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Das possibilidades em que se pode exigir marca específica para fornecimento de bens

Agenda 01/07/2002 às 00:00

Inicialmente, para uma melhor elucidação, importante esclarecer que as possibilidades encampadas pelo presente estudo estão contidas no dispositivo de lei capitulado no artigo 24, inciso XVII, da Lei nº 8.666/93, acrescido pela Lei nº 8.883/94.

Essencial também ao estudo a delimitação dos termos marca, garantia técnica e fornecedor original.

Marca, no sentido literal e restrito aos objetivos do presente debate, significa: firma, sinal, categoria, nome ou emblema [1]. Nada mais é do que uma diferenciação imposta ao bem ou serviço, de forma a distingui-lo dos demais similares, sem acrescer ao seu conteúdo qualquer qualidade significativa em seu funcionamento, duração/ validade ou preço.

Garantia Técnica, expressão composta, cujo primeiro termo significa fiança, responsabilidade, caução, e o segundo prática [2], consiste, no presente trabalho, na cobertura que o fornecedor do bem concede ao consumidor quanto à qualidade, resistência, funcionamento e duração do produto alienado, de forma expressa, comprometendo-se a arcar com o ônus dos prejuízos resultantes da utilização correta do bem durante um certo tempo limitado e previsto expressamente.

Tratamos aqui dos casos em que um certo equipamento necessita de substituição de alguma peça, em razão de desgaste ou mal uso, para que volte a funcionar. A garantia técnica se limita ao funcionamento do equipamento durante a vigência da garantia, na medida em que a responsabilidade pelas peças originais, defeituosas de fábrica, é inerente ao fabricante do equipamento à qualquer época.

Já, Fornecedor original, é aquela pessoa, física ou jurídica, que produziu ou confeccionou o bem alienado ou locado, não se tratando do revendedor que adquire o produto do suposto fornecedor original, revendendo-o ao destinatário final. Veja que um fornecedor poderá ter mais de um revendedor, autorizado ou não, exclusivo ou não, para comercializar seus produtos.

Deve-se esclarecer que, conforme se demonstrará adiante, para os efeitos de análise neste trabalho, deve-se colocar o fornecedor original e o revendedor autorizado-exclusivo num mesmo plano, na medida em que este último se apresenta como uma extensão direta dos negócios do primeiro, continuamente (desprezando-se aqui eventuais questões de cunho tributário e trabalhista).

Trataremos inicialmente da questão inerente à vinculação da manutenção com peças exclusivas do fornecedor à garantia técnica fornecida por este.

No âmbito da Administração Pública, a Lei nº 8.666/93 estabelece em seu artigo 24, inciso XVII, que é dispensável à instauração de procedimentos de licitação para aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessárias à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia.

Percebe-se que a dispensa do procedimento licitatório se dá exclusivamente devido à condição imposta pelo fornecedor para a validade de sua garantia técnica. Veja-se que não ocorre a dispensa com base na complexidade da peça ou bem, ou na dificuldade de sua aquisição, mas sim, e tão somente, em face da imposição do fornecedor, ocorrida à época da licitação ou da contratação direta para a aquisição ou locação do equipamento.

A inclusão deste dispositivo na lei de licitações não ocorreu, como se pode pensar, para viabilizar uma proteção ao fornecedor em detrimento da Administração Pública, mas sim, e agora causaremos espanto, para viabilizar à Administração o acesso à garantia, uma vez que o fornecedor, antes da existência deste dispositivo, se negava a conceder a garantia técnica e suas implicações sob o argumento de que a composição do bem (suas peças) havia sido alterada ou substituída, no todo ou em parte, por peças não originais, o que ocasionaria a perda da garantia.

Desta feita, o dispositivo, mesmo limitando a possibilidade de se obter um menor preço com peças similares, conferiu ao Administrador Público a possibilidade de impor ao fornecedor a execução da garantia técnica que, muitas vezes, compunha o preço da proposta comercial, mas não era fornecida ou disponibilizada efetivamente.

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Preleciona o ilustríssimo Professor Jessé Torres Pereira Júnior [3]:

"Nessas circunstâncias, a condição mais vantajosa não é a do menor preço, mas a que vincule a responsabilidade do fabricante pelo correto funcionamento da máquina, o que, a seu turno, vincula o interesse da Administração."

Assim, ainda que se sobreponha o princípio de direito público de prevalência do interesse da Administração sobre os demais e, até mesmo em face deste, fica o Administrador com duas vertentes legais de ação. A primeira no sentido de se dispensar a aquisição direta junto ao fornecedor original e, por conseguinte, renunciar à garantia técnica oferecida. E, a segunda, dispensar o procedimento licitatório e se ater ao preço cobrado pelo fabricante original da peça, mantendo a garantia técnica.

A fim de se proteger o interesse público, é imprescindível que o administrador exerça suas funções no sentido de elaborar uma cotação informal, mas documentada, dos preços das peças similares que necessitem de substituição, comparando o custo do similar com o custo do original. Se constatada pequena diferença, deve o administrador optar pela manutenção da garantia, enquanto que, se constatado no preço do fornecedor original uma majoração muito distante dos preços dos bens similares, deverá dispensar a garantia técnica e se ater ao melhor preço, uma vez que cristalina a intenção do fornecedor original em obter vantagem indevida às custas do erário público.

Ademais, a Administração Pública não está obrigada, expressamente, a adquirir peças para reposição do fornecedor original, com o intuito de assegurar a garantia técnica. A colocação de componente não genuíno em um equipamento não pode, como realmente não faz, exonerar por completo o fabricante de sua responsabilidade, uma vez que passível a ocorrência de defeitos oriundos dos demais componentes, sem qualquer correlação direta com a peça similar substituída e implantada no equipamento.

Mas como se apurar a responsabilidade do fabricante, fornecedor original?

A melhor forma para excluir qualquer indício de direcionamento das conclusões seria elaborar um laudo ou parecer técnico acerca do funcionamento da máquina e da origem dos eventuais defeitos. Hoje, muitas empresas disponibilizam estes serviços a preços módicos, justamente para assegurar a viabilidade das compras de peças não genuínas, similares à original.

De posse do laudo, se evidenciaria o responsável pela manutenção e garantia do bem, podendo este ser: a) o fabricante, se o defeito não resulta da inclusão de peça não original no sistema, referindo-se a problemas com as demais peças; b) o fabricante original, se no equipamento foi inserida peça similar à original, mas a peça similar adota padrões técnicos e de funcionamento idênticos ao da peça original; c) do fabricante da peça similar, no caso desta peça, por suas particularidades – diferentes da peça original -, ter causado a falha no sistema ou o erro operacional, sendo condição sine qua non para a existência da responsabilidade civil deste fabricante a determinação expressa deste acerca da possibilidade de substituição da peça original pela similar sem complicações técnicas e com a compatibilidade do sistema; c) da própria administração, por falha humana no uso, conservação ou armazenamento do equipamento ou peça.

Assim, excluindo-se a última hipótese, percebe-se que Administração tem direito à garantia técnica, mesmo que a ser exercida via coação judicial – mediante a interposição de medida judicial tendente a responsabilizar civilmente o fabricante pelos danos ocorridos no equipamento -, a ser disponibilizada por todo e qualquer fabricante de peça original ou similar envolvida no fornecimento ou manutenção do eventual equipamento adquirido.

Quanto ao sujeito diretamente responsável pelo fornecimento da garantia técnica, nos casos em que a Administração Pública opte pela manutenção desta, algumas ponderações devem ser feitas.

Primeiramente, deve-se questionar a problemática do fornecedor original que possui revendedor autorizado e exclusivo numa certa localidade. Seria este revendedor obrigado à prestação da garantia como se fornecedor fosse? Entendemos que sim. O revendedor exclusivo, autorizado a comercializar os produtos do fornecedor em seu nome, podendo inclusive determinar prazos de entrega, descontos e vantagens de pagamento, age como se fosse o próprio fornecedor original. Assim, inerente à sua atividade a prestação da garantia à Administração Pública, a qual poderá, inclusive, ajuizar demanda judicial em face deste, a fim de satisfazer seus interesses, caso lhe seja mais vantajoso – em virtude do foro competente ou de maior facilidade em se citar a empresa revendedora -, em comparação ao fabricante original.

Nesse caso, aconselhável à Administração Pública que dispense a aquisição do bem via processo licitatório, com fundamento no artigo 24, inciso XVII, da Lei nº 8.666/93. A dispensa poderá, facilmente, se adequar aos pressupostos fáticos de seus requisitos.

Entretanto, nos referimos acima à existência de apenas um revendedor exclusivo e autorizado. Isto porque, na existência de mais de um revendedor exclusivo e autorizado, numa mesma localidade, fica o Administrador Público obrigado a realizar a cotação de preços pela instauração de procedimentos de licitação, sob pena de prejudicar o interesse da coletividade, uma vez que entre os revendedores exclusivos autorizados poderá ocorrer uma disputa salutar ao erário da Administração.

Existe, ainda, a possibilidade de que numa mesma localidade existam tanto fornecedores de peças originais quanto de peças similares, cada qual com um ou mais revendedores autorizados e exclusivos. Vamos por partes.

Quando existir somente um fornecedor de peças genuínas numa região em que o fabricante de peças similares ou seus revendedores estiverem presentes, poder-se-á dispensar o procedimento de licitação para aquisição da peça genuína, uma vez que somente esta poderá assegurar a manutenção da garantia técnica em questão.

Doutra face, caso exista mais de um revendedor de peças originais ou similares na mesma localidade, obrigatoriamente o ente público deverá licitar para adquirir a peça genuína ou seu similar.

As hipóteses em que não se admite a contratação sem licitação se vinculam à existência de mais de um fornecedor de uma peça original numa mesma região, para que assim não se permita o favorecimento de uns poucos em detrimento da coletividade, na medida em que a dispensa da licitação, nestes casos, configura verdadeira afronta aos princípios de Direito Administrativo Público, como o da legalidade (por desrespeito a lei nº 8.666/93) e o da moralidade dos atos administrativos.

Há, ainda, uma outra hipótese que possibilita a contratação direta, sem licitação. Nos referimos à obrigatoriedade de se adquirir, na vigência da garantia, a peça genuína de um certo revendedor específico e determinado, mesmo havendo outros em idênticas condições de fornecimento e preço do mesmo bem. Tratamos da hipótese em que o fornecedor original – fabricante - ao fornecer o equipamento, determina que a manutenção será exercida somente por um específico revendedor, ou por ele mesmo, sob pena de perda da garantia técnica do equipamento. Nestes casos, por mais privilegiado que se apresente outro revendedor de peça genuína ou de peça similar, para a validade da garantia técnica, a Administração será obrigada a contratar com o revendedor indicado pela fábrica.

Deve-se salientar que o revendedor responsável pela manutenção será aquele indicado pelo fabricante da peça no instrumento contratual, vinculando a Administração a se socorrer de seus serviços. A modificação do revendedor só pode ocorrer de comum acordo entre as partes e, ao nosso ver, isto também deve ocorrer quando da substituição do revendedor que se exclui do quadro do fabricante-fornecedor, como seu autorizado, por outro integrante do citado grupo. Tal posicionamento impera, em princípio, para não sujeitar a Administração Pública aos caprichos do fabricante em promover alterações unilaterais no instrumento contratual, livrando o Administrador do ônus de ter que diligenciar, possivelmente, cada vez a um local diferente para realizar a manutenção do produto que adquiriu, sem poder reivindicar uma continuidade nos serviços dados por um mesmo autorizado do fabricante.

Da mesma forma, visa implantar nos tratados com a Administração Pública o respeito aos princípios de direito administrativo, tais como o da Igualdade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Probidade Administrativa e da Isonomia, traduzidos pela continuidade e probidade com que a Administração gerencia seus contratos.


Notas

1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda, Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa., 11ª edição, Ed. Civilização Brasileira AS, Rio de Janeiro, 1967, pág.777.

2. ob. Cit., págs 591 e 1162.

3. PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres., Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública: Lei nº 8.666/93, com redação da lei nº 8.883/94, Rio de Janeiro, Renovar, 1994, pág. 164.

Sobre o autor
Ricardo Ribas da Costa Berloffa

Advogado. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional e em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Pós-Graduando em Direito Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas - FGV/SP. Professor de Direito do Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Professor de Direito da Faculdade Damásio de Jesus. Ex-Professor de Direito da Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Ex-Secretário-Executivo da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo - ARSESP. Ex-Chefe de Gabinete e Assessor Jurídico da Comissão de Serviços Públicos de Energia do Estado de São Paulo - CSPE. Autor dos livros "Procedimento Sumaríssimo (Comentários à Lei nº 9.957/2000) e o Novo Enfoque Mundial das Relações Trabalhistas", "Manual de Licitações Públicas - Uma abordagem prática e sem mistérios", "A nova modalidade de Licitação: Pregão", "A modalidade de licitação Pregão - Uma análise dos procedimentos dos Pregões Presencial e Eletrônico", "Introdução ao Curso de Teoria Geral do Estado e Ciências Políticas", "Curso de Direito Administrativo para concursos" (prelo) e "Licitações Públicas: Lições essenciais" (prelo). Foi membro de Comissões Permanentes e Especiais de Licitação e pregoeiro do Estado de São Paulo. Sócio do escritório Casquel, Nasser e Ribas Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERLOFFA, Ricardo Ribas Costa. Das possibilidades em que se pode exigir marca específica para fornecimento de bens. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3034. Acesso em: 24 nov. 2024.

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