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Possibilidade de ação de execução no inadimplemento do contrato administrato

A execução judicial de contrato administrativo pode ser manejada tanto pela Administração Pública direta quanto pela indireta e poderá ter como objeto qualquer das obrigações estipuladas em contrato que seja certa, liquida e exigível, incluindo-se as multas.

Trata-se de artigo sobre a possibilidade de ajuizamento de ação de execução (título executivo extrajudicial – art. 585, II, do CPC) fundada em contratos administrativos, tanto os da administração direta quanto os da administração indireta, ao invés de ação sob o rito ordinário, em consonância ao pronunciamento do e. Superior Tribunal de Justiça – STJ (REsp 879.046/DF; AgRg no AREsp 76429/PA; REsp 487.913/MG).

Assim, busca-se aqui demonstrar a possibilidade do ajuizamento de ação de execução também para a cobrança de multas administrativas, previamente estabelecidas em contrato, ressalvados os casos que envolvam indenizações posteriormente apuradas.

Frisa-se que, no título executivo extrajudicial, no âmbito administrativo, da mesma forma que nos demais casos, o crédito deve vir representado de tal forma que daí resulte sua liquidez, certeza e exigibilidade, conforme será mais bem delineado nos tópicos seguintes.


I.  DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS 

I.1 Dos requisitos da executividade: certeza, liquidez e exigibilidade 

Para que um título tenha força executiva é necessário e indispensável que seu conteúdo revele uma obrigação líquida, certa e exigível. 

Assim, o art. 586 do Código de Processo Civil, após modificação da antiga redação, determina que a obrigação contida no título executivo deve ser certa, líquida e exigível, abandonando-se a previsão de que esses requisitos seriam do título, e não da obrigação que se busca satisfazer por meio da execução. 

Inicialmente é conveniente destacar que a doutrina não tem entendimento uníssono no que se refere à definição de cada um desses requisitos, residindo a divergência maior em cima do requisito certeza.

Como bem anota José Miguel Garcia Medina (CPC Comentado, ed. 2ª., 2012, p. 749-750), “Obrigação certa” não significa obrigação em relação à qual há “certeza” quanto à sua existência. Tendo em vista que não há, no curso do processo de execução, manifestação jurisdicional sobre a existência ou inexistência da dívida, não se pode afirmar que “obrigação certa” seja aquela que exista, sem dúvida. Aliás, fosse este o sentido da expressão, tal requisito jamais restaria configurado, já que a simples possibilidade de oposição de embargos impede que se reconheça na obrigação contida no título executivo a característica da incontestabilidade, e, assim sendo “a certeza da existência da obrigação” seria sempre impossível.

O doutrinador acima define obrigação certa como aquela que tem precisamente definidos os elementos da obrigação, isto é, os sujeitos, a natureza e o objeto da relação jurídica sobre o qual incidirá a execução.

A doutrina do Professor Humberto Theodoro Júnior afirma que para a aferição da certeza pouco importa que, particularmente, as partes estejam controvertendo em torno da dívida, in verbis: 

“A certeza da obrigação, atestada pelo título, requisito primeiro para legitimar a execução, decorre normalmente de perfeição formal em face da lei que o instituiu e da ausência de reservas à plena eficácia do crédito documento.

Não está a certeza, portanto, no plano da vontade ulterior das partes, mas na convicção que o órgão judicial tem de formar diante do documento que lhe é exibido pelo credor. Pouco importa que, particularmente, estejam controvertendo as partes em torno da dívida. A certeza que permite ao juiz expedir o mandado executivo é a resultante do documento judicial ou de outros documentos que a lei equipare à sentença condenatória.” (THEODORO JÚNIRO, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, vol. II, ed. 45, 2010, p. 143) 

Verifica-se que está presente o requisito da certeza na medida em que o título executivo – contrato administrativo – deixa claro o elemento subjetivo da relação (Administração Pública – contratante x contratado), bem como o elemento objetivo, qual seja, a incidência de multas pela inexecução do objeto do contrato.

Ademais, a certeza da obrigação se consolida no momento em que as penalidades são aplicadas, após competente processo administrativo que respeite os moldes estipulados no contrato, com ênfase na ampla defesa e no contraditório.

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Portanto, pela simples análise do título executivo, o magistrado julgador tem condições de saber quem é o credor (a Administração Pública), quem é o devedor (a empresa contratada), qual é o bem devido e quando ele começou a ser devido (após o devido processo legal administrativo). (Lição de Amílcar Castro citado por Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Vol II. ed. 45, 2010, p. 143) 

Desta feita, há a certeza do título executivo.

No que tange à liquidez, é sabido que a liquidez não é a determinação, mas a mera determinabilidade de fixação do quantum debeatur, ou seja, o “quanto se deve”.  Assim, não é necessário que o título indique literalmente o quanto se deve, mas que contenham elementos que possibilitem tal fixação.

Nesse sentido, Araken de Assis (Manual de Execução. ed. 12ª, 2009, p. 161) ensina que a “a liquidez, nos títulos extrajudiciais e judiciais, se traduz na simples determininabilidade do valor (quantum debeatur) mediante cálculos aritméticos”.

De acordo com consolidado entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a necessidade de elaboração de meros cálculos aritméticos não retira a liquidez do título. Senão vejamos:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TÍTULO EXECUTIVO. LIQUIDEZ. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. PEDIDO IMPLÍCITO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO ESTADUAL. FUNDAMENTOS INATACADOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF.

I - "A jurisprudência desta Corte Superior já se encontra pacificada no sentido de que não perde a liquidez a dívida cujo quantum debeatur dependa tão somente de cálculos aritméticos" (AgRg no Ag 688.202/BA, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 26.06.2006).

[...]

(AgRg no REsp 970.912/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJe 13/04/2009)” (grifamos) 

EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. LIQUIDEZ. TAXA DE JUROS E CAPITALIZAÇÃO. IMPUTAÇÃO DE PAGAMENTO.

– Não perde a liquidez a dívida se, para a apuração do quantum, é necessária a efetivação de simples cálculo aritmético, com os elementos constantes da avença.

[...]

(REsp 188.178/MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2004, DJ 30/08/2004, p. 288)

Nos contratos em questão, os elementos para calcular o valor das multas devem estar presentes no próprio instrumento contratual.

Assim, será possível chegar ao valor da obrigação em caso de descumprimento do avençado se utilizando apenas de cálculos aritméticos, já que os valores a serem pagos a título das multas aplicadas corresponderão a quantias ou percentuais previamente fixados no contrato.

Além do mais, os cálculos das penalidades devem ser realizados nos processos administrativos e disponibilizados ao contratado, com pleno respeito ao princípio da ampla defesa e contraditório, o que consolidará ainda mais a liquidez do título.

Outra situação, porém, ocorre nos casos em que são cobradas indenizações dos contratados. Nestes casos não se pode entender a liquidez dos títulos, pois a determinabilidade é abstrata, vez que não expressa valores que podem ser calculados com a simples realização de cálculos aritméticos e os fatores que levam à formação do crédito não constam explicitamente no contrato.

Logo, quando o crédito decorrer de indenizações posteriormente apuradas, ausentando-se o requisito da liquidez, deverá ser observado o processo de conhecimento para a cobrança.

Assim, verifica-se que as multas administrativas gozam de liquidez, ressalvados os casos de indenizações posteriormente apuradas.

Por fim, resta apenas aferir o preenchimento do requisito da exigibilidade para viabilizar o manejo da execução. Por exigibilidade entende-se a inexistência de impedimento à eficácia atual da obrigação, que resulta do seu inadimplemento e da ausência de termo, condição ou contraprestação.

A prova da exigibilidade, geralmente, se dá pelo simples transcurso da data de vencimento. Entretanto, nos casos em análise, para se efetivar a exigibilidade, necessário se faz também o implemento de um evento futuro e incerto, qual seja, a conduta do contratada incidir no “fato típico” previsto expressamente no contrato.

Assim, o implemento dessa condição, que deve ser demonstrado cabalmente nos processos administrativos, somado à abertura e a correta instrução dos processos administrativos que aplicaram as penalidades de multas, torna o título executivo plenamente exigível, uma vez que estará comprovada a inexistência de impedimento à eficácia atual da obrigação.

I.2 Dos Fundamentos legais e jurisprudenciais

Ordinariamente, os contratos administrativos firmados pela Administração Pública na condição de contratante são sinalagmáticos e as obrigações assumidas pelos contratados são certas (prestação de determinado serviço ou entrega de determina bem, sob pena de multa), líquidas (penalidades previstas em contrato) e exigíveis (ocorrência do fato gerador somado à inadimplência da multa), configurando perfeito título executivo.

Destarte, o título executivo é o documento que revela a ocorrência de um ato ou fato jurídico suficiente, por si só, para admitir a incursão na esfera patrimonial do devedor na busca da satisfação do credor, reunindo os atributos de certeza, de exigibilidade e de liquidez da obrigação de cumprimento injustamente negado pelo devedor, merecendo tratamento privilegiado, conforme ensina MONTENEGRO FILHO (Misael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. Ed. Atlas. 2011. p. 260 e 261).

Além da exigência da presença dos atributos do título, há outro princípio consagrado em nosso sistema chamado de nulla titulus sine lege, ou, princípio da tipicidade dos títulos executivos.

De acordo com esse princípio, o título executivo só será considerado como tal se se enquadrar em uma das hipóteses previstas na lei, de modo especial nos artigos 475-N e 585 do Código de Processo Civil. Vejamos:

Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

[...]”

“Art. 585.  São títulos executivos extrajudiciais:

[...]

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores; [...]”

Assim, no caso em tela, a executividade do contrato administrativo está prevista expressamente no art. 585. O Superior Tribunal de Justiça já exarou entendimento no sentido de que o contrato administrativo está contemplado no rol dos títulos executivos extrajudiciais previstos no art. 585, II do Código de Processo Civil. Senão vejamos:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO ADMINISTRATIVO. TÍTULO EXECUTIVO.

1. Trata-se, originariamente, de execução de contrato de prestação de serviços descumprido pela municipalidade agravante. Oferecidos Embargos à Execução, foram eles rejeitados por sentença confirmada pelo Tribunal de origem. Debate-se a existência de título executivo (CPC, art. 585, II).

2. O contrato administrativo tem natureza de documento público, porque é ato administrativo perfeito e revestido de todas as formalidades inerentes aos contratos públicos. Precedentes do STJ.

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no AREsp 76429/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 07/03/2013)

PROCESSUAL CIVIL. TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS. DOCUMENTO PÚBLICO. CÁLCULOS ARITMÉTICOS. LIQUIDEZ DO TÍTULO. PRECEDENTES DESTA CORTE.

1 . De acordo com o disposto no art. 585, II, do CPC, consideram-se títulos executivos extrajudiciais: 'a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores'.

2. A melhor interpretação para a expressão documento público é no sentido de que tal documento é aquele produzido por autoridade, ou em sua presença , com a respectiva chancela, desde que tenha competência para tanto.

3. Destarte, o contrato de prestação de serviço firmado com a administração pública é documento público, hábil a embasar a competente ação de execução.

4. Se o contrato juntado aos autos da ação executiva revela o valor e a forma de pagamento do serviço, corroborado por notas fiscais demonstrando sua realização, perde subsistência o argumento de incerteza e iliquidez do título.

5. Consoante precedentes jurisprudenciais desta Corte, a simples necessidade de realização de cálculos matemáticos para se chegar ao montante real da dívida não possui o condão de retirar a liquidez do título.

6 . Recurso Especial provido." (REsp 487.913/MG, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 9.6.2003, grifou-se)

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

[...]

5. Trata-se de execução fundada no inadimplemento de contrato administrativo firmado entre as empresas recorrentes e a Companhia do Metropolitano do Distrito Federal - METRÔ/DF -, celebrado para o fornecimento de bens, serviços, documentação técnica e bilhetes, visando à implantação do sistema de controle de arrecadação e de passageiros do Metrô do Distrito Federal. A empresa pública pretende o cumprimento das pendências existentes no contrato firmado entre os litigantes, assim como a conclusão dos serviços não executados pelas contratadas. Foi justamente com o objetivo de atender ao interesse público que ela optou pela manutenção do contrato, afastando a hipótese de rescisão e preferindo, assim, executá-lo judicialmente.

Destarte, o título executivo a que se visa atribuir caráter extrajudicial é o próprio contrato administrativo.

6. Somente constituem títulos executivos extrajudiciais aqueles definidos em lei, por força do princípio da tipicidade legal (nullus titulus sine legis).

7. O inciso II do art. 585 do CPC, com redação dada pela Lei 8.953/94, incluiu entre os títulos executivos extrajudiciais as escrituras públicas ou outros documentos públicos, os documentos particulares e os instrumentos de transação, passando, assim, a contemplar as obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, além das já conhecidas obrigações de pagar coisa certa e de entregar coisa fungível, previstas na redação anterior do referido dispositivo legal.

8. O julgamento da controvérsia pressupõe a resolução de dois pontos fundamentais: (1º) definir se o contrato administrativo firmado entre os consórcios e a empresa pública enquadra-se em alguma das hipóteses do inciso II do art. 585 do CPC; (2º) verificar se o contrato em exame está revestido dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, previstos no art. 586 do CPC. Quanto ao primeiro aspecto, ressalte-se que esta Corte de Justiça, em algumas ocasiões, ao interpretar o disposto no art. 585, II, do CPC, tem reconhecido a natureza de documento público aos contratos administrativos, tendo em vista emanar de ato do Poder Público. Entende-se, portanto, que o contrato administrativo "caracteriza-se como documento público, porquanto oriundo de ato administrativo perfeito e revestido de todas as formalidades inerentes aos contratos públicos" (REsp 700.114/MT, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.5.2007). Nesse sentido: REsp 487.913/MG, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 9.6.2003; REsp 882.747/MA, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 26.11.2007). Quanto ao segundo aspecto, a Corte de origem, soberana no exame dos aspectos fáticos e probatórios da lide e das cláusulas contratuais e do edital de licitação, concluiu que o título executivo extrajudicial está revestido de certeza, liquidez e exigibilidade, na medida em que as obrigações estipuladas ao contratado estão devidamente especificadas no contrato administrativo e no ato convocatório do certame, e que os documentos acostados nos autos demonstram a liquidez e a exigibilidade do contrato administrativo. Portanto, não há como entender-se em sentido diverso no presente recurso especial, sob pena de se incorrer nas vedações insertas nas Súmulas 5 e 7/STJ.

9. As questões relativas ao efetivo cumprimento pelas empresas das obrigações estipuladas no contrato e à satisfação pela empresa pública de suas contraprestações podem ser analisadas na via dos embargos à execução, porquanto a cognição, nesse caso, é ampla.

[...]

(REsp 879.046/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 18/06/2009)”.

Ainda em sede jurisprudencial, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no julgamento do Agravo de Instrumento n° 2009.01.00.041959-5/DF, entendeu pela possibilidade de execução do contrato administrativo, inclusive citando o REsp 879.046/DF. Senão vejamos:

“(...)

A ECT não agravou dessa decisão.

É legítimo presumir que a ré-agravada não tem interesse, ao menos por enquanto, de alterar o estado das coisas, no que se refere à contratação.

De outro lado, nada foi trazido que permita delinear em que estaria o alegado periculum in mora reverso.

Em princípio, da recusa da autora-agravante ao pagamento da multa decorreria execução por título executivo extrajudicial (contrato) (REsp 879046/DF)”. 

Ademais, os tribunais de justiça do Rio Grande do Norte e do Paraná também já se manifestaram pela possibilidade de execução de multas decorrentes do descumprimento contratual, conforme se observa:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. CONTRATO REALIZADO ENTRE AS PARTES. PREVISÃO DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. COMPROVAÇÃO. TÍTULO LÍQUIDO, CERTO E EXÍGIVEL. EXEQUIBILIDADE. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL. - A comprovação do descumprimento contratual que implique em multa estabelecida no ajuste firmado entre as partes revela a certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo que instruiu a ação de execução, nos termos do inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil, o que autoriza o seu prosseguimento”.

(TJ-RN - AC: 110663 RN 2010.011066-3, Relator: Des. Amílcar Maia, Data de Julgamento: 01/12/2011, 1ª Câmara Cível)

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CLÁUSULA PENAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. 1. CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE. IRRELEVANCIA. INTERESSE DE AGIR. PRESENTE. 2. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR (EMBARGANTE). EXECUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL. POSSIBILIDADE. TÍTULO EXECUTIVO LÍQUIDO, CERTO E EXIGIVEL. 1. Está caracterizado o interesse de agir do compromissário vendedor na execução de titulo extrajudicial proposta em face do compromissário comprador, visando o recebimento da cláusula penal decorrente da inexecução completa do contrato de compromisso de compra e venda. 2. Cabível a execução da clausula penal prevista no instrumento particular de compromisso de compra e venda, contra o embargante, quando este deixa de cumprir a sua obrigação, mesmo após o embargado ter cumprido o que lhe cabia. Apelação Cível não provida”.

(TJPR - 15ª C.Cível - AC - 884155-6 - Maringá -  Rel.: Jucimar Novochadlo - Unânime -  - J. 06.06.2012)

Verifica-se que o descumprimento, mesmo que parcial, da obrigação assumida pelo contratado é traduzido em obrigação certa, líquida e exigível, que, em regra, consistirá na multa pelo inadimplemento, conforme previsão contratual.

Ademais, por ser título executivo extrajudicial, “as questões relativas ao efetivo cumprimento pelas empresas das obrigações estipuladas no contrato e à satisfação pela empresa pública de suas contraprestações podem ser analisadas na via dos embargos à execução, porquanto a cognição, nesse caso, é ampla” (REsp: 879046/DF)

Portanto, se o contratado não cumpre sua obrigação, mesmo que parcialmente[1], é possível a execução do contrato administrativo, que configura título executivo extrajudicial por ser documento público e (ou) por ser contrato firmado na presença de duas testemunhas, conforme dispõe o artigo 585, II, do CPC.

I.3 Do contrato administrativo como título executivo extrajudicial

Além do já exposto, acrescenta-se o fato de que a multa goza de executividade no âmbito administrativo; sendo possíveis os valores das multas serem executados por meio da retenção de créditos futuros do contratado. 

O dispositivo legal que regula a executividade administrativa das multas está descrito no art. 87, da Lei 8.666/93, conforme se observa:

 “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública [...]

§ 1o Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente”. 

No mesmo sentido, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO leciona que “Para a cobrança da multa, a Administração pode reter a garantia e, se esta não for suficiente, pode deduzir o seu valor de importâncias devidas ao contratado; trata-se de decisões executórias do poder público, que independem de título fornecido pelo Poder Judiciário. Somente se não forem suficientes os valores assim recebidos, é que a Administração irá a Juízo, caso o interessado não pague voluntariamente (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 277).

Portanto, as multas administrativas são parcelas do título executivo (contrato administrativo), gozam de certeza, liquidez e exigibilidade. Logo, configuram perfeito título executivo extrajudicial, que será alçado ao judiciário pela frustrada execução administrativa.

Deste modo, ante a presença de todos os requisitos característicos do título executivo, está demonstrada a exequibilidade das multas estabelecidas em contratos administrativos.


II.  CONCLUSÃO

Ex positis, observa-se a possibilidade de execução do contrato administrativo, documento público, produzido por autoridade, ou em sua presença, com a respectiva chancela, desde que tenha competência para tanto (REsp 487.913/MG).

Observa-se também que tal execução pode ser manejada tanto pela Administração Pública direta quanto pela indireta (REsp 879046/DF) e poderá ter como objeto qualquer das obrigações estipuladas em contrato que seja certa, liquida e exigível (art. 586, CPC), incluindo-se as multas (TJRN - AC: 110663 RN 2010.011066-3, TJPR – AC: 884155-6), que também são obrigações previamente estipuladas no contrato.

Logo, não se tem razão para negar a executividade dos contratos administrativos, tampouco das multas neles estipuladas. A execução será a medida que mais se coadunará com os princípios da celeridade e da economia processual, sem suprimir o contraditório ou a ampla defesa, que poderá ser exercida por meio dos embargos à execução (REsp 879046/DF).


Nota

[1] PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PAGAMENTO PARCIAL DO TÍTULO. O pagamento parcial do título não compromete a liquidez deste. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 120198 MG 1997/0011484-8, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 29/11/2002, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24.03.2003 p. 213)

Sobre os autores
Gustavo Esperança Vieira

Advogado na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Chefe do Departamento Jurídico da ECT, Professor Universitário, Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) e Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM).

Daniel Kobayashi de Pinho

Advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos na área de Contencioso Cível/GCCI, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e Pós-Graduado em DIREITO, ESTADO e CONSTITUIÇÃO pela Universidade Candido Mendes (UCAM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Gustavo Esperança; PINHO, Daniel Kobayashi. Possibilidade de ação de execução no inadimplemento do contrato administrato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4102, 24 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30148. Acesso em: 22 dez. 2024.

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