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A perda de uma chance e a caracterização da responsabilidade civil do advogado

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Agenda 08/04/2015 às 09:22

3 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

No sentir de Silva (2013), a vida moderna fez surgir a necessidade de reparar danos relativos a causas que desbordam o campo material e invadem o emocional. Expectativas frustradas, estresse, invasão de privacidade, risco de perda patrimonial, perda de chances e de escolhas são algumas hipóteses de situações consideradas reparáveis na atualidade. Esse novo olhar modificou e fez evoluir o conceito e a aplicação da responsabilidade civil, tão pouco esmiuçado se comparado ao estudo da culpa. Constata-se que a teoria da perda de uma chance é campo fecundo para uma análise inovadora dos requisitos da responsabilidade civil.

Aduz Savi (2012) que muitas são as situações cotidianas em que, por uma ação ofensiva de alguém, outro indivíduo tem suprimida a oportunidade de angariar uma vantagem ou de livrar-se de um prejuízo. Há diversos exemplos dessas situações corriqueiras. Um dos mais conhecidos é o caso do advogado que perde o prazo para interpor um recurso contra decisão judicial que desatendeu aos interesses de seu cliente.

Entretanto, é impossível afirmar, de forma inequívoca, que o recurso que deixou de ser interposto pelo advogado obteria êxito, esclarece o autor. Ante o exame minucioso da situação concreta, poder-se-ia apenas vislumbrar qual a possibilidade de provimento daquele recurso, ou seja: se havia ou não probabilidade séria de reforma do julgado.

Venosa (2013) comenta que, ao procurar conceituar a chance, deve-se ter a clareza de estar diante de eventos que proporcionam possibilidades de ganhos futuros para alguém. Na perda da chance o que acontece é que tal indivíduo tem frustrada a percepção de tais ganhos.

No pensar do autor, dever-se-á projetar tais perdas, desde o ato desencadeador até um marco final, que será determinada idade da vítima, um evento futuro ou mesmo a morte. Nesse panorama, a chance perdida converter-se-á em perda patrimonial propriamente dita e não mais em uma simples possibilidade. O grau de probabilidade será a base de cálculo do montante a ser indenizado.

Segundo Silva (2013), a teoria da perda de uma chance é atualmente aplicada a diversos tipos de dano: os resultantes do inadimplemento contratual; aqueles gerados por ilícito absoluto; bem como nas hipóteses de responsabilidade subjetiva e objetiva. Clássicos são os danos ocasionados por jogos de azar, como o caso do cavalo de competição que não pôde participar da corrida e, por isso, fez seus apostadores perderem a chance do prêmio. Ou, então, o já mencionado caso do advogado negligente que não interpôs o recurso no prazo devido, fazendo seu cliente perder a chance de reexaminar  a matéria na  instância superior.

Conforme o autor, o desenvolvimento da teoria da perda de uma chance, no direito norte americano, gerou uma infinidade de casos, principalmente envolvendo a seara médica. Para exemplificar, cita o caso “Falcon versus Memorial Hospital”, em que uma gestante chegou ao hospital para dar à luz e, logo após o parto, acabou morrendo por embolia ocasionada pelo fluído amniótico. A família ajuizou ação contra o médico e o hospital, uma vez que a negligência do profissional havia tirado todas as chances da paciente sobreviver, mesmo sendo poucas, em virtude de sua condição de alto risco.

No entender de Savi (2012), inobstante o reconhecimento da inadmissibilidade em indenizar a mera hipótese de um dano gerado por uma vitória perdida, não há negar o fato de que essa vitória seria possível em não havendo o fato danoso. Assim, existe um dano passível de indenização consubstanciado na possibilidade da vantagem não auferida.

Para ilustrar, o autor cita a hipótese do cavalo campeão que deixa de disputar um grande prêmio por culpa de seu jóquei. Não há falar que o valor do dano corresponderia ao prêmio pago ao vencedor da corrida. Nada assegura que o referido cavalo chegaria em primeiro. Por consequência, a ação que visasse condenar o jóquei ao pagamento de uma indenização no valor do prêmio maior seria improcedente. O dano, nesse caso, não preencheria o requisito de certeza exigido pelo Direito para fazer surgir o dever de indenizar.

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3.1 A natureza jurídica da responsabilidade pela perda de uma chance

Aduz Silva (2013) que a teoria clássica da perda de uma chance defende um caráter autônomo para as chances perdidas. Tal natureza jurídica, consubstanciada na autonomia, separa o dano gerado pela interrupção do processo (chance perdida) do prejuízo oriundo da perda da vantagem: o dano final. A vantagem seria o benefício que o indivíduo lesado poderia conseguir, caso sua demanda fosse até o final e tivesse um resultado positivo. Assim, segundo a teoria clássica, a parada do processo é o suficiente para embasar a ação de indenização, uma vez que a chance, nesse momento, poderia ter um valor pecuniário, tal como o bilhete de loteria roubado antes do sorteio.

O precitado autor define a natureza jurídica das espécies de perda de uma chance como de dano autônomo ou de causalidade parcial do dano final. Explica o autor que, nos casos de perda de uma chance, existe um dano de fácil identificação: a perda da vantagem esperada. Essa vantagem não alcançada (dano final) pode ser a perda de um processo, a perda da vida, ou mesmo a perda do vestibular. Indenizar essas chances subtraídas das vítimas é o único caminho para uma reparação justa. Entende o autor que o sistema atual da perda de uma chance possui duas categorias. A primeira baseada num conceito independente de dano; e a segunda, no conceito de causalidade parcial em relação ao dano final.

Savi (2012) concorda com a sistematização proposta por Rafael Peteffi da Silva. Contudo, em sua obra, opta por tratar apenas da “teoria clássica”, qual seja a primeira modalidade de perda de uma chance citada por Silva (2013), não abordando a aplicação da teoria na modalidade de causalidade parcial.

Em julgado, a Ministra Nancy Andrighi do colendo STJ explica, ao final do ano de 2012, que a chance concreta, real, e com grande probabilidade de sucesso, é considerada um bem jurídico autônomo:

[...]

3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.

No pensar de Silva (2013), se for necessário presumir algo para provar o nexo de causalidade entre a conduta e o dano final, será impossível que haja um dano autônomo e independente, oriundo da chance perdida. Comenta o autor que ocorre uma grande confusão entre os conceitos de dano futuro e dano presente, mormente quando relacionado com a teoria da perda de uma chance. Temporalmente, todo dano ocorre após o evento danoso. Portanto, resta evidente que o evento gerador do prejuízo não serve como momento cronológico para classificar o dano em futuro ou presente. Ter-se-ão por danos presentes aqueles já ocorridos, verificados no momento da apreciação pelo juiz da causa; futuros serão os danos que ocorrerem depois desse momento, ainda que em consequência do fato lesivo.

3.2 A aplicação da noção de perda de uma chance

Conforme Savi (2012), tanto no Direito brasileiro quanto no italiano, o autor deve fazer prova do fato constitutivo do seu direito. No caso de lucros cessantes, a parte autora deverá provar os pressupostos e requisitos necessários à verificação desse lucro. Já na hipótese de perda de uma chance, o dano final é impossível de ser demonstrado e, portanto, jamais poderá ser indenizado como lucro cessante.

No dizer do doutrinador, a perda de uma chance é um dano presente, visto que a chance é perdida, na maioria das vezes, quando verificada a ocorrência do fato danoso. Nesse sentido, Bocchiola apud Savi (2012, p. 19): “A possibilidade, por si só considerada, é atual no momento do fato lesivo, e quando se julga sobre essa perda, a situação é, normalmente, definitiva, cristalizada em todos os seus elementos, de modo que o dano já se verificou”.

O mais importante para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance, no entender do precitado estudioso, é considerá-la como um dano presente, o que diminui a dificuldade em relação à sua prova de certeza. Para a solução dos entraves opostos, deve-se aplicar ao caso a noção de dano emergente, e não de lucros cessantes, como fazia a doutrina e a jurisprudência em tempos idos.

Discordando dessa assertiva, afirma Nader (2010) que a perda de uma chance se ajusta na categoria de lucros cessantes, pois se tratam de danos sofridos por uma pessoa que deixou de ganhar algo ou que não pôde evitar que algo se perdesse. Para ilustrar, o autor menciona o caso do advogado que ajuíza uma ação para seu cliente e, após o julgamento de improcedência, perde o prazo do recurso sem justa razão. Na ação contra seu ex-patrono, o autor fundamentará seu pedido na perda de uma chance. Ainda assim, para lograr êxito, terá que provar que sua expectativa de provimento do recurso era séria, que a decisão de primeira instância, não recorrida, opôs-se à jurisprudência pacífica. Dessarte, será indiscutível que houve a prática de ato lesivo passível de ser indenizado.

Venosa (2013) também discorre sobre essa problemática, aduzindo que a maior dúvida reside na possibilidade de existência de um dano incerto. Acrescenta que, via de regra, deve-se verificar a certeza do dano. Conforme o autor, daí surgem diversos questionamentos. Uma pessoa que não prestou o exame vestibular por deficiência do transporte público pode responsabilizar o transportador pelo seu infortúnio Pode-se responsabilizar civilmente o advogado que não ingressa com a medida judicial cabível e, por consequência, ocasiona a perda de uma oportunidade do cliente?

Infere o autor que, na doutrina, surge uma proeminente corrente que posiciona perda da chance num terceiro tipo de indenização, não se tratando de lucros cessantes, nem danos emergentes, pois não se encaixa em nenhum deles.

Para Silva (2013), quando não é possível provar que a perda da vantagem (dano final) é consequência direta do agir do réu, devem ser utilizadas estimativas e probabilidades. Visto que estas podem ser medidas com certo grau de acerto, o direito vem aceitando a reparação da perda de uma chance, às vezes como espécie de dano, às vezes como nexo de causalidade.

Destaca o autor que os casos de perda de uma chance devem ser separados dos casos de criação de riscos, mesmo sabendo que todas as chances perdidas acarretam o aumento do risco de perder a vantagem almejada. Cite-se, por oportuno, o exemplo do médico que, culposamente, deixa de diagnosticar um câncer na fase inicial da doença. O doente perde uma chance de curar-se, pois o risco de morte aumenta. No entender do autor, a diferença entre a perda de uma chance e a criação de um risco é a perda da vantagem esperada de forma definitiva. Por isso, salienta o autor ser de total importância a fixação de critérios para que sejam concedidas indenizações pela perda de uma chance. Esses critérios possibilitam aos operadores do direito sistematizar as hipóteses que podem ser enquadradas como de chance perdida.

3.3 A aceitação da teoria pelo Direito brasileiro

Ao contrário de certos ordenamentos jurídicos em vigor noutros países, que apresentam grande evolução na teoria da perda de uma chance, Silva (2013) esclarece que, no direito brasileiro, a situação é bem diferente. Observam-se decisões que utilizam a teoria da perda da chance sem enquadrá-la numa categoria geral de aplicação. Em outras palavras, utilizam-na de maneira pouco sistemática, sem contribuir para a consolidação das condições gerais para sua aplicação.

Nesse sentido, afirma o autor, algumas das primeiras decisões do STJ sobre o tema são obscuras. Não fazem referência à teoria da perda da chance de forma expressa e apontam requisitos diversos para julgar questões que poderiam ser encaixadas na mesma teoria, caso analisadas sistematicamente. O autor aponta uma das possíveis causas para essa atuação desorientada: a ínfima produção doutrinaria sobre o tema.

Savi (2012) concorda com a opinião de Silva, destacando que os tribunais brasileiros ainda não conseguem se harmonizar com os conceitos da teoria da perda de uma chance, mesmo que reconheçam que a chance perdida, séria e real, deva ser reparada.

Segundo o autor, algumas decisões dos tribunais pátrios interpretam a perda da chance como uma forma de dano moral, geradora unicamente de danos extrapatrimoniais. Em contrapartida, outros julgados reconhecem que perder uma chance pode ocasionar dano patrimonial. Estes últimos normalmente entendem tratar-se de lucro cessante. Raras decisões tratam a perda de chance como hipótese de dano emergente.

José de Aguiar Dias apud Silva (2013, p. 191), examinando um caso de responsabilidade civil de um advogado pela perda de uma chance, chamou um magistrado, que prolatou um voto num julgamento no TJ de São Paulo, em 29/07/1936, de “bisonho”, porque o voto negou a responsabilidade do causídico pela falta de preparo de um recurso numa ação trabalhista. No entender do douto juiz, tal fato não acarretava dano algum.

Um dos mais famosos julgados a demonstrar a aceitação da teoria da perda de uma chance pelos tribunais brasileiros foi o do Recurso Especial nº 788.459–BA, de relatoria do ministro aposentado Fernando Gonçalves, em que se decidiu uma questão na qual a autora perdeu a chance de alcançar o prêmio de um milhão de reais, no programa de TV: “Show do Milhão”, por conta de uma pergunta mal elaborada, que induzia a erro o candidato.

Na demanda judicial contra BF Utilidades Domésticas Ltda., empresa do grupo Silvio Santos, a autora pediu indenização por danos materiais no valor do prêmio máximo, além de danos morais pela sua frustração. Condenada em primeira instância a indenizar a autora em R$ 500 mil de dano material, a empresa recorreu, alegando que a reparação deveria ser reduzida para R$ 125 mil.

Veja-se o voto do insigne Ministro do STJ, no julgamento do referido recurso especial:

Cuida-se de ação de indenização proposta por ANA LÚCIA SERBETO DE FREITAS MATOS, perante a 1a Vara Especializada de Defesa do Consumidor de Salvador – Bahia – contra BF UTILIDADES DOMÉSTICAS LTDA., empresa do grupo econômico ‘Sílvio Santos’, pleiteando o ressarcimento por danos materiais e morais, em decorrência de incidente havido quando de sua participação no programa ‘Show do Milhão’, consistente em concurso de perguntas e respostas, cujo prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) em barras de ouro, é oferecido àquele participante que responder corretamente a uma série de questões versando conhecimentos gerais. Expôe a petição inicial, em resumo, haver a autora participado da edição daquele programa, na data de 15 de junho de 2000, logrando êxito nas respostas às questões formuladas, salvo quanto à última indagação, conhecida como ‘pergunta do milhão’, não respondida por preferir salvaguardar a premiação já acumulada de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), posto que, caso apontado item diverso daquele reputado como correto, perderia o valor em referência. No entanto, pondera haver a empresa BF Utilidades Domésticas Ltda., em procedimento de má-fe, elaborado pergunta deliberadamente sem resposta, razão do pleito de pagamento, por danos materiais, do quantitativo equivalente ao valor correspondente ao prêmio máximo, não recebido, e danos morais pela frustração de sonho acalentado por longo tempo.

Não havia certeza categórica de que a mulher acertaria a pergunta de um milhão de reais se ela fosse feita de maneira clara e correta, no entender do ministro. Para ele, “há uma série de outros fatores em jogo, como a dificuldade progressiva do programa e a enorme carga emocional da indagação final”. Assim, o relator do recurso optou por diminuir o valor da indenização porque o valor tinha origem numa “probabilidade matemática” de acertar uma das quatro alternativas da questão milionária.

Sobre o autor
Fabricio Wilsmann

Bacharel em Direito; Servidor da Justiça do Trabalho - Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WILSMANN, Fabricio. A perda de uma chance e a caracterização da responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4298, 8 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31671. Acesso em: 4 nov. 2024.

Mais informações

Orientador: Prof. Marcos Paulo Falcone Patullo.

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