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Latrocínio e os crimes agravados pelo resultado

Agenda 09/08/2014 às 14:44

Há três teorias que procuram explicar os crimes agravados pelo resultado, como o latrocínio, a partir dos elementos subjetivos. Esse artigo se propõe a fazer a analise das teorias bem como seus inconvenientes ao se analisar o crime de latrocínio.

INTRODUÇÃO

Três teorias tentam explicar os crimes agravados pelo resultado. É possível observar uma certa gradação entre as teorias, pois a terceira é a mais sofisticada, no entanto, ainda é falha.

O que irá diferenciar o latrocínio de um roubo em concurso com o homicídio é a intenção do agente a partir da analise dos elementos subjetivos, assim como o contexto em que o fato ocorreu, e é justamente isso que as teorias do crime qualificado pelo resultado abordam.

Cada teoria possui um enquadramento distinto de uma mesma hipótese, assim, não há uma única resposta para uma mesma situação, pois dependendo da teoria adotada, terá resultados distintos, com a qualificação ou desqualificação do latrocínio.

ELEMENTOS SUBJETIVOS

Todo crime possui elementos objetivos, que dizem respeito ao fato em si, e subjetivos, que a grosso modo, seria o psicológico do agente. Para se analisar o cometimento de um crime e o enquadramento do delito no Código Penal, é necessário e imprescindível a analise subjetiva. Alguns tipos exigem um certo comportamento e intenção do agente, que configuram a elementar de alguns tipos penais. Como elementos subjetivos, há o dolo e a culpa, ambos previsto no artigo 18 do Código Penal.

Os elementos subjetivos podem ser dolosos ou culposos. O dolo pode ser direto, quando o agente quer o resultado, ou eventual, quando o agente assume o risco daquele resultado; pouco se importa com a ocorrência dele. A culpa, em sentido estrito, é a violação de um dever de cuidado, por imprudência, imperícia ou negligencia, e pode ser inconsciente ou consciente. A inconsciente é a forma típica de um crime culposo, o resultado embora sendo possível, não é previsto pelo agente. Já na culpa consciente, o agente prevê o resultado, no entanto não o deseja e tem certeza de que aquele resultado não irá ocorrer, pois confia em si.

 Essa é a principal diferença tênue entre o dolo eventual, pois apesar de tanto na culpa consciente quando no dolo eventual ocorrer a previsibilidade, na culpa consciente o agente acredita que o resultado não vai acontecer; no dolo eventual o agente não se importa com a ocorrência deste. Nas palavras de Nelson Hungria, “Assumir o risco é mais do que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente com o resultado caso venha este realmente a ocorrer”.

DOS CRIMES AGRAVADOS PELO RESULTADO

Após a análise dos elementos subjetivos, é possível entender em que consiste um crime qualificado pelo resultado. O crime qualificado pelo resultado é um único crime. Trata-se de um crime complexo, ou seja, é composto, na verdade, por dois ou mais crimes, que unidos, tornam-se um só; é um delito pluriofensivo, ou seja, há uma fusão de dois ou mais tipos penais.

A expressão “agravado” pelo resultado melhor os define, pois é um crime que, ao ser fracionado apenas para fins de analise, apresenta uma conduta no fato base, constituindo um “crime 1”; após a prática desse crime, há uma outra conduta que vai agravar o primeiro crime, configurando um “crime 2”. Há uma conduta no antecedente e outra no consequente mais grave, por isso é um crime agravado pelo resultado.

É perfeitamente possível, portanto, que em um crime agravado pelo resultado se observe a conduta no fato base de forma dolosa e a conduta no fato consequente de forma culposa. Já que existem duas formas de elementos subjetivos, quais sejam, o dolo e a culpa, há quatro possibilidades de combinação, que este trabalho irá se restringir apenas à analise das seguintes hipóteses: dolo no antecedente e culpa no consequente;  dolo no antecedente e dolo no consequente, sendo que esse dolo poderá ser direto ou eventual.

É importante lembrar que o agente será responsabilizado apenas pelo resultado que era possível ser previsto, visto que o Código penal, no artigo 19 afasta a responsabilidade penal objetiva; não se pode punir um agente pela ocorrência de um fato que nem sequer era possível ser previsto.

LATROCÍNIO

Previsto no 157, parágrafo 3, do Código Penal, é popularmente conhecido como roubo seguido de morte, apesar dessa expressão não ser correta, uma vez que nem toda morte é um homicídio. Essa expressão, tecnicamente, também não é correta, pois esse crime também ocorre quando o agente primeiro mata, para depois roubar, pois é possível a ocorrência do latrocínio tanto no roubo próprio, quanto impróprio.

O que caracteriza o latrocínio não é se a morte ocorreu antes ou depois do roubo. O que o caracteriza é que a morte é o meio para que o criminoso alcance seu objetivo, no caso, o roubo, por isso trata-se de um crime contra o patrimônio, não contra a vida. O patamar da pena base do latrocínio é altíssima, de 20 a 30 anos, e isso decorre da gravidade do resultado qualificador do roubo.

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ANÁLISE CONJUNTA DAS TEORIAS DO CRIME QUALIFICADO E DO LATROCÍNIO

A primeira teoria, partindo de uma analise meramente literal do artigo 19 do Código Penal, entende que o crime qualificado pelo resultado é sinônimo de crime preterdoloso. Os crimes preterdolosos são aqueles crimes dolosos com resultados culposos. É necessário, no entanto, um nexo normativo, de causalidade, entre a conduta dolosa do agente e o resultado culposo que o agrava, pois sem esse nexo causal há a possibilidade de não configuração do crime, uma vez que se pune a responsabilidade subjetiva do agente.

A palavra preterdoloso significa para além do dolo, é quando o fato base ocorre a titulo de dolo e o fato no consequente ocorre a titulo de culpa. Não há que se falar em tentativa, pois não há crime tentado causado a titulo de culpa; tentativa e crime preterdoloso são inconciliáveis.

Um exemplo de latrocínio para essa teoria seria o agente, portanto uma arma de fogo, desejando apenas intimidar a vitima, após subtrair a res (praticar o delito de roubo), por descuido e nervosismo acaba disparando, obtendo o resultado morte culposamente. Uma vez que crime agravado pelo resultado é um crime preterdoloso, caso o resultado morte seja a titulo de dolo, poderá haver –dependendo do caso concreto, pois é preciso analisar o contexto em que o fato ocorreu– um concurso de crimes e uma desqualificação do latrocínio. O concurso, no caso, será formal, pois o agente atuaria com designios autônomos, querendo a produção dos dois resultado de forma autônoma.  Assim, soma-se as penas do roubo (157, do Código Penal) e do homicídio (121, do Código Penal).

O problema dessa primeira teoria que equipara o crime qualificado pelo resultado com um crime preterdoloso é que o crime de latrocínio possui a pena base fixada de 20 a 30 anos, um patamar elevadíssimo. Assim, se o agente obtém o resultado morte a titulo de culpa, como no exemplo mencionado acima, responderá por uma pena mais elevada – ainda que somadas–, do que aquele agente que queria o resultado morte de forma independente do roubo, uma vez que o roubo possui pena base de 4 a 10 anos, e o homicídio de 6 a 20 anos.

Outro problema da teoria é que caso o roubo tenha sido tentado –apesar da tentativa não ser o objeto de analise nesse trabalho–, ainda assim haverá o latrocínio consumado, com uma pena muito maior do que um homicídio qualificado em concurso com a tentativa de roubo.

A segunda teoria faz uma analise do artigo 19, mas não apenas de forma literal, e sim sistemática. Entende que se o artigo fala “ao menos culposamente”, significa dizer que também é permitido dolosamente, pois o que é permitido para menos, é permitido para mais, sendo indiferente se esse dolo é direto ou eventual. Essa teoria, portanto, admite dolo no antecedente e culpa no consequente, assim como dolo no antecedente e no consequente.

O inconveniente é que o latrocínio teria a mesma punição tanto se a morte fosse a titulo de culpa, quanto se fosse a titulo de dolo, não havendo distinção nas penas bases, o que não observa também o principio da individualização da pena, por exemplo, punindo fatos distintos de maneira igual.

O agente que, por descuido, após disparar o gatilho da arma responderá pelo latrocínio com a mesma pena daquele individuo que quer roubar e também deseja a morte da vitima, pois descobre que é um inimigo seu, por exemplo. Essa teoria possui esse problema, pois quem comete um delito culposamente, deve sempre ter uma pena mais branda, visto que a culpa é menos grave que o dolo.

É importante lembrar que o contexto em que o crime ocorreu deve ser sempre analisado. Não há que se falar em latrocínio, por exemplo, o agente que comete o roubo de forma dolosa, abandona o local do crime, e após muito tempo, por algum motivo, retorna à residência da vitima para mata-la, pois foge do contexto do crime de roubo.

A terceira teoria, apesar de ser uma teoria mais “sofisticada”, também possui alguns inconvenientes. Essa teoria faz uma interpretação conjunta do artigo 19 com o 18 do Código Penal, e ela admite o crime preterdoloso, desde que a culpa esteja expressamente prevista no tipo, e também admite o dolo no antecedente e no consequente, desde que eventual.

O fato de exigir a culpa prevista advém do principio da reserva legal ou legalidade; ninguém será punido por um fato que a lei não determine. Assim, como a regra do Código Penal é o dolo, o agente só pode ser punido a titulo de culpa se a culpa estiver prevista, pois é exceção, não regra.

O latrocínio não traz a culpa prevista, assim, de acordo com a terceira teoria, não se aplicaria na primeira hipótese de dolo e culpa. Caso o agente após roubar obtivesse um resultado morte culposo, haveria tão somente a punição pelo roubo, uma vez que não há a previsão da morte culposa, o que seria uma “aberração”, não se punir a morte pela não previsão no parágrafo terceiro do artigo em questão. Assim, para muitos, como não haveria o latrocínio e para não deixar o fato impune, haveria um concurso de crimes, roubo (157 do Código Penal) e homicídio culposo (121, parágrafo 3 do Código Penal).

A segunda hipótese também traz uma problemática, pois se o dolo for direto, há a ocorrência de dois crimes distintos, no caso o roubo e o homicídio em concurso, o que seria um beneficio para o agente, visto que em concurso a pena seria menor do que a pena de latrocínio, que já começa com a pena mínima de 20 anos.

CONCLUSÃO

Através da analise das teorias dos crimes qualificados pelo resultado, se observa que elas abarcam varias hipóteses possíveis e ainda assim todas possuem inconvenientes quando se analisa o latrocínio dentro de cada uma delas.

Isso prova que os crimes qualificados pelo resultado são crimes heterogêneos, ou seja, distintos por natureza. É como se houvesse uma quebra da previsibilidade do Direito, uma vez que é da natureza desses crimes a complexidade e diferença dependendo do modo em que forem praticados.

 Assim, a partir desse trabalho, foi possível observar que uma única teoria não traz uma solução pronta e acabada para todas as hipóteses, pois o direito penal deve ser “construído” a partir do caso concreto, não há que se falar em uma “fórmula” pronta e acabada para a aplicação em todas as situações. Isso porque uma única teoria não vai prever e se adequar a todas as hipóteses possíveis.

Não é correto utilizar uma teoria para todas os casos de crime qualificado pelo resultado, em específico, do latrocínio. Tudo dependerá o caso concreto, da intenção do agente, dos meios utilizados e, é claro, do contexto em que o crime ocorreu. E é por isso que todas as teorias quando analisadas na pratica possuem falhas.

REFERÊNCIA

DOTTI. René Ariel. Curso de Direito Penal, Parte Geral. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

NUCCI. Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 8.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

HUNGRIA. Nelson. FRAGOSO. Heleno Claudio. Comentário ao Código Penal. 4.ed.v.7. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

JESUS. Damásio de. Direito Penal, Parte Especial. 33 ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 2013.

JÚNIO. Miguel Reale. Instituições de Direito Penal, Parte Geral. 2.ed.v.1. Rio de Janeiro: Forense, 2004

           ZAFFARONI. Eugenio Raúl. PIERANGELI. José Henrique. Manual de Direito Penal. 9.ed. v.1. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2011.

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Sobre o autor
Larissa Cerqueira Ferraz

Acadêmica de Direito do Centro Universitário do Pará. Belém-Pa.

Informações sobre o texto

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