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Religião e relação de consumo

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Agenda 22/12/2014 às 09:36

9  LITÍGIOS.

Não encontramos muitos estudos doutrinários sobre o tema proposto, porém, aqui e ali encontramos alguns julgamentos que discorrem sobre essa relação jurídica havida entre a igreja e o membro, tratando dessa relação jurídica, em regra, como doações. Vejamos:

DOAÇÃO DE AUTOMÓVEL PARA IGREJA NA EXPECTATIVA DE RECEBIMENTO DE RECOMPENSAS NA VIDA TERRENA – DOADOR CULTURALMENTE VULNERÁVEL – AUSÊNCIA DE VONTADE CONSCIENTE DE DOAR – INDUZIMENTO PSICOLÓGICO À PRÁTICA DO ATO QUE RETIRA A ESPONTANEIDADE E CONSCIÊNCIA DA DOAÇÃO – DANOS MORAIS PEDIDOS E RECONHECIDOS EM PRIMEIRO GRAU – VALOR MANTIDO, COMO SUCEDÂNEO DOS DANOS MATERIAIS – RECURSO DESPROVIDO – A doação representa ato de liberalidade que exige elevado grau de consciência, que é comprometida quando se vislumbra atos de captação da vontade, especialmente quando o doador é pessoa vulnerável. Nulidade das doações universais, cujo conceito pode ser ampliado para abranger hipóteses como a dos autos, em que o donatário fez doação do único bem de certo valor que possuía. (TJRS – Proc. 71000809327 – 3ª T.R.Cív. – Rel. Des. Eugênio Facchini Neto – J. 04.04.2006)

Denota-se do julgamento supra a natureza contratual do evento havido na igreja, bem como a vulnerabilidade do doador, aproximando a convicção jurisdicional da existência de uma relação contratual permeada por normas relativas à relação de consumo.


10  PROBIDADE.

“E por avareza farão de vós comércio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita” (2 Pedro 2:3).

Com raras exceções, em hipótese alguma podemos induzir o leitor a acreditar que os sacerdotes de que falamos sejam inidôneos, pelo contrário, são pessoas que realmente acreditam no que pregam, tratam da dor da alma de quem muitas vezes não têm mais esperança sequer de viver, e acreditem ou não, muitos têm as suas vidas restauradas, ocorrem curas inexplicáveis para a ciência, muitos casos foram investigados para prova de charlatanismos e deram em nada. A questão é de fé e pode ser que o atuar desses sacerdotes incitem, de alguma forma, a pessoa a se voltar para Deus e isso os cure.


10. CONCLUSÃO.

Embora, em tese, não exista objeto material na atividade litúrgica, não podemos relegar ao plano abstrato ou meramente espiritual as consequências de ordem moral e material advindas ou causadas pelas atividades eclesiásticas. Frise-se que a importância da religião no cenário jurídico-constitucional não as isenta de responsabilidade civil, especialmente, tendo em vista a onerosidade e verificada  a subsunção contratual de promessa por fato de terceiro, mediante pagamentos vertidos à instituição religiosa, vinculados ao êxito na obtenção do favor de Deus, normalmente intitulados de “benção ou milagre”.

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Tendo em vista a responsabilidade civil objetiva insculpida no artigo 14 da Lei 8078/90, aquele que se sentir lesado, insatisfeito ou frustrado tem o direito de buscar a restituição do pagamento, do voto ou do sacrifício vertido em dinheiro ou em bens aferíveis pecuniariamente.

A reflexão sobre o tema, em hipótese alguma, põe em dúvida a idoneidade ou eficiência das crenças religiosas, pelo contrário, por entendê-las sérias, e por entender as entidades religiosas sem finalidade lucrativa, não vislumbram qualquer tipo de afronta ou desrespeito ao pugnar pela imediata restituição de valores àqueles que se sintam enganados ou frustrados com os efeitos da liturgia.

Disse-lhes então: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. (Lucas 20:25).


REFERÊNCIAS 

BÍBLIA Sagrada. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/>. Acesso em: 27 ago. 2014.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 27 ago. 2014.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 27 ago. 2014.

BRASIL. Código civil, legislação civil e constituição federal. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – Contratos. 7ª ed. São Paulo – Saraiva, 2002

Sobre o autor
Mário de Souza Carvalho

Advogado em Contagem/MG, graduado pela UFMG- Universidade Federal de Minas Gerais- Especialista em Direito Tributário - Pós-graduando em Direito Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Mário Souza. Religião e relação de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4191, 22 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31619. Acesso em: 15 nov. 2024.

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