Os ministérios públicos dos estados e do Distrito Federal têm legitimidade para atuar nas ações de sua própria autoria que tramitam no Superior Tribunal de Justiça. Além disso, podem interpor recursos como agravos regimentais, embargos de declaração, embargos de divergência e recursos extraordinários para o Supremo Tribunal Federal. Assim decidiu a 3ª Seção do STJ ao analisar embargo apresentado pelo MP gaúcho. A questão, porém, ainda não está pacificada e aguarda um pronunciamento da Corte Especial.
O julgamento foi mais um passo em direção à mudança de uma jurisprudência que até agora impedia os MPs estaduais e do Distrito Federal de atuar no STJ. Eles podiam interpor recursos para o STJ e o STF contra decisões das instâncias ordinárias, mas, dentro das cortes superiores, quem atuava com exclusividade era o Ministério Público Federal.
Em defesa da mudança na jurisprudência, o Ministro Rogerio Schietti Cruz contou que, antes de chegar ao STJ, quando era membro do MP-DF, presenciou inúmeros casos de não conhecimento de recursos sob o fundamento da legitimação exclusiva do Ministério Público Federal para atuar nos tribunais superiores.
Segundo o Ministro, essa restrição foi reforçada quando o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de um recurso extraordinário, fez a distinção entre o ato de recorrer "para" um tribunal e o de recorrer "na" própria corte, com base em uma divisão de competências dos membros dos diferentes ramos do Ministério Público. Onze anos depois, porém, o Supremo passou a entender que o princípio da unidade do Ministério Público não pode ser invocado para suprimir a autonomia institucional dos MPs estaduais e do Distrito Federal, e reconheceu a legitimação desses órgãos. Além disso, para Schietti, o princípio acusatório não admite que uma ação penal, ao chegar nas instâncias superiores, passe a ser conduzida por instituição que não é a autora da demanda, pois "é direito do réu continuar a ser acusado pelo seu acusador natural, ou seja, a mesma instituição que o processou na origem”. De acordo com ele, nos processos vindos das unidades federativas, o Ministério Público Federal deve continuar atuando apenas como fiscal da lei. Ao tempo em que desprestigia o pacto federativo, a concentração das demandas ministeriais de todo o país em um só órgão — por mais bem equipada que seja a Subprocuradoria-Geral da República — não permite às coletividades locais, por meio de seus respectivos ministérios públicos, a devida explanação da demanda, com todos os detalhes inerentes às controvérsias jurídicas trazidas ao conhecimento dos tribunais superiores, afirmou o ministro. (Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ; os grifos, porém, são nossos).
Louvemos, mais uma vez, a lucidez do Ministro Schietti, oriundo, aliás, do Ministério Publico do Distrito Federal, onde foi, inclusive, Procurador-Geral de Justiça.
Aliás, esta posição foi adotada pela maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal quando negou, na última sessão do dia 18 de março, o Mandado de Segurança nº. 28408, impetrado por um Promotor de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público que o impediu de formular requerimentos visando restringir a participação, em processos por ele movidos, de membros do Ministério Público do Espírito Santos que atuam em segunda instância.
Mérito à parte, o que importa neste pequeno trabalho é o fato de que na respectiva decisão prevaleceu o voto da relatora do Mandado de Segurança, Ministra Cármen Lúcia, segundo o qual as próprias Constituições Federal e do Espírito Santo, a Lei Orgânica do Ministério Público e a Lei Orgânica do Ministério Público estadual estabelecem limites à atuação dos Promotores de Justiça. O voto da relatora foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes. Já o Ministro Ricardo Lewandowski divergiu, observando que o Promotor de Justiça não pode ser cerceado no seu direito de formular pedidos em juízo. Segundo ele, trata-se apenas de um direito funcional de membro do Ministério Público, sendo que o pleito pode ser deferido ou não pelo juízo. (Fonte: STF, com grifo meu).
Entendemos equivocada a decisão supra referida (porque ignorou o art. 128 da Constituição Federal) e, mais, contraditória com decisões anteriores do próprio Supremo, senão vejamos:
No julgamento da Reclamação nº. 7358, proposta pelo Ministério Público de São Paulo contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que estaria em choque com o que dispõe a Súmula Vinculante nº 9, ficou consignado pelos Ministro Marco Aurélio que se o Ministério Público estadual atuou na primeira e na segunda instâncias e vislumbrou o desrespeito à Súmula Vinculante, é parte legítima para chegar ao Supremo via reclamação. Já o Ministro Cezar Peluso salientou que o Ministério Público de São Paulo não está “atuando” perante o STF, apenas está ajuizando um remédio jurídico previsto na Constituição (tal o Mandado de Segurança, digo eu) para impugnar decisões de tribunais locais, remédio este que está à disposição de qualquer cidadão. Qualquer pessoa pode reclamar diretamente perante o Supremo Tribunal Federal, exceto o Ministério Público estadual? Por quê?”, indagou. Também o Ministro Celso de Mello salientou que não existe qualquer relação de dependência entre o Ministério Público da União, chefiado pelo Procurador-Geral da República, e o Ministério Público dos estados-membros. “Muitas vezes o Ministério Público de um estado-membro pode formular representação perante o Supremo Tribunal Federal deduzindo pretensão com a qual não concorde, eventualmente, a chefia do Ministério Público da União. Isso [declaração de ilegitimidade] obstaria o acesso do MP estadual no controle do respeito e observância, por exemplo, de Súmulas impregnadas de eficácia vinculante. Nós não podemos suprimir a possibilidade de acesso do MP dos estados-membros ao STF”, afirmou. (Fonte: STF, também com grifo meu).
Antes deste julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Reclamações nºs, 6541 e 6856, ajuizadas pelo Ministério Público de São Paulo decidiu que era legítima a participação do Ministério Público Estadual na propositura de Reclamações perante o Supremo, exceto para reclamações trabalhistas, como lembrou o Ministro Celso de Mello. Segundo os Ministros, nada impede que o Procurador-Geral da República assuma ‘a paternidade’ de uma ação proveniente de Ministério Público Estadual, ressaltando, contudo – e isso é fundamental, que essa ratificação por parte da Procuradoria Geral da República não substitui a legitimidade do Ministério Público local.
A propósito, também assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça quando a Primeira Seção reconheceu que os Ministérios Públicos dos Estados são parte legítima para atuar autonomamente perante a Corte. Seguindo voto do relator, Ministro Mauro Campbell Marques, a Seção reconheceu que o entendimento até então vigente, que dava exclusividade de atuação ao Ministério Público Federal, cerceava a autonomia dos Ministérios Públicos estaduais e violava o princípio federativo. Em seu voto, Campbell relembrou a estrutura do Ministério Público no Brasil, em que não há hierarquia entre dois ramos distintos do Ministério Público (da União e dos Estados). Além disso, o ministro destacou que a unidade institucional, estabelecida na Constituição Federal, é princípio aplicável apenas no âmbito de cada Ministério Público. “A inexistência de tal relação hierárquica é uma manifestação expressa do princípio federativo, em que a atuação do MP Estadual não se subordina ao MP da União”, afirmou. Para o relator, não permitir que os Ministérios Públicos dos Estados interponham recursos nos casos em que sejam autores de ações que tramitaram na Justiça dos Estados, ou que possam ajuizar ações ou outras medidas originárias nos tribunais superiores (como um Mandado de Segurança, ressalva minha), significa negar a aplicação do princípio federativo e a autonomia do Ministério Público Estadual. O entendimento firmado diz respeito à interposição de recursos extraordinários ou especiais, e dos recursos subsequentes (agravos regimentais, embargos de declaração e embargos de divergência), e mesmo ao ajuizamento de mandado de segurança, reclamação constitucional ou pedidos de suspensão de segurança ou de tutela antecipada, relativamente a feitos de competência da Justiça dos Estados em que o Ministério Público Estadual é autor. Nesses casos, o Ministério Público Estadual atua como autor, enquanto o Ministério Público Federal, como fiscal da lei. “Exercem, portanto, papéis diferentes, que não se confundem e não se excluem reciprocamente”, explicou Campbell. “Condicionar o destino de ações, em que o autor é o Ministério Público Estadual, à interposição ou não de recursos pelo Ministério Público Federal, é submeter seu legítimo exercício do poder de ação assentado constitucionalmente ao MPF”, asseverou o Ministro. A partir desse entendimento, nas causas em que o Ministério Público Estadual for parte, este deve ser intimado das decisões de seu interesse. O relator afirmou na ocasião que posicionamento contrário representa uma violação ao exercício constitucional da ação. O Ministro lembrou que a legitimação do Ministério Público Estadual para atuar junto aos Tribunais Superiores vem sendo reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, por exemplo, na Questão de Ordem no Recurso Extraordinário nº. 593.727/MG. (Também sublinhei).
Em seu voto, o Ministro Campbell ainda destaca que só ao Procurador-Geral da República é permitido ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade, ações penais ou ações civis originárias para as quais seja legitimado o Ministério Público da União junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. Ele também ressaltou que ao Procurador-Geral da República ou a Subprocuradores-Gerais da República cabe ofertar pareceres em processos que tramitem junto ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça, atuando como custos legis [1].
Conclusão: o membro do Ministério Estadual tem capacidade postulatória junto aos Tribunais, sejam os locais, sejam os Superiores, seja a Corte Suprema, sem nenhuma necessidade de ratificação do chefe do Ministério Público Federal. Como diz a expressão popular: “cada macaco no seu galho” [2]. E fim de papo!
Notas
[1] Fonte: BRASIL. STJ | Últimas Notícias. AREsp 194892/RJ, Primeira Seção Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 24 de out. de 2012. Disponível:http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=107463. Acesso em 25 de out. 2012 –Clique aqui para ler o voto do ministro Mauro Campbell
[2] “Cada macaco no seu galho” é uma expressão popular que significa que cada pessoa deve preocupar-se apenas com aquilo que lhe diz respeito. A expressão quer dizer que as pessoas devem reconhecer o seu lugar, sem se intrometer em assuntos alheios, dos quais não lhe compete. É o mesmo que dizer: "cuide de sua vida que eu cuido da minha". Cada macaco no seu galho é uma expressão que aconselha ou rebate que cada pessoa exerça sua atribuição, sem se meter no que não deve. A expressão “Cada um na sua” é usada em situações idênticas, para delimitar as atribuições de cada indivíduo, sem permitir intromissões. “Cada macaco no seu galho” é o título de uma música da autoria do compositor e sambista baiano Riachão. Foi gravada por Caetano Veloso e Gilberto Gil quando regressaram do exílio em Londres em 1972. A música foi escolhida pelos cantores para assinalar o retorno ao Brasil. (Fonte: http://www.significados.com.br/cada-macaco-no-seu-galho/)