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A superação dos obstáculos econômicos e políticos para a efetivação dos direitos fundamentais sociais

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Agenda 05/12/2014 às 13:51

O presente estudo analisa a eficácia e a efetividade dos direitos fundamentais sociais, visitando os conceitos de reserva do possível, do mínimo existencial e da proporcionalidade.

INTRODUÇÃO

A nossa Constituição Federal de 1988 traz em seus artigos 1º e 3° os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil:

No artigo 6° estão previstos os direitos sociais:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

Tendo em vista essas previsões constitucionais, o objetivo principal deste artigo foi o estudo da eficácia e da efetividade dos direitos fundamentais sociais.


1.NOÇÕES GERAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Na doutrina não há consenso quanto à terminologia dos direitos fundamentais, porém, a própria Constituição Federal de 1988 em seu Título II refere-se “Dos Direitos e Garantias Fundamentais". Além disso, a maioria dos autores adota essa posição, razão pela qual foi esta a nomenclatura utilizada no presente estudo.

Nesse sentido, (SARLET, 2012, p. 28)

(...) o uso da expressão “direitos fundamentais”, de utilização relativamente recente, cumpre lembrar que o nosso constituinte se inspirou principalmente na Lei Fundamental da Alemanha e na Constituição portuguesa de 1976, rompendo, de tal sorte, com toda uma tradição em nosso direito constitucional positivo.

Sem maiores aprofundamentos, pode-se dizer que os direitos do homem, na acepção jusnaturalista, representam um rol de direitos naturais, atemporais, universais e eternos. Segundo Noberto Bobbio, os direitos naturais são na verdade direitos históricos.

Os direitos fundamentais estão positivados na Constituição do Estado compreendendo (declarações) e garantias (instrumentos de proteção) que incidirão em determinado tempo e espaço.

Os direitos humanos são reconhecidos ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). (SARLET, 2012, p. 29)

Assim sendo, tanto por meio dos direitos fundamentais quanto por meio dos direitos humanos são reconhecidos pelo direito positivo uma série de direitos naturais do homem, segundo esferas distintas de positivação. Os direitos fundamentais e os direitos humanos relacionam-se em um processo de aproximação e harmonização, surgindo como alguns autores apontam um direito constitucional internacional.

Os direitos fundamentais se apoiam em dois princípios: a Dignidade Humana e o Estado de Direito. Os direitos fundamentais brotam da dignidade humana, este princípio apesar do conceito aberto, assegura a todos, pelo simples fato de serem humanos, alguns direitos básicos, justamente os direitos fundamentais.

O princípio da dignidade da pessoa humana é o pilar do ordenamento jurídico global, o qual teve como marco histórico o fim da Segunda Guerra Mundial, o que se comprova pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, cujo principal escopo foi o de romper com as barbáries cometidas durante aquele período.

Já o Estado de Direito, em síntese, tem como conceito o Estado com poderes limitados, ou seja, o Estado conformado por normas jurídicas, as quais os governantes devem obedecer já que não estão acima delas, mas sim abaixo. Ademais, representam a vontade geral do povo. Seus poderes são limitados e divididos, conforme a ideia de Monstequieu, em oposição ao Estado Absolutista, em que o soberano detinha poderes ilimitados.

Segundo (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, pag. 265):

O avanço que o direito constitucional apresenta hoje é resultado, em boa medida, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões. Correm paralelos no tempo o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais caros da existência humana merecem estar resguardados em documento jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem.

Os direitos fundamentais, embasados na Dignidade Humana e no Estado de Direito, são os direitos básicos de qualquer ser humano, independentemente, de qualquer requisito, que protegem o núcleo intangível da existência humana.

O surgimento dos direitos fundamentais está intimamente relacionado ao constitucionalismo, o qual desde sua origem procurou impor limites ao poder dos governantes, respeitando os direitos dos governados.

Alguns doutrinadores costumam diferenciar o constitucionalismo antigo do moderno. No primeiro a Constituição não era escrita, ela objetivava limitar alguns órgãos do poder estatal (Executivo e Judiciário), com reconhecimento de certos direitos fundamentais, inexistindo sanção ao príncipe que desrespeitasse os direitos de seus súditos. Já o constitucionalismo moderno traz a ideia de Constituição escrita, devendo ela ser rígida, tendo como características marcantes a organização do Estado e a limitação do poder estatal, por meio de uma declaração de direitos e garantias fundamentais. (CUNHA JUNIOR, 2013, p. 35)

1.1 Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais são classificados em “gerações de direitos”, mas, a doutrina mais moderna prefere o termo “dimensões” dos direitos fundamentais, uma vez que uma nova “dimensão” não abandonaria a “dimensão” anterior, tratando-se de um processo de acumulação de direitos. (LENZA, 2012)

Os direitos fundamentais da 1ª dimensão estão relacionados à mudança de um Estado autoritário, Absolutista, para o Estado de Direito. O Estado passou a ser garantidor das liberdades, devendo restringir-se à manutenção da ordem pública. É a doutrina do laissez-faire, que consistia em conferir ampla liberdade à iniciativa privada no domínio econômico. (DUARTE, 2011, p. 25)

Alguns acontecimentos nos séculos XVII e XVIII marcaram os direitos fundamentais da 1ª dimensão, tais como:

Nesse contexto histórico, o Estado Liberal, de cunho burguês, traz como valor central a liberdade. São direitos negativos, de abstenção, de defesa do indivíduo contra ingerências do Estado na liberdade pessoal e propriedade (função defensiva dos direitos fundamentais). Exemplos: direito à vida, direitos de liberdade, a igualdade perante a lei, direito de propriedade, direito à personalidade, os direitos políticos e as proteções da intimidade e privacidade etc.

Os direitos fundamentais da 2ª dimensão têm como contexto histórico a Revolução industrial, ocorrida no século XIX, no Reino Unido, num momento de péssimas condições de vida e trabalho.

O resultado dessas mazelas sociais foram alguns movimentos populares como: o Cartismo, nascido na Inglaterra, nas primeiras décadas do século XIX, que exigia a redução das jornadas e a melhoria das condições de trabalho e a Comuna de Paris, de 1848, movimento social dos operários parisienses que culminou com a separação entre Estado e Igreja, a reabertura de fábricas, o fim do trabalho noturno nas padarias, dentre outros.

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Alguns acontecimentos no século XIX e XX marcaram os direitos fundamentais da 2ª dimensão, tais como:

No Estado Social de Direito, com ênfase no proletariado, são considerados direitos prestacionais, direitos positivos, caracterizados pela obrigação de fazer do Estado, centrados no valor da igualdade material (direitos à libertação da opressão social e da necessidade).

(...) as doutrinas sociais – sensíveis à desigualdade material verificada entre os homens, derivada da má distribuição das riquezas produzidas pelo individualismo liberal – começaram a desenhar-se. Ao mesmo tempo em que elas se empenhavam em ações afirmativas de direitos sociais e econômicos, notadamente a realização de prestações sociais. (DUARTE, 2011, p. 28)

São direitos da 2ª dimensão, os direitos sociais, tais como: direitos trabalhistas, educação, saúde, moradia, lazer, cultura, previdência, assistência social, culturais e econômicos, entre outros. Também as liberdades sociais, a exemplo da liberdade sindical, a de fazer greve e outras conferidas aos trabalhadores.

Os direitos fundamentais da 3ª dimensão se desenvolvem numa sociedade capitalista, globalizada, com intenso desenvolvimento científico e tecnológico, que geram mudanças nas relações econômico-sociais.

Os direitos passam a ser transindividuais, ou seja, transcendem os interesses do indivíduo, passando a tutelar o gênero humano, com alta carga de humanismo e universalismo.

São assim denominados direitos dos povos, da nação, até a própria humanidade titularidade coletiva ou difusa, centrados no valor da solidariedade ou fraternidade. Exemplos: direito à paz, autodeterminação dos povos, direito ao desenvolvimento, direitos do consumidor, direito ao meio ambiente equilibrado, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural, direito de comunicação etc.

A maioria dos direitos fundamentais de terceira dimensão, ainda, não logrou positivação constitucional. Porém, eles estão a experimentar um momento de afirmação na esfera internacional, do que são exemplos: a Convenção sobre a Diversidade Biológica de 1992, o Protocolo de Kioto de 1998, sobre a emissão de gases poluentes de 1998, assim como a Carta de Paris para uma nova Europa de 1990. (DUARTE, 2011, p. 32)

Para alguns doutrinadores, como Noberto Bobbio, Paulo Bonavides e Karel Vasak, haveria direitos de 4ª e 5ª dimensões, tais como direito à democracia, direito à informação, direito ao pluralismo, dentre outros, frutos da globalização política, que levaria a uma globalização dos direitos fundamentais,

Porém, não se constituiriam novos direitos, mas, novos conteúdos ou funções de direitos já tradicionalmente reconhecidos. Assim, todas as reivindicações no âmbito dos direitos fundamentais, no limite, estão relacionadas aos perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade, solidariedade, que, por sua vez, baseiam-se, todos, no princípio maior da dignidade da pessoa humana. (DUARTE, 2011, p. 35)

Portanto, esses direitos de 4ª e 5ª dimensões podem perfeitamente serem alocados nas três dimensões já existentes.

1.2 - Conceito, características e funções dos direitos fundamentais.

Não é tarefa fácil conceituar os direitos fundamentais, havendo divergências na doutrina, que os definem de diferentes pontos de vista, do objetivo ao subjetivo, de concepções filosóficas, aos assentes na Constituição, formal ou material.

De qualquer forma, ao que parece, a base e o ponto comum da maioria das conceituações residem na ideia de que os direitos fundamentais são, em essência, decorrentes de reivindicações concretas, ocasionadas por ações (e também omissões) gravemente injustas e/ou lesivas aos bens jurídicos mais essenciais (ou fundamentais da humanidade). (DUARTE, 2011, p. 47)

No entanto, a forma preferida pela doutrina para conceituar os direitos fundamentais é por meio da análise de sua fundamentalidade.

A fundamentalidade formal está relacionada ao direito constitucional positivo, escrito, à constitucionalização. Já a fundamentalidade material, por sua substância, conteúdo, e importância, está atrelada às estruturas básicas do Estado e da sociedade. Ela serve de apoio para “abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados”. A fonte do conceito material dos direitos fundamentais é a dignidade humana. (DUARTE, 2011, p. 49)

Os direitos fundamentais constantes do Título II da CF 1988, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, são conhecidos como catálogo. Porém, há outros direitos fundamentais que estão fora do catálogo, dispersos pelo texto constitucional. Exemplos: o direito de igual acesso aos cargos públicos (artigo 37, inciso I) e os direitos de associação sindical e de greve dos servidores públicos (artigo 37, VI e VII), todos da CF 1988. (DUARTE, 2011, p. 60)

Algumas características dos direitos fundamentais são: (LENZA, 2012, p. 962)

Existem também as seguintes características, José Afonso da Silva (2000, p. 185):

Quanto às funções, a mais tradicional é o da defesa, no plano jurídico-objetivo, competência negativa para os poderes públicos, vedando a intervenção do Estado na autonomia individual, e no plano jurídico-subjetivo, o exercício das “liberdades positivas”, bem como reclamar faltas ou omissões estatais.

Além dessas duas clássicas funções, há a chamada multifuncionalidade dos direitos fundamentais, que nada mais é do que uma derivação dos quatro status de George Jellinek, do final do século XIX.

A teoria dos quatro status de Jellinek, elaborada no final do século XIX, ainda se mostra muito atual, são eles: 1) passivo ou status subjectionis - o indivíduo está subordinado ou submetido aos poderes do Estado; 2) o negativo ou status libertati - liberdades individuais, ações dos súditos juridicamente irrelevantes para o Estado, como, por exemplo, a publicação de um livro; 3) o positivo ou status citatis – o Estado reconhece ao indivíduo a capacidade jurídica para reclamar do poder estatal, para utilizar as instituições estatais, outorgando ao indivíduo prestações positivas. 4) status ativo ou da cidadania ativa outorga ao indivíduo capacidades que estão fora de sua liberdade natural, por exemplo, o direito de sufrágio.

SARLET defende o modelo de ALEXY, que separa os direitos a prestações (em sentido amplo) em direitos à proteção, direitos de organização e procedimento, e direitos a prestações em sentido estrito ou (direitos fundamentais sociais). São justamente os direitos a prestações em sentido estrito, os direitos fundamentais sociais, que nos interessou no presente estudo. (DUARTE, 2011, p. 85)

Os direitos fundamentais sociais têm por objetivo a efetivação da igualdade em uma acepção material, devendo assegurar a igualdade de oportunidades. A efetivação dos direitos fundamentais sociais enseja a realização de pelo menos certos direitos e liberdades. Por exemplo, assegurando-se o ensino básico universal, gratuito e obrigatório, garantindo-se a todas as pessoas que possam desfrutar da liberdade de aprender, bem como da liberdade de criação cultural.

A diferença entre direitos sociais e políticas públicas (sociais) pode ser assim resumida: enquanto os primeiros são normas abertas, de pouca densidade normativa, as quais podem ser conformadas pelo legislador ordinário, e efetivada pelo administrador de diversas formas; as segundas, por sua vez, por importarem decisões (ou escolhas) políticas, não podem em regra, ser levada a cabo (ou revistas) pelo Judiciário, a não ser excepcionalmente, quando em causa o próprio núcleo essencial ou conteúdo mínimo do direito social, com o qual se relaciona. (DUARTE, 2011, p. 106)

 

1.3 A força normativa da Constituição, o Neoconstitucionalismo.

Com o fim da Segunda Grande Guerra Mundial houve uma crise do direito positivo, da teoria pura kelseniana, havendo a reaproximação entre Direito e Ética, Direito e Moral, Direito e Justiça e demais valores substantivos.

Numa análise fria, o Estado Legislativo de Direito, representado pelo Nazi-Fascismo, foi o responsável por atrocidades genocidas, tudo amparado pela lei, o que lhe configurava num Estado de Direito. (LAZARI, 2012, p. 22)

Nessa perspectiva, a Lei e o Princípio da Legalidade foram as únicas fontes de legitimação do Direito, na medida em que uma norma jurídica era considerada válida não por ser justa, mas, exclusivamente por haver sido posta por uma autoridade de competência normativa. (CUNHA JUNIOR, 2013, p. 38)

Dessa forma, houve a necessidade de se pensar numa alternativa ao direito positivo. Surgiu, então, o Neoconstitucionalismo:

O neoconstitucionalismo representa o constitucionalismo atual, contemporâneo, que emergiu como uma reação às atrocidades cometidas na segunda guerra mundial, e tem ensejado um conjunto de transformações responsável pela definição de um novo direito constitucional, fundado na dignidade da pessoa humana. O neoconstitucionalismo destaca-se, nesse contexto, como uma nova teoria jurídica a justificar a mudança de paradigma, de Estado Legislativo de Direito, para Estado Constitucional de Direito, consolidando a passagem da Lei e do Princípio da Legalidade para a periferia do sistema jurídico e o trânsito da Constituição e do Princípio da Constitucionalidade para o centro de todo o sistema, em face do reconhecimento da força normativa da Constituição, com eficácia jurídica vinculante e obrigatória, dotada de supremacia material e intensa carga valorativa. (CUNHA JUNIOR, 2013, p. 39)

Há três marcos fundamentais para o direito constitucional nas últimas décadas: o histórico, o teórico e o filosófico. (BARROSO, 2013, p. 190)

O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa continental, foi o Constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. Contra o Estado legalista, sobre o qual se erigiu o Estado nazista, surgiu uma nova perspectiva sobre o constitucionalismo, denominado de Neoconstitucionalismo, ou Constitucionalismo pós-moderno ou Pós-positivismo.

O constitucionalismo aliado à democracia produziu uma nova forma de organização política, denominado Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito ou Estado constitucional democrático.

O Brasil se inseriu nesse contexto mais tardiamente, com o processo de redemocratização, a partir da Constituição Federal de 1988, assim como da elaboração de leis protetoras de sujeitos historicamente desprotegidos, tais como o Estatuto da criança e do adolescente, o Estatuto do idoso e a Lei conhecida como “Maria da Penha”. Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da “desimportância” ao apogeu em menos de uma geração. (BARROSO, 2013, p. 191)

No âmbito filosófico o Neoconstitucionalismo se caracteriza pelo pós-positivismo, o qual busca ir além da legalidade estrita, não desprezando o direito posto.

O marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-positivismo. O debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das duas grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito: o jusnaturalismo e o positivismo. Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. A quadra atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação – dos modelos puros por um conjunto difuso e abrangente de ideias agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo. (...) O jusnaturalismo moderno, desenvolvido a partir do século XVI, aproximou a lei da razão e transformou-se na filosofia natural do Direito. Fundado na crença em princípios de justiça universalmente válidos, foi o combustível das revoluções liberais e chegou ao apogeu com as Constituições escritas e as codificações. Considerado metafísico e anticientífico, o direito natural foi empurrado para a margem da história pela ascensão do positivismo jurídico, no final do século XIX. Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2ª Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito. (BARROSO, 2013, p. 192)

Portanto, o Direito não é somente a lei, a subsunção do fato à norma, numa fórmula matemática que em que o resultado será exato, conforme defendido pelo positivismo. O Direito vai além da norma, ele precisa estar ancorado na ética e na busca do justo, o que traz a inevitável aproximação entre Direito e Ética.

No plano teórico, houve três grandes transformações: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. (BARROSO, 2013, p. 193)

Quanto à força normativa da Constituição

Uma das grandes mudanças de paradigma ocorrida ao longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava invariavelmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do administrador. Ao Judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na realização do conteúdo da Constituição. (Barroso, 2013, p. 193)

Com o reconhecimento da força normativa da Constituição, as suas disposições são de caráter vinculativo e obrigatório. Assim, as normas constitucionais são imperativas, atributo de norma jurídica, e no caso de descumprimento poderá ensejar mecanismos de cumprimento forçado.

A doutrina brasileira da efetividade procurou tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa. No plano jurídico foi atribuída normatividade plena à Constituição, fonte de direitos e obrigações, independentemente da intermediação do legislador. Do ponto de vista científico ou dogmático, foi reconhecido ao direito constitucional um objeto próprio e autônomo. No aspecto institucional, o Poder Judiciário ganhou ascensão, tendo papel destacado na concretização dos valores e dos direitos constitucionais.

Na prática, em todas as hipóteses em que a Constituição tenha criado direitos subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são eles, como regra, direta ou imediatamente exigíveis, do Poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico. O Poder Judiciário, como consequência, passa a ter atuação decisiva na realização da Constituição. A doutrina da efetividade serviu-se, como se registrou acima, de uma metodologia positivista: direito constitucional é norma; e de um critério formal para estabelecer a exigibilidade de determinados direitos: se está na Constituição é para ser cumprido. Nos dias que correm, tornou necessária a sua convivência com novas fórmulas doutrinárias de base, pós-positivista, como a teoria dos princípios, as colisões de direitos fundamentais, a ponderação e o mínimo existencial. (BARROSO, 2013, p. 29)

Até a Segunda Guerra Mundial vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, amparado na doutrina inglesa de soberania do Parlamento, e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral.

A partir da década de 1940, houve a expansão da jurisdição constitucional, baseado num novo modelo, inspirado na experiência estadunidense: o da supremacia da Constituição, ou seja, a constitucionalização dos direitos fundamentais, os quais ficavam protegidos do processo político majoritário, e o tutor passava a ser o Judiciário. (BARROSO, 2013, p. 195)

No Brasil, apesar de haver o controle de constitucionalidade desde a primeira Constituição Republicana de 1891, a jurisdição constitucional se expandiu com a Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal pode exercer o controle de constitucionalidade de (I) em ações de sua competência originária (art. 102, I, da CF) (II) por via de recursos extraordinários (art. 102, III, da CF) e (III) em processos objetivos, nas ações diretas. (BARROSO, 2013, p. 196)

Os elementos tradicionais de interpretação do Direito, tais como: gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico e os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos, o hierárquico, temporal e o especial continua a dar conta da maioria das questões jurídicas.

No entanto, em alguns casos, esses elementos não atendiam à vontade da Constituição, razão pela qual a doutrina e a jurisprudência se encarregaram de criar elenco próprio de princípios, tais como: o da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, o da interpretação conforme a Constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade. (BARROSO, 2013, p. 197)

A interpretação jurídica tradicional está fundada no papel da norma, a qual cabe oferecer no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos e no papel do juiz, ao qual cabe identificar, no ordenamento jurídico, a normal aplicável ao problema a ser resolvido. Trata-se da subsunção do fato à norma.

Contudo, nem sempre a solução do problema se encontra no relato abstrato do texto normativo, assim, o papel do juiz é o de coparticipante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.

Portanto, nesse novo cenário ganha importância o papel do juiz ao interpretar a norma, o qual deve se fundamentar sempre que possível na Constituição, que prevê que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de direito, e tem como um de seus fundamentos a dignidade humana, que está a informar e fundamentar todo o ordenamento jurídico na concepção do Neoconstitucionalismo.

As principais características do Neoconstitucionalismo são: a Constituição é o centro de todo o sistema, norma jurídica, imperatividade e superioridade, a agregação de normatividade aos princípios, carga valorativa, axiológica, cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados passíveis de concretização singularizada pelo julgador, valoração da dignidade da pessoa humana, a vinculação vertical e horizontal dos direitos fundamentais, eficácia irradiante em relação aos Poderes, e mesmo aos particulares, concretização dos valores constitucionalizados e garantia de condições dignas mínimas e a promoção da judicialização da política.

Sobre o autor
Endrigo Rodrigues de Sá

Graduado em Direito pelo Centro Universitário Moura Lacerda (CUML) e em Ciências da Informação e Documentação pela Universidade de São Paulo (USP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÁ, Endrigo Rodrigues. A superação dos obstáculos econômicos e políticos para a efetivação dos direitos fundamentais sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4174, 5 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30968. Acesso em: 23 dez. 2024.

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Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito).

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