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A evolução e a aplicabilidade do instituto das astreintes.

(Re)pensando conceitos

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Agenda 30/08/2014 às 09:10

3. A ADOÇÃO DO INSTITUTO DAS ASTREINTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

3.1. DOS CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DAS ASTREINTES E O DIREITO MATERIAL POSTO EM CAUSA

O valor e a periodicidade da multa a ser aplicada em caso de descumprimento serão determinados pelo órgão jurisdicional, conforme as circunstâncias do caso. Considerando que a natureza jurídica das astreintes não é reparatória, a consolidação da multa independe da existência de efetivo prejuízo experimentado pela parte, em face do atraso no cumprimento da determinação judicial.[25]

É remansosa a ideia de que o juiz possui plena discricionariedade na fixação da multa conforme as peculiaridades do caso, não estando adstrito a qualquer valor a ser fixado. Não obstante, deve ficar claro que a vedação do enriquecimento sem causa no ordenamento jurídico é patente, e em decorrência de tal vedação é que o valor fixado não pode ser exorbitante.[26] Muito embora o mais comum seja a fixação da multa de forma diária, a periodicidade nem sempre será a mesma. A multa pode ser horária, semanal, mensal, anual, semestral, fixa e até por evento. As circunstâncias do caso é que irão determinar.[27]

No momento em que o juiz despachar deferindo a liminar pleiteada, deverá fixar a data a partir de quando será devida, e qual a periodicidade que ele irá se valer, conforme artigo 645 do CPC.[28] Outro ponto importante, além da periodicidade da multa, é o poder que o juiz possui de aumentá-la, ou diminuí-la, após sua fixação, e até mesmo após o descumprimento da ordem. Por exemplo, no caso de ser fixado determinado valor a título de multa para uma pessoa com condições de vida não tão elevadas, ou em outras palavras, médio padrão de vida, e durante o período em que o processo está em trâmite, o devedor recebe um prêmio de loteria milionário, logicamente que o valor da multa que antes o pressionava, agora não tem mais nenhuma eficácia.[29]

Em relação a essa discricionariedade do juiz em relação maleabilidade e mensuração da multa, Marinoni esclarece que “ao permitir que o juiz reduza ou aumente o valor da multa fixada na sentença já transitada em julgado, demonstra claramente que a parte da sentença que fixa o valor da multa não fica imunizada pela coisa julgada material.” Além do mais, o objetivo da multa não é punir o réu ou dar algo ao autor, mas sim, conceder efetividade às decisões judiciais. Dessa forma, caso fique constatado que a periodicidade ou o valor da multa não mais estão de acordo o caso concreto, poderá ela ser agravada ou atenuada. [30]

3.2. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO OBRIGADO

O artigo 234 do Código de Processo Civil explica que a intimação é o “ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa”. A intimação é o ato de comunicação mais importante, tendo em vista que se mostra o instrumento necessário para que as partes ou terceiros possam ter ciência inequívoca do que foi determinado pelo juiz.

Além disso, é a partir da intimação que os prazos começam a fluir para as partes que desejam exercer seus direitos e faculdades processuais, principalmente considerando o fato de que, se as regras prescritas não forem estritamente observadas, haverá nulidade dos atos, conforme determina o artigo 274, do Código de Processo Civil: “As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais”.

No que concerne às astreintes, atualmente é controversa a questão acerca do termo inicial para sua fluência. Existem hipóteses em que determinados doutrinadores defenderão que, se a parte já possui procurador devidamente habilitado nos autos, será desnecessária a intimação pessoal do obrigado para cumprir determinada obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery, por exemplo, firmaram entendimento no sentido de que “a intimação é ao advogado, e não à parte, salvo quando a lei determinar o contrário”. [31]

Para Cassio Scarpinella Bueno, “a melhor resposta para o impasse reside em distinguir se a parte em face de quem a ordem expedida com fundamento no artigo 461 tem, ou não, advogado, constituído previamente nos autos”. Para o autor, se a parte devedora da obrigação estiver representada por advogado, será suficiente que ele seja intimado para fazer ou não fazer o que restou determinado pelo juízo.[32]

Não obstante o posicionamento até aqui destacado, não parece-nos coerente que a simples intimação do advogado da parte seja suficiente para que eventual multa passe a ser contabilizada. Isso porque, a obrigação de fazer ou não fazer deverá ser cumprida pela parte, ou seja, não é plausível que eventual desídia do seu causídico possa lhe acarretar prejuízos. O mesmo modo de raciocínio se utiliza para o caso da parte se encontrar em local incerto, por exemplo. Não faz sentido que as astreintes passem a fluir quando a parte sequer teve ciência da determinação judicial, não tendo-lhe sido conferida sequer a possibilidade de cumprir a ordem em tempo hábil.

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Na mesma toada, verifica-se que a necessidade de intimação pessoal do obrigado é condição essencial para que eventual execução de astreintes torne-se exigível. Essa questão é um dos pressupostos da execução, e caso não seja observada, o título executivo será inexigível. Desse modo, prevalece atualmente o entendimento de que a intimação pessoal e inequívoca da parte obrigada, é conditio sine qua non para que as astreintes tornem-se exigíveis. Inclusive, o primeiro ato do magistrado quando fixar determinada multa por descumprimento liminar, será a de providenciar a intimação do obrigado, que no caso é o único legitimado a praticar tal ato, independente de existir advogado devidamente habilitado na ação.[33]

Em face do posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência, a referida matéria foi inclusive sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, que consolidou entendimento sobre a questão, in verbis:

Súmula nº 410 STJ: A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Dessa forma, parece-nos que o posicionamento adotado pela Corte de Vértice é o mais coerente em relação ao tema, porquanto a intimação pessoal do obrigado, dando-lhe ciência inequívoca da sanção a que está submetido no caso de descumprimento, é condição obrigatória e pressuposto necessário para o nascimento do título executivo.

3.3 VINCULAÇÃO DAS ASTREINTES EM RELAÇÃO AO DIREITO MATERIAL POSTO EM CAUSA

3.3.1 (IN)EXIGIBILIDADE DAS ASTREINTES NOS CASOS DE IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA.

Ainda é muito discutida a questão que envolve a vinculação do direito material debatido em juízo com a possibilidade de cobrança das astreintes. Para muitos juristas, a exigibilidade da multa por descumprimento de determinação judicial independe do resultado do julgamento da ação originária, enquanto que para outros, as astreintes só serão exigíveis se o pedido principal for julgado procedente.

Sérgio Cruz Arenhardt defende a possibilidade de cobrança das multas astreintes, mediante a simples comprovação do descumprimento de determinação judicial. Para o autor, a execução da multa será possível independentemente da procedência ou não do pedido deduzido na ação principal, porquanto a função da multa é a de garantir a obediência da ordem judicial. Se no futuro a decisão for ou não confirmada pelo pronunciamento final do órgão jurisdicional é irrelevante, pois o que está em jogo é a autoridade do Estado.[34]

A multa é exigível a partir do instante em que a decisão que a fixa seja eficaz, ou em outras palavras, é possível entender que se a multa for fixada para viabilizar o cumprimento da liberação antecipada dos efeitos da tutela jurisdicional, ela poderá ser cobrada pelo exeqüente desde o momento em que tenha transcorrido in albis o prazo para o cumprimento da determinação judicial. Obviamente que se o obrigado ainda possuir em suas mãos eventual recurso dotado de efeito suspensivo, a cobrança ficará sobrestada. Não obstante, quando verificado o encerramento de recursos passíveis de serem recebidos em efeito suspensivo, o Exequente poderá exigir desde já a cobrança das multas astreintes fixadas por descumprimento de decisão judicial.[35]

A exigibilidade das astreintes de forma desvinculada à ação principal cumpre a função coatora da multa, e também garante a proteção ao Estado, revestindo as decisões dele emanadas de autoridade, de modo que a parte não pode simplesmente ignorar comando judicial sem qualquer tipo de punição. Pensamento contrário tornaria inócua a fixação da multa, conspirando contra a sua natureza jurídica.[36] No mesmo sentido de pensar, Joaquim Spadoni sustenta que as astreintes são absolutamente desvinculadas do direito material posto em causa, e afirma que “a exigibilidade da multa pecuniária não recebe nenhuma influência da relação jurídica de direito material”. [37]

Na mesma quadra, verifica-se que a incidência da multa se perfectibiliza pura e simplesmente pelo fato de que o obrigado violou uma ordem do juiz e cometeu um ato atentatório à dignidade da justiça. Além do mais, a constatação de que o Réu não possuía qualquer obrigação perante o autor é irrelevante para que a multa pecuniária possa ser exigida, justamente pois essa não leva em consideração eventual violação da obrigação de direito material, mas sim uma obrigação processual absolutamente independente e desvinculada daquela, que reveste-se em um instrumento idôneo a preservar a dignidade da justiça.[38]

Ademais, é de fácil visualização que existem diversos posicionamentos que filiam-se à possibilidade de execução das astreintes de forma desvinculada ao direito material posto em juízo, e também antes do trânsito em julgado da ação principal, resolução que ao nosso ver, não parece ser a mais adequada.

Fredie Didier Jr. possui o entendimento que exigibilidade das multas astreintes depende sim do resultado favorável da demanda. Nessa esteira, somente quando o beneficiário da multa se tornar efetivamente vencedor da demanda, é que fará jus à postulação dos valores. Isso porque, a multa é apenas um instrumento, garantidor da tutela antecipada. Nessa vereda, se ao final do processo se observa que o direito autor não apto à tutela jurisdicional, não é plausível que o jurisdicionado seja beneficiado com o valor que foi fixado a título de multa.[39]

Não nos parece razoável que o Demandante, que não possui qualquer direito material, possa, ao fim do processo, auferir lucro quando a ação foi ajuizada de forma equivocada, em situação não merecedora da tutela jurisdicional.

Luiz Guilherme Marinoni entende que, para que haja segurança jurídica para as partes, e principalmente para o obrigado, a multa só poderá ser exigível após o trânsito em julgado da sentença final, e desde que tal decisão tenha efetivamente confirmado a antecipação dos efeitos da tutela que cominou a medida coercitiva. A coerção pretendida pela imposição da multa encontra-se na ameaça de pagamento, e não na sua cobrança imediata, motivo pelo qual, a execução provisória das astreintes seria medida incabível, enquanto existir algum interesse recursal das partes.[40]

Em decisão que se coaduna com tal posicionamento, o Ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, esclarece que a execução das multas astreintes quando da improcedência da demanda, é inviável, in verbis:

Após minucioso exame do sistema jurídico pátrio, doutrina e jurisprudência, destacou-se a natureza híbrida das astreintes. Além da função processual – instrumento voltado a garantir a eficácia das decisões judiciais –, a multa cominatória teria caráter preponderantemente material, pois serviria para compensar o demandante pelo tempo em que ficou privado de fruir o bem da vida que lhe fora concedido seja previamente, por meio de tutela antecipada, seja definitivamente, em face da prolação da sentença. Para refutar a natureza estritamente processual, entre outros fundamentos, observou-se que, no caso de improcedência do pedido, a multa cominatória não subsiste. Assim, o pagamento do valor arbitrado para compelir ao cumprimento de uma ordem judicial fica, ao final, dependente do reconhecimento do direito de fundo.[41]

A verdade é que as multas astreintes são exigíveis após o trânsito em julgado da sentença de procedência do pedido. Sendo o pedido inicial julgado improcedente, não mais será devida a multa anteriormente cominada, tendo em vista que os efeitos da sentença irão retroagir desde a data da concessão liminar, sendo esta imediatamente revogada por aquela.[42]

Antes mesmo da atual redação do artigo 461 do Código de Processo Civil, a Lei que regulamenta a Ação Civil Pública – Lei nº 7.347/85 - já tratava sobre o tema, defendendo exatamente o ponto da impossibilidade de execução das multas astreintes antes do resultado final (favorável ao autor) da demanda, ipsis literis:

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

[...]

§ 2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

No mesmo sentido, o artigo 213, § 3º do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) prevê de forma inequívoca que “a multa só será exigível do réu após o trânsito em julgado da sentença favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento”.

Desta forma, o posicionamento que parece-nos mais coerente é o no sentido de que, se após deferido o pleito antecipatório sobrevier sentença de improcedência, a decisão baseada na cognição sumária se esvazia, e prevalece o pronunciamento definitivo em sede de cognição plena e exauriente. A multa coercitiva do art. 461 do CPC não pode ser aplicada de forma desvinculada do direito material, somente para preservar a dignidade da justiça. Ademais, não é congruente que o descumprimento de determinação judicial possibilite, de forma autônoma, a pretensão executiva da parte que nunca possuiu direito.

3.4 BENEFICIÁRIO DO CRÉDITO DA MULTA

Ao longo do presente artigo foram verificados diversos pontos controvertidos sobre o instituto das astreintes, e em alguns deles, foi possível perceber que a doutrina e a jurisprudência são muito divididas. No que concerne ao beneficiário da multa, de igual forma não existe pacificidade acerca do tema.

Há quem diga que a parte prejudicada é quem deve ser beneficiada, há quem diga que o Estado é quem deverá ser o destinatário das astreintes, e ainda existe alguma opinião minoritária entendendo que o valor das astreintes devem ser divididos entre o Estado e a parte.

Entre os países que adotam o sistema das astreintes como forma de compelir o devedor a cumprir determinada ordem judicial, é possível perceber diversas formas de resolução para o impasse. No direito estrangeiro, como forma de melhor ilustrar a questão, é possível usar como exemplo a Alemanha, onde o valor da multa é destinado integralmente ao Estado; Em Portugal, adotando uma medida híbrida, o valor advindo das astreintes é dividido igualmente entre o Estado e o credor; E por fim, na França, as astreintes são destinadas direta e integralmente ao Autor.[43]

Para Marinoni as astreintes não possuem natureza indenizatória, motivo pelo qual não devem ser destinadas ao autor da demanda. Se a multa diária serve apenas para pressionar o réu a cumprir determinada ordem, não parece racional a ideia de que ela deva reverter para o patrimônio do autor, como se tivesse algum fim indenizatório. A multa não se destina a dar ao autor um plus indenizatório ou algo parecido com isso; seu único objetivo é garantir a efetividade da tutela jurisdicional.[44]

O Código de Processo Civil foi omisso em relação ao tema, deixando ao livre arbítrio da jurisprudência para buscar a solução que melhor se adequasse à realidade legislativa e política do país.

Seguindo a mesma linha de raciocínio de Marinoni, Maricí Giannico esclarece que, embora prevaleça o entendimento de que o valor das astreintes reverte em benefício do credor da obrigação, a sua verdadeira essência é distorcida, pois o escopo da multa diária é garantir a efetividade da tutela jurisdicional. O mais coerente portanto, seria atribuir o valor da multa ao Estado, já que ela diz respeito ao cumprimento das decisões judiciais, não guardando relação direta com o credor da obrigação.[45]

Na mesma toada, Alexandre Câmara ensina que as astreintes não existem para compensar o credor por eventual prejuízo que tenha sofrido, mas sim, para pressionar psicologicamente o devedor a cumprir sua prestação, não possuindo portanto, qualquer caráter indenizatório. Uma prova disso, é que a fixação da multa por descumprimento pode ser inclusive fixada de ofício pelo juiz, fato que demonstra a total desvinculação entre a multa e o dano eventualmente sofrido pelo autor, não parecendo lógico que o demandante aufira os lucros advindos das astreintes.[46]

De outra quadra, boa parte da doutrina entende que a multa deve ser destinada ao credor por analogia ao artigo 601 do Código de Processo Civil, porém, esse dispositivo refere-se à multa por ato atentatório contra a dignidade da justiça, e consta previsão expressa de reversão desta em favor do credor.[47]

Para Talamini, embora a finalidade das multas astreintes não seja a de indenizar a parte supostamente lesada, muito menos a de punir o obrigado que descumpriu determinado comando judicial, é necessário muito cuidado ao analisar o tema. É remansoso que a função das astreintes é a de compelir o Réu a cumprir o que foi determinado pelo Juiz, dessa forma, caso o descumprimento persista, a multa que se convalidou deverá ser revertida para a parte, e não para o Estado. Isso porque, não é congruente que o ente estatal seja beneficiado com o valor da multa, primeiro porque o Estado não é parte do processo, segundo, pelo fato de inexistir qualquer previsão legal que autorize o Estado a auferir lucro em detrimento da parte lesada, simplesmente para que se mantenha incólume a dignidade da justiça.[48]

Embora o entendimento acerca da titularidade das astreintes não seja pacífico entre os operadores do direito, é sabido que o entendimento majoritário que perdura até hoje é no sentido de que a multa seja revertida em favor do credor, pois foi o único lesado ao ver-se privado do bem da vida.

Sobre o autor
Gustavo Vieira

Advogado, militante no Estado do Rio Grande do Sul.<br>Cursando especialização em direito processual civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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