputável ao fornecedor, e que entre ambos existe um nexo etiológico. - Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo e o dano, bem como seu valor, compete à instituição bancária causadora do referido dano a responsabilidade de indenizar os prejuízos causados ao cliente/consumidor, salvo quando esta comprova que a vítima concorreu com dolo ou culpa para o evento danoso ou quando comprova a existência de caso fortuito ou força maior, excludentes de responsabilidade. A matéria se restringe à constatação e prova do dano causado ao autor, ora apelante, em virtude de fato lesivo, imputável ao banco réu. – (...) No caso, considerando os fatos do caso concreto, irretocável o valor arbitrado pelo ilustre magistrado sentenciante a título de danos morais. Ressalte-se que os sorteios têm resultados incertos. O autor, mesmo que tivesse recebido número para participar dos mesmos, não teria, de início, direito à percepção dos valores dos prêmios, mas apenas uma expectativa de direito, que só se transformaria em direito certo após o sorteio do seu título. Mesmo considerando a possibilidade de contemplação nos sorteios como o fato motivador da aquisição do título pelo autor, o não recebimento de número para sua participação não gera direito à percepção de parte dos valores arrecadados pela CEF com a venda dos títulos ou mesmo dos valores sorteados. - Recursos improvidos.

O que pode ser observado nos julgados aprsentados é que a jurisprudência brasileira, majoritariamente, tem acolhido o caso fortuito e a força maior como excludentes da responsabilidade civil objetiva do fornecedor.


5. CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a responder à indagação concernecente à possibilidade de o fornecedor invocar em seu favor outras hipóteses de excludentes de responsabilidade, além daquelas previstas nos artigos 12 e 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.

Demonstrou-se que a doutrina diverge em relação à aceitação de caso fortuito e força maior como excludentes da responsabilidade civil objetiva do fornecedor. Uma parte dos doutrinadores acredita ser inaceitável a utilização das excludentes do caso fortuito e força maior na seara consumerista por entenderem estarem as referidas circunstâncias relacionadas ao instituto da culpa, o qual é incompatível com a responsabilidade objetiva do fornecedor, que independe de dolo ou culpa.

Por outro lado, a maioria dos doutrinadores tem se mostrado favorável ao acolhimento do caso fortuito e força maior nas excludentes de reponsabilidade do fornecedor. Desse modo, o rol do art. 14, § 3º, do CDC, não seria taxativo, e sim, exemplificativo, podendo outras excludentes ser invocadas pelo fornecedor para sua defesa.

A pesquisa da jusrisprudência brasileira mostrou que a tendência dos tribunais, incluindo o  Superior Tribunal de Justiça (STJ), é pelo acolhimento da teoria que aceita o caso fortuito e força maior como excludentes da responsabilidade civil do fornecedor.

Diante das considerações sobre o entendimento da doutrina e da jurisprudência, esta aluna se posiciona favoravelmente ao acolhimento do caso fortuito e da força maior como excludentes da responsabilidade cilvil objetiva. Embora a responsabilidade objetiva independa de culpa ou dolo, esta não se confunde com a teoria do risco integral, que não admite qualquer excludente. Para tanto, reproduzo os argumentos do Min. Eduardo Ribeiro, da  Terceira Turm do STJ, no julgamento do Recurso Especial n.º 120.647-SP (BRASIL, 2000, p. 1): a) a ocorrência de caso fortuito ou força maior incide no elemento objetivo do nexo causalidade; não se pode afirmar que o fornecedor deu causa ao dano e, portanto, é responsável, se o resultado adveio de uma ação da natureza ou de evento que não podia evitar, qualificado, por isso mesmo, como de força maior; b) tal reconhecimento, de que caso fortuito e força maior excluem o nexo de causalidade, é tradição secular no âmbito do direito privado, de modo que, caso quisesse o legislador afastar esse princípio geral do Direito nas relações de consumo, teria sido expresso, na redação do art. 14, § 3º, do CDC; c) o próprio conceito de força maior, conferido pela doutrina, é o de “fato de terceiro que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo que a boa vontade do devedor não pode vencer” (Código Civil Comentado – Francisco Alves, 6. ed. – v. IV, p. 212 apud BRASIL, 2000, p. 1); isto é, a força maior é fato de terceiro e, portanto, nos próprios termos do art. 14, § 3º, do CDC, afasta a responsabilidade do fornecedor; d) nessas circunstâncias, a melhor exegese do art. 14, § 3º, do CDC, é a que resulta na compatibilidade deste com o regime do art. 393, do Código Civil de 2002, [2] que admite o afastamento da responsabilidade por caso fortuito ou força maior, desde que por esses não tenha o devedor expressamente se obrigado (BRASIL, 2002, p. 1).

 Entendo, nesse sentido, que cada caso deve ser examinado com cuidado pelo Judiciário, e que o rol do art. 14, § 3º, do CDC, não é taxativo, podendo, desse modo, o fornecedor invocar outras excludentes que ali não são mencionadas, como o caso fortuito e a força maior. Ressalte-se que, embora o Código de Defesa do Consumidor restrinja neste dispositivo as excludentes de responsabilidade, em momento algum o diploma nega o cabimento de outras excludentes, como as já citadas.


NOTAS

[1] BRASIL, 1990, p. 1: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...)   § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

[2] BRASIL, 2002, p. 1: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8. 078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8078.htm>. Acesso em: 21 fev. 2014.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21 fev. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 199700123740. Relator: Eduardo Ribeiro. Brasília, 15 de maio de 2000. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 22 fev. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial n.º 120.647. Relator: Min. Eduardo Ribeiro. Brasília, 16 de março de 2000. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/>. Acesso em: 23 fev. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 200100905522. Relator: Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, 25 de março de 2002. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 22 fev. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 200702410871. Relator: Ari Pargendler. Brasília, 01 de fevereiro de 2008. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 22 fev. 2014.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. 5ª Turma. Apelação Cível nº 200138030049530. Relator: Des. Fed. Fagundes de Deus. Brasília, 30 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 22 fev. 2014.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. 8ª Turma. Apelação Cível nº 350265. Relator: Des. Federal. Maria Alice Paim Lyard. Rio de Janeiro, 7 de outubro de 2010. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/juris/unificada/Resposta>. Acesso em: 23 fev. 2014.

NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Sobre a autora
Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva Lima

Advogada inscrita na OAB/PE. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGD/UFPE), Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Especialista em Gestão Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Maceió/AL. Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Erika Cordeiro Albuquerque Santos Silva. Responsabilidade civil do fornecedor.: Aplicabilidade das excludentes de caso fortuito ou força maior na doutrina e jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4153, 14 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30054. Acesso em: 22 dez. 2024.

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