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O “estado de perigo” como causa de nulidade absoluta do negócio jurídico

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Agenda 09/03/2015 às 14:28

4 - CONCLUSÃO

No decorrer do presente trabalho, primeiramente trabalhamos com o conceito de negócio jurídico, a fim de entender como ocorre a “Juridicização” dos fatos para sua efetiva entrada no mundo jurídico. A partir de então, delimitado o conceito de negócio jurídico e suas características, foi possível avançar para o estudo de seus defeitos, o que foi possível por meio da análise dos planos do negócio jurídico. No plano de existência, dentre vários elementos essenciais que compõe o negócio jurídico, percebemos que a declaração de vontade é um deles e integra o próprio conceito de negócio jurídico. No plano de validade, concluímos que esta declaração de vontade deve ser livre e de boa fé para não viciar o negócio jurídico, pois o defeito nesta manifestação pode tornar o negócio jurídico nulo ou anulável. No plano da eficácia, foi possível constatar que os efeitos do negócio jurídico podem estar ou não condicionados a elementos acidentais, como o termo, a condição e o encargo.

Aprofundando a análise do plano de validade do negócio jurídico para estudarmos efetivamente o estado de perigo, foco principal do trabalho, procuramos primeiramente conceituar o instituto abrangendo todos os seus requisitos, nuances e diferenciando-o de outros institutos semelhantes, como a lesão e a coação. Então, percebemos que o estado de perigo possui alguns elementos que possibilitam sua identificação, como a ocorrência do chamado “dolo de aproveitamento”, a excessiva onerosidade, a existência de uma situação de necessidade, o dano eminente atual e grave, o nexo de causalidade entre o perigo de dano e a manifestação e a ameaça de dano a própria pessoa ou de sua família. A enumeração destes requisitos, com amparo legal, facilita a identificação da situação de estado de perigo, evitando que se possa defender a nulidade absoluta de um contrato válido.

A partir deste rol de conceituações, levantamos o questionamento acerca da previsão do CC/02 de que o contrato firmado por agente que se encontra em estado de perigo não deveria ser considerado nulo de pleno direito e não apenas anulável, uma vez que o vício na manifestação de vontade é insanável. A fundamentação para tanto é que o agente que se aproveita de outrem em situação de iminente dano a sua saúde ou de outrem age com má fé e que a vítima não possui liberdade de escolha das condições contratuais, ferindo os princípios basilares do ordenamento civil e constitucional, que são a boa fé objetiva e a função social do contrato.

Apesar de alguns defenderem que o contrato deve ser mantido e suas cláusulas revisadas para evitar uma situação de desigualdade ou de locupletamento ilícito, não há como considerar um contrato firmado com base no sofrimento e no desespero de um dos contratantes como lícito. Mesmo que um contrato seja firmado sob condições extremas de perigo à saúde, se as cláusulas são justas e não abusivas, não há que falar em estado de perigo. Apesar do sofrimento e desespero do outro contratante, ele deverá arcar com o contrato, pois o mesmo é justo e equilibrado, o que não configura o indigitado estado de perigo. O que defendemos é que o contrato abusivo, feito com “dolo de aproveitamento” e que coloca a vítima em situação de sujeição total às condições excessivamente onerosas, é que deve ser considerado nulo, pois neste caso, temos tipicamente um contrato que fere qualquer conceito de boa fé, socialidade e eticidade.

Sendo assim, é fundamental uma mudança legislativa para transformar o negócio jurídico firmado em situação de estado de perigo em negócio nulo e não apenas anulável, possibilitando o magistrado reconhecer de ofício esta nulidade. O beneficiário de um contrato que auxilia outrem tem a opção de agir com boa fé e de forma proba, cobrando da vítima o justo para auxiliá-la ou à outrem; se não o faz, não merece proteção do ordenamento jurídico. Assim, cabe ao legislador a sensibilidade de perceber essa situação de incompatibilidade entre os princípios que orientam o novo direito civil constitucional e esta situação do negócio jurídico viciado na vontade e promover uma mudança que desestimule a conduta do contratante de má fé.


5 - BIBLIOGRAFIA

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Endereços eletrônicos

AREF ABDUL LATIF, Omar. Estado de perigo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 41, maio 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>


Nota

[1] Assim decidiu o STJ no REsp 918.392/RN, de relato da Ministra Nancy Andrigui. (...) O estado de perigo é tratado pelo Código Civil de 2002 como defeito do negócio jurídico, um verdadeiro vício do consentimento, que tem como pressupostos: (i) a “necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família”; (ii) o dolo de aproveitamento da outra parte (“grave dano conhecido pela outra parte”); e (iii) assunção de “obrigação excessivamente onerosa” (...).

Sobre a autora
Marta Luiza Leszczynski Salib

Advogada. Mestra em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento. Pós Graduada em Direito Civil com MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Graduada em Direito e em Relações Internacionais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALIB, Marta Luiza Leszczynski. O “estado de perigo” como causa de nulidade absoluta do negócio jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4268, 9 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31313. Acesso em: 17 mai. 2024.

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