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'Vistos etc.'

Agenda 26/08/2014 às 11:27

Para Justiça, circunstâncias do cárcere e morte de Eloá são quase cinco vezes piores que do sequestro e assassinato de Elisa Samudio

Vistos etc

A legislação penal e sua aplicação pelos magistrados necessitam de revisão em caráter de urgência, como bem demonstram dois casos relativamente recentes, de intensa repercussão nacional.

Marcos Aparecido dos Santos (foto), o "Bola", foi condenado pela morte de Elisa Samudio, e outros delitos conexos, a 22 anos em regime "fechado", três meses a menos que o ex-goleiro do Flamengo, condenado a 22,25 anos (art. 69 do códex). Ambos serão libertados muito antes do término desse prazo, graças às benesses da LEP (Lei de Execução Penal).

Não se tem notícia, smj, de que os réus, em algum momento, responderam por formação de quadrilha (hoje, associação criminosa, art. 288 do Código Penal) ou por corrupção de menor (art. 244-B do ECA), apesar da comprovada participação de pelo menos quatro indivíduos, dentre os quais um adolescente.

Pois bem: Lindembergh Alves foi sentenciado pela juíza Milena Dias a 98,83 anos pela morte de Eloá Cristina Pimentel e outros delitos conexos, ou seja, uma pena QUATRO VEZES E MEIA SUPERIOR à de Bruno e seu comparsa, aplicada por Marixa Lopes.

Dito de outro modo, as penas aplicadas a Bruno e "Bola", mesmo SOMADAS, ainda são menores que a METADE DA PENA aplicada a Lindembergh.

Mesmo considerando as diferenças entre os dois casos, as condutas criminosas que culminaram com a morte da jovem Eloá, após sucessivos erros na ação da polícia de SP, teriam sido tão mais torpes, cruéis e reprováveis que a conduta da quadrilha que deu cabo da vida de Elisa a ponto de seus integrantes receberem penas substancialmente menores?

Pelo contrário, as circunstâncias do Caso Bruno são mais graves, pelo número de agentes envolvidos — todos em pleno exercício de suas aptidões mentais — e pelos meios e esforços empreendidos na premeditação, consumação e ocultação do crime, tanto que nenhum vestígio do corpo de delito foi encontrado, mesmo após minuciosas buscas e perícias.

“A Justiça então é isso aí?”

Em seu veredito, a juíza Marixa Fabiane destacou os "detalhes sórdidos e de absoluta impiedade" do sequestro, cárcere e assassinato de Elisa Samudio, ocorridos em 2010. Apesar de sua "culpabilidade intensa e altamente reprovável", apesar de ter mentido durante todo o processo, destruído e forjado provas, intimidado testemunhas, tumultuado a instrução criminal (alguém ainda se lembra da "Elisa" loira?) e de ter sido condenado por todos os crimes a ele imputados, entre os quais o sequestro do próprio filho, então com poucos meses, apesar de reconhecidos a torpeza, o emprego de asfixia e o recurso que dificultou a defesa da vítima – apesar de tudo, enfim – Bruno Fernandes das Dores de Souza, o mandante da "trama diabólica", logo ganhará as ruas.

E Elisa nunca terá nem mesmo um sepultamento digno. Não seria mesmo coerente se ela recebesse justiça póstuma do mesmo Estado que lhe omitiu socorro quando sua vida fora ameaçada.

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Assim prossegue Marixa Fabiane:

Etc. Etc.

Em outras palavras, se a análise desses fatores fosse favorável Bruno provavelmente do fórum já sairia livre, como Dayanne, mesmo sendo autor de um crime hediondo. O comentário do goleiro sobre o veredito é a pergunta que a família de Elisa e muitos de nós fazemos: “A Justiça então é isso aí?”.

Quis a Providência que a sentença do Caso Bruno fosse lavrada no Dia Internacional da Mulher. Parece igualmente oportuno resgatar do livro "O veredicto", de Barry Reed (Nova Cultural, 1990), uma significativa reflexão sobre o valor da vida humana. Singelas e sábias palavras que Frank Galvin – brilhantemente representado no cinema por Paul Newman –, advogado da jovem Deborah Ruth Rosen, vítima de erro médico, dirige ao Júri. A obra, dedicada àqueles "que usam os galões da lei com honra", trata da impunidade dos poderosos.

[...] Em muitos países, a vida humana é uma das coisas mais baratas que se pode encontrar. Não é assim neste país. Em 1937, Amelia Earhart desapareceu com Fred Noonan no Pacífico. Nosso governo gastou 30 milhões de dólares tentando encontrá-la: aviões de busca, navios de patrulha, homens, interminavelmente. Foi somente depois de Pearl Harbor, em 1941, que a busca foi oficialmente encerrada. Mas, na verdade, a busca continua até hoje, extraoficialmente. Ainda se escrevem livros a respeito, tantos anos depois. E novas pistas se descobrem.

Quanto vale a vida de Deborah Ruth? Qual era a etiqueta de preço? Ela era uma cozinheira, arrumadeira, compradora de suprimentos, costureira, jardineira, babá, gerente de negócios, motorista, remendava corações e joelhos machucados. [...] Alguém disse um dia: ‘O homem é o único animal que ri e chora, porque é o único animal que conhece a diferença entre o que é e o que poderia ter sido’. E o que poderia ter sido para a pequena Deborah Ruth Rosen?

Como consolo, restou este gesto da magnânima magistrada: "Registro que o fato de a vítima Elisa estar cobrando o reconhecimento do filho e respectiva pensão não eram motivos para serem alvos de tão bárbaros delitos."

Quanta humanidade e perspicácia, excelência! Os direitos da criança não são motivo suficiente! Como se algum outro motivo pudesse haver para tamanha atrocidade! Vai ver o fato de a vítima ganhar a vida como mulher de programa ou como atriz pornô e ser mãe solteira justificasse o que fizeram.

Ela não era grande... E, infelizmente, avaliamos as pessoas pela grandeza. Não era uma Madame Curie ou Florence Nightingale. Mas era uma mulher. Era um ser humano cheio de vida, que desfrutava e vivia a vida em toda a sua intensidade... Não era uma águia, como Amelia Earhart, mas uma pequena pardoca, derrubada em pleno voo.

Imagem: Eugênio Moraes | Hoje em Dia

Sobre o autor
Manoel de Jesus Pereira Almeida

Advogado, pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. manoelalmeida.adv@gmail.com

Informações sobre o texto

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