RESUMO
O direito subjetivo constitucional à JUSTIÇA requer que a tutela jurisdicional, para ser EFETIVA, deva ser justa, adequada e tempestiva.
A eficácia do provimento pode esvair-se rapidamente com o passar do tempo, tornando-o cada vez mais fraco e ilusório, até mesmo baldado e inútil.
O procedimento ordinário para tutela dos direitos não é adequado para inúmeras situações, em razão da notória e quase intransponível morosidade da justiça.
O legislador previu a antecipação da tutela, nos casos em que o juiz se convence, no caso concreto, da verossimilhança das alegações e do periculum in mora.
Deferida a antecipação da tutela, resta a questão de impor ao réu o efetivo cumprimento do mandamento judicial no prazo prescrito. As multas cominatórias têm sido a forma usual de coação adotada pelo Judiciário brasileiro.
O valor dessas astreintes e seu momento de execução ainda carecem de uniformização jurisprudencial, gerando inevitável insegurança jurídica.
Quando está envolvido o DIREITO À VIDA, a reparação pecuniária pode ser inócua e principalmente ineficaz. Pode chegar tarde demais, depois de consumado o dano, que já se terá tornado definitivo.
Foi analisado o caso dos planos e seguros de saúde, em que a tempestividade do provimento assume caráter essencial.
Recursos meramente protelatórios podem e devem ser coibidos através de recursos disponíveis em nosso ordenamento, como a litigância de má-fé e a caracterização do Dano Social, mas que são utilizados com extrema parcimônia pelos julgadores.
Mesmo como ultima ratio da atuação do Estado-juiz, a persecução penal pode servir como único estímulo realmente eficaz ao cumprimento do mandado. O descumprimento de ordem judicial configura crime tipificado no Código Penal.
É importante que os julgadores passem a contemplar mais esse recurso, que a lei lhes disponibiliza, em prol da celeridade e da efetividade da tutela jurisdicional, até mesmo para vencer o nefasto descrédito do Poder Judiciário junto à sociedade.
A solução só será lograda quando a Justiça conseguir, de alguma forma legal, necessariamente engenhosa e criativa, até mesmo corajosa, compensar o abissal desequilíbrio entre as partes em litígio.
O propósito deste trabalho é levantar algumas alternativas, ainda que não ortodoxas, para análise e consideração dos doutrinadores e operadores do Direito.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º XXXV, o acesso universal à justiça, que há muito não se entende como o mero direito do jurisdicionado de ingressar com uma demanda perante o Poder Judiciário, mas sim a prestação jurisdicional justa, efetiva e rápida, que tem como intuito devolver às partes a paz social que existia antes do litígio.
O presente estudo se propõe a analisar a aplicação das astreintes como meio possível de garantir a eficácia da prestação jurisdicional, abordando ainda outras alternativas visando ao mesmo objetivo.
Os casos analisados versam acerca da prestação de serviços médicos e hospitalares pelo setor de saúde suplementar. Não obstante, cediço que não somente os grandes planos de saúde, mas também diversas outras empresas, dos mais variados ramos, especialmente de prestação de serviços, obrigam o consumidor a buscar a tutela jurisdicional para obter o adimplemento da obrigação contratada. A situação é não poucas vezes agravada pelas barreiras por ele enfrentadas junto aos Tribunais.
Sendo as astreintes maneira importante de agregar maior eficácia à prestação jurisdicional, não há como se quedar inerte ao lamentável desprestígio do Poder Judiciário, frequentemente causado por ele mesmo, com a aplicação deficiente de instrumento tão valioso.
O intuito do presente estudo é a abordagem do quadro mencionado, provocando o leitor, especialmente os operadores do direito, à reflexão acerca da importância de contribuir, com o quanto necessário, para a prestação jurisdicional eficaz, o que vem ao encontro dos Direitos Fundamentais consagrados por nossa Constituição.
2. A DURAÇÃO DO PROCESSO E A EFETIVIDADE DA JUSTIÇA
O direito constitucional ao provimento jurisdicional eficaz, isto é, justo e oportuno, encontra obstáculo no direito, também constitucional, ao contraditório e à ampla defesa (Art. 5º LV) - inerentes ao Estado Democrático de Direito.
Cícero já advertia: “summum jus, summa injuria”, ou em outras palavras o excesso de direito pode gerar um excesso de injustiça.
Na exegese do notável jus sociólogo Jean Carbonnier, um dos mais importantes juristas franceses do século XX: “Les délais de la justice, divine ou humaine, désespèrent, exaspèrent les mortels, à proportion de l'exaltation de la promesse. Ce pourrait être un sens de la maxime: les Droits subjectifs qui ont été proclamés de plus haut (‘summum jus’) sont ceux qui engendrent la frustration la plus amère (‘summa injuria’).”[3] E complementa Carbonnier dizendo que o famoso apotegma poderia servir como slogan anarquista: “todo seu belo sistema de direito nada mais é do que a própria negação do direito, a injustiça suprema”.
Para solucionar o conflito entre direitos fundamentais, é necessária a utilização da técnica da ponderação e do princípio da proporcionalidade, em cada caso concreto.[4]
A regra geral, do art. 272 do Código de Processo Civil, de que o procedimento padrão da tutela dos direitos é o ordinário não é adequada à tutela de todas as situações particulares, tendo em vista suas respectivas especificidades. E a ineficiência torna-o também ineficaz.
Nas palavras de LUIZ GUILHERME MARINONI, “O procedimento ordinário, como é intuitivo, faz com que o ônus do tempo do processo recaia unicamente sobre o autor, como se este fosse o culpado pela demora ínsita à cognição dos direitos.”[5]
O que acontece, na prática, é que as causas se arrastam por longos anos, trazendo prejuízos ao autor, que em geral, tem razão, em favor do réu.
Esse problema, cumpre salientar, não existe apenas no Brasil e desafia os Judiciários em todo o mundo.
JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI relata que:
“a Corte Européia dos Direito do Homem, em julgamento ocorrido aos 25 de junho de 1987, condenou o governo italiano a indenizar uma litigante nos tribunais daquele país pelo dano moral ‘derivante do estado de prolongada ansiedade pelo êxito da demanda’.”
Em razão da violação ao art. 6º § 1º da Convenção Européia[6], a Corte declarou, à unanimidade, “que o Estado demandado deve pagar à requerente oito milhões de liras a título de satisfação equânime.” [7]
No Brasil, ainda não existe um mecanismo capaz de penalizar o Estado na figura do Poder Judiciário pela prestação de serviço ineficaz, dando efetividade ao inciso LXXVIII da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
É bem verdade que o eminente Professor CRUZ E TUCCI assevera que “São, portanto, perfeitamente indenizáveis os danos materiais e morais originados da excessiva duração do processo, desde que o diagnóstico da morosidade tenha como causa primordial o anormal funcionamento da administração da justiça.” Analisando o primeiro precedente da jurisprudência brasileira nessa matéria, comenta o aresto da 19ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo[8], que reconheceu a improcedência do pedido de ressarcimento de dano moral em virtude do estado de ansiedade ocasionado pela demora injustificada do processo. E o eminente doutrinador, com sua reconhecida autoridade, é categórico: “Daí por que o apontado acórdão encontra-se, ‘data venia’, totalmente divorciado do direito brasileiro em vigor.”[9]
Pelas sábias e oportunas palavras do Ministro CELSO DE MELLO, “A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente”[10]
Para o Professor JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI,
“A excessiva duração do litígio vulnera a garantia do devido processo legal.
Desprestigia os tribunais. Em razão da morosidade, o controle externo do Judiciário é defendido, por muitos, como o único remédio apto a agilizá-lo e modernizá-lo.
Perpetua a angústia e produz enorme prejuízo, material e moral, àqueles que protagonizam o combate judiciário.
A intempestividade da tutela jurisdicional, em termos globais, aumenta a incerteza; compromete a segurança jurídica e, por isso, chega até a influir na eficiência da economia.” [11]
A imprensa divulgou amplamente[12] o caso de dois jovens, então com 18 e 25 anos respectivamente, vestibulandos de Medicina no Estado de Alagoas e que, aprovados, tiveram sua matrícula rejeitada em 1973, além de ameaçados de prisão, vítimas das arbitrariedades da ditadura militar.
Quarenta anos depois – a quase trinta da redemocratização do país e a vinte e cinco da promulgação da “Constituição-Cidadã” de 1988, em 13/11/2012, a justiça estadual finalmente reconheceu seu direito[13] e ambos puderam, por fim, fazer sua matrícula e começar a assistir às aulas. Acontece que, agora, aos 58 e 65 anos de idade. A decisão favorável custou-lhes toda uma vida.
Cabe lembrar as sábias e conhecidas palavras, sempre oportunas, do sempiterno RUI BARBOSA: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
LUIZ GUILHERME MARINONI adverte:
“Um processo que se alonga no tempo além do necessário representa – justamente a partir do momento em que passa a ser desnecessário (a não ser para aquele que é beneficiado pela demora) – um custo altíssimo para a administração da justiça.
Quanto maior é o número de casos de abuso de direito de defesa, maior é o número de processos em desenvolvimento e, por consequência, maior é o número de juízes e funcionários envolvidos e, bem pior do que isso, maior é o congestionamento e a morosidade da administração da justiça no seu todo.” [14]
Esse “custo altíssimo para a administração da justiça” se soma ao óbvio desgaste e ao custo, também elevadíssimo, para as partes.
Na mesma esteira, o ensinamento de TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER:
“...,a multiplicação de ações repetitivas, muito frequente na sociedade contemporânea, gera, por consequência lógica, mais trabalho à administração de justiça, tomando, de forma absolutamente irracional, tempo e dinheiro do poder judiciário. Assim, cada vez mais vem se buscando técnicas internas de otimização da relação jurídica processual, a fim de evitar o desenvolvimento de processos considerados inúteis, por versarem sobre matérias já citadas, as quais já tenham sido, de forma exaustiva, apreciadas pelo judiciário.”[15]
A morosidade da justiça é resultado de inúmeros fatores, alguns substanciais e outros adjetivos. Parte desses fatores, havendo consciência, vontade política, criatividade e empenho por parte do Poder Judiciário, poderiam ser minorados com relativa facilidade, com as ferramentas legais já disponíveis em nosso ordenamento, sem a necessidade de alterações drásticas e radicais da norma processual.
É o caso, por exemplo, da penalização mais rigorosa da litigância de má-fé, consubstanciada principalmente nos incisos I, VI e VII do art. 17 do Código de Processo Civil[16].
Para J.E. CARREIRA ALVIM,
“Haverá abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu sempre que a jurisprudência firmar-se em determinado sentido, nas Cortes Superiores de Justiça, mormente através de orientação sumulada, e o demandado insistir em negar, através de contestações estereotipadas (mimeografadas, micrografadas, xerocopiadas), o direito do autor, com o único propósito de retardar a prolação da sentença.” [17]
Como outro exemplo de medida que pode influir positivamente na duração do processo, inibindo a interposição indiscriminada de recursos meramente protelatórios, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo[18] prolatou aresto fadado, espera-se, a tornar-se paradigmático.
Respaldada por doutrina abalizada, a Câmara cominou multa suficientemente elevada, a título de “dano social”, a litigante pela “necessidade de se coibir prática de reiteradas recusas a cumprimento de contrato de seguro saúde, a propósito de hipóteses reiteradamente analisadas e decididas. Indenização com caráter expressamente punitivo, no valor de um milhão de reais que não se confunde com a destinada ao segurado, revertida ao Hospital das Clínicas de São Paulo”.
Em seu voto, o eminente Relator, Desembargador TEIXEIRA LEITE, aduziu:
“Afinal, ainda que sabedoras do posicionamento legal e judicial sobre alguns temas relacionados à saúde do segurado, as seguradoras, sempre com uma mesma tese defensiva, continuam a retardar não só esses feitos derivados de injusto comportamento, mas, de maneira reflexa, acabam por afetar outros milhares de pessoas, segurados ou não, que buscam a solução para um direito.”
Analisando essa decisão, que classifica de “inovadora e corajosa”, o Juiz de Direito ALEXANDRE BUCCI comenta:
“Inexistiria novidade também, caso a Turma Julgadora se limitasse ao reconhecimento da litigância de má-fé da empresa de saúde, com o concomitante reconhecimento da situação de dano moral indenizável (individualmente) em favor do segurado, tal qual se deu na espécie.
A novidade surge, porém, com a indenização pedagógica que pune a recalcitrância que extrapola os limites processuais da litigância de má-fé e simultaneamente indeniza o tecido social violado, sem ensejar enriquecimento sem causa para a vítima, já recompensada pelo dano moral individual.
A condenação da ré se dá, de modo a beneficiar toda a coletividade, a qual, ainda que de maneira indireta, se viu atingida como decorrência do comportamento ilícito, tipicamente ofensivo à função social do contrato, sob premissa de que ofendido um dos integrantes do tecido social, todo o tecido termina por ser lesado, haja vista que atingida a ordem jurídica como um todo.” [19]
É muito provável que o valor suficientemente elevado da condenação tenha aptidão para fazer o recorrente, “litigante de má-fé”, refletir melhor antes de arriscar-se novamente em aventuras processuais imprudentes e temerárias.
No caso em comento, pela caracterização do chamado “dano social”, a indenização reverteu em favor do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, principal artífice do conceito de dano social, entretanto, defende tese diferente quanto à destinação da punição: “A indenização, qualquer que seja, deverá ser entregue à própria vítima”. [20]
Daí a importância do presente estudo, ao destacar alguns recursos legais que podem tornar eficaz a prestação jurisdicional, cumprindo o quanto previsto na Constituição Federal de 1988.
2. A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Com o objetivo de conferir efetividade e, principalmente, tempestividade à tutela jurisdicional, o art. 273 do Código de Processo Civil permite ao juiz, a requerimento da parte, antecipar os efeitos da tutela pretendida desde que, existindo prova inequívoca, se convença ele da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação – o periculum in mora. Nesses casos, nem mesmo pela via ressarcitória o prejuízo seria passível de reparação adequada[21].
Nas palavras de PIERO CALAMANDREI:
“Também a tutela ordinária pode ter finalidade preventiva; também o procedimento definitivo (não-cautelar) pode, em certos casos, ser proferido em caráter de urgência, de modo a fazer com que a tutela ordinária chegue sem atraso. Mas, a fim de que surja o interesse específico em solicitar uma medida cautelar, é necessário que a esses dois elementos (‘prevenção’ e ‘urgência’) se acrescente um terceiro, que é aquele no qual reside propriamente a importância da característica do ‘periculum in mora’; ou seja, que, para remediar tempestivamente o perigo de dano que ameaça o direito, a tutela ordinária se revela muito lenta, de modo que, na espera de que amadureça através do longo processo ordinário o procedimento definitivo, deva providenciar-se com urgência de modo a impedir com medidas provisórias que o dano ameaçado se produza ou se agrave ‘naquela espera’.” [22]
A antecipação da tutela pode ocorrer “in limine litis”, isto é, antes da oitiva da parte contrária – “inaudita altera parte”, antes mesmo da citação, ou em qualquer momento ulterior.
O juiz poderá ainda, com espeque no §4º do art. 461 do mesmo diploma, impor multa diária (“astreinte”) ao réu, independentemente de pedido do autor, fixando-lhe prazo para cumprimento do preceito.
É importante ressaltar que a intimação deve ser feita pessoalmente ao réu. A Súmula 410 do STJ, de 25/11/2009, dispõe, verbis: “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.”
Mencionada Súmula tem como referência o artigo 632 do CPC que reza: “Quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o devedor será citado para satisfazê-la no prazo que o juiz lhe assinar, se outro não estiver determinado no título executivo”.
É fácil entender por que a pessoa do advogado não está habilitada para receber a intimação em nome de seu constituinte, uma vez que o descumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, no prazo determinado, que é fatal, implicará em severa restrição patrimonial ao devedor, que só pode ser suportado pelo próprio vencido. Por isso mesmo, este deve ter ciência pessoal do dever que lhe incumbe cumprir.
A cláusula ad judicia não abrange tais poderes, que não podem ser presumidos nem são consequentes da cláusula geral de foro.[23]
A intimação poderá ser feita pelo correio, mas com Aviso de Recebimento e entrega em mão própria. Tratando-se de pessoa jurídica, a intimação será dirigida ao endereço correto do devedor. Recebida sem ressalvas, pela Teoria da Aparência, a intimação será presumida.
Confira-se aresto do Superior Tribunal de Justiça: “Validade da citação realizada na pessoa de quem se apresenta como representante legal da pessoa jurídica, sem fazer qualquer ressalva quanto à inexistência de poderes para receber citação, prevalecendo, na espécie, a teoria da aparência. Precedentes da Corte Especial do STJ.” [24]
Também do Superior Tribunal de Justiça a decisão:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544 DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. CITAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. TEORIA DA APARÊNCIA. APARENTE REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA.
1. Reputa-se válida a citação da pessoa jurídica por intermédio de quem se apresenta na sede da empresa como seu representante legal e recebe a citação sem ressalva de que não possui poderes para tanto. Precedentes desta Corte: AGA 441507/RJ, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, 4ª Turma, DJ de 22/04/2003; AERESP 205275/PR, Relator Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, DJ de 28/10/2002; RESP 302403/RJ, Relator Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ de 23/09/2002. [...]” [25]
O juiz poderá ainda, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, se esta se tornar insuficiente ou excessiva (§6º do mesmo art. 461).
Recomendam os festejados NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY:
"Deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz"[26]
O Superior Tribunal de Justiça vem reforçando o papel das astreintes no sistema jurídico brasileiro[27], que foram introduzidas pela Lei nº 8.952/94.
A eminente Ministra NANCY ANDRIGHI confirmou o valor elevado que atingiu a multa cominada a um Banco que deixou de cumprir a ordem judicial:
“Este recurso especial é rico em argumentos para demonstrar o exagero da multa, mas é pobre em justificativas quanto aos motivos da resistência do Banco em cumprir a ordem judicial. Se não há qualquer demonstração dos motivos da resistência e se, como ocorre neste processo, a ordem judicial só foi cumprida após a multa ser elevada pela terceira vez, ao patamar de R$ 1.000,00 por dia (após mais de um ano de resistência), reduzir a astreinte nesta sede produziria seguramente um efeito muito pernicioso: indicaria às partes e aos jurisdicionados em geral que as multas fixadas para cumprimento de obrigações de fazer não são sérias, são meros símbolos que não serão necessariamente tornados realidade. A procrastinação ao cumprimento das ordens judiciais, assim, sempre poderia se dar sob a crença de que, caso o valor da multa se torne elevado, o inadimplente a poderá reduzir, no futuro, contando com a complacência do Poder Judiciário. Essa crença não pode se desenvolver. O valor da multa reflete o tamanho da resistência e a gravidade da condenação reflete a importância da ordem descumprida.”[28]
Essa posição, muito bem fundamentada, é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que não coincide com o entendimento da 4ª Turma da mesma Corte. Esta, repetidas vezes, tem reduzido o valor da multa cominatória, para evitar o pretenso “enriquecimento sem causa” do autor.
A própria ausência de consenso no âmbito do Tribunal Superior fortalece o descrédito à aplicação da multa, meio que deveria ser eficaz ao cumprimento da ordem jurisdicional. Com efeito, se o devedor contar com o auxílio do fator “sorte”, seu recurso será analisado pela turma “conveniente”, e poderá ele manter-se inadimplente.
O descrédito do Poder Judiciário, reitere-se, é algumas vezes causado por ele mesmo, numa espécie de automutilação.
Como se trata de instrumento coercitivo para eficácia da tutela jurisdicional, é evidente que a própria incidência - ou não - da multa depende, exclusivamente, do devedor. Seu valor final dependerá de sua maior ou menor relutância ao cumprimento da ordem.
É inegável a importância das astreintes para a persuasão do devedor a adimplir a obrigação no prazo determinado. A coerção torna-se ainda mais forte com a faculdade outorgada ao juiz, pelo §6º do art. 461 do CPC, de modificar o valor e/ou a periodicidade da multa,
A multa pode ser cominada liminarmente ou na sentença, mas a atenção, neste momento, será focada ao caso das astreintes deferidas na antecipação da tutela.
3. A EXECUÇÃO DAS ASTREINTES
Descumprida a obrigação no prazo assinado, caracteriza-se a incidência da multa cominatória, que precisa ser executada.
Existem hoje três correntes no Superior Tribunal de Justiça a respeito do momento de execução das “astreintes”.
O Juiz Federal MÁRCIO ANDRÉ LOPES CAVALCANTE, no trabalho “Execução provisória das astreintes segundo a jurisprudência do STJ” apresenta um quadro que resume as três correntes de entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça a respeito da execução provisória das “astreintes”, como restará demonstrado a seguir.
POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DAS “ASTREINTES” FIXADAS EM TUTELA ANTECIPADA
1ª. corrente: NÃO
- Não é possível a execução provisória das astreintes.
- É necessário o trânsito em julgado para que elas sejam exigidas
Principais argumentos:
- A multa só deve ser paga à parte que sagrar-se definitivamente vencedora na demanda. Logo, deve-se aguardar o final do processo.
- A mera ameaça de aplicação da multa, ao final, já é suficiente para provocar uma pressão psicológica no devedor.
Na jurisprudência
“Nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, a multa diária somente é exigível com o trânsito em julgado da decisão que, confirmando a tutela antecipada no âmbito da qual foi aplicada, julgar procedente a demanda.” (AgRg no AREsp. 50.196/SP, 1ª. T, DJe 27/08/2012)
Na doutrina:
- Cândido Rangel Dinamarco
- Luiz Guilherme Marinoni
2ª. corrente: SIM
- É possível a execução provisória das astreintes sem quaisquer condicionamentos, ou seja, com base até mesmo em uma mera decisão interlocutória ainda não confirmada
Principais argumentos:
- Para que a multa possa cumprir sua função coercitiva, é necessário que ela possa ser exigida imediatamente.
- Condicionar.a exigência da multa ao trânsito em julgado iria enfraquecer a pressão psicológica que as astreintes devem causar.
Na jurisprudência:
“É desnecessário o trânsito em julgado da sentença para que seja executada a multa por descumprimento fixada em antecipação de tutela” (AgRg no AREsp 50.816/RJ, 2ª. T., DJe 22/08/12)
“(...) É possível a execução da decisão interlocutória que determinou o pagamento de astreintes no caso de descumprimento de obrigação” (AgRg no REsp 1.299.849/MG, 3ª. T., DJe 07/05/2012)
Na doutrina:
- Cássio Scarpinella Bueno
- Fredie Didier Jr.
3ª. corrente: SIM
- É possível a execução provisória das astreintes desde que:
- o pedido a que se vincula a astreinte seja julgado procedente na sentença ou acórdão;
- o recurso interposto contra essa sentença ou acórdão não tenha sido recebido no efeito suspensivo
Principais argumentos:
- Os dispositivos legais que exigem o trânsito em julgado referem-se apenas aos processos coletivos. Desse modo, não há determinação legal para que se aguarde o fim do processo para se cobrar as astreintes.
- Por outro lado, não é admissível a execução da multa com base em mera decisão interlocutória (que tem cognição sumária e precária), sendo necessário que a liminar que as fixou seja confirmada em sentença ou acórdão para garantir maior segurança.
Na jurisprudência
“As astreintes serão exigíveis e, portanto, passíveis de execução provisória, quando a liminar que as fixou for confirmada em sentença ou acórdão de natureza definitiva (art. 269 do CPC), desde que o respectivo recurso deduzido contra a decisão não seja recebido no efeito suspensivo. A pena incidirá, não obstante, desde a data da fixação em decisão interlocutória.”
(REsp 1347726/RS, 4ª T, DJe 04/02/2013)
Na doutrina:
- (Não encontrada referência) [29]
Com exceção da primeira corrente, radical, que praticamente desconfigura o papel coercitivo das astreintes, as duas outras apresentam sustentação mais racional.
Parece claro que a astreinte tem um caráter processual, muito mais vinculado ao cumprimento da ordem judicial do que, propriamente, ao mérito da matéria discutida na lide. Daí porque o simples descumprimento do mandamento no prazo determinado é suficiente para sua execução.
Nesse sentido, o entendimento do Ministro LUIZ FUX: “Consoante cediço, a função das ‘astreintes’ é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação, daí seu termo ‘a quo’ ocorrer quando da ciência do obrigado e da sua recalcitrância.”[30]
No mesmo aresto, o Ministro conclui: “Consectariamente, a execução de multa diária (astreintes) por descumprimento de obrigação de fazer, fixada em liminar concedida em Ação Popular, pode ser realizada nos próprios autos, por isso que não carece do trânsito em julgado da sentença final condenatória.”
Aguardar o trânsito em julgado da sentença seria tornar absolutamente inócua a antecipação da tutela, que só pode ter sido deferida em razão do periculum in mora. Se o dano pelo adiamento é irreparável ou de difícil reparação, a ordem judicial deve ser cumprida imediatamente, sem tergiversações.
FREDIE DIDIER JR. adverte, com toda propriedade, que “se a tutela não tiver o condão de dar efetividade à jurisdição, e a tutela jurisdicional for útil e servível em caráter definitivo, não deve ser concedida a medida antecipatória.” [31]
Mesmo porque, na maioria das vezes, há possibilidade de reversão dos efeitos da tutela antecipada, na hipótese da não-procedência do pedido. Ainda na hipótese dos efeitos da tutela antecipada serem irreversíveis, se houve descumprimento da ordem judicial, esse fato já é suficiente para a incidência e execução da multa, que não tem a ver com o objeto da demanda, mas sim ao descumprimento da ordem.
Se a cognição exauriente concluir pela não-procedência do pedido, o réu, se e quando vitorioso, disporá de outras medidas judiciais para se ressarcir de forma cabal.
Por óbvio, a insegurança causada pela divergência de interpretação doutrinária e pretoriana quanto ao momento da execução da astreinte gera uma instabilidade daninha, que só o Superior Tribunal de Justiça poderá solucionar, uniformizando o entendimento de suas várias Turmas. Conscientes desse entendimento, uma vez pacificado, as instâncias inferiores disporão de um norte seguro para balizar suas decisões e evitar-se-ão inúmeros recursos que nascem de uma compreensível expectativa do interessado a respeito do julgamento de seu caso concreto, em função da corrente a que o acaso destinar a decisão. Os reflexos, certamente, virão a ser sentidos no descongestionamento do Judiciário e na maior agilidade das decisões.
4. QUANDO AS ASTREINTES NÃO SÃO SUFICIENTES – CASO DOS PLANOS DE SAÚDE – abordagem em casos concretos
Casos há em que a multa pecuniária não é suficiente para que o provimento jurisdicional seja eficaz.
Mostra o eminente Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, com grande propriedade:
“O Estado, monopolizador do poder jurisdicional, deve impulsionar sua atividade com mecanismos processuais adequados a impedir – tanto quanto possível – a ocorrência de vitórias de Pirro. Em outras palavras, o dever imposto ao indivíduo de submeter-se obrigatoriamente à jurisdição estatal não pode representar um castigo. Pelo contrário: deve ter como contrapartida necessária o dever do Estado de garantir a utilidade da sentença, a aptidão dela garantir, em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela.
E não basta à prestação jurisdicional do Estado ser eficaz. Impõe-se seja também expedita, pois é inerente ao princípio da efetividade da jurisdição que o julgamento da demanda se dê em prazo razoável, sem ‘dilações indevidas’.
O direito fundamental à efetividade do processo – que se denomina, também, genericamente, direito de acesso à justiça ou ‘direito à ordem jurídica justa’ – compreende, em suma, não apenas o direito de provocar a atuação do Estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos”[32]
Isso acontece, com muita freqüência, nas ações que envolvem planos e seguros de saúde, em que se verifica ser cada vez maior o descaso das empresas em relação aos consumidores.
Como adverte JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, nesses casos, “a tutela cautelar mostra-se imprescindível à própria tutela satisfativa, pois o dano ao direito seria irreparável, isto é, nem mesmo pela via ressarcitória o prejuízo seria passível de reparação adequada.”[33] Trata-se de evitar a “corrosão dos direitos” pelo efeito do tempo[34].
Levantamento efetuado pelo CNJ indica que há pelo menos 240 mil ações na Justiça relativas ao direito à saúde[35], grande parte das quais envolvendo planos e seguros de saúde. A crescente judicialização da área vem preocupando os gestores do Poder Judiciário. O CNJ criou, através da Resolução nº 107, de 06/04/2010, um fórum nacional para “monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde”.
Temas recorrentes dessas ações versam sobre:
• Negativa de atendimento em casos de urgência e emergência
• Negativa de autorização de cirurgias e de exames complementares de custo elevado
• Negativa de fornecimento de materiais e próteses utilizados no ato cirúrgico
• Negativa de fornecimento de medicamentos de custo elevado, principalmente importados, tanto empregados em procedimentos quanto em tratamentos
• Aumento abusivo de mensalidade
• Restrições e/ou cancelamento de plano de saúde, em especial de idosos e aposentados
• Recusa de prestação de atendimento domiciliar - “home care”
• Alegação de doença pré-existente
Vários desses aspectos encontram-se sumulados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e de outros Estados, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça.
Esse fato, entretanto, não tem inibido a conduta abusiva dos planos de saúde, pelas razões que se analisarão a seguir, e nem mesmo com a aplicação, que é usual, das astreintes, quando da antecipação da tutela.
É óbvio que as demandas judiciais resultantes têm um peso significativo no volume total de demandas relativas ao direito à saúde, que tem recebido a atenção do CNJ,
4.1. O ponto de vista dos planos de saúde
Preocupados com o equilíbrio atuarial de suas carteiras e, principalmente, com a rentabilidade da operação, os planos de saúde inserem nos contratos de adesão cláusulas e condições, muitas vezes em desacordo com as normas legais disciplinadoras (Código de Defesa do Consumidor e Lei dos Planos de Saúde) ou com a jurisprudência dominante.
Tais cláusulas, na maioria das vezes abusivas, são nulas de pleno direito, ex-vi do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, especialmente suas alíneas IV, X e XIII e § 1º II e III. Essas restrições, por óbvio, não são devidamente enfatizadas no momento da contratação e, na grande maioria das vezes, passam despercebidas pelo contratante, que em geral é pessoa leiga, tanto em termos médicos quanto jurídicos.
O art. 51 do Código de Defesa do Consumidor não é exaustivo, e relaciona, a título de exemplos – “numerus apertus”:
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[...]
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
[...]
X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
[...]
XII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
[...]
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III – se mostre excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Vale lembrar os ensinamentos do Desembargador RIZZATTO NUNES [36] a respeito:
“Iniciemos pelo exame do ‘caput’, que dispõe serem nulas de pleno direito as cláusulas abusivas.
Diferentemente do Código Civil, que dispõe sobre dois tipos de nulidade: a absoluta (nulidades de pleno direito do art. 145) e a relativa (anulabilidades do art. 147), a Lei 8.078 apenas reconhece as nulidades absolutas de pleno direito, fundadas no seu art. 1º, que estabelece que as normas que regulam as relações de consumo são de ordem pública e interesse social.
Por isso, não há que falar em cláusula abusiva que se possa validar: ela sempre nasce nula, ou, melhor dizendo, foi escrita e posta no contrato, mas é nula desde sempre.
Em função, então, desse caráter, não está obrigado o consumidor a cumprir qualquer obrigação que se lhe imponham mediante cláusula abusiva. [....]
Como a cláusula abusiva é nula, tem de ser destituída de validade e efeito já antes do pronunciamento judicial. Não há por que aguardar que se busque a declaração de algo que de fato já é. Por isso que o efeito da decisão judicial é ‘ex tunc’ , uma vez que nela se reconhece a nulidade existente desde o fechamento do negócio. E, aliás, dada a característica da nulidade e a contrariedade da cláusula abusiva à Lei 8.078, que é de ordem pública e interesse social, o magistrado tem o dever de se pronunciar de ofício. Mesmo que a parte – isto é, seu advogado – não alegue a nulidade, é dever do juiz declará-la por ato ‘ex officio’”.
No mesmo sentido, o magistério do Desembargador SÉRGIO CAVALIERI FILHO [37]:
Nulidade de pleno direito é sinônimo de invalidade, isto é, a cláusula não vale, não produz efeito no contrato, é como se não existisse.
[...]
As normas do CDC, como reiteradamente enfatizado, são de ordem pública e interesse social, o que autoriza a declaração de ofício da abusividade de qualquer cláusula que se aplique ao conflito submetido à apreciação judicial.
O efeito da sentença que reconhece a nulidade da cláusula é ‘ex tunc’, isto é, desde a conclusão do negócio jurídico de consumo. “Vale dizer que a cláusula nasce morta, embora figure no contrato; é ineficaz desde sempre, pelo que o consumidor não está obrigado a cumprir a obrigação (prestação) por ela imposta.”
Nas palavras do Desembargador RUDI LOEWENKRON[38]:
“É publico e notório que as seguradoras de Plano de Saúde, para venderem seus produtos, oferecem ao consumidor, ‘mundos e fundos’ e acabam por convencê-lo a adquirir ‘aquilo’ que esta lhe sendo oferecido. Ocorre que, ao primeiro sinal de se colocar em prática o que lhe foi oferecido, o segurado é pego de surpresa, porque na realidade, o que pensava estar adquirindo, na realidade é bem diferente”.
Surge, então, o conflito.
Pelo raciocínio pragmático do plano de saúde, voltado à consecução de seus objetivos em curto prazo, trata-se, simplesmente, de uma questão de estatística e de fluxo de caixa.
A proporção dos usuários que recorrem à Justiça é ínfima e a duração do processo é extremamente longa, mesmo que a sentença de primeira instância lhes venha a ser favorável. O plano de saúde, com absoluta certeza, apelará sempre dessa decisão.
Adicionalmente, as condenações são, em geral, irrisórias e os desembolsos efetivos serão sempre diferidos graças aos infindáveis recursos processuais protelatórios disponíveis, tornando indiferente ao plano de saúde a existência ou a nulidade da cláusula contratual.
Em caso de conseguir engendrar qualquer eventual pretexto, a tática empregada - de sempre negar o atendimento, acaba se transformando em um bom, ou mesmo, num excelente negócio para o plano de saúde: proporção insignificante de usuários buscam o provimento judicial, condenações irrisórias e desembolsos efetivos postergados indefinidamente.
ADALBERTO PASQUALOTTO, quando trata da “Regulamentação dos Planos e Seguros” [39], cita as palavras do Desembargador WALTER MORAIS, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que o Magistrado e Professor se refere aos “esquemas advocatícios” montados pelos planos de saúde para resistir e procrastinar ao máximo o adimplemento das obrigações :
“Tenho chamado a atenção, quer na minha judicatura, quer no meu magistério, para esse fenômeno observável facilmente, das entidades de prestação de serviços médicos que, depois de conquistarem o público com a oferta de atendimento completo e a encantadora perspectiva de uma vida despreocupada quanto a essa parte, tudo fazem para esquivar-se ao seu compromisso, até nos mais miúdos pormenores; e há aquelas que mantêm um esquema advocatício especial para resistir sempre e em tudo às exigências de cumprimento da obrigação assumida. Lastimável! Mas aos Juízes cumpre não se deixarem seduzir pelos meneios da retórica insinuante que esses esquemas já têm preparados (EI 106.119-1.LEX, n. 125, p.391)”
É forçoso buscar, dentro do ordenamento jurídico pátrio, a forma de reequilibrar a vulnerabilidade e hipossuficiência do usuário face ao plano de saúde, muitas vezes vinculado a grupos econômico-financeiros poderosíssimos.
4.2. Os procedimentos judiciais
MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH, em seu estudo “Acesso à Justiça[40]”, referem uma distinção desenvolvida pelo Professor MARK GALANTER entre litigantes “eventuais” e “habituais”, que corresponde à que se verifica entre indivíduos ou organizações que recorrem com menor ou maior freqüência ao sistema judicial.
Entre as vantagens dos litigantes “habituais”, relacionam:
“1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio;
2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais casos;
3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações informais com os membros da instância decisória;
4) ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos, e
5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros.”
Destacam, ainda, a conseqüente desvantagem dos consumidores - litigantes “eventuais” para buscar o amparo do sistema judicial para fazer frente às grandes e poderosas organizações.
Por isso mesmo, muito poucos beneficiários vencem a natural inércia, agravada pelo desconhecimento de seus direitos, pela dificuldade e incômodo de buscar assistência judiciária gratuita pelo Estado ou de arcar com os custos de advogados particulares, em situações pessoais muitas vezes críticas, fragilizados pelos próprios problemas de saúde.
Outro fator desmotivador relevante é a lamentável descrença generalizada na já referida efetividade e, particularmente, na celeridade do provimento jurisdicional.
Em geral, na petição inicial é requerida a antecipação da tutela da obrigação de fazer ou de não-fazer, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil e também do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, o qual reproduz as medidas antecipatórias, bem como as cautelares do CPC.
A situação material ameaçada, nos casos envolvendo planos de saúde, pode tornar-se ineficaz, pela duração excessiva do procedimento, seja ele ordinário ou sumário, que reduz ou elimina a utilidade do provimento satisfativo para o jurisdicionado titular do direito[41].
Os “valores” ou “bens jurídicos” em jogo não são de “idêntica qualidade”: o autor busca a preservação de sua vida e de sua saúde; o réu defende bem jurídico diverso: seu dinheiro. É por essa flagrante diferença de “qualidade” entre os valores defendidos pelas partes que CASSIO SCARPINELLA BUENO defende que “a tutela deve ser antecipada, mesmo que o autor não tenha dinheiro para pagar o plano de saúde, caso, a final, fique demonstrado que seu contrato não cobria o tratamento solicitado.” Trata-se de “risco” com berço constitucional (art. 5º XXXV e LXXVIII da CF).[42]
Assim, desde que preenchidos os pressupostos de “fumus boni iuris” e de “periculum in mora”, o Magistrado normalmente defere a medida liminar “inaudita altera parte”, muitas vezes impondo a multa cominatória pelo descumprimento da obrigação dentro do prazo assinado.
Nesse ponto, começam a surgir as grandes dificuldades para que a ordem judicial tenha eficácia, pela inércia do plano de saúde em cumprir o mandamento judicial, uma vez que, na quase integralidade das vezes, o valor das astreintes para ele é praticamente irrisório.
É preciso salientar que, muito menos do que interessado no eventual recebimento do valor da multa cominatória, o usuário precisa é do adimplemento imediato da obrigação pelo plano de saúde. É o caso de uma cirurgia urgente, de tratamentos ou de exames complementares necessários para controle da evolução de sua enfermidade, muitas vezes grave, de fornecimento de medicamentos que ele não tem qualquer condição de adquirir – para isso pagou, em geral durante anos a fio, as mensalidades de seu plano de saúde.
Em ação que tramitou em comarca da Grande São Paulo[43], a autora, idosa de quase 80 anos de idade, necessitava submeter-se, com urgência, a cirurgia para exérese de tumor cerebral maligno. Já havendo metástases, o plano de saúde recusava-se a autorizar exames complementares e a fornecer o material para substituir a dura-máter, membrana que envolve o cérebro, bem como o material utilizado para fechamento do crânio. Sem esses materiais, claro que não havia condições de realização do procedimento cirúrgico. É evidente que, verossímeis as alegações (presente o fumus boni iuris), o periculum in mora fundamentou e corroborou a concessão da medida liminar, que foi confirmada em segunda instância: ”Portanto, sob qualquer aspecto que se analise o caso, entende-se que a negativa de cobertura quer para exames e mesmo para as despesas com material a ser utilizado na cirurgia se mostrou abusiva”.[44]
Por outro lado, para o plano de saúde, cumprir ou não cumprir a ordem judicial é uma questão de números.
No seu entender, na pior das hipóteses, o risco é ter, no final, depois de vários anos, um desembolso financeiro para custear aquilo que sempre soube que lhe competia e, na pior das hipóteses, arcar com a “astreinte” cominada e suportar uma eventual condenação por danos morais. Esta, na prática, poucas vezes é aplicada pelos Tribunais, contrariando o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, conforme expõe a Ministra NANCY ANDRIGHI no acórdão:
“Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada.”[45]
A condenação, quase sempre, ocorre em valor muito baixo, sob o pretexto de evitar um alegado “enriquecimento sem causa” do usuário-consumidor. Essa alegação, aliás, carece de fundamento, em primeiro lugar porque as importâncias envolvidas dificilmente seriam capazes de “enriquecer” qualquer pessoa e a “causa” existe sim: é o doloso inadimplemento da obrigação, por parte do plano de saúde, que “agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada”.
Acontece que este, em considerável número de casos, não sobrevive à longa duração do processo – caracterizando-se a “vitória de Pirro”, a que se refere o Ministro ZAVASCKI, no excerto anteriormente citado.
Em linguagem popular, o consumidor “ganha, mas não leva”. Aliás, muitas vezes, quem “leva” é seu herdeiro, porque ele não conseguiu resistir até o desfecho da lide.
Cumpre reiterar que os direitos em confronto são de naturezas e qualidades diferentes. De um lado, o interesse econômico do réu pode ser coagido, com maior ou menor veemência, pelas sanções pecuniárias e, de outro lado, o direito à VIDA e seu corolário, o direito à SAÚDE do autor, ao qual unicamente interessa o imediato cumprimento da obrigação. A mera cominação de astreintes muitas vezes não soluciona satisfatoriamente o impasse. E o poder suasório da condenação é inversamente proporcional à capacidade econômica do réu.
Assim, não somente a multa processual deve ser suficiente para que haja interesse no cumprimento da obrigação, como também o próprio procedimento deveria ser mais célere, até mesmo para cumprir os princípios constitucionais já suscitados.
4.3. Possíveis alternativas de solução
Examinar-se-ão, em seguida, as possíveis soluções para lograr-se a tutela jurisdicional eficaz, inclusive aquelas que já são objeto de aplicações práticas.
4.3.1. Solução no âmbito estrito do Direito Civil
A fim de se poder delinear uma possível solução para a questão da efetividade das astreintes como instrumento para vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, é importante que se analise, de proêmio, o raciocínio que leva o agente a recalcitrar.
Destaca LUIZ GUILHERME MARINONI que a multa só poderá cumprir função intimidadora se for arbitrada em valor suficiente para convencer o réu a adimplir, porque, “dependendo do valor estabelecido para a multa, pode ser conveniente ao réu suportá-la para, livremente, praticar o ato que se deseja ver inibido.” E lembra o autor que o Código de Processo Civil argentino afirma que a multa deve ser estabelecida “en proporción al caudal económico” do réu; e a Corte de Cassação francesa decidiu que o valor da astreinte deve ser graduado de acordo com o potencial econômico daquele que deve suportá-la.[46]
Em primeiro lugar, no Brasil, em geral o valor fixado é relativamente baixo, tendo em vista o porte econômico do devedor - o que desde logo, como é evidente, limita o risco corrido pelo réu.
Seu raciocínio seguinte, certamente, relaciona-se ao fluxo de caixa: cumprindo a ordem, o desembolso é imediato; protelando, o desencaixe é diferido até que a astreinte seja, por fim, executada. Essa execução, segundo uma das correntes do Superior Tribunal de Justiça, só se dará quando houver uma sentença definitiva de mérito transitada em julgado, o que poderá levar alguns anos, depois de esgotados todos os recursos processuais disponíveis, que na prática têm caráter protelatório. Ainda assim, é possível que as instâncias superiores reduzam o valor da multa, sob o pretexto de evitar o enriquecimento sem causa do credor. Existe também a possibilidade, mesmo que remota, de que o devedor obtenha ganho de causa e a astreinte não poderá mais ser cobrada.
Não há como não criticar tal posicionamento pois, como já mencionado, a astreinte possui berço no âmbito do direito processual e a sentença que entende pela improcedência, por não conhecer o direito do autor, possui caráter meritório, amparado no direito material. De toda sorte, independente do resultado da demanda, a ordem judicial já foi descumprida, devendo, assim, ser quitada a multa processual fixada.
Nesse meio tempo, principalmente nos casos de planos de saúde, é possível que o credor não resista e, nesse caso, não só a obrigação de fazer perderá o sentido como também o empenho dos sucessores na cobrança poderá ser arrefecido.
Em outras palavras, o devedor prefere trocar um desembolso certo e imediato por uma perspectiva de só ser cobrado anos depois, por uma importância que tampouco o levará à ruína, mesmo porque seu valor já estará provisionado.
4.3.2. Solução no âmbito do Direito Penal
O descumprimento, de forma acintosa e desamparada de fundamentos, de determinação judicial de natureza mandamental, que se baseou precisamente no periculum in mora, agride o DIREITO À VIDA, consagrado em nossa Constituição.
Além disso, ocasiona o descrédito do Poder Judiciário junto à coletividade – o que também é de extrema gravidade, do ponto de vista social.
TEORI ALBINO ZAVASCKI salienta que a resistência injustificada ao cumprimento de ordens judiciais configura atentado à dignidade da jurisdição executiva (CPC, art. 600, III), não se descartando, nas situações de recalcitrância, a configuração de crime contra a administração (art. 330 do Código Penal). Esses atos atentatórios contra a autoridade e a dignidade da função jurisdicional, muito mais do que contra o litigante adversário, requerem severidade da reação.[47]
Quando a sanção pecuniária, de natureza civil, não é suficiente para coagir o devedor ao adimplemento da ordem judicial, o recurso pode estar na esfera criminal: com fundamento no art. 461 do CPC e no art. 84 § 5º do Código de Defesa do Consumidor – e como último recurso, a solução reside na aplicação do art. 330 do Código Penal, para caracterizar o CRIME de desobediência.
EDUARDO TALAMINI[48] lembra que o não-acatamento aos atos judiciais de eficácia mandamental que vinculam uma ORDEM é conduta que pode ser enquadrada no crime de desobediência, uma vez que o juiz é, estreme de dúvidas, “funcionário público”. Mesmo que se trate de decisão ainda não transitada em julgado, passível portanto de revisão pelo próprio juiz ou por instância superior, é viável a caracterização do crime. O mesmo acontece com as ordens administrativas, não eivadas de manifesta ilegalidade que, sem controvérsias, caracterizam o crime do art. 330 do Código Penal, mesmo estando sempre sujeitas ao controle judicial (art. 5º, XXXV da CF).
Para que fique claro ao réu o caráter mandamental da decisão, é aconselhável (porém não essencial) que ele seja advertido de que o não cumprimento da ordem poderá configurar crime de desobediência.
Apesar de se saber que a sanção penal não é a forma ideal de coerção civil, os domínios do Direito Civil e do Direito Penal nunca foram fechados ao tráfego de seus institutos mais característicos. [49]
JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE entende que “a configuração do crime de desobediência ou de prevaricação é consequência inerente ao caráter mandamental da tutela, cuja eficácia predominante consistiria na ordem existente no dispositivo da sentença.” [50]
SÉRGIO SAHIONE FADEL analisa o cabimento e a conveniência de sanções PENAIS àquele que reluta em cumprir a ordem judicial:
“As críticas que se antepõem à ameaça por parte do juiz ao réu, de sanções penais, sob o argumento de que não se admite, no Brasil, a prisão por dívida, encara a questão da desobediência à ordem judicial – uma vez caracterizada a recalcitrância do réu em acatá-la – sob enfoque equivocado, pois não é de prisão por dívida que se está cogitando.
O devedor que não paga a dívida porque não pode, e é por isso demandado, sofre as conseqüências civis de seu inadimplemento, com medidas coercitivas sobre seus bens.
Sua situação é completamente diferente daquele que não paga, desobedecendo ordem judicial, embora tenha condições de fazê-lo.
Embora possa ser contestada a determinação de prisão emanada do juízo cível, por incompetência absoluta ‘ratione materiae’, não estando caracterizado o flagrante, nada impede determine o mesmo magistrado a extração de peças para oferecimento de denúncia criminal ou abertura de inquérito pelo Ministério Público.
Não há que confundir essa situação com a prisão civil, simplesmente porque aqui se está diante de possível caracterização de crime.
Se não fosse assim, estar-se-ia privilegiando o inadimplente por obrigação pecuniária, que estaria a salvo de sanções criminais sob o sibilino argumento de que não se tolera prisão por dívida.
Outra pessoa, descumpridora da ordem judicial de natureza diversa, ficaria sujeita ao constrangimento penal, embora tanto uma, quanto outra, estejam cometendo o mesmíssimo delito, enquadrável numa única norma do Código Penal, o seu art. 330, ou o seu art. 319 se se tratar de funcionário público.
Para o cumprimento da decisão deferitória da tutela antecipada, pode o magistrado inspirar-se no exemplo da conhecida ‘comtempt of court’ do direito inglês, que, afora a larga utilização no campo do direito penal, é remédio de que se pode valer o juiz, para punir quem promova a obstrução do curso do processo.
Na área do processo civil, a ‘comtempt of court’ é usualmente utilizada em muitos casos em que a parte se recusa a obedecer a ordens judiciais (como, por exemplo, recusar-se ao pagamento de danos, ou em permitir a apresentação de documentos ou responder interrogatórios escritos, inconformar-se com uma decisão ou ainda desrespeitar um compromisso assumido perante um tribunal).” [51]
JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA[52] lembra que, nos sistemas jurídicos de common law, o não-cumprimento de decisão judicial caracteriza contempt of court. Se o Judiciário não puder fazer respeitar suas decisões, haveria atividade jurisdicional apenas na forma, carecendo de substância. Tanto nos ordenamentos jurídicos alemão, suíço e uruguaio é possível ordenar a prisão do devedor, uma vez que se caracteriza “ilícito penal” o descumprimento de sentença que ordena o réu a fazer ou não fazer.
No caso de pessoa jurídica de direito privado, responde pela desobediência a pessoa natural investida dos poderes jurídicos para dar cumprimento ao comando, e a quem este haverá de ter sido previamente dirigido[53].
A utilização do recurso da prisão pelo crime de desobediência do art. 330 do Código Penal seria uma sanção coercitiva, diferente da sanção punitiva. Em outras palavras, a idéia não é punir determinada conduta delitiva pretérita, mas induzir, coagir o agente a adotar o comportamento que o mandamento judicial lhe impõe.
5. CONCLUSÃO
O direito subjetivo constitucional à JUSTIÇA determina que a tutela jurisdicional, para ser EFETIVA, necessariamente, deva ser também adequada e TEMPESTIVA, sem dilações indevidas.
A eficácia do provimento pode esvair-se rapidamente com o passar do tempo, tornando-o cada vez mais fraco e ilusório, até mesmo baldado e inútil.
O procedimento ordinário, que é a regra do art. 272 do CPC para tutela dos direitos não é adequado para inúmeras situações. Tampouco o é o procedimento sumário, em razão da notória e quase intransponível morosidade da justiça.
Para contornar essa questão, o legislador previu a antecipação da tutela, nos casos em que o juiz se convence, no caso concreto, da verossimilhança das alegações e, especialmente, do periculum in mora.
Deferida a antecipação da tutela, o que é possível acontecer in liminis littis, resta a questão de impor ao réu o efetivo cumprimento da ordem judicial no prazo prescrito.
As multas cominatórias têm sido a forma usual de coação adotada pelo Judiciário brasileiro.
O valor fixado da astreintes e seu momento de execução, lamentavelmente, ainda carecem de uniformização jurisprudencial, gerando inevitável insegurança jurídica.
Ademais, é comum a disparidade econômica entre as partes, tornando a futura condenação irrisória para o réu, o que lhe retira qualquer poder coercitivo. Em geral, a preocupação com o enriquecimento sem causa do autor limita extraordinariamente o valor da multa.
Por isso mesmo, em muitos casos, sobretudo quando está envolvido o DIREITO À VIDA, a reparação pecuniária pode ser inócua e principalmente ineficaz. Pode ser intempestiva, chegar tarde demais, depois de consumado o dano, que já se terá tornado definitivo. Só restará aos herdeiros intentar uma reparação civil, que não será capaz de lhes devolver o ente querido que se foi.
É forçoso concluir que, mesmo sendo considerada a ultima ratio da atuação do Estado-juiz, somente a persecução penal pode servir como estímulo eficaz ao cumprimento do mandamento judicial.
O descumprimento de ordem judicial configura CRIME tipificado no art. 330 do Código Penal.
Se é fato que os crimes de menor potencial ofensivo não têm o condão de cercear a liberdade do agente, mais fato é que a figuração como réu num processo criminal, sujeitando o infrator ao jugo da intervenção Ministerial e, principalmente, ao veredicto condenatório definitivo é providência coercitiva e também pedagógica de grande envergadura.
É muito importante que os julgadores passem a contemplar esse recurso que a lei lhes disponibiliza, em prol da celeridade e da efetividade da tutela jurisdicional, até mesmo para vencer o nefasto descrédito do Poder Judiciário junto à sociedade.
A mera tradição não pode ser considerada óbice à aplicação de instituto capaz de solucionar satisfatoriamente conflitos de interesses.[54]
A paz social só será lograda quando a Justiça conseguir, de alguma forma legal, necessariamente engenhosa e criativa, compensar o abissal desequilíbrio entre as partes em litígio.
A guisa de conclusão, vale citar o valioso e pertinente ensinamento do Professor JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI:
“Tempo e processo constituem duas vertentes que estão em constante confronto. Em muitas ocasiões o tempo age em prol da verdade e da justiça. Na maioria das vezes, contudo, o fator temporal conspira contra o processo. Chiovenda falava do processo como fonte autônoma de bens; poder-se-ia, com maior realismo, falar do processo contemporâneo como fonte autônoma de males!” [55]
Assim, o propósito deste trabalho é, exatamente, levantar algumas alternativas, talvez até não ortodoxas, para análise e consideração dos ilustres doutrinadores e operadores do Direito,
Seu intuito é atender ao que nossa Constituição Federal determina, no sentido de uma prestação jurisdicional eficaz que devolva aos jurisdicionados, de forma equânime, a paz que existia antes da lide instalada.
Essa é a base de um sistema jurídico que não só proclame, mas também disponha dos mecanismos para garantir os direitos de todos, de forma igualitária.
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JURISPRUDÊNCIA
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STJ – 3ª. Turma - AgRg no REsp nº 1.294.668 – SP – Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO – j. 01/10/2013
STJ – 1ª. Turma - AgRg no Ag 736.583/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX - DJ 20/09/2007
STJ - REsp 973879, REsp 681294, REsp 1098028, REsp 1185260, REsp 1151505, REsp 1117633, REsp 1026191, REsp 1135824, REsp 947466, REsp 196631, REsp 747371, REsp 852593
STJ – 3ª. Turma - REsp nº 1.135.824/MG – Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI – j. 21/09/2010
STJ – 1ª Turma - REsp. nº 1.098.028 – Relator: Ministro LUIZ FUX – j. 09/02/2010
STJ – 3ª Turma - REsp. nº 735.168/RJ – Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI – j. 11/03/2008
TJRJ - Apelação Cível nº 2006.001.22530 – Relator: Des. RUDI LOEWENKRON
TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado - Apelação nº 0027158-41.2010.8.26.0564, Relator: Des. TEIXEIRA LEITE, j. 18/07/2013
TJSP – 5ª Câmara de Direito Privado - Apelação n° 0006613-10.2011.8.26.0565 – Relator: Des. A. C. MATHIAS COLTRO – j. 25/07/2012
TJSP – 19ª Câmara Cível – Apelação nº 244.363-2 – Relator: Des. TELLES CORRÊA – Lex, v. 168, p. 177 e seguintes
TJAL – 17ª. Vara Cível de Maceió - Processo n° 0015828-13.1997.8.02.0001 – Juiz de Direito: JOÃO PAULO MARTINS DA COSTA