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O sigilo na representação perante o Conselho de Ética e decoro parlamentar da Câmara dos Deputados

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Agenda 05/08/2014 às 14:18

A relatividade do sigilo do inquérito policial se aplica também aos inquéritos civis e, agora, às representações perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados

  Um Deputado Federal que responde a uma Representação perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados conseguiu, em sede de liminar, ter imediato acesso ao procedimento e tirar cópia dos autos, inclusive dos seus apensos.

A decisão monocrática foi proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski no Mandado de Segurança nº. 33088, oportunidade em que ressaltou que a Constituição Federal assegura a ampla defesa e o contraditório àqueles que respondem a processos criminais ou administrativos. Destacou, ainda, que o Supremo Tribunal Federal aprovou a Súmula Vinculante 14, que diz ser “direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Também foi citado na decisão o Estatuto da Advocacia (Lei nº. 8.906/94), no trecho em que garante ao advogado o acesso aos autos e a obtenção de cópias de qualquer processo, seja qual for o órgão dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo.

Por fim, o Ministro Lewandowski salientou que o acesso aos autos deve englobar “aqueles documentos juntados ao processo posteriormente à apresentação da defesa escrita, com abertura de prazo para manifestação”.

É cediço que o Supremo Tribunal Federal aprovou no dia 02 de fevereiro de 2009 súmula vinculante que garante a advogados acesso a provas já documentadas em autos de inquéritos policiais que envolvam seus clientes, inclusive os que tramitam em sigilo, in verbis: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Naquela oportunidade, a questão foi levada ao Plenário a pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil por meio de processo chamado Proposta de Súmula Vinculante, em 2008, instituído no Supremo Tribunal Federal. Essa foi a primeira Proposta de Súmula Vinculante julgada pela Corte. Dos 11 Ministros, somente Joaquim Barbosa e Ellen Gracie foram contra a edição da súmula. Para os dois, a matéria não deveria ser tratada em súmula vinculante. A maioria dos Ministros, no entanto, afirmou que o verbete trata de tema relativo a direitos fundamentais, analisado diversas vezes pelo Plenário. Eles lembraram que a Corte tem jurisprudência assentada no sentido de permitir que os advogados tenham acesso aos autos de processos. “A súmula vinculante, com o conteúdo proposto, qualifica-se como um eficaz instrumento de preservação de direitos fundamentais”, afirmou Celso de Mello. O Ministro Marco Aurélio destacou que “a eficiência repousa na transparência dos autos praticados pelo Estado”, reiterando que precedentes da Corte revelam que a matéria tem sido muito enfrentada. Ele afirmou que havia pelo menos sete decisões sobre a matéria no Supremo Tribunal Federal (efetivamente tinham sete precedentes, todos em processos de habeas corpus, a saber: 88520; 90232; 88190; 92331; 87827; 82354 e 91684).

Naquele julgamento, observou a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha que “investigação não é devassa”. O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, relator da matéria, afirmou que a súmula não significará um “obstáculo à tutela penal exercida pelo Estado”.

Pois bem.

Como principais características do inquérito policial podemos apontar o fato de ser um procedimento escrito (art. 9º., CPP), relativamente sigiloso e inquisitório, pois não admite o contraditório[1] e a ampla defesa, o que não significa que o indiciado não seja um sujeito de direitos, muito pelo contrário, sendo-lhe garantidos direitos outros, tais como o direito ao silêncio, o de não se auto incriminar, o de ser tratado com dignidade e respeito, etc., etc. O que não se cogita, por evidente, é que se permita o contraditório e a ampla defesa em uma fase investigatória/policial, o que inviabilizaria qualquer investigação criminal.[2]

Exatamente por isso é que as provas colhidas nesta fase precisam ser ratificadas em Juízo, a fim de que se legitime um decreto condenatório.

Por um lado, justifica-se o sigilo no inquérito policial por ser “instrumento mediante o qual se garante a inviolabilidade do segredo, e serve à autoridade condutora das investigações, visando à elucidação do fato, mas preserva ao mesmo tempo a intimidade, vida privada, imagem e honra das pessoas envolvidas na apuração”, como bem anotou o Ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, para quem a quebra do sigilo é “dos mais graves e intoleráveis”. Segundo ele, “processos que tenham sido decretados como sigilosos só podem tornar-se públicos em relação a acusados, defensores e à vítima” e a divulgação de “tais inconfidências, além de serem incompatíveis com os cuidados necessários à condução frutífera das investigações, trazem ainda danos gravíssimos à vida privada dos envolvidos, e sobretudo de terceiros meramente referidos, com sequelas pessoais gravosas e irremissíveis”, concluiu (Inq. nº. 2424).

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Tal sigilo, no entanto, não pode ser oposto ao defensor do indiciado, pois, como afirmam Alberto Zacharias Toron e Maurides de Mello Ribeiro, “a Lei nº 8.906/94, no seu art. 7º, inc. XIV, é clara e, antes dela, o estatuto anterior (Lei nº 4.215/63), igualmente o era. Constitui direito do advogado “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito..., podendo copiar peças e tomar apontamentos;”. Ante a clareza da lei é evidente que a restrição que se quer impor aos advogados que representam indiciados ou meros investigados, isto é, de examinar e extrair cópias de parte dos autos, mais que odiosa, é patentemente ilegal. De fato, se a lei assegura aos advogados o direito de poder ver os autos e copiar o que for importante, tal se encarta dentro de uma garantia maior que é a da ampla defesa. Sim, porque não se pode exercer esta sem que se conheçam os autos. Afinal, se dentro de um inquérito for determinada de forma abusiva um indiciamento ou, por outra, decretar-se a prisão de um cidadão, como irão os advogados hostilizar eventual coação se não podem ter acesso ao feito? Isto para não falar em toda sorte de abusos que se podem cometer em matéria de colheita de provas ou indícios. Não é à toa que Fauzi Choukr, Promotor de Justiça em São Paulo, na monografia que lhe valeu a obtenção do título de Mestre pela Universidade de São Paulo em Direito Processual Penal, com propriedade adverte: “... dentro de um Estado democrático não há sentido em se falar de ‘investigações secretas’, até porque, na construção do quadro garantidor e na nova ordem processual acusatória, deve o investigado ser alertado sobre o procedimento instaurado” (Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, SP, ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 92)... ...Até mesmo a famigerada Lei do Crime Organizado, que na obstinada pretensão de salvaguardar dados sigilosos, de forma inédita, prevê a realização de diligências pessoais pelo magistrado, assegura ao advogado constituído acesso aos autos (art. 3º, § 3º). Na verdade, quando se garrotearem as prerrogativas profissionais dos advogados, atinge-se exatamente a garantia constitucional da ampla defesa em razão da falta de conhecimento do conteúdo de diligências ou atos praticados nos autos do inquérito policial, bem como o não acompanhamento regular dos inquéritos policiais. E o direito à ampla defesa, remarque-se, está constitucionalmente previsto, inclusive na fase pré-processual (art. 5º, inc. LV). O que está em jogo não é apenas o interesse corporativo, mas, na verdade, cuida-se de resguardar, dando vida à garantia constitucional da ampla defesa, o cidadão. Tudo isso já seria mais do que suficiente para responder a todos aqueles que pensam em restaurar o sigilo absoluto do inquérito, tal como uma das odiosas regras das investigações promovidas pela Santa Inquisição. Ainda assim, há sempre quem possa defender o sigilo para que se viabilizem as investigações. Esta idéia chega a sugerir, ainda que obliquamente, a prática de crime no exercício da Advocacia, ou, por outra, um inadmissível desconhecimento do que significa o seu exercício. Aliás, considerando que a determinação de diligências normalmente é verbal e só são reduzidas a termo depois de efetivadas, convém perguntar-se: se forem lícitas as providências desencadeadas, por que escondê-las?”[3]

Aliás, mesmo nos tribunais estaduais este entendimento já prevalecia, como vemos nesta decisão proferida em um Mandado de Segurança, da lavra do Juiz de Direito Dr. André Andreucci (decisão confirmada à unanimidade de votos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos do recurso de apelação nº 31.228-3/SP):

“Toda autoridade que não respeitar as prerrogativas legítimas do Advogado, no exercício regular este de seu legal ministério privado, será tida como arbitrária e deverá ter seu comportamento coibido pelo Judiciário, ontem, hoje e sempre, no estado de direito, a esperança dos que buscam Justiça, dos que esperam receber o que lhes é devido por Lei. Se, no futuro, como esperam alguns, nova legislação mudar a orientação estampada na Lei nº 4.215/63, permitindo a proibição que os impetrados pretenderam aplicar, ainda assim caberá ao Judiciário apreciar a questão que implicará violação das garantias constitucionais da ampla defesa e do regular exercício das atividades profissionais. (...) Dessa forma, não poderiam as autoridades impetradas desconhecer as prerrogativas e os direitos dos Advogados, claramente inscritos na legislação pertinente. Como também não poderia desconhecer isso tudo o ilustre representante do Ministério Público que oficiou nos autos. O dispositivo legal que confere aos impetrantes o direito que buscam já foi bastante examinado, ao contrário do que afirma esse mesmo Doutor Promotor de Justiça. Dispensa o tema demorada abordagem, mas, em homenagem ao Direito, que se pretende regule as relações entre os homens e a Justiça, que deve presidir e garantir essas relações, alguns comentários têm que vir à tona, com ilustrações pertinentes. Numa sociedade, que se pretenda seja regida pelo menos com respeito aos mais simples princípios de respeito ao Homem, à Lei, à Justiça, não se pode tolerar a arbitrariedade. “O poder do Estado para realizar seu objetivo, o bem público, é exercido, como já vimos, sob três modalidades: a função legislativa, a executiva e a judiciária”. “O Estado não tem direito de excluir nenhum cidadão da participação nos benefícios que a sociedade política tem por fim oferecer, principalmente quando se trata dos direito individuais. Não somente o Estado não deve oprimir ou perseguir esta ou aquela categoria social, mas, também, evitará toda e qualquer distinção odiosa em qualquer matéria civil, penal ou administrativa. E isso não somente por princípio de humanidade, mas também por um princípio social: igualmente membros da sociedade política, todos os indivíduos, seja qual for a sua classe, categoria ou opinião, têm igualmente direito, por parte do Estado, à mesma solicitude e benevolência (cfr. Darcy Azambuja, in Teoria Geral do Estado, págs. 386/389). No exercício do poder de polícia, o Estado, representado, no caso, pela autoridade policial, não pode, e mais do que isso, não deve, oprimir, perseguir, submeter à odiosa distinção, a classe dos Advogados, notadamente quando seus integrantes estão no exercício regular de suas prerrogativas, no desempenho de suas atividades profissionais. O arbítrio que no passado foi sinônimo de violência, de constrangimentos indevidos, não mais se justifica. Os tempos são outros. A sociedade exige respeito ao ordenamento jurídico.”

Tal entendimento deve prevalecer ainda que estejam juntados no inquérito policial informações colhidas a partir de interceptação telefônica. Neste sentido, por unanimidade, os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal confirmaram o entendimento de que a defesa deve ter acesso pleno aos autos de um inquérito policial, incluindo os dados obtidos a partir de interceptações telefônicas. Para o relator do Habeas Corpus (HC) 92331, ministro Marco Aurélio, “a busca de parâmetros não pode conduzir a manter-se, quando já compelido certo cidadão a comparecer para ser interrogado, ou para prestar esclarecimentos, o óbice ao acesso aos fatos que estariam a impeli-lo a tanto”. O HC 92331 foi impetrado no Supremo pela defesa de duas pessoas acusadas pela Polícia Federal, na Operação 274, de suposta formação de cartel no setor de vendas de combustíveis em João Pessoa, na Paraíba. Para a advogada dos suspeitos, a acusação contra seus clientes foi totalmente embasada nos conteúdos de interceptações telefônicas, mas a própria justiça paraibana negou o acesso da defesa a essas escutas, alegando a necessidade de preservar as investigações, porque ainda estariam em curso, mesmo tendo os investigados sido chamados para um interrogatório. O Ministro Marco Aurélio frisou logo de início em seu voto que o sigilo das diligências é a tônica da investigação policial, mas somente até que se chegue ao estágio em que os fatos apurados viabilizem a convocação para interrogar o investigado. Em seu entender, se já existem indícios para se convocar alguém a depor, deve-se dar acesso, à defesa do investigado, às informações que motivaram essa convocação. O inquérito policial é um procedimento administrativo, não um processo, mas deve também respeitar os direitos fundamentais do indiciado, como os de poder manter-se em silêncio, não produzir provas contra si mesmo, bem como o amplo acesso aos autos. “Fora disso é inaugurar época de suspeita generalizada, de verdadeiro terror”, frisou o relator, lembrando do escritor Franz Kafka, que em seu livro “O Processo” retrata exatamente a vida de um personagem que passa a ser investigado, sem contudo ser informado ou ter conhecimento dos motivos dessa investigação.O sigilo pode estar ligado às diligências, às investigações em andamento, disse o Ministro. Mas a partir do momento em que as informações passam a fazer parte dos autos – gravações e degravações de grampos legais, inclusive – deve-se dar amplo acesso à defesa, sob pena de ferir de morte o devido processo legal. O Ministro votou no sentido de atender o pedido da defesa, integralmente, e conceder a ordem de Habeas para permitir o amplo acesso da defesa às peças constantes do inquérito.Ao acompanhar o voto do relator, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito disse entender que a interceptação telefônica, mesmo sendo legal, permite abusos que devem ser combatidos. Ele salientou que negar à parte o acesso aos dados obtidos dessa forma é cercear seu direito de defesa. Aquilo que já não é objeto de diligência, já estiver completado e juntado aos autos do inquérito, são peças públicas, acrescentou a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, também acompanhando o voto do relator para deferir o habeas corpus. Ela lembrou que mesmo em se tratando de inquéritos que estejam correndo sob segredo de justiça, esse sigilo não se aplica às partes, que devem ter amplo acesso a todas as peças. Já o ministro Ricardo Lewandowski lembrou notícia veiculada hoje nos principais veículos de imprensa, que trata exatamente do aumento de interceptações telefônicas legais no país. Para o Ministro, o STF precisa estabelecer as balizas para esse procedimento. Ele votou pelo deferimento da ordem. O último a votar, também acompanhando o relator, foi o Ministro Carlos Ayres Britto, para quem todas as peças que são juntadas aos autos, em um inquérito, passam a ser cobertos pelo princípio da comunhão das provas. “O que vem para os autos torna-se público, está sob as vistas do investigado”, disse Britto, ressaltando o caráter constitucional desse entendimento. Fonte: STF.

E mais: mesmo quando se trata de um inquérito civil. Vejamos esta decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso:

“Trata-se de mandado de segurança oposto pela advogada ... contra ato de lavra dos Excelentíssimos Senhores Promotores Públicos, Domingos Sávio Barros de Arruda e Ana Luiza Ávila Peterlini de Souza, que estariam a impedir a impetrante de ter acesso aos termos do inquérito civil instaurado contra a sua pessoa, pela suposta prática de atos de improbidade administrativa. Afirma que foi convocada a prestar esclarecimento nos autos do Inquérito Civil Público nº 000897-02/2005/MPE, em audiência a ser realizada na próxima segunda-feira, 12 de dezembro do corrente ano, às 09:00 h, sem que lhe fosse oportunizado ao acesso aos termos da investigação que se move contra ela, mesmo tendo constituído advogado para tanto. Relata que em agosto/2005 foi baixada a Portaria nº 34 da 21ª Promotoria Pública do Meio Ambiente, instaurando procedimento cível tendente a apurar denúncias de atos de improbidade administrativa perpetrados por ela, que na condição de Assessora Jurídica da Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEMA, teria exercido advocacia administrativa para particulares contra os interesses do Órgão onde estava lotada. Dessa Portaria sucederam-se atos investigativos do Parquet Estadual, os quais a impetrante nunca teve acesso nem conhece seu teor, sendo agora convocada a depor em procedimento que mais se assemelha a uma investigação criminal que propriamente a um inquérito de natureza civil. A par de questionar a própria legitimidade do MP para conduzir o Inquérito, cuja feição amolda-se às funções da Polícia Judiciária Civil, já que as acusações são todas de fatos-tipos penais, persegue a concessão da medida liminar tão-somente para franquear-lhe o acesso aos autos, no que diga respeito à sua pessoa, bem como assim permita-se que seja acompanhada de seus patronos quando de sua oitiva, garantindo-lhe, ainda, o direito constitucional do "silêncio", caso entenda apropriado. De plano quanto a este segundo pleito não há a menor justificativa para a sua existência, já que no próprio despacho que designou a oitiva da impetrante constou a garantia de seu direito de permanecer calada quanto às perguntas que lhe seriam formuladas. De outro lado, inexiste qualquer indicativo de que os impetrados tenham impedido ou cerceado o direito dos patronos constituídos pela impetrante de assisti-la na audiência onde irá depor, o que caracteriza a ausência de qualquer ato coator a ser analisado nesse prisma. Resta, então, a questão do acesso aos termos do inquérito civil instaurado, o qual foi negado pelas autoridades coatoras sob o argumento de que o acesso prévio aos autos "trará enormes prejuízos à investigação". (sic – fl. 23/TJ). A ordem deve ser concedida no particular. De há muito tempo livrou-se o ordenamento jurídico pátrio das investigações de porão, feitas ao arrepio da garantia constitucional de amplo acesso dos investigados em procedimento judicial ou administrativo ao contraditório e a ampla defesa. Não se está dizendo que nos procedimentos investigativos deve-se ter toda a parafernália jurídica de garantia do devido processo legal; tal conclusão retiraria toda a utilidade da investigação, que por sua natureza é mesmo sigilosa. Todavia, sigilo não significa surpresa, tocaia, onde o órgão investigador oculta seus atos e suas práticas, como a querer tomar de assalto as emoções do investigado, que se vê como uma marionete do procedimento a que está submetido. Franz Kafka já há tempos satirizava a figura do "processo" como algo abstraído da realidade, onde mais se importa a forma e os meios do que a finalidade do ato. Certo é que não se pode pretender esconder do investigado os termos do procedimento que contra si tramita, a não ser pro razões justificadas e fundamentadas, conforme preconiza o § 1º do artigo 7º da Lei nº 8906/94. Vale dizer, poderá o inquérito ser totalmente sigiloso, desde que haja justificativa fundamentada do órgão do processante do porquê o acesso do investigado poderia causar danos ou prejuízos à investigação. Essa é a exegese que decorre do entendimento da Superior Corte de Justiça: "PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA, INQUÉRITO POLICIAL, ADVOGADO, ACESSO, NECESSIDADE DE SIGILO, JUSTIFICATIVA, AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. I – O inquérito policial, ao contrário do que ocorre com a ação penal, é procedimento meramente informativo de natureza administrativa e, como tal, não é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo por objetivo exatamente verificar a existência ou não de elementos suficientes para dar inicio à persecução penal. Precedentes. II – O direito do advogado a ter acesso aos autos de inquérito não é absoluto, devendo ceder diante da necessidade do sigilo da investigação, devidamente justificada na espécie (Art. 7º, § 1º, 1, da Lei nº 8.906/94). Nesse sentido: RMS nº 12.516/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, j. em 20/08/2002). (STJ, 5ª Turma, Edcl no RECURSO ORDINÁRIO EM MS Nº 15.167 – PR (2002/0094266-9), Ministro Relator Felix Fischer). Assim, não havendo qualquer demonstração de prejuízo ou periculosidade do acesso da investigada aos termos do procedimento que lhe é movido, defiro a liminar vindicada, apenas para garantir-lhe o direito de acesso aos termos da investigação, naquilo que lhe diga respeito, antes da realização da audiência em que será ouvida, sem carga dos autos nem cópias do inquérito. Defiro nesses termos. Cumprida a liminar, intimem-se as autoridades coatoras para apresentarem suas informações, no decêndio legal. Após, vistas à douta Procuradoria de Justiça para oferta de parecer. Intime-se. Cuiabá, 10 de dezembro de 2005. Des. Orlando de Almeida Perri – Relator.” (Mandado de Segurança nº. 47932/2005).

Especificamente sobre o inquérito civil, assim se pronunciou Edgard Fiore:

“Buscando a correta interpretação da Lei da ação civil pública (aqui se pretenderá demonstrar que seu sentido está na necessidade de evitar e/ou reparar lesões aos direitos coletivos e difusos, também chamados metaindividuais, com a máxima presteza e eficácia que requer a dimensão da lesão), nessa medida a lei dotou o Ministério Público, responsável pela proteção desses direitos, de instrumentos que lhe permitam esta presteza e esta eficácia, quais sejam (i) a ação civil pública e (ii) o inquérito civil, que devem viabilizar uma tomada de ação eficaz ante a situação da vida que se pretende proteger, nos limites da atuação do referido órgão. Nesse contexto, o contraditório, ao ser aplicado no inquérito civil, presta-se a prover a necessária eficácia à ação do Ministério Público e, portanto, coaduna-se com a intencionalidade da lei sob análise, especialmente porque esta espécie de inquérito não pode ser igualada ao inquérito penal – a partir do qual foi criado por analogia – por se tratar de procedimento muito mais abrangente do que o modelo do qual partiu, permitindo ao Ministério Público, que o preside, não só investigar (suspeita de lesão aos direitos que deve proteger), como chegar a exercer função jurisdicional -, ao firmar compromisso de ajustamento de conduta com o causador do dano, por exemplo. É a jurisdição se fazendo presente ante a solução encontrada para dirimir o conflito.”[4]

Destarte, concluímos que a relatividade do sigilo do inquérito policial, aplica-se, por força da referida súmula vinculante, também aos inquéritos civis e, agora, às representações perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, ou seja, em quaisquer peças investigatórias, sejam de natureza cível ou criminal, inclusive aquelas sob a presidência do Ministério Público ou do Poder Judiciário (art. 33, parágrafo único da Lei Complementar nº. 35/79.  

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. O sigilo na representação perante o Conselho de Ética e decoro parlamentar da Câmara dos Deputados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4052, 5 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30558. Acesso em: 15 nov. 2024.

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