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Memórias Póstumas de Brás Cubas: reflexões jurídicas

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Agenda 13/09/2014 às 09:57

4. Positivismo Jurídico: a norma como justificação do poder estatal

O Direito Positivo tem como fundamento a imperatividade. As normas são elaboradas e surtem efeitos através da força/coação. É um conjunto de normas cujo o substrato é a sanção, imposta a toda sociedade[44].

A presença da idéia do absoluto em uma sociedade é uma condição necessária, mas não suficiente, do fato de que o caráter incondicional da dignidade seja atribuído à representação do absoluto que o próprio homem constitui. Por  isso, fazem-se necessárias ulteriores condições, entre  estas uma codificação jurídica. Uma civilização cientifica – em razão da ameaça imanente que ela constitui para si mesma – precisa de uma tal codificação, mais do que qualquer outro.[45]

O positivismo jurídico é embasado na hierarquia de uma fonte sobre a outra. Ou seja, da lei sobre as demais fontes do Direito.

Positivismo jurídico e limitação das liberdades em nome das razões do estado se dão as mãos e são dois aspectos de uma só realidade. ... o estado é por isso legitimado a reduzir e mesmo anular as liberdades dos indivíduos quando isso for requerido pela exigência de salvaguardar a própria liberdade. A liberdade do estado nada mais é do que a justificação do poder do estado.[46]

Este era o pensamento que pregava Hans Kelsen na sua Teoria Pura do Direito. Dizia que o sistema jurídico era uma estrutura piramidal e escalonada, no qual a norma superior regulava a inferior.

O sistema jurídico é uma estrutura piramidal na qual as normas de escalão superior regulam a criação das normas de escalão inferior, portanto a atividade interpretativa envolve envolve aplicar as normas superiores nas inferiores. É essa estrutura escalonada que permite a unidade lógica e a completudeda ordem jurídica..[47]

O Direito Positivo somente considerava Direito a norma imposta pelo Estado. É produto da ação e da vontade humana independentemente de imposição divina, da natureza ou da razão. Asseverava que não haveria necessidade de relacionar direito, moral e justiça.

O Positivismo jurídico é uma doutrina do direito, que considera que somente é Direito aquilo que é posto pelo Estado, sendo então esse o objeto que deve ser definido, e cujos esforços sejam voltados à reflexão sobre a sua interpretação.

A sua tese básica afirma que o direito constitui produto da ação e vontade humana (direito posto, direito positivo), e não da imposição de Deus, da natureza ou da razão como afirma o Jusnaturalismo. Segundo o positivismo jurídico, seria o direito moderno (positivo) algo imposto por seres humanos para fins humanos (aspecto teleológico).

A maioria dos partidários do positivismo jurídico defende também que não existe necessariamente uma relação entre o direito, a moral e a justiça, visto que as noções de justiça e moral são relativas, mutáveis no tempo e sem força política para se impor contra a vontade de quem cria as normas jurídicas[48].

A palavra positivismo jurídico é uma concepção utilizada apenas no Direito. Há uma tentativa de se libertar da influência de outras ciências. Inclusive, Hans Kelsen:

se propõe  garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e exclui deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretender libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhes são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.[49]

Isso, significa dizer que o Direito Positivo só existe quando este tem origem na norma legislada pelo Estado.

...o século XIX é o século do otimismo com relação aos prodigiosos progressos científicos e tecnológicos que então se verificam, progressos  esses sem par na história, até mesmo se compararmos com os progressos tecnológicos dos séculos anteriores quando nasceu a ciência moderna. O séc. XIX é herdeiro do iluminismo que triunfou, é o século que acredita no homem de modo incondicionado.

...para o positivismo a realidade é exterior ao sujeito. Ou seja, o objeto existe independentemente do sujeito.

...

A sociedade é regida por leis naturais, eternas, imutáveis, independentes da vontade e da ação humana, e na vida social reina uma harmonia natural. ...

Os positivistas acreditavam nas leis absolutas em relação à sociedade. ...É isso, inclusive, que torna possível a cientificidade nas ciências humanas.

...

Os Estados do séc. XIX enfrentam a questão da unidade política invocando a supremacia da lei, entendida como proveniente da nação (que estava representada no parlamento), a qual inclusive o Estado deveria estar submetido.[50]

O Estado é representado  por uma pessoa que foi eleita pelo povo. Sendo a norma uma emanação do Estado esta jamais poderia ser questionada. Era considerada como justa e legal.

Em vez de acreditar que existe uma coisa chamada de governantes relativamente à qual os governados se comportam, consideremos que os governados podem ser tratados seguindo as práticas tão diferentes, de acordo com às épocas, que os ditos governados não tem senão o nome em comum.Pode-se discipliná-lo, isto é, prescrever-lhe o que devem fazer (se não há nada prescrito, ele não devem se mexer);  pode-se tratá-los como sujeitos jurídicos:certas coisas são proibidas, mas, no interior desses limites, eles se movimentam livremente; pode-se explora-los, e foi o que fizerem muitas monarquias. ....[51]

O positivismo jurídico deriva do cientificismo. A doutrina que afirma que tudo pode ser explicado através da ciência.

No Brasil, a princípio, o positivismo resultou em mentalidade científica generalizadora, alheia às particularidades sul-americanas. Porém, pouco a pouco, foi sendo aproveitado como método de trabalho, juntamente com o evolucionismo de Spencer e as idéias democrático-liberais do constitucionalismo norte-americano, que servirá de esteio aos que advogam uma república democrática, frutificando-se, assim, em um instrumento teórico a ser utilizado na transformação da realidade concreta.[52]

...adopção pela historiagafia jurídica de um modelo metodológico cientificamente fundado representa por sua vez, a aquisição de um novo sentido para esta disciplina  no quadro de disciplinas sociais e jurídicas – não um sentido apologético, não um sentido mistificador , mas um sentido libertador.[53]

Por inspiração do positivismo, o ensino jurídico adota uma vertente cuja base epistemológica se alicerçava na crença da ciência, como instrumento de orientação, poderia oferecer respostas para todos os problemas da humanidade, reconhecendo a objetividade cientifica e privilegiando-se os campos práticos, técnicos e aplicados nos cursos.[54]

Para os positivistas jurídicos Direito seria uma ciência.  Para Hans Kelsen uma ciência social.

“Se há uma ciência social que é diferente da ciência natural, ela deve descrever o seu objeto segundo um princípio diferente do da causalidade. Como objeto de uma tal ciência que é diferente da ciência natural a sociedade é uma ordem normativa de conduta humana. Mas não há uma razão suficiente para não conceber a conduta humana também como elemento da natureza, isto é, como determinada pelo princípio da causalidade, ou seja, para a não explicar, como fatos da natureza, como causa e efeito. Não pode duvidar-se que uma tal explicação é possível e efetivamente resulta. Na medida que em que uma ciência que descreve e explica esta forma a conduta humana seja, por ter como objeto a conduta dos homens uns face dos outros, qualificada de ciência social, tal ciência social não pode ser essencialmente distinta da ciências naturais. Quando, contudo, se procede à analise das nossas afirmações sobre a conduta humana, verifica-se que nós conexionamos os atos de conduta humana entre si e com os outros fatos, não apenas segundo o princípio da causalidade, isto é, como causa e efeito, mas também segundo um outro princípio que é completamente diferente do da causalidade, segundo um princípio para o qual ainda não há na ciência uma designação geralmente aceita. Somente se é possível a prova de que tal princípio está presente no nosso pensamento e é aplicada por ciências que têm por objeto a conduta dos homens entre si enquanto determinadas por normas, ou seja, que têm por objeto as normas que determinam essa conduta, é que teremos fundamento para considerar a sociedade como uma ordem diferente da natureza e para distinguir das ciências naturais as ciências que aplicam na descrição do seu  objeto este outro princípio ordenador, para considerar estas como essencialmente diferentes daquelas. Somente quando a sociedade é entendida como uma ordem normativa da conduta dos homens entre si é que ela pode ser concebida como objeto diferente da ordem causal da natureza, só então é que a ciência social pode ser contraposta  à ciência natural. Somente na medida em que o Direito for uma ordem normativa da conduta dos homens entre si pode ele, como fenômeno social, ser distinguido da natureza, e pode a ciência jurídica, como ciência social, ser separada da ciência da natureza”[55].

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O cientificismo pressupõe o positivismo jurídico. Este teve marcante influência sobre os juristas e cientistas do Direito da América Latina.

O Estado deveria adotar o cientificismo e abandonar os pensamentos teológicos e metafísicos que são verdadeiros causadores de crises e anarquias. Consequentemente, o Estado deveria exercer uma intervenção e uma regulação através das normas para o bem geral da nação.

“El cientificismo se presentará como una arma poderosa para enfrentar a las fuerzas sociales enemigas del laicismo, del liberalismo y de la descolonización de la nación argentina. Y es en este sentido que el positivismo argentino posee una significación sociopolítica ligada al pensamiento que sirvió de base al liberalismo democrático en vias de institucionalizarse. [56]

Es el positivismo en acción. Se liga a esta influencia el desarrollo económico del país, el predomínio de los interesses materiales, Ia difusión de Ia instrucción pública, Ia incorporación de macas heterogêneas, Ia afirmación de Ia libertad individualista. Se agrega como complemento el despego de Ia tradición nacional, el desprecio de los princípios abstractos, Ia indiferencia religiosa, Ia asimàlación de usos e ideas extranas. Asi se creó una civilización cosmopolita, de cuno propio, y ningún pueblo de habla espanol se despojó como el nuestro, en forma tan intensa, de su caráter ingénito, so pretexto de europeizasse.[57]

Para Varsavsky, o é "el investigador que se ha adaptado a este mundo científico, que renuncia a Ia preocupación por el significado social de Ia actividad, desvinculándose de los problemas políticos, y se entrega de lleno a su carrera, aceptando para ello Ias normas y valores de los grandes centros intemacionales...” .[58]

É preciso ainda ressaltar que o positivismo jurídico teve como metodologia e sistemática a codificação das leis. Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender afirmam que “a codificação foi somente um momento mais da ciência jurídica que buscava a sistematização, mas se sabe que dita sistematização mudou em grande medida a forma de conceber o direito e a forma de interpretá-lo”.[59]

Sendo, que como assevera Fábio S. Andrade, “... a positivação moderna de codificação do direito privado ibero-americano foi modelado integralmente pelo ideário individualista, romanistico e patrimonial da legislação civil napoleonica (1804) e do código privado germânico (1900)”.[60]

Já Ricardo David Rabinovich-Berkman diz que a codificação teve como influência o jusnaturalismo racional.

Sin embargo, bajo la influencia del jusnaturalismo racionalista, desde fines del siglo XVIII, el vocablo se empezó a emplear para designar um libro, normalmente no grande, donde se publicase, en forma de ley única, ordenada y sistemática, escrita em lengua clara y comprensible, la totalidad de los preceptos atinentes a una determinada porción del plexo normativo (civil, penal, etc). La realización de estos cuerpos normativos ... se denomina de “codificación”.

... Los códigos acabaron constituyendo el eslabón entre el jusnaturalismo racionalista y el positivismo de la exégisis, pues, una vez em vigor, al ser textos resultantes de la positivización del derecho natural lógico, eran vistos como arquétipos del ordenamiento perfecto. A partir de allí la tarea del jurista pasaba a restringirse a lo estudiarlos e interpretarlos (el Derecho Civil era el Código Civil).

Asi mismo, como supuestos productos de un desenvolvimiento racional abstracto, y en esa medida libres de las coordenadas de tiempo y de espacio, los códigos abrieron camino para su transmisión internacional, fuese mediante imposición (el código francés sobre Alemania) o adopción voluntária (caso de Vélez Sarsfield com el Esbozo de Teixeira de Freitas, o el de Paraguay con el Código Civil argentino.[61]

O século XIX é considerado por muitos juristas e doutrinadores como o século da codificação.

Na maioria das vezes concebe-se o século XIX como século da codificação. ... os códigos implicaram a mutilação do direito, até então conhecido por sua secularidade, estatalidade e nacionalidade, e consagraram o primado da lei e a supremacia do ideário liberal.[62]

No Brasil, temos como principal figura da codificação, o ilustre advogado Augusto Teixeira Freitas. Nascido em 1816. Formado bacharel em direito em 1837, na Faculdade de Ciências Sociais e Jurídicas de Olinda. Foi um dos fundadores do Instituto dos Advogados do Brasil. Instituição na qual exerceu a presidência. Foi contratado pelo governo imperial, em 1855, para elaborar a Consolidação das Leis Civis e posteriormente o Esboço. Mas por mais absurdo que possa parecer tais projetos foram abandonados pelo Governo Imperial.

Teixeira Freitas ... Conclui sua Consolidação das Leis Civis obtendo aprovação  do governo ern 1858... . A Consolidação obedeceu a seguinte divisão das matérias: uma parte geral so­bre as pessoas e as coisas; uma parte especial dividida ern dois livros, o primeiro sobre os direitos pessoais, incluindo as relações  pessoais em função  da familia e as relações  derivadas dos contratos e dos atos ilicitos (esbulho e dano), o segundo tratando dos direitos reais, inclusive a matéria  de sucessões, e direitos reais de garantia. ...Teixeira de Freitas  tem ... certa con­cepção  do que é razoável  e racional em direito. Mas ele é sobretudo um  romanista dos novos tempos. ... A Consolidação logo transformou-se em texto de referência obrigatória. Os projetos de Teixeira de Freitas terminaram abandonados pelo governo. A Consolidação resultara em 1.333 artigos e o Esboço em 4.908!

Teixeira de Freitas tornou-se  na época  uma referência obrigatória em toda América Latina. Inclusive seus projetos foram adotados na concepção dos Códigos Civis do Paraguai e Argentina. Ricardo Ricardo David Rabinovich-Berkman retrata com brilhantismo a importância deste jurista:

El abogado brasileño Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883), romanista y seguidor de Savigny, recibió del gobierno imperial de Rio de Janeiro, en 1855, el encargo de ordenar sistemáticamente los preceptos civiles, cosa que realizó en la Consolidación de las leyes civiles (1858). Dada la calidad de esa obra, em 1859 se lo encomendó que preparase el proyeto del Código Civil previsto de Constitución brasileña de 1824. El resultado fueron siete volúmenes (siempre esse número) aparecidos entre 1860 y 1865, cuyo conjunto es conocido com el Esbozo.

La obra fue muy bien recebida, pero en 1867 Freitas cambió de idea, y comenzó a luchar vigorosamente por la creación de um código general, civil y comercial. Esa propuesta, revolucionaria y adelantada em su tiempo, fue definitivamente repudiada por el gobierno imperial en 1872. Esas circunstancias, sumadas a la caída do del império em la década seguiente, llevaron a que el Esbozo fuera muy olvidado y se lo tomara poco en cuenta cuando se formuló el Código Civil de 1917... . Sólo recientemente, en lãs últimas décadas, se volvió a valorar en el Brasil a quien, tal vez, haya sido el mayor civilista latinoamericano del siglo XIX. El Esbozo fue reeeditado por el gobierno federal em 1983.

En la Argentina, Vélez Sarsfield, que estaba preparando en esse tiempo el Código Civil, descubrió los trabajos de Freitas y los apreció como nunca otro por entonces. Mantuvieron una  breve ... correspondência, pero nunca se conocieron personalmente. Sin embargo, el Esbozo tuvo una enorme influencia sobre Vélez, que no solamente tomó de él la metodologia de organización del Código, sino también una cantidad de artículos, notas y soluciones, algunas de ellas muy innovadoras, como la atinente a las “personas por nascer”. Además de eso, fue gracias a Freitas que Vélez conoció la obra de Savigny, que tanto afectaria la suya.

Se puede decir, sin duda, que gran parte del valor que com merecimiento se reconece al Código, de Vélez, se debe a la contribuición de Freitas... .

...Dejado de lado y olvidado en el Brasil por décadas, tanto por los juristas como por el pueblo en general, fue, en cambio, el gran inspirador del Código Civil argentino, poco después adoptado también por el Paraguay.[63]

Orlando Gomes, afirma que Teixeira de Freitas teve importância tanto na sistematização do Direito como na construção de vários Código Civil da América:

A influencia de Teixeira de Freitas não se faz presente apenas através da construção magistral em que reuniu e sistematizou os elementos esparsos da desordenada e contraditória legislação emigrada. Exerceu-se também por meio do Esboço, que embora não houvesse sido aproveitado entre nós, como foi em outras nações ibero-americanas, inspirou numerosas disposições do Código Civil .... .[64]

No Brasil, o positivismo jurídico serviu para justificar a forma de governo adotada pelo Imperador. Este fazia as leis de acordo com seus interesses e contava com a anuência do legislativo e o judiciário que eram seus subordinados.

A partir da segunda metade do século XIX, o debate intelectual no Brasil passou a incorporar um conjunto variado de idéias cientificista, importadas sobretudo da Europa. O positivismo foi a doutrina que até o momento recebeu a maior atenção por parte dos historiadores e cientistas sociais que se voltaram para a historia intelectual brasileira do período.

...

Tais idéias cientificistas penetraram também no debate jurídico local, sendo que o movimento que ficou conhecido como “Escola de Recife” exemplifica bem a relação entre a renovação cultural brasileira e a produção jurídica nacional..[65]

Inclusive, através do positivismo jurídico, o governo imperial, formavam bacharéis, advogados e jurista para defender seus interesses.

... se o liberalismo na Europa nasce na crista das revoluções, no Brasil os liberais, inicialmente reformistas, regredirão para preservar a ordem estamental-escravista. Para o manejo das regras do estamento burocrático e a administração dos interesses da sociedade escravocrata, o Estado necessitava de um tipo de profissional especializado: os bacharéis, advogados e juristas..[66]

...desde aproximadamente 1870, a formação de bacharéis  em direito estava embebida do espirito positivista evolucionista que caracteriza o pensamento cientifico-politico da época. Acreditavam que as sociedades evoluíam positivamente, e que era possível alcançar um estágio superior a partir da elaboração de boas leis.[67]

Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ironiza o positivismo, o cientificismo algo que na época era muito comentado, criando o Humanitismo. Esta doutrina transformava o homem em objeto do próprio homem. E tinha quatro pilares a estática, expansiva, dispersiva e absorção do homem e das coisas.

...Quanto ao Quincas Borbas, expôs enfim o Humanitismo, sistema de filosofia destinado a arruinar todos os demais sistemas.

- Humanistas, dizia ele, o principio das coisas, não é outro senão o mesmo homem repartido por todos os homens. Contra três fases Humanitas: a estática, anterior a toda criação; a expansiva, começo das coisas; a dispersiva, aparecimento do homem; e contará mais uma, a contrativa, absorção do homem e das coisas. A expansão, iniciando o universo, sugeriu a Humanitas o desejo de o gozar, e daí a dispersão, que não é mais do que a mutiplicação personificada da substancia original.

Como me não aparecesse assaz clara esta exposição, Quincas Borbas desenvolveu-a de um modo profundo, fazendo notar as grandes linhas do sistema. Explicou-me que, por um lado, o Humanitismo ligava-se ao Bramanismo, a saber, na distribuição dos homens pelas diferentes partes do corpo de humanistas; mas aquilo que na religião indiana tinha apenas uma estreita significação teleológica e política, era no humanistimo a grande lei do valor pessoal. Assim, descender do peito ou dos rins de humanistas, isto é, ser um forte, não era o mesmo que descender dos cabelos ou da ponta do nariz. Daí a necessidade de cultivar e temperar o músculo. Hércules não foi senão um símbolo antecipado do humanitismo. Neste se não houvesse amesquinhado com a parte galante dos seus mitos. Nada disso, acontecerá com o humanitismo. Nesta igreja nova não há aventuras fáceis, nem quedas, nem tristezas, nem alegrias pueris. O amor, por exemplo, é um sacerdócio, a reprodução um ritual. Como a vida é o maior beneficio do universo, e não há mendigo que não prefira a miséria à morte (o que é um delicioso influxo de humanistas), segue-se que a transmissão da vida, longe de ser uma ocasião de galanteio, é a hora suprema da missa espiritual. Porquanto, verdadeiramente há só uma desgraça: não é nascer. ... Nota que eu não faço do homem um simples veículo de humanistas; não, ele é ao mesmo tempo veiculo, cocheiro e passageiro; ele é  o próprio humanistas reduzido; daí a necessidade de adorar-se a si mesmo...- Para entender bem o meu sistema, conclui ele, importa não esquecer nunca o principio universal, repartido e resumido em cada homem.

...A dor segundo o humanitismo, é uma pura ilusão....Reorganizada a sociedade pelo método dele, nem por isso ficavam eliminadas a guerra, a insurreição, o simples murro, a facada anônima, a miséria, a fome, as doenças; mas sendo esses supostos flagelos verdadeiros equívocos do entendimento, porque não passariam de movimentos externos da substancia interior, destinados a não influir no homem, senão como simples quebra da monotonia universal, claro estava que a sua existência não impediria a felicidade humana. [68]   

Aliás, Brás Cubas, morre em virtude de uma invenção sua, o “emplastro” que tinha como objetivo aliviar a melancolia da humanidade.

...a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. ... O que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplastro Brás Cubas. ...

Senão quando, estando eu ocupado em preparar e apurar a minha invenção, recebi em cheio um golpe de ar; adoeci logo, e não me tratei. Tinha o emplastro no cérebro; trazia comigo, a idéia fixa dos doidos e dos fortes. Via-me, ao longe, ascender do chão das turbas, e remontar ao céu, como uma águia imortal, e não é diante de tão excelso espetáculo que um homem pode sentir a dor que o punge. No outro dia estava pior; tratei-me enfim, mas incompletamente sem método, nem cuidado, nem persistência; tal foi a origem do mal que me trouxe à eternidade. Sabem já que morri numa sexta-feira, dia aziago, e creio haver provado que foi a minha invenção que me matou. [69]   

A sátira de Machado de Assis ao positivismo é tamanha, que o personagem principal morre em virtude do seu apego ao cientificismo.

Assim pode-se afirmar que o positivismo jurídico foi de suma importância para a humanidade. Sistematizou  e codificou o Direito. E mais, as principais regras do positivismo jurídico são atualmente aplicadas apenas com algumas alterações justificadas pelo evolucionismo da nossa sociedade. A prova da presença do positivismo jurídico, hoje, está no monopólio do Estado na emanação de toda e qualquer lei (norma).

Sobre o autor
Wanderson Lago Vaz

Graduado bacharel em direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), especialista e mestre em Direito. Professor de Direito da Unipar – Campus Paranavaí e Unespar – Campus Paranavai.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VAZ, Wanderson Lago. Memórias Póstumas de Brás Cubas: reflexões jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4091, 13 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31881. Acesso em: 16 nov. 2024.

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