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As inovações constitucionais no Direito de Família

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Agenda 01/08/2002 às 00:00

SUMÁRIO: I. Introdução; II. Família Moderna, II.I. A evolução da família, Os primeiros agrupamentos humanos, A Família Romana, A influência do Direito Canônico na formação familiar da Idade Média, A criação do casamento civil, As funções da família – da Grécia aos dias atuais; II. II. A família e o Código Civil de 1916; II.III.O concubinato, a união estável e a entidade familiar, O lapso temporal nas chamadas uniões estáveis, As uniões livres e o antigo sistema do Código Civil, A jurisprudência e a Carta Magna de 1988, A Entidade Familiar criada com a Constituição Federal de 1988, As leis atuais que disciplinam a matéria e o projeto de Estatuto da União Estável, Direito a alimentos na relação concubinária – A assistência mútua, A administração e a partilha de bens na União Estável e a sucessão hereditária, As restrições de direito à concubina no Código Civil e a Constituição Federal de 1988; II.IV. A família no projeto do novo Código Civil;II.V. As uniões homossexuais; II. VI. O planejamento familiar; II.VII. A dissolução da sociedade conjugal; III. A isonomia conjugal; III.I.A situação dos cônjuges no decorrer da história; III.II A mulher e a árdua conquista da igualdade; III.III. A problemática da igualdade dos cônjuges; III.IV.As discriminações benéficas á mulher e os bens reservados; III.V. Os dispositivos legislativos alterados constitucionalmente; IV. A igualdade dos filhos; IV.I Breves comentários históricos; IV.II A filiação no Código Civil de 1916; IV.III A isonomia constitucional; IV.IV. As modificações advindas na Legislação com a carta de 1988; V. Considerações finais; VI. Referências bibliográficas e obras consultadas.


Introdução

A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, alterou de forma profunda a realidade social e o Ordenamento Jurídico vigente. Muitas transformações ocorreram no Direito de Família, que, no início do século XX, quando promulgado nosso Código Civil, disciplinava as relações dos núcleos familiares formados pelo casamento, onde o homem exercia sua supremacia sobre a mulher, mera coadjuvante restrita às lides domésticas.

No texto original do Diploma Civil é patente a natureza patriarcal deste ramo do Direito, sempre referindo-se ao homem como o detentor das prerrogativas advindas com o casamento, sendo negado à mulher, inclusive, a educação. A situação dos filhos, por sua vez, dentro deste sistema jurídico, ficava condicionada ao estado civil dos pais, somente sendo considerados legítimos os resultantes do casamento válido, negando-se aos demais, naturais e espúrios, os direitos advindos com a filiação.

Este trabalho procura abordar as inovações que a Constituição Federal de 1988 trouxe ao Direito de Família, outrora um complexo normativo regulador da celebração do casamento, de sua validade e de seus efeitos, bem como de sua dissolução; das relações entre pais e filhos e dos vínculos de parentesco; e dos institutos complementares de tutela e de curatela; hoje, um campo que se modifica vertiginosamente, abraçando temas como: igualdade dos filhos; igualdade entre os cônjuges; união estável e entidade familiar; entre outros Institutos Jurídicos, em sua maioria alterados por poucos artigos constitucionais.

Procuraremos também analisar a situação do Direito de Família no Projeto do novo Código Civil, que também foi alterado com a Constituição Federal de 1988, enfatizando a igualdade conjugal, ignorada no ordenamento de 1916; definindo o regime do casamento religioso e seus efeitos na esfera civil; entre outros temas.


A FAMÍLIA MODERNA

Se estudarmos a história da humanidade, encontraremos em todas as culturas, quer orientais, quer ocidentais, os agrupamentos humanos.

Desde os primórdios da civilização, os homens se reuniram em torno de algo ou de alguém, constituindo uma família, o segmento social de origem mais primitiva já reconhecido.

Os agrupamentos humanos apresentaram-se no decorrer dos séculos sob diversas formas e com diferentes finalidades.

Alguns sociólogos defendem a tese de que num primeiro momento histórico não haviam normas que disciplinassem as uniões, inexistindo entre os homens e as mulheres vínculos de exclusividade; nesta fase de anomia, as relações sexuais eram indiscriminadas e praticadas por todos os membros do grupo ou tribo, tendo-se como exemplo a poligamia, onde um homem desposava várias mulheres, e a poliandria, onde uma única mulher possuía mais de um homem, bem como o chamado "matrimônio em grupo".

Outros teóricos, entretanto, defendem a natureza monogâmica do ser humano como ponto de partida para um agrupamento, primeiro sob a chefia da mulher, seguindo-se da chefia masculina [1].

Segundo o jurisfilósofo Paulo Nader [2], em sua obra "Filosofia do Direito", existiram as três formas de agrupamento, porém em épocas distintas da história humana.

A primeira delas teria sido a horda, onde os homens e as mulheres viviam de forma nômade e sem regras orientadoras de convivência, sendo muito comum a promiscuidade entre eles. Clóvis Beviláqua, em sua obra "Direito da Família", cita Spencer, para quem as relações entre os homens e as mulheres eram guiadas pela paixão momentânea, sem qualquer freio moral ou social, sem qualquer organização ou ordem pré estabelecida. Teriam sido características deste primeiro momento da evolução social: "(...) a indisciplina, a irregularidade, a transitoriedade (...)". [3] A força e a resistência física teriam sido fundamentais neste primeiro momento.

Já numa segunda fase, os homens, que antes eram nômades, passaram a estabelecer moradas permanentes e viver da agricultura, erigindo a mulher como autoridade máxima, o que foi chamado de matriarcado. Neste período, a figura feminina foi praticamente venerada pelos homens que a comparavam com a terra, a geradora da vida e a supridora das necessidades humanas.

Del Vecchio, esclarecendo esta fase, declara que no regime social do matriarcado a mulher não assumiu a hegemonia política do grupo, mas foi colocada como figura central para que ao redor dela pudessem ser geradas as famílias e fossem garantidos os primeiros vínculos de parentesco. Seguem este pensamento Bossert e Zannoni, declarando que na sua origem, a família tem um caráter matriarcal, pois a madre sempre é conhecida e é a partir dela que o filho cresce, se alimenta e se educa.

Embora muitos neguem a existência de um matriarcado ou de uma genicocracia, alegando que não existem registros históricos ou etnográficos a respeito, Clóvis Beviláqua [4], citando Westermarck, dá-nos o exemplo de tribos da África, da América e da Ásia, como os koechs, em que a família se desenvolve a partir da matriarca, que administra e dirige o grande núcleo familiar, o que nos leva a crer que em determinado momento histórico e em determinada sociedade, a mulher foi considerada a autoridade máxima dentro da família

E, finalmente, em uma terceira fase, o patriarcado, onde o homem assumiu a liderança do núcleo familiar. Este sistema permaneceu até nossos diais e, mesmo após promulgada nossa Carta Magna de 1988, insiste em sobreviver no seio das famílias mais tradicionais e nos rincões mais atrasados de nosso país.

Muito embora o tema seja fascinante, são especulações de valor histórico que não serão matéria deste trabalho, exceto as que dizem respeito à família romana, considerada o embrião do que hoje conhecemos como família e, como o Direito tomou por bem disciplinar estas relações familiares que se modificam constantemente, abordaremos neste primeiro capítulo a evolução deste instituto e a atual realidade frente à Constituição Federal de 1988. Serão tratadas neste capítulo as fundações da família brasileira, os legados dos Direitos Romano, Canônico e Germânico, bem como a evolução que culminou com a entidade familiar de nossa atual Carta Magna.

I. I.A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

OS PRIMEIROS AGRUPAMENTOS HUMANOS E A CONSANGÜINIDADE

Nas primeiras famílias, a segurança proporcionada pelo grupo organizado, ainda que de forma primitiva aos seus membros, era muito mais relevante que a consangüinidade. Exercendo uma função de protetora contra as agressões externas, em um momento histórico de fragilidade do Estado, a família começou a se fortalecer.

O parentesco somente passou a ser observado nas famílias gregas e nas famílias romanas, identificando-se com o culto aos antepassados que muito contribuiu para a agregação ao redor do pater [5].

Como tanto na Grécia, quanto em Roma, existiam as chamadas micro-religiões, onde cada família possuía seus próprios deuses, representados pelos antepassados mortos, e uma liturgia específica, determinada pelo chefe familiar que também era o chefe religioso, a desprovida de descendentes certamente não se perpetuaria, visto que a sacra privata somente era praticada pelos membros da família. Acreditavam estes povos que a extinção do culto familiar acarretaria na condenação eterna dos membros de sua família e de seus antepassados.

Para atender a necessidade de continuação dos cultos familiares romanos, foi criada o instituto da adoção na Lei das XII Tábuas, que realizou-se no Império Romano sob duas formas: adrogatio e adoptio. Pela adrogatio, reuniam-se em praça pública: o representante do Estado, da religião e do povo, e indagavam o adrogante e o adrogado sobre as pretensões de adoção; na adoptio, fazia-se a alienação do direito do genitor em prol do adotante, constituindo-se de um ato mais complexo.

Silvio Rodrigues, citando Foustel de Coulanges, comenta que o autor em sua obra descreveu o surgimento do instituto da adoção no Império Romano como uma forma de dar continuidade ao culto dos antepassados. Todos os que não tivessem filhos legítimos ou naturais podiam adotar como uma forma de "evitar a desgraça representa pela morte sem descendentes." [6]

Coexistiram em Roma duas espécies de parentesco: a agnatio e a cognatio. A agnatio ou agnação era a designação dada aos descendentes masculinos do pater, à mulher na condição de subordinada, bem como aos filhos adotados e a todos os demais sujeitos ao poder do chefe familiar, não havendo qualquer vinculação consangüínea entre eles, sendo considerado um parentesco meramente civil. Já na cognação, ou cognatio, o que unia os membros da família era a consangüinidade, baseando-se na filiação e na descendência parental (1). Era feita assim a distinção entre a família proprio jure e a família communi juris, sendo que a família criada a partir da consangüinidade não possuía o mesmo valor da família de nome, que surgia da vontade do pater. [7]

A FAMÍLIA ROMANA

Na Grécia a família era representada pelo grupo ligado ao ancestral comum, aditando-se os cônjuges e enteados, genros e noras, e cunhados, ao ponto de alguns estudiosos à associarem à figura do geno, devido tamanha abrangência; era uma "miniatura da polis", conforme descreve Paulo Dourado de Gusmão, em seu Dicionário de Direito de Família.

Já em Roma coexistiam a gens, que tinha como chefe o pater gentis, e a família propriamente dita, composta pela mulher, pelos filhos, netos e bisnetos, bem como pelos respectivos bens, sujeito ao poder do pater familias, o ascendente comum mais idoso. Esta organização romana é fundamental para a compreensão da família descrita em praticamente todos os códigos modernos, desde o alemão de 1896, ao de Napoleão de 1804, como ao brasileiro de 1916 [8].

Muito embora aleguem alguns estudiosos que num primeiro momento da história Romana, a família teria vivido sob a autoridade feminina, fundamentando o parentesco gerado pela uterinidade e sendo a mulher considerada o centro criador da família, convém lembrarmos que não existem registros históricos românicos sobre tal especulação. A liderança da família romana teria sido retirada das mãos da mulher (para os que acreditam que em um dado momento histórico ela a deteve ) e sujeitado-se ao homem, criando-se com isto um novo sistema familiar, fundado exclusivamente na autoridade masculina.

O homem era considerado em Roma o chefe político, religioso e juiz; era o pater familias que exercia o chamado ius vitae ac necis, direito de vida e morte sobre todos os membros de seu grupo, impondo penalidades e tratando-os como coisas pertencentes ao seu patrimônio [9]. A própria expressão família, que deriva do latim famulus, se referia ao conjunto de escravos domésticos e bens postos à disposição do pater. Era ele, e tão somente ele, que adquiria e administrava os bens da família, que exercia o patria potestas sobre os filhos e a manus sobre a mulher.

O Estado Romano praticamente não interferia no grupo familiar, sendo este de responsabilidade do pater que exercia uma jurisdição paralela a estatal, autorizada pelo próprio Direito Romano. O homem exercia seu domino na família, assim como o Imperador o fazia no vasto Domínio Romano, existindo entre eles, o pater e o Imperador, uma correlação, já que acreditava-se que a família era a representação celular do Estado.

A família neste momento histórico era uma unidade política, jurídica, econômica e religiosa que se erigia em torno da figura masculina [10].

É a partir de Roma que a união entre um homem e uma mulher passa a interessar ao mundo jurídico, gerando nele seus efeitos.

Pela conventio in manun, a mulher e seu patrimônio passavam a pertencer e ser administrados pelo marido, era o chamado manus maritalis. Esta forma de união se dava de três formas: pela confarreatio, pela coemptio e pelo usus.

A confarreatio era a forma de união dos patrícios que permitia que os filhos nascidos dela participassem dos cultos sacerdotais; era o matrimônio religioso celebrado na presença de testemunhas que perdurou até o Império de Augusto. A coemptio era reservada aos plebeus e constituía-se numa espécie de casamento civil, segundo Gaio, onde o pai vendia a filha para o futuro marido; um resquício dos costumes bárbaros sem qualquer cunho religioso. O usus, era uma forma de usucapião em que o homem adquiria a posse da mulher após o prazo de um ano de convivência desde que aquela não se ausentasse da casa por três noites consecutivas, usurpatio trinoctium, o que impedia que se concretizasse a aquisição.

Existia ainda a conventio sine manus, em que a mulher continuava ligada à família de seu pai, não pertencendo ao marido, muito comum após o século IV d.C. [11].

Também encontramos no Direito Romano a figura do concubinatus, admitida com as Lex Iulia de adulteriis, Julia de maritendis ordinibus e lex Papia Poppaea, formando um quase-casamento, distinto das justae nuptiae por não garantir os efeitos decorrentes do casamento e por não apresentar o consensus nuptialis ou affectio maritalis, mas garantindo o surgimento de efeitos legais como a regularização da prole comum.

Como havia sido proibido o casamento entre os plebeus e os patrícios, o concubinato foi a forma de união encontrada pelos romanos, apresentando-se como legitimus, sendo a concubina livre para casar-se com o companheiro e devendo ser mantida em sua companhia por toda a vida. Somente no Direito Justiniano é que foi rebaixado, sendo considerado inferior ao matrimônio, isto graças as influências do cristianismo; o casamento sacro foi prestigiado e em lei fixaram-se diferenças entre os filhos nascidos da esposa e os nascidos da concubina.

A intenção dos Imperadores cristãos era a de extinguir com o instituto do concubinato, ou o transformando em casamento propriamente dito, ou incentivando a sua legitimação. Foi Justiniano o primeiro a eliminar todos os impedimentos que, indiretamente, fomentavam este tipo de união que perdurou até o século XIII. [12]

Uma última forma de união admitida entre os romanos era o contubernium, exclusiva dos escravos e que representava uma mera união de fato dependente da autorização do senhor, dono dos escravos; modalidade considerada supérflua para os juristas.

Ainda no Direito Romano encontramos a origem do dote, uma espécie de compensação à filha casada sob a conventio in manun, que perdia assim o direito aos bens da casa paterna, restando-lhe apenas o dote a ser administrado pelo marido; um legado românico que consta em nosso Código Civil de 1916.

A INFLUÊNCIA DO DIREITO CANÔNICO NA FORMAÇÃO FAMILIAR DA IDADE MÉDIA

Muitas foram as alterações no instituto do casamento nesta fase histórica que para muitos filósofos e sociólogos é considerada como um período das trevas.

O casamento romano sempre foi monogâmico, mas não era mais que um fato social. Com o advento Cristianismo, adotado como religião oficial do Império Romano, a partir do século IV, o mesmo tornou-se um sacramento.

A simples celebração fática foi elevada a rito sacramental, simbolizando a união de Cristo e de sua Igreja, passando o casamento a ser considerado uma união indissolúvel e abençoada por Deus, conforme os preceitos bíblicos de que "o que Deus uniu, não separe o homem."

A partir da Idade Média, fortalecido o Poder Espiritual, a Igreja começou a interferir de forma decisiva nos institutos familiares e como ela e o Estado se confundiam nas pessoas do rei e do papa, as suas normas eram também as normas estatais.

A Igreja somente empenhou-se realmente em combater tudo o que pudesse desagregar o seio familiar: o aborto, o adultério, e principalmente o concubinato, nos meados da Idade Média, com as figuras de Santo Agostinho e Santo Ambrósio; até então o concubinatus havia sido aceito como ato civil capaz de gerar efeitos tal qual o matrimônio. Os próprios reis mantiveram por muito tempo esposas e concubinas e até mesmo o clero deixou-se levar pelos desejos lascivos, contaminando-se em relações carnais e devassas, sendo muito comum a presença de mulheres libertinas dentro dos conventos. (2)

Os primeiros casamentos haviam sido realizados apenas com o consentimento dos nubentes e esta simplificação na celebração fez com que surgissem dentro da sociedade, relações clandestinas; a Igreja sentiu-se obrigada a exigir, para convalidar o ato nupcial, a presença de um de seus representantes. Do século X ao século XV a única forma de casamento que tornou-se aceita foi a eclesiástica, ordenando assim as paixões humanas e a concupiscência pecaminosa [13].

Pela doutrina católica, o casamento constituía-se através do simples consenso dos nubentes e era um ato indissolúvel; uma vez casados, nada além da morte poderia separar os noivos, agora formando "uma só carne". Este casamento perpétuo tinha a função de garantir a ordem social, impedindo que os laços constituídos se rompessem, punindo os homens e mulheres que ousassem se separar com o banimento social.

Na Idade Média passou a fazer parte do rito matrimonial a autorização das famílias dos noivos, sempre influenciadas pela situação social e econômica das famílias, principalmente da mulher, cabendo a esta a entrega de um dote ( ao casar a filha, deveria o pai pagar ao noivo algo muito semelhante a uma indenização, um patrimônio que seria por aquele administrado, ficando assim solteiras as moças que não pudessem pagar um dote, ou unindo-se sem as bênçãos da Igreja ).

De 1542 a 1563, os católicos reuniram-se em Trento e publicaram as normas do Concílio referentes ao casamento, reafirmando o seu caráter sacramental e reconhecendo a competência exclusiva da Igreja Católica para a sua celebração e validação. Ainda cuidaram de consolidar o casamento como um ato formal e público exigindo-se a expedição de proclamas no domicílio dos contraentes.

No ano de 1564, Portugal, como país católico, tornou obrigatórias em todas as suas terras, incluindo as colônias, as Normas do Concílio de Trento relativas ao casamento, que foram introduzidas mais tarde nas Ordenações Filipinas e que vigoraram entre nós até a promulgação do Código Civil de 1916. Como o casamento civil era desconhecido do mundo, o que tornava válida a união entre um homem e uma mulher era o casamento religioso realizado Igreja Católica.

Antes do Concílio, vigoravam no Direito Português três tipos de casamento: o realizado perante a Igreja; o do "marido conhecido" ( semelhante a união estável da Carta de 1988 ); e, o "casamento de consciência". Somente o casamento realizado perante o representante eclesiástico era aceito, não cabendo aos demais os favores legais.

Até o ano de 1861 a Igreja foi a detentora e a disciplinadora exclusiva dos direitos matrimoniais, mas com o aumento dos cidadãos não católicos e com as influências dos países protestantes e de seus imigrantes em nossas terras, foi publicada no ano de 1861 a Lei no. 1.144 que conferia direitos civis ao casamento religioso realizado por outras religiões que não a católica; o Decreto no. 3.069, do ano de 1863, regulamentou a lei de 1861 e permitiu as formas de casamento acatólico e misto; um avanço que fez com que a Igreja perdesse parte de seu poder ao mesmo tempo abrindo caminho para o casamento civil.

Chegamos ao fim da Idade Média, com a Igreja e sua Reforma e os Tribunais do mundo em conflito. Para os católicos cabia somente a Igreja disciplinar o casamento; para os não católicos, caberia ao Estado e tão somente a ele a regulamentação dos atos nupciais. Nos países da Reforma Protestante começavam a surgir as primeiras leis civis disciplinando o casamento não religioso e fazendo dele o único válido legalmente.

A contribuição do Direito Canônico no processo de formação e de desenvolvimento do Direito Civil é visível ainda hoje em nossos códigos e em matéria de Direito de Família podemos citar como exemplo os impedimentos matrimoniais descritos no artigo 183 do Código Civil, classificados como dirimente públicos ou absolutos, privados ou relativos, e impedientes ou proibitivos.

Profundamente alterados, os primeiros impedimentos distinguiam-se em de Direito Divino, de Direito Natural e de Direito Eclesiástico.

Os impedimentos eclesiásticos poderiam ser dispensados em casos julgados pelo Tribunal do Santo Ofício ou dos Bispos que possuíam poderes jurisdicionais.

Vedavam assim o casamento entre a mulher menor de quatorze anos e o homem menor de dezesseis anos; a celebração entre noivos de religiões diversas; o casamento entre parentes de batismo, ou seja, entre padrinhos e madrinhas e seus afilhados; e, o casamento com a mulher violada, exigindo-se a castidade feminina antes da celebração religiosa [14].

A CRIAÇÃO DO CASAMENTO CIVIL

O casamento civil nasceu na Europa, mais precisamente na Holanda, no século XVI, consolidando-se na França no ano de 1767, e somente no século XIX chegando às terras brasileiras.

Os primeiros países a utilizarem-se do novo instituto foram os europeus, graças à Reforma Protestante e à Revolução Francesa.

Nossa Constituição de 1824 havia ignorado o casamento, tanto o religioso, com o civil, importando-se apenas com a família imperial e permitindo que as demais fossem instituídas livremente. Como era grande o número de católicos, o casamento eclesiástico era comumente o mais praticado pelos fiéis.

No ano de 1890, com a substituição do Império pela República, separados foram os poderes religiosos e estatais, criando-se com o Decreto no. 181, de 1890, do Governo Provisório, o casamento civil no Brasil e retirando-se do casamento religioso qualquer valor jurídico que o mesmo pudesse apresentar. Determinava, inclusive, a prisão por seis meses e uma multa correspondente à metade do tempo, a quem o realizasse o ato religioso antes do legal [15].

No dia 24 de fevereiro de 1981, nossa primeira Constituição Republicana cuidou de estabelecer que somente seriam reconhecidas as uniões fundadas no casamento civil, o que causou furor na sociedade, visto que a Igreja, mesmo estando desligada do Estado, ainda era uma formadora de opiniões e havia disseminado entre os seus seguidores a idéia de que a união civil era uma heresia.

Praticamente toda a legislação da República ateve-se ao casamento civil como única forma de matrimônio.

Em nosso Código Civil de 1916, o legislador, influenciado pelo Código Francês de 1804, disciplinou o instituto do casamento em inúmeros artigos, consolidando a importância deste ato civil para a constituição da família legítima.

O casamento civil como única forma de constituição legítima da família perdurou de 1890 até 1937. Somente no ano de 1937 a Constituição voltou-se novamente para o casamento religioso, deixado a sua própria mercê desde a Constituição da República, declarando que poderiam ser atribuídos efeitos civis ao mesmo; uma norma que foi mantida na Constituição de 1946 [16].

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Hoje, na atual Constituição de 1988, o casamento religioso tem efeito civil nos termos da Lei no. 6.015 de 1973. Antes, apenas admitia-se com efeitos civis se houvesse prévia habilitação perante o Oficial do Registro, que emitia a certidão a ser arquivada pelo celebrante; hoje, o é também por habilitação posterior, com publicação dos editais e com a apresentação da prova do ato eclesiástico, bem como dos documentos exigidos no artigo 180 do Código Civil.

Conforme nos descreve Washington de Barros Monteiro, a moderna legislação internacional sobre o casamento é muito variada. Em alguns países apenas o casamento civil é válido, podendo os nubentes realizarem também o eclesiástico, como exemplos temos o Brasil, a Alemanha e a Suíça; já na Inglaterra e nos Estados Unidos a escolha do matrimônio cabe aos nubentes, sendo ambos aceitos e considerados válidos; existem ainda os países em que apenas o casamento religioso é válido, como a Grécia e o Líbano; e, os países em que o casamento válido é o religioso, mas os dissidentes da religião oficial podem realizar o casamento civil, como é o caso da Espanha [17].

AS FUNÇÕES DA FAMÍLIA - DA GRÉCIA AOS DIAS ATUAIS

Uma das primeiras funções da família foi sem dúvida a de proteger seus membros das agressões do mundo exterior, seguindo-se de uma função de cunho religioso onde as famílias se reuniam com o intuito de cultuar os antepassados, tanto na Grécia como em Roma onde existiam as chamadas micro-religiões.

A partir da Idade Média, com o Cristianismo reconhecido como religião oficial de praticamente todos os povos tidos por civilizados, o culto familiar deslocou-se para as capelas, deixando o pater de ser o seu sacerdote. O Cristianismo reconheceu na família uma entidade religiosa erigida com o sacramento do casamento, sendo considerada a célula mãe da Santa Igreja. Era a expressão da Igreja, hierarquizada e organizada a partir da figura masculina ( lembremos que a figura de Maria, mãe de Jesus, somente começou a ser venerada pelos fiéis do catolicismo após o século XIV ). É também a partir da Idade Média que a família passa a ser a garantia de amparo aos seus entes doentes, inválidos e impossibilitados de prover o próprio sustento. Em um momento histórico em que os nobres fechavam-se em seus feudos, vivendo da exploração dos camponeses que dependiam de suas terras para a sobrevivência; onde o Estado era apenas a representação de um homem; era a família que garantia a vida aos seus membros. Até o século XIX a família exerceu uma função social decisiva no progresso da humanidade.

Antes do advento da Indústria, as famílias produziam os bens necessários à sobrevivência: os alimentos, o vestuário, as armas. Com a produção Industrial, deixaram de gerar dentro do núcleo familiar os produtos úteis, passando a produzir dentro das fábricas e auferindo lucros com esta produção. Exercia assim a família uma quarta função: a econômica.

Outra função, muito atrelada a religião, foi a da procriação. A família surgida com o casamento deveria reproduzir-se, considerando-se um casal sem filhos inferiores aos demais. O sexo dentro do casamento tinha apenas duas finalidades: a primeira era a satisfação do desejo masculino, sendo a mulher considerada incapaz de sentir prazer, e, o segundo era o de gerar filhos. Este é com certeza o motivo pelo qual as famílias eram muito numerosas nos séculos passados.

Por fim podemos citar como funções familiares as de ajuda moral e psicológica aos seus membros.

Hoje, a família perdeu parte de suas funções: o culto não é mais celebrado pelo patriarca como ocorria na família grega e na família romana, exercendo os membros a liberdade de culto, não mais se sujeitando ao culto escolhido pelo pater; a defesa não pode mais ser comparada a encontrada nos primeiros grupamentos, existindo um estado forte capaz de proteger seus cidadãos e tendo como dever básico oferecer esta proteção, excluindo-se a vingança privada dos tempos remotos; a assistência também é ofertada pelo Estado e de acordo com a atual Constituição, é dever do mesmo assegurar a assistência à família, e é dever desta amparar seus idosos; a geração de filhos deve seguir um planejamento familiar, não se cobrando mais das famílias o grande número de membros do início do século XIX.

Hodiernamente, a família não mais baseia-se na concepção canônica de procriação e educação da prole, mútua assistência e satisfação sexual.

I. II.A FAMÍLIA E O CÓDIGO CIVIL DE 1916

Alerta-nos Pontes de Miranda [18] que o primeiro livro da parte especial de nosso Código refere-se à família, tamanha importância deu-lhe o legislador, diferentemente de outros códigos como o alemão e o italiano. Esta importância da matéria está intimamente ligada ao sentimentalismo social que vê no núcleo familiar a base da sociedade.

Até a atual Constituição, todas as anteriores, com exceção da de 1967, declaravam que a família constituída pelo casamento civil era indissolúvel e estava sob a proteção estatal, o que gerou duas espécies de família na sociedade: a família legítima, prevista em lei e baseada no casamento civil, com total amparo legal e proteção estatal; e, a família ilegítima, criada à margem da lei e sem as prerrogativas da primeira.

Muito embora nosso Código Civil de 1916 não tenha definido o instituto da família, condicionou a sua legitimidade ao casamento civil, sem fazer qualquer alusão ao casamento religioso, conforme podemos observar no artigo 229, in verbis:

" Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos."

O Primeiro grande efeito jurídico do casamento, no Código Civil de 1916, era o de legitimar a família.

A autora Maria Helena Diniz, comentando o artigo 229 em seu Código Civil Anotado [19], declara:

"A família legítima é o esteio da sociedade, por ser moral, social e espiritualmente mais sólida do que a ilegítima, dado não existir no concubinato compromisso entre o homem e a mulher(...)"

A idéia do concubinato sempre esteve associada à liberdade e à libertinagem; não sendo poucos os autores que o colocam em posição inferior ao casamento. Embora, desde os primórdios da civilização humana já existisse a união livre, com a criação do casamento religioso e do casamento civil, foi o mesmo marginalizado, esquecendo-se que a família existiu antes mesmo da formalização do ato da união entre um homem e uma mulher.

Em sua obra ‘Direito de Família’, datada de 1980, anterior a Constituição cidadã de 1988, Jeferson Daibert refere-se ao concubinato como uma das muitas afrontas ao instituto da família. Diz-nos o jurista: "É o concumbinato uma das formas de desagregação da família moderna, já afetada pela sua desorganização interna e desarmonia que nascem nesse período de transição para a paridade conjugal." [20]

O aumento deste tipo de união deveu-se muito a falta de informação, principalmente nos locais mais atrasados do país, tanto sobre a validade do casamento religioso, como sobre a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal, admitida entre nós com a Lei do Divórcio (Lei no. 6.515/77).

Com a Carta Magna de 1988, deixando de existir o requisito do casamento como fundamental para a legitimação da família, alargou-se sobremaneira a sua conceituação, modificando-se, inclusive, o conceito de Direito de Família, antes profundamente atrelado aos efeitos do casamento, considerado o centro irradiador de suas normas básicas.

O ato formal do casamento deixou de interessar ao Estado, passando este a preocupar-se com a importância do grupo familiar, qualquer que seja a sua origem, garantindo-lhe a proteção e os direitos postos à disposição da chamada família legítima [21].

I. III.O CONCUBINATO, A UNIÃO ESTÁVEL E A ENTIDADE FAMILIAR

Com certeza, a modificação que maior repercussão causou no mundo forense, foi a disposta no § 3º do artigo 226 de nossa Constituição de 1988, in verbis:

" Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."

Criou-se com a Carta de 1988 o neologismo jurídico da Entidade Familiar, muito embora alguns estudiosos do Direito aleguem que o mesmo não passou de um recurso utilizado pelo constituinte para não repetir a expressão família utilizada no caput do artigo [22]. Acreditamos que se trata sim, de uma novidade constitucional, mas que se refere à família descrita nos Códigos de uma forma bem mais abrangente.

A nova Constituição reconheceu a família como base da sociedade e declarou que a união estável entre um homem e uma mulher deveria ser tida como entidade familiar, ou seja, como família propriamente dita. Condicionou-a, entretanto, à estabilidade, um requisito subjetivo que presta-se a observar muito mais a qualidade da união do que o lapso temporal da mesma; à diversidade de sexo dos conviventes, o que exclui a união entre homossexuais; à notoriedade das relações, não beneficiando assim as uniões clandestinas; tendo como objetivo a formação de um núcleo familiar.

Sendo a estabilidade sinônimo de firme, fixo, assente, sólido, permanente, duradouro; serão assim, entidades familiares, todas aquelas uniões que corresponderem a estas características, inclusive aquelas anteriormente chamadas de adulterinas quando constituídas após a separação fática. [23]

O LAPSO TEMPORAL NAS CHAMADAS UNIÕES ESTÁVEIS

Não quis o legislador constituinte fixar um prazo para a constituição da entidade familiar, quis somente a demonstração de afeição conjugal entre os companheiros, incitando o julgador a examinar a qualidade de vida daqueles, pois a expressão da união na sociedade determina a existência da estabilidade exigida constitucionalmente [24].

Os antigos prazos estabelecidos foram revogados pela norma constitucional, inclusive o que garantia a companheira o direito à pensão após a comprovação da união por um tempo igual ou superior a cinco anos, não havendo filhos, ou de três anos se houvesse filhos comuns ao casal. Hodiernamente não mais existe prazo fixo para esta comprovação, muito embora tenha a Lei no. 8.971/94 estipulado lapso temporal de cinco anos, a Lei posterior ( Lei no. 9.278/96 ) revogou o disposto em seu artigo 1º

Hoje, o magistrado não se aterá ao lapso temporal em que se deu (ou se dá) a união, mas a finalidade; podendo este tempo ser de dois como de dez anos. O que importa é a estrutura da união assemelhar-se a da família para assim receber a proteção estatal.

Atualmente, encontra-se em tramitação um projeto de lei em que as uniões para serem consideradas estáveis dependerão de um prazo temporal de cinco anos, não havendo filhos, e dois anos, havendo-os. Entendemos que esta lei, se aprovada, não estará de acordo com a norma constitucional, que em nenhum momento faz alusão ao tempo da união, mas precisamos reconhecer que com certeza vai orientar o magistrado nas decisões referentes à estas uniões, contudo suscitando um grande questionamento nos casos em que as uniões se desfazem contra a vontade de ambos os companheiros, como por exemplo em um acidente em que um seja vitimado fatalmente, ainda não tendo completado o prazo de tempo e não existindo filhos comuns; não poderá deixar de se considerar estável se apresenta a afinidade que os romanos chamavam de afecttio maritalis apenas por não preencher uma exigência infra-constitucional de lapso temporal ou a presença de filhos comuns.

AS UNIÕES LIVRES E O ANTIGO SISTEMA DO CÓDIGO CIVIL

Até a publicação da atual Constituição as famílias nasciam com o casamento civil, sendo consideradas ilegítimas as provenientes de uniões livres, como o concubinato. O próprio conteúdo do Direito de Família tinha o casamento como seu centro, o que podemos ver claramente nos artigos de nosso Código Civil. Se o analisarmos, notaremos que no Livro I da Parte Especial, referente ao Direito de Família, grande parte se presta a disciplinar o casamento: a habilitação, os impedimentos, a celebração, o registro, as provas, os efeitos jurídicos, os direitos e deveres dele decorrentes, o regime de bens, a dissolução da sociedade conjugal (admitida por meio do divórcio com o advento da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977); são mais de 150 artigos disciplinando um único instituto, tamanha importância dada ao mesmo pelo legislador de 1916.

A família criada pelo livre consentimento, sempre foi vista com maus olhos pela sociedade e pelo legislador civil; sempre foi empregado um sentido negativo às relações decorrentes da simples vontade humana. As normas civis procuravam explicitar que o casamento regularizaria a família e daria a mesma caráter de legítima, mas o que se intentava por meio da lei não era proteger o núcleo familiar e sim evitar os escândalos provocados dentro da sociedade cada vez que um bastardo postulava ser reconhecido ou uma amante requeria seus direitos após anos e anos de companheirismo; chegou-se ao extremo de impedir que os filhos adulterinos ou incestuosos pudessem ser reconhecidos. Vivíamos em uma sociedade moralista e puritana que preferia esconder suas mazelas à enfrentá-las.

Para Jefferson Daibert, a família somente merecia este nome quando originada de um casamento válido, sendo assim legítima social e juridicamente. Com relação à ilegítima, não deveria ser protegida pelo Estado e sequer poderia ser considerada uma família. [25]

Esta ojeriza à família ilegítima foi incutida na sociedade moderna pela Igreja Católica, seguindo-a as demais correntes do Cristianismo. Como país católico, Portugal regia suas colônias e súditos com normas do Direito Canônico, as derradeiras foram as Ordenações Filipinas que negavam qualquer direito à concubina - salvo o de indenização pelo comércio sexual que na década de 30 ( trinta ) foi substituído pela expressão "serviços prestados" - inclusive punindo os que praticassem barreganhices, considerando o casamento religioso a única forma de constituição da família. Esta regra perpetuou-se no Código Civil de 1916 com uma pequena adaptação: não mais o casamento religioso, mas o casamento civil legitimaria a família.

As poucas vezes em que o legislador referiu-se à família ilegítima, foi para garantir os direitos da família legítima. Sílvio Rodrigues concebe como única referência benéfica ao concubinato à expressa no artigo 363, inciso I, do Código Civil, permitindo-se a investigação da paternidade desde que comprovada a concubinagem entre o suposto pai e a genitora [26].

Segundo um estudo intitulado "Direito de Indenização da Concubina", publicado no ano de 1953, no Arquivo Judiciário, três fatores foram decisivos no aumento das relações concubinárias no país: a Igreja que exigia o casamento religioso, sem importar-se que deveria o mesmo ser afetado civilmente para produzir seus efeitos; o formalismo e os gastos com a habilitação do casamento; e, a vedação de novo casamento aos desquitados [27].

A situação criada pela rigidez do Código Civil de 1916 foi tornando-se insustentável e plenamente desvinculada da realidade social, que já no ano de 1977 passou a admitir o divórcio como instituto que põe fim ao casamento.

Este, foi praticamente ignorado pela liderança eclesiástica católica em todo o território nacional, não aceitando-se nos meios canônicos o casamento de um divorciado. Mesmo desligada do Estado, a Igreja exerceu sua jurisdição paralela a estatal, impedindo que os divorciados se casassem em suas catedrais e capelas e formassem uma nova família. Não só a Igreja católica, mas as demais dissidentes do catolicismo seguiram esta linha de raciocínio, mais uma vez obrigando os descontentes em um primeiro relacionamento conjugal a viverem na situação de concubinos.

A JURISPRUDÊNCIA E A CARTA MAGNA DE 1988

O direito Previdenciário, sempre voltado mais à realidade social que à jurídica, havia firmado o direito de pensão previdenciária à companheira, inclusive de homem casado e não separado judicialmente. No dizer de Jeferson Daibert, a legislação previdenciária cuidou de disciplinar a situação da companheira, adequando-se assim à realidade social que requeria uma lei específica sobre a matéria. [28]

O Direito Pretoriano, por meio das súmulas: 35, 380, 382, datadas de 1963, e 447 do STF reconheceu alguns direitos à companheira; na 35 ficou reconhecido o direito da concubina a uma indenização pela morte causada por acidente de trabalho do amásio, não havendo entre eles impedimento para o casamento; na súmula 380 o Supremo garantiu a partilha dos bens adquiridos com esforço comum, desde que comprovada a sociedade de fato; a súmula 382 dispensou a exigida convivência more uxorio para a caracterização da relação concubinária; e, finalmente, através da súmula 447, ficou garantido o direito hereditário ao filho adulterino.

Segundo o entendimento de nossa máxima Corte de Justiça, para que houvesse a partilha dos bens após a dissolução da união, os companheiros precisavam comprovar a sociedade de fato, não sendo a mesma presumida. [29] A sociedade poderá ser comprovada através da união, da coabitação, da convivência, do próprio concurso na formação patrimonial, seja financeiro, seja como auxílio doméstico ou zelo pelo lar e pelos filhos comuns.

A jurisprudência foi aos poucos atribuindo a companheira direitos muito semelhantes aos da esposa, embora tenha esbarrado na mentalidade conservadora de seus julgadores, que sentenciavam muito mais em função de crenças e filosofias, do que da realidade social [30].

Alguns julgadores, por muito tempo, não hesitaram em defender a tese de que a concubina estaria, ao pleitear a divisão dos bens, pedindo ao Judiciário que lhe reconhece um como lícito algo afetado de ilicitude, qual seja, a divisão dos aqüestos [31]. O Direito Pretoriano, contudo, buscou proteger a mulher, no dizer de Segismundo Gontijo, reduzida a condição de doméstica, pela criação familiar e pelo "machismo atávico", auxiliador do companheiro na aquisição dos bens, mas não usufruidora dos mesmos em casos de separação.

A garantia de divisão do patrimônio, após o fim da sociedade, veio trazer mais segurança às relações concubinárias. Hoje, pelo disposto na súmula 380 de nossa mais alta Corte de Justiça, e pelos princípios constitucionais, o patrimônio, mesmo que registrado apenas em nome de um dos companheiros, deve ser repartido entre os conviventes chegando-se ao fim da união.

Em matéria constitucional, uma das primeiras modificações promovidas pela Carta de 1988 se deu no âmbito processual. Antes do reconhecimento da união estável como entidade familiar, todos os casos de concubinato eram solucionados pela justiça civil, diferentemente, hoje são tratados nas varas de família. Um dos primeiros Tribunais a admitir esta mudança foi o gaúcho, em sua súmula 54 que assim diz: "É da Vara de Família, onde houver, a competência para as ações oriundas de união estável." [32]

Outra grande modificação se deu em relação a nomenclatura concubinato puro e concubinato impuro, afetando o instituto e os efeitos dele gerados.

O concubinato é, no dizer De Plácido e Silva, "(...) união ilegítima do homem e da mulher. É, segundo o sentido de ‘concubinatus’, o estado de mancebia ou seja a companhia de cama sem a aprovação legal."

Por concubinato puro ou honesto, tem-se a chamada união estável perfeita e acabada, pronta a ser convertida em casamento, objetivo do constituinte expresso no artigo 226 de nossa Carta Magna. Por concubinato impuro tem-se a união entre pessoas impedidas de contraírem novo casamento, seja porque existe um vínculo anterior pendente, seja por causa de impedimentos propriamente ditos, enumerados no artigo 180 do Código Civil.

O jurista Adahyl Lourenço Dias dá outra nomenclatura ao concubinato: o autor estipula que o concubinato pode ser em sentido estrito, quando caracterizar-se numa relação duradoura; e, concubinagem, ou concubinato em sentido lato, quando tratar-se da ligação de um homem casado civilmente; sua posição é minoritária. [33] Ficamos com a nomenclatura adotada pela maioria dos doutrinadores.

O mais comum dos concubinatos impuros é o adulterino, aquele em que um ou ambos os concubinos mantém vínculos de sociedade conjugal com um terceiro. Embora seja considerado imoral, o concubinato impuro não pode deixar de gerar efeitos entre seus participantes e em relação aos filhos comuns e aos bens adquiridos conjuntamente.

Após a Constituição de 1988, havendo uma união haverão direitos e deveres recíprocos dela emanados, já entendendo a jurisprudência dominante que não constitui impedimento à estabilidade a separação fática de casamento ulterior, esposando o mesmo pensamento Álvaro Vilhaça Azevedo, Zeno Veloso, Rodrigo da Cunha Pereira e outros juristas; Débora Gozzo entende que o concubinato impuro, mesmo com o advento da Constituição de 1988, não encontra guarida em nosso Ordenamento Jurídico, contudo ressalva aquele fundado por pessoas casadas, mas separadas de fato, o que está plenamente de acordo com o pensamento jurisprudencial. [34]

A intenção do legislador constituinte foi a de regularizar as situações fáticas existentes, facilitando a conversão das mesmas em casamento e, no caso das em que existem impedimentos, não prejudicar seus participantes, entre eles, os filhos, sempre os mais afetados.

Mesmo com a insistência da doutrina e da jurisprudência em distinguir as formas de concubinato, não significa que um esteja sendo preterido. Ambos geram direitos e deveres que devem ser observados. Não é o simples fato de ser o concubinato puro ou impuro que impede que seus efeitos nasçam no mundo jurídico.

Importa-nos, diante das inovações constitucionais, distinguir o que seria, frente a nova ordem jurídica, a companheira e a mera concubina.

Para Humberto Theodoro Júnior a concubina é a amante que se presta a encontros clandestinos e ocultos, considerando a relação adulterina; já a companheira é a mulher que se une a um homem e vive com este como se fosse sua esposa [35]; este pensamento também é defendido por Mário Aguiar Moura, sendo o concubinato uma união clandestina praticada entre pessoas casadas que vivem de forma simultânea com o cônjuge e com o amásio, enquanto o companheiro se presta a uma união com a afeição própria do casamento [36].

Adahyl Lourenço Dias, por sua vez, distingue-as tomando por base a atividade que exercem: se trabalha apenas dentro de casa, administrando e gerenciando o lar, trata-se de concubina e pode pleitear indenização na dissolução do concubinato; se exerce profissão remunerada e coopera no aumento patrimonial, é companheira e tem direito a partilha dos bens com o fim da sociedade conjugal; diante do posicionamento jurisprudencial esta tese não encontra amparo. [37]

A tendência atual dos Tribunais é de se distinguir as figuras, merecendo proteção legal aquela que prova viver de forma digna e admitida socialmente, mas segundo J. franklin alves Felipe, "No fundo, todas as expressões se referem às mesmas pessoas, embora, cada qual, em decorrência de uma regra jurídica, o que pode levar, em tese, a que uma pessoa seja considerada convivente e não seja companheira, por exemplo." [38]

A ENTIDADE FAMILIAR CRIADA COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988

As famílias naturais ou de fato passaram a receber cuidados estatais com a Carta de 1988. Hoje, com a matéria disposta em sede constitucional, não se pode mais declarar que as chamadas uniões livres, ficam a margem da lei, como fizeram juristas como Pontes de Miranda ao dispor que "o concubinato não constitui, no Direito brasileiro, instituição do Direito de família. A maternidade e a paternidade ilegítimas o são. " [39]e como fez, por muito tempo, nossa jurisprudência, citando-se como exemplo um Acórdão do STF que declarava que "a ordem jurídica ignora a existência do concubinato. [40]"

Diante do tratamento constitucional, seus participantes devem-se mutuamente: respeito e fidelidade, assistência moral e material, competindo a ambos a guarda e o sustento dos filhos comuns.

Embora Yusef Said Cahali defenda o contrário, os direitos e deveres que emanam do concubinato, diremos união estável, assemelham-se aos do casamento.

A exigência de vida more uxorio considerada por doutrinadores como fundamental para expressar o desejo de constituição de uma família, foi declarada dispensável pela súmula 382 do STF, o que facilitou a caracterização da união e a divisão dos bens adquiridos conjuntamente.

Hodiernamente, os adquiridos na constância da união, são considerados de ambos, não se admitindo mais o enriquecimento de um em detrimento de outro [41]; considerados fruto do trabalho comum, devem ser partilhados após a dissolução da sociedade, salvo estipulação contrária disposta em contrato escrito, diferentemente do casamento civil onde o regime de comunhão é definido previamente, não cabendo alteração posterior no curso da união matrimonial.

Também não mais se exige a existência dos filhos para que haja união estável entre um homem e uma mulher, visto que muitos casais não possuem filhos por motivos biológicos e outros por simples opção, não existindo mais a finalidade da procriação nas uniões matrimoniais ou estáveis como existiu outrora [42].

Para alguns juristas, o legislador foi temerário ao declarar que a união estável entre um homem e uma mulher constitui entidade familiar, mas verdade é que a família, ou a entidade familiar, sempre existiu, mesmo antes da criação do casamento religioso, pelo Direito Canônico, e do casamento civil; o que o legislador fez foi reconhecer em nossa Lei Maior uma situação fática existente há muito tempo e que precisava da proteção do Estado. Em nenhum momento quis o legislador constitucional prestigiar as uniões livres, desfavorecendo o casamento civil como apregoam certos doutrinadores; pretendeu sim alcançar com a lei aquelas uniões que ficavam à sua margem, tornando-as alvo da proteção legal e também impondo sobre seus membros obrigações muito semelhantes as encontradas dentro do casamento.

O simples fato de se declarar que a lei deve facilitar a conversão da união em casamento, demonstra a preocupação em manter aquele instituto como a forma ideal de constituição de uma família (ideal, porém não a única). Para muitos, inclusive, mostrou o legislador, com o disposto no fecho do § 3º do artigo 226, que a família constituída livremente contínua estigmatizada. Não é este nosso entendimento; o legislador o fez apenas para que pudesse ser facilitada a conversão.

Não podemos aceitar a tese de certos doutrinadores que vêem no reconhecimento da união estável como Entidade Familiar um ataque frontal ao Direito de Família [43]; a realidade social mostrou-nos uma evolução histórica e jurídica do instituto do casamento e do próprio Direito de Família, cabendo apenas a Lei Maior reconhecer as situações de fato, subtraindo do instituto do casamento as características herdadas do Direito Romano e do Direito Canônico que já haviam se tornado entraves sociais.

Se o Direito positivo deve ser uma expressão da evolução histórico-social, não se concebem mais as idéias ultrapassadas sobre a constituição da família; se a finalidade do Direito é promover o bem-estar social, através da aplicação da lei, esta deve corresponder aos clamores sociais, ofertando segurança e justiça a todos; se é o Direito Positivo a expressão máxima da adaptação social, deve ele garantir o perfeito funcionamento da sociedade, conservando dos homens a dignidade e garantindo a todos a justiça.

O reconhecimento da união estável como entidade familiar veio ao encontro de todos os apelos sociais, desde a década de 70, quando o casamento deixou de ser aquela união indissolúvel através da Lei do Divórcio ( Lei no. 6.515/77 ), aos dias atuais, quando com a Carta de 1988 a simples união entre um homem e uma mulher, com a afeição própria do matrimônio, passou a ser reconhecida e protegida pelo Estado.

Não importa se individualmente pensamos que a melhor forma de se constituir uma família é através do casamento civil ou religioso, a realidade constitucional abraçou esta forma de união e erigiu-a a qualidade de entidade familiar, devendo a mesma ser respeitada, não cabendo mais as antigas denominações preconceituosas. Pensamentos como os de Washington de Barros Monteiro e Orlando Gomes, encontram-se totalmente ultrapassados; não há uma batalha travada entre a família legítima e a família ilegítima; não há nenhum descrédito em relação ao casamento; ocorre que os tempos mudaram e o ser humano também mudou, bem como as formas como ele se relaciona dentro da sociedade e como constitui seus vínculos. O primeiro casamento realizado pela Igreja deve ter sido visto como uma imposição desnecessária; o primeiro casamento civil deve ter enfrentado as críticas dos fiéis que viam no ato legal uma afronta aos preceitos bíblicos; mas a família sempre existiu e sempre existirá, independente de como se origina, seja pelo casamento oficial, seja pela simples união; ela precedeu a todas as formas de casamento, sendo um fato natural e não uma criação humana. [44]

AS LEIS ATUAIS QUE DISCIPLINAM A MATÉRIA E O PROJETO DO ESTATUTO DA UNIÃO ESTÁVEL [45]

O § 3º do artigo 226, suscitou a seguinte questão: é uma norma auto-aplicável ou exige uma lei ordinária que a discipline? A maioria dos aplicadores entendeu, para maior segurança jurídica, que a norma exigia uma lei que complementasse o disposto na Constituição, uniformizando a jurisprudência em seu favor e permitindo que os doutrinadores chegassem a um consenso, ainda hoje buscado.

Com o intuito de disciplinar a matéria foram editadas as leis no. 8.671, de 21 de dezembro de 1994, regulando o Direito dos Companheiros, e no. 9.278, de maio de 1996. Embora tenham sofrido inúmeras críticas dos aplicadores do Direito, foram úteis em um determinado momento de transição do ordenamento jurídico.

A primeira lei que disciplinou a matéria foi elaborada no ano de 1994, seis anos após a promulgação da Carta de 1988. Até esta data não havia em todo o território brasileiro uma única lei específica sobre as uniões de fato entre homens e mulheres livres.

Desenvolveu a jurisprudência um papel fundamental nesta vacância legal, demonstrando a preocupação dos julgadores mais conscientes com a nova realidade social, pois não existia nenhum direito a alimentos entre os conviventes no sistema legislativo anterior.

A Lei no 8.971/94 inovou tratando sobre os alimentos e a sucessão dentro das chamadas uniões estáveis, permitindo que os companheiros pudessem herdar entre si e pleitear em juízo os alimentos necessários à sobrevivência. ( a lei preocupou-se em distinguir os companheiros dos concubinos, sendo aqueles os livres e estes últimos os adulterinos ou impedidos de contraírem matrimônio ).

Embora tenha tratado dos alimentos e da sucessão, a Lei 8.971 deu lugar a Lei 9.278 de 1996, que alguns juristas entendem ter ab-rogado àquela, mas não nos parece o mais correto.

Na lei de 1994 somente encontravam amparo legal as uniões formadas por pessoas solteiras, viúvas, divorciadas ou separadas judicialmente - não tratando aqui das separadas apenas de fato. A nova lei foi mais benéfica, não cogitando do estado civil das pessoas, apenas exigindo a diferença de sexos.

Na Lei no. 9.278/96 o legislador definiu os direitos e deveres dos companheiros, conferiu direito a alimentos para o convivente necessitado em caso de dissolução da sociedade, atribuiu o direito de habitação no imóvel familiar e permitiu a conversão em casamento através de requerimento ao Oficial de Registro Civil. Também deslocou a competência para solucionar os litígios das Varas Cívis para as de Família.

A legislação vigente gerou muitas dúvidas e foi muito discutida nos meios forenses e até mesmo em redes televisivas, por jornalistas e entrevistadores leigos; por também conter normas consideradas inconstitucionais, e outras que por sua vez pareciam favorecer os conviventes em relação aos casados civilmente, elaborou-se um Projeto de "Estatuto da União Estável", atualmente em tramitação.

Neste projeto tornou-se mais difícil a caracterização da união estável, impondo-se critérios objetivos para a sua definição: exigiu-se um prazo de cinco anos, ou dois em casos de prole comum e a possibilidade de realizar-se o casamento civil, beneficiando assim somente as pessoas não impedidas - já nos manifestamos sobre o tema no ponto "O lapso temporal nas chamadas Uniões Estáveis".

Inovando, foram definidos os direitos e deveres dos companheiros, assemelhando-os aos do casamento, garantindo-se os alimentos ao companheiro mais necessitado, nos casos de dissolução da união, e substituindo-se o dever de fidelidade que é considerado o mais importante de todos, e também o mais desrespeitado, pelo de lealdade ( na verdade as palavras são sinônimos, mas foi a substituição um recurso do legislador, evitando assim provocar os ânimos exaltados defensores do casamento como única forma de constituição familiar, moral e legítima ). Quanto aos bens, utilizou-se o do regime de comunhão parcial, salvo estipulação das partes, como já ocorre nos casamentos civis. Estabeleceu o direito de usufruto e o de herança. E, finalmente, dispensou os proclamas e editais para a conversão da união em casamento, dependendo apenas de uma declaração dos companheiros comprovando a relação entre ambos de acordo com o prazo legal, impondo sobre os mesmos as penalidades cabíveis nos casos de falsidade ideológica [46].

DIREITO A ALIMENTOS NA RELAÇÃO CONCUBINÁRIA - A ASSISTÊNCIA MÚTUA

Sempre defendeu-se o dever de assistência mútua entre os cônjuges, conforme o disposto no artigo 231, inciso III do Código Civil. Como os concubinos não se assemelhavam aos casados legalmente, inexistia entre eles tal direito. Até a entrada em vigor de nossa Constituição de 1988, cabia à concubina apenas o direito à meação dos bens em que comprovasse sua participação; Sempre que pleiteava alimentos, os tribunais julgavam das formas mais variadas possíveis, negando-lhe tal direito por inexistência de obrigação, já que o concubinato não confere à concubina este direito existente apenas entre os casados civilmente, ou declarando a inexistência da obrigação por não haver vínculo de parentesco entre os concubinos, devendo-se os mesmos apenas aos parentes.

Com a equiparação da união estável à família, ou entidade familiar como assim dispôs o constituinte, os direitos que antes eram exclusivos dos casados passaram também a ser dos conviventes, entre eles o direito a alimentos disciplinado pela Lei no. 5.478/68 e posteriormente pela Lei no. 9.278/96. Porém, nem todos os juristas esposam esta tese.

Para Sérgio Gischkow Pereira, a Constituição de 1988 tornou possível o pleito a alimentos entre os concubinos, bem como para Washington de Barros Monteiro [47]; pensamento que acompanha a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul [48]; para Yussef Said Cahali, entretanto, não existe norma que imponha tal obrigação entre os conviventes, defendendo sua posição com os seguintes argumentos: o concubinato não cria nenhum vinculo civil e nem modifica a condição jurídica das pessoas, bem como não gera os mesmos efeitos do casamento e nem seus direitos e deveres recíprocos de fidelidade, coabitação e mútua assistência [49].

Ora, não podemos concordar com o ilustre jurista, diante do novo ordenamento jurídico que nasceu a partir da Carta de 1988, incluindo a Lei no. 9.278/96 que concede ao companheiro, no caso de dissolução da união estável o direito a alimentos, quando deles necessitar.

Primeiramente, quando afirma que o concubinato não foi igualado ao casamento, é correto, pois em nenhum momento esta foi a intenção constituinte [50], mas quando diz-nos que obrigou-se a conversão da união estável em casamento, peca pelo excesso na interpretação, da mesma forma quando coloca a união civil em posição superior ao concubinato.

A Constituição em nenhum momento obriga esta conversão, mas diz que a lei deve facilitá-la, o que é completamente diverso, e quando veda qualquer forma de discriminação deixa-nos claro que não há entre os institutos um que possa ser considerado superior ao outro.

Em segundo lugar, quando diz-nos que não há no concubinato os efeitos do casamento, resta-nos perguntar a quais efeitos se refere. A Constituição não igualou os dois institutos, mas vedou qualquer forma de discriminação decorrente da distinção, logo entendo que podem a concubina e a esposa serem colocadas em pé de igualdade com relação aos direitos e deveres decorrentes da união, pois não é o casamento que cria os vínculos, mas a afeição, e esta pode ser encontrada nas chamadas uniões livres, cabendo o respeito mútuo e a assistência entre os conviventes, da mesma forma que ocorre com os casados civilmente.

O concubinato é um fato jurídico e acima de tudo uma relação moral e social, no dizer de Claudia Grieco Tabosa Pessoa, decorrendo dele direitos e deveres próprios dos fatos jurídicos, bem como outros de cunho social, moral e recíprocos. Do concubinato resultam os direitos de assistência previdenciária, partilha de bens, sucessão, inclusive o direito a alimentos. (3)

Finalmente, quando alega que inexiste o dever de convivência entre os concubinos bem como os demais deveres recíprocos existentes entre os cônjuges, não acompanha a evolução da família constituída, inclusive, pelo casamento. (4) Defender a idéia de que entre os conviventes não há dever de fidelidade e mútua assistência, seria no mínimo voltar a discriminar o instituto considerando-o uma união imoral e à margem da lei. (5) Se a Constituição declara que a união estável é merecedora de proteção estatal e equipara a mesma a uma entidade familiar, não podemos imaginar que inexistam direitos e deveres entre os conviventes; a Carta de 1988 não se referiu à uniões sexuais furtivas, mas a relacionamentos merecedores de respeito e amparo legal que poderiam, inclusive, ser convertidos em casamento.

Com a Lei 9.278/96 permitiu-se, não somente o pleito a alimentos, como também a indenização por serviços prestados. Diz-nos Claudia Grieco Tabosa Pessoa que se não a direito a alimentos por falta dos pressupostos dispostos na Lei, faz-se jus a indenização como ressarcimento pelos serviços prestados dentro da sociedade, sendo uma alternativa que impede o enriquecimento ilícito de uma das partes. Observamos que não comporta o pedido de alimentos cumulação com o de indenização, este último é no dizer da própria autora, uma alternativa e para que seja deferido deverá apresentar como requisito a constância de auxílio prestado a outra parte no curso da união concubinária.

Mais uma vez o douto Yussef Said Cahali discorda: "(...) a concubina não poderá ser aquinhoada com maiores direitos do que aqueles reconhecidos para a esposa legítima, optamos pelo entendimento jurisprudencial mais cauteloso, que preserva a integridade da família, ao denegar a pretensão indenizatória da concubina pela simples prestação de serviços domésticos, no pressuposto de que a retribuição já teria ocorrido contemporaneamente ao concubinato (...)" [51]Por bem, este não é o entendimento majoritário.

A ADMINISTRAÇÃO E A PARTILHA DOS BENS NA UNIÃO ESTÁVEL E A SUCESSÃO HEREDITÁRIA

A Doutora e Mestre em Direito, Débora Gozzo, trata desta matéria no texto " O Patrimônio na União Estável – análise do art. 5º da Lei 9.278/96" (6) que será aqui estudado à luz da Constituição Federal de 1988.

Antes da Constituição de 1988 as uniões livres eram consideradas concubinato e tratadas pela lei civil como uniões fáticas, não existindo nenhuma relação com o Direito de Família e nem merecendo a proteção do Estado. Os bens adquiridos conjuntamente pelos concubinos, somente eram repartidos em conformidade com a súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, comprovado o esforço comum dos conviventes na aquisição, o que por sua vez configura uma sociedade de fato. Não sendo comprovado esta colaboração mútua ou não existindo bens a partilhar, poderia o prejudicado alegar serviços prestados dentro da união, requerendo na Justiça uma indenização a ser paga pelo companheiro beneficiado. O zelo empenhado no lar, os encargos domésticos, o cuidado com os filhos, tudo isto era utilizado como prova para garantir a indenização.

Como a súmula 380 do STF não previa percentuais dentro da partilha, esta realizava-se de acordo com a contribuição de cada convivente, o que na maioria das vezes prejudicava a mulher que não exercia uma profissão remunerada. Mesmo reconhecemos que o julgado foi um avanço que permitiu que muitas mulheres obtivessem parte do patrimônio, quase sempre registrado apenas em nome do companheiro, embora tenha sido construído por ambos durante o concubinato, após o fim da união.

Até a edição da Lei 9.278/96, o jurista utilizava-se de um instituto do Direito Comercial, fulcrando-se no somatório de esforços para garantir a divisão patrimonial; após a lei, o direito à partilha dos bens passou a condicionar-se, não mais a colaboração e a comprovação da sociedade de fato, mas ao início da vida em comum, sendo cabível a repartição de praticamente todos os bens obtidos após a união. Alguns alegam que trata-se de um regime de bens criado pela Lei, outros porém defendem que o legislador apenas estabeleceu a presunção de condomínio entre os conviventes, motivo pelo qual os bens devem ser repartidos meio a meio [52]. Acompanhamos este raciocínio, estabelecendo a lei uma presunção iuris tantum de condomínio sobre os bens da adquiridos na união.

A lei estabelece que os bens adquiridos de forma onerosa, após a convivência, seriam passíveis de partilha, porém, aqueles obtidos por meio gracioso, ou seja, através de doações, herança e legado, não ficariam sujeitos à divisão. Em relação aos bens adquiridos de forma onerosa pelo casal, permitiu a lei uma estipulação de incomunicabilidade em contrato escrito, não definindo se o mesmo deveria ser público ou se caberia a forma particular. Nesta estipulação os conviventes tem ampla liberdade para dispor sobre os bens a serem adquiridos na constância da união e em caso de dissolução, a cota respectiva que caberá a cada um. Outro ponto que deve ser observado diz respeito a época da estipulação contratual, que na lei ficou em aberto, podendo tanto ser estabelecido com o início da união, como com a aquisição do bem, não cabendo apenas no caso de dissolução onde os mesmos já seriam repartidos de forma igualitária, baseando-se no condomínio existente entre os conviventes.

Muitos defendem uma divisão do patrimônio em conformidade com a participação de cada convivente, isto é, não seriam os bens divididos meio a meio, mas conforme a cota de contribuição de cada um. Não deixa de ser justa esta averiguação, mas precisamos observar que, ainda hoje, muitas mulheres não trabalham porque são proibidas por seus maridos, da mesma forma, muitas companheiras apenas exercem as tarefas domésticas, enquanto o homem exerce a atividade profissional lucrativa e de sustento; dividir um patrimônio levando em conta a renda auferida por cada participante da sociedade de fato e a cota empenhada, seria mais uma vez colocar a mulher em situação inferior ao homem, desmerecendo seu trabalho doméstico.

Estabeleceu a lei o regime de comunhão parcial de bens entre os conviventes. Quanto a administração, estipulou com base no princípio de isonomia constitucional a forma conjunta, onde ambos exercem os mesmos direitos e deveres, salvo estipulação contrária.

Quanto ao patronímico, integrante do patrimônio e da personalidade civil, existe uma corrente que defende a possibilidade da concubina utilizar-se dos apelidos do companheiro, com a permissão deste, não havendo em lei qualquer vedação contrária e já sendo muito comum entre casais que vivem como se casados civilmente fossem. Observa-se que, enquanto é um direito da esposa legítima ( ainda muitos autores se expressam desta forma ), é apenas uma faculdade concedida a concubina pelo companheiro.

A lei de Registros Públicos ( Lei no. 6.015/73 ), em seu artigo 57 assegura a companheira a utilização dos nomes do companheiro quando não há qualquer obstáculo legal a união de ambos e vivam estes há mais de cinco anos ou tenham filhos comuns, e ainda hoje, diante da proibição constitucional de discriminação entre os filhos filhos, diríamos que a regra vale para os casais que adotam em comum acordo.

A sucessão hereditária será admitida obedecendo certos requisitos legais dispostos na Lei no. 8.971 de 1994. Morrendo um companheiro e deixando descendentes, caberá o usufruto de um quarto de todo o patrimônio do pré-morto; deixando apenas ascendentes, terá o sobrevivente direito a usufruto sobre a metade dos bens deixados. Nas duas hipóteses exigir-se-á que o sobrevivo não constitua nova união ou casamento, cessando com estes o usufruto. Por fim, terá direito a totalidade dos bens deixados se não houver herdeiros necessários do falecido, ainda que existam os colaterais.

Para usufruir dos bens deixados pelo companheiro ou pela companheira, deverá a abertura da sucessão ter ocorrido após a vigência da lei 8.971/94.

O regime de bens criado para disciplinar a relação concubinária tem sido fortemente atacado por muitos juristas que o consideram um privilégio garantido a concubina e negado à esposa. Enquanto a esposa não pode usufruir dos bens deixados pelo marido, caso existam filhos comuns ou não, no regime da comunhão universal, este direito é garantido a concubina por não haver sido estipulado entre ela e o companheiro um regime, seja parcial, seja universal, seja de separação.

Para Wilson Jerônymo Comel [53], o usufruto assegura a mulher casada, a fruição dos bens com os quais não concorreu com seu esforço, somente nas hipóteses de regime de comunhão parcial ou de separação de bens, exigindo-se que se mantenha viúva. Contudo, para a concubina a lei não faz tal restrições, o que é, na visão deste jurista, flagrante inconstitucional em que se privilegia a amante em detrimento da legítima, dando àquela maior proteção patrimonial.

Verdade é que o legislador por muito tempo ignorou a companheira e tentando redimir-se beneficiou-a com uma lei que a coloca em uma situação de vantagem frente as inúmeras mulheres que se casam civilmente e estipulam um regime de bens dentro da sociedade conjugal.

O direito a herança está previsto no artigo 1.603, inciso III, do Código Civil, devendo incluir juntamente com o cônjuge, o companheiro sobrevivente.

AS RESTRIÇÕES DE DIREITO A CONCUBINA NO CÓDIGO CIVIL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Nosso Código [54] cuidou de estabelecer restrições à concubina, vedando a constituição da mesma como beneficiária de seguro de vida, o recebimento de doações e a herança em testamento de testador casado.

Quanto a doação, sendo feita por homem casado, permite a lei civil a anulação pleiteada pela esposa dentro do prazo aceitável, sujeito a decadência, tanto dos bens imóveis e móveis, como de pecúnia; porém, não poderá pedir a reversão ao seu patrimônio dos bens adquiridos pela concubina com o dinheiro doado pelo amásio, já existindo julgado do Supremo tribunal Federal a respeito [55].

Sendo o doador casado mas separado de fato, o julgador deverá observar a proteção constitucional das uniões estáveis, levando em consideração a facilidade de converter-se a simples união em casamento.

Quanto as disposições testamentárias, prevê a lei a impossibilidade de ser a concubina herdeira de homem casado, salvo comprovação de separação de jure ou fática [56].

Para finalizar, a norma que impede o benefício de seguro a concubina também deverá levar em conta a situação do companheiro; sendo casado, mas separado da esposa a mais de dois anos, prazo que a atual constituição exige para o divórcio direto, não existe obste a nomeação. [57]

Com relação ao seguro obrigatório, a lei prevê que para efeito de recebimento do seguro, a companheira se equipara à esposa, nos casos admitidos pela legislação previdenciária.

Muito embora tenhamos nos referido sempre à companheira, ressaltamos que, diante da isonomia constitucional do homem e da mulher dentro das relações conjugais e, sendo a união estável equiparada a entidade familiar para fins de proteção estatal, todos os direitos deferidos à mulher, também o são ao homem.

I.IV.A FAMÍLIA NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Graças a Carta de 1988, o Projeto do novo Código Civil já se encontra alterado nos dispositivos relativos ao Direito de Família, tentando assim seguir a linha inovadora da nossa atual Constituição Federal, que ao considerar a família como a base da sociedade, ignorando o casamento como seu fundador legítimo, permitiu que as uniões livres alcançassem a proteção estatal.

O Projeto do novo Código Civil não poderia negar esta nova realidade social, cometendo os mesmos deslizes do Código de 1916, motivo pelo qual tratou da matéria no seu Livro IV, da Parte Especial, já com as mudanças constitucionais previstas, mas ainda longe de adequar-se completamente a realidade da nova ordem social e constitucional.

No novo Código Civil o Direito de Família afastar-se-á do conhecido de até então: será prevista de forma explícita a igualdade conjugal, apregoada no § 5º do artigo 226 de nossa Constituição; o casamento religioso terá seu regime e seus efeitos definidos de forma expressa; o divórcio será mantido como forma de dissolução da sociedade conjugal, após separação judicial prévia ou separação fática comprovada; o planejamento familiar será exclusivo do casal, não podendo sofrer qualquer coação externa; a filiação não será mais caracterizada pelos adjetivos: legítima, ilegítima e natural; e, a adoção será assistida pelo Poder Público, inclusive quando relativa a estrangeiros adotantes. Com relação à União Estável, deixou que a jurisprudência e a doutrina delimitassem seus efeitos, considerando que um neologismo constitucional precisa ser posto à prova na sociedade até a sua completa estruturação [7].

Podemos citar como uma das principais mudanças ocorridas na esfera familiar, a que elimina a chefia conjugal masculina. No Projeto do novo Código Civil, a situação da mulher não será mais de colaboradora ou companheira, passando a tomar decisões dentro da sociedade conjugal, dirigindo-a juntamente como o marido; prevalecem, ainda de forma patriarcal e a nosso ver errônea, as decisões do marido em caso de conflito com as decisões da mulher, podendo esta recorrer ao judiciário ( direito garantido a todos com a Carta de 1988 e que poderia ser exercido mesmo sem a permissão expressa no Texto Civil ); o domicílio conjugal passará a ser escolhido por ambos, marido e mulher, permitindo-se que a mulher recorra à Justiça nos casos em que o marido impõe a sua vontade; a mulher e o homem poderão se ausentar da casa em que vivem para exercerem suas profissões, encargos públicos ou interesses particulares, sem que isto constitua abandono do lar; o pátrio poder será substituído pelo poder familiar, sendo exercido por ambos os pais – a nova nomenclatura é uma sugestão do ilustre jurista Miguel Reale; e, a mulher será a administradora dos bens próprios.

Peca o novo Código porém com relação ao concubinato, tentando conceitua-lo por meio de uma emenda como "As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar (...)" E ainda é inconstitucional em seu artigo 1.632, que dispõe, in verbis:

"Não se permite a investigação de maternidade quando tenha por fim atribuir à mulher casada filho havido fora da sociedade conjugal."

Não podemos mais aceitar as previsões arcaicas que protegem uma situação social e não um indivíduo, como é o caso deste artigo, absurdo ao nosso ver e contrário a toda a jurisprudência dominante. Acreditamos que todos os filhos possuem o direito de pleitear o reconhecimento da paternidade e da maternidade, não sendo condizente com a nova realidade constitucional esta vedação. Admiti-la somente após a dissolução da sociedade conjugal é novamente colocar o casamento como o centro erradiador do Direito de Família, o que foi abolido pela Carta de 1988.

Aprovando-se o novo Código, teremos um Direito de Família sem as desigualdades latentes e absurdas entre os cônjuges e entre os filhos e sem a exigência de um ato formal ou religioso para a constituição da família protegida em lei, seguindo assim a linha de pensamento de nossa Carta Magna de 1988, mas no que for possível, devem ser revisados os seus artigos e aproximados da realidade criada com a Constituição e ao longo do tempo com a jurisprudência, evitando retrocessos no processo de maturação do Direito de Família.

I. V.AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

Outro tema que com certeza causou estranheza na sociedade foi a relativo às uniões homossexuais. O constituinte preferiu não tratar da matéria de forma direta, evitando assim um confronto com os mais conservadores, mas permitiu com o previsto no § 4º do artigo 226 de nossa Constituição Federal, que pudesse ser considerada entidade familiar, a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.

No artigo 226 o constituinte apresentou dois requisitos para a caracterização da entidade familiar: no § 3º, a união estável entre homem e mulher, o que descarta a união homossexual; e, no § 4º, a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, abrangendo assim os divorciados, viúvos ou solteiros, sem excluir os homossexuais que podem adotar.

Em muitos países da Europa os homossexuais já possuem vários direitos garantidos em leis, diferentemente do Brasil, onde ainda são esparsos os julgados que beneficiam os que assim constituem uma sociedade.

Recentemente a Holanda legalizou o casamento homossexual, o que não causa mais espanto na comunidade global, sendo este país acostumado à publicar leis liberais que chocam a opinião pública. No Brasil, ainda não há que se falar em casamento homossexual, visto que o instituto do casamento somente pode ocorrer com a união de um homem e de uma mulher, mas o estado do Rio Grande do Sul pode ser considerado de vanguarda em matéria de direitos garantidos aos homossexuais, graças ao grande número de julgadores jovens e com uma visão mais crítica da realidade social, que vêem na união homossexual a mesma relação fática do concubinato, não podendo ser mantido à margem legal.

Várias decisões da Justiça Gaúcha são pioneiras e conferem aos homossexuais direitos como: inclusão do parceiro como dependente em plano de saúde ( caso de 1996 em que a Fundação da Caixa Econômica Federal foi condenada a admitir o companheiro de um funcionário como dependente do plano de saúde oferecido pela empresa ); direito à herança e divisão de patrimônio em caso de separação ( julgado de 1999 ); e, pensão aos viúvos (decisão de 2000 ); sem contar com a inovação de se retirar da competência das Varas Cívis os casos relacionados às uniões entre homossexuais, conferindo-os às Varas de Família [58]. Tanta inovação encontra amparo constitucional na igualdade prevista no artigo 5º de nossa Lei Maior.

Hoje, com o previsto na Carta de 1988, pode um pai ou uma mãe, juntamente com seus descendentes - e não há mais a diferenciação de outrora dos legítimos, ilegítimos e adotivos - constituir a chamada entidade familiar. Como não há nenhuma vedação a que um homossexual adote, pode o mesmo dar origem a uma entidade familiar através da adoção.A entidade familiar é a família descrita nos nossos códigos, com a única diferença de não estar atrelada ao casamento civil. Hoje, a união estável constituiu uma entidade familiar, bem como a comunidade formada por um dos pais e seu(s) descendente(s), podendo então a união de dois homossexuais ser considerada uma entidade familiar a partir do momento em que um deles torna-se um adotante.

Em nenhum momento reconhecemos uma união estável entre dois homossexuais, não por motivos religiosos, morais ou éticos, mas porque a própria lei prescreve que para a configuração de uma união estável é preciso a convivência de um homem e de uma mulher, o que não ocorre com casais homossexuais; mas entendemos que nesta união homossexual a entidade familiar possa ser criada a partir do instituto da adoção.

I. VI.O PLANEJAMENTO FAMILIAR

Inovando, a Constituição Federal de 1988 cuidou do Planejamento Familiar no § 7º, de seu artigo226, in verbis:

" Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas."

A Política de Planejamento Familiar baseia-se num controle de fecundidade que respeita a vontade dos pais, mas que os orienta na chamada paternidade responsável.

Diante da isonomia constitucional e dos avanços científicos com relação a inseminação artificial e fecundação in vitro, falemos também em maternidade responsável, já que muitas mulheres tem optado pela gravidez fora do casamento ou de qualquer relação estável, assumindo sozinhas a tarefa de educar e sustentar os filhos considerados de "produção independente".

O Brasil sempre sofreu com a má distribuição de renda. As riquezas sempre se concentraram nas mãos de poucos e as camadas mais baixas de nossa sociedade viveram ( e ainda vivem ) em situações precárias de saúde e educação, imprescindíveis para a formação de um bom cidadão.

Preocupado com a situação alarmante, principalmente nos centros mais atrasados e mais afetados pela miséria social, o legislador constituinte tomou por bem disciplinar o Planejamento Familiar, declarando que cabe ao Estado oferecer a educação necessária aos seus cidadãos para que decidam de forma consciente o número de filhos e as formas de criação dos mesmos.

As primeiras famílias brasileiras, herdaram do Direito Romano a idéia de que um grande número de descendentes ou de agregados era necessário para a proteção e para a própria perpetuação do grupo, e, do Direito Canônico, a máxima: "crescei e multiplicai-vos".

A Igreja sempre mostrou-se contrária a todas as formas de controle de natalidade, defendendo a idéia de que as uniões matrimoniais deveriam ser para disciplinar as relações sexuais entre um homem e uma mulher e tinham como única finalidade a geração de filhos. Muito intransigente, a Igreja Católica, ainda hoje, considera o uso de anticoncepcionais um pecado.

Clóvis Beviláqua, mostra-nos a visão do legislador civil do início do século passado, quando em sua obra declara-nos que o casamento é a "regulamentação social do instinto de reprodução" [59]; este pensamento ainda hoje encontra juristas prontos a defendê-lo, muito embora esteja ultrapassado e aliado a uma idéia de união entre um homem e uma mulher que não mais condiz com a realidade social existente.

No início do século XIX as famílias brasileiras eram muito numerosas. Até meados do século XX foi mantida aquela idéia da grande família, mas com o passar dos tempos, com a lenta e sofrida batalha pela independência feminina, o núcleo familiar foi sendo reduzido. A mulher descobriu o sexo como fonte de prazer e não somente como meio de procriação; surgiram os primeiros métodos anticoncepcionais ( registros históricos nos mostram evidências de métodos contraceptivos no Egito a.C. ); o mercado de trabalho, muito embora competitivo, se abriu para o trabalho da mulher que acabou colocando a maternidade em um segundo plano de sua vida. Hoje, muitas famílias são compostas apenas pelo casal e por um ou dois filhos e outras até mesmo sem a presença dos mesmos.

Com a Carta de 1988, o Estado avocou para si a responsabilidade de instrução da população, evitando-se assim um aumento desordenado e, de forma indireta, o aumento da própria miséria. Infelizmente podemos notar que nas regiões mais atrasadas economicamente o grupo familiar ainda se assemelha ao do inicio do século.

A arma que deverá ser utilizada pelo Governo é a da educação. Um povo bem informado, com altos índices de escolaridade, com acesso a serviços médicos-hospitalares de qualidade, com acesso aos meios de comunicação, com certeza é mais consciente em seus atos.

Em um ensaio no ano de 1798, T. R. Malthus alertava o mundo sobre a importância de um controle populacional como principal arma contra o aumento da miséria e a diminuição dos recursos naturais e meios de subsistência. Na visão deste crítico, as famílias mais pobres deveriam limitar o número de filhos através da continência; idéia defendida em uma época em que os meios contraceptivos não existiam. Com o passar dos tempos e com o surgimento dos anticoncepcionais, preconizou-se o empregos dos mesmos para controlar o crescimento demográfico e os países chamados do Primeiro Mundo, distanciaram-se cada vez mais dos países mais pobres, graças a consciência sobre os riscos de um desordenado aumento populacional [60].

Atualmente, a Política de Natalidade deve preocupar-se não somente com os índices de natalidade e de mortalidade, como com o número de jovens e de idosos dentro de um grupo populacional, visto que ambos não fazem parte da força produtiva; com o saneamento básico; com o crescimento da população urbana; entre outros problemas sociais, que devem ser alvo de um plano estatal que permita um crescimento igualitário, tanto na área urbana, como na área rural.

No Brasil, os centros urbanos são inchados, podemos assim dizer, nas áreas mais pobres; nas áreas nobres as famílias são menores e com muito mais vantagens que as famílias das periferias. Ainda hoje, início do século XXI, a mulher pobre e ignorante tem mais filhos que a instruída. A pobreza e a desinformação são as grandes vilãs responsáveis por este aumento nas áreas miseráveis do país, gerando a pobreza e a violência.

Não acreditamos ( e nem defendemos ) que seja necessário uma medida radical como a tomada pelo Governo Chinês, onde um casal pode ter apenas um filho, de preferência homem, o que gerou inúmeros problemas, inclusive com relação ao envelhecimento da população e ao número decrescente de mão-de-obra, mas defendemos o disposto na norma constitucional: o Estado deve educar seus cidadãos, para que estes escolham deliberadamente sobre o número de filhos que irão ter.

Nossa Constituição preconiza a educação e a liberdade dos pais no planejamento familiar, sem qualquer interferência estatal, podendo e devendo os pais gerarem e criarem o número de filhos que desejarem, mas o Estado os chama a consciência de planejarem a constituição familiar.

Somente educando a população mais carente, poderá o Estado evitar o aumento demográfico nas periferias, a escassez de recursos e meios de subsistência e de produção e o próprio caos social; somente ofertando à esta população carente os recursos necessários para a contracepção se evitará o nascimento desordenado e prejudicial à própria estrutura do país. Um país somente é bem organizado e estruturado se a sua base também o é; como já defendiam os romanos, a família deve ser forte para que o Estado também seja forte.

No Brasil a matéria é disciplinada pela Lei no. 9.263, de 12 de janeiro de 1996.

I. VII.A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

Os primeiros povos acreditavam que o vínculo matrimonial poderia ser rompido apenas em casos extremos. No Código de Hamurabi era permitido o divórcio tanto a pedido do marido, como da mulher; já em Israel, Teocracia em que os homens eram a expressão do próprio Deus, admitia-se que o marido repudiasse sua esposa, unilateralmente, sendo a mesma punida com o apedrejamento até a morte se pega em flagrante adultério. Na Grécia, admitia-se o repúdio em casos de esterilidade feminina, e como não havia um método científico capaz de comprovar se a mulher era realmente estéril, ou seu companheiro, restava àquela a estigma de infértil. No Império Romano, mesmo sendo considerado por Modestino, uma união sacramental e indissolúvel, de direito divino e humano, entre um homem e uma mulher, o que ficou conhecido na sua célebre frase: "Nuptiae sunt conjunctio maris et feminae et consortium omnes vitae; divini et humani juris comunicatio", o divórcio encontrava espaço com o desaparecimento da afeição marital.

No Brasil, até a Constituição de 1946, o casamento era considerado indissolúvel, graças as influências canônicas - "quos Deus coniunxit, homo non separet".

Enquanto para os romanos, o casamento era uma situação fática representada pela afeição conjugal; para os canonistas era uma representação volitiva das partes, que assumia feições contratuais, e ao mesmo tempo representava o ato divino do sacramento matrimonial.

Segundo a Igreja católica, Cristo teria proibido o divórcio que Moisés havia permitido para o povo de Israel como solução aos casos de adultério. A Igreja nunca admitiu que existisse entre os fiéis a dissolução do vínculo matrimonia, alegando proteger assim o lar, a família e a prole. E, muito embora não mais compartilhasse do Poder do Estado, a Igreja conseguiu influenciar o legislador mantendo o casamento como uma instituição indissolúvel até meados dos anos 70.

Tentando evitar uma convivência eterna ao lado de alguém com quem não se tivesse mais afinidades, permitia o remédio do desquite, uma forma de separação em que o dever de coabitação era suspenso, impedindo-se contudo a contratação de novas núpcias. A separação conjugal, também assim conhecido, somente acarretava a ruptura da vida em comum, permanecendo todos os demais vínculos – separat quoad thorum et mensa. (8) Muitos viram nesta interferência eclesiástica, um desrespeito ao Princípio da Democracia; em um país onde o número de dissidentes do catolicismo é razoável não há que se admitir que a Igreja Católica determine normas legais válidas a todos, sendo, inclusive defendido por alguns juristas da época, o divórcio para os não-católicos. [61]

Com o início da década de 60, a filosofia naturalista e liberal do movimento hippie passou a atacar diretamente as instituições como o casamento, por meio de idéias de sexo livre e de independência e igualdade da mulher. Inexistindo o divórcio, os homens e mulheres insatisfeitos com suas relações e atordoados pela mentalidade da chamada Nova Era, uniam-se de forma livre, sem as bênçãos da Igreja, que não aceitava, e ainda não aceita em certas denominações, um novo casamento, e sem o contrato civil, visto que o vínculo anterior permanecia praticamente intacto.

No ano de 1977, muito tardiamente se comparado a outros países, o Brasil avançou com a Emenda Constitucional no. 9, de 28 de junho, instituindo o divórcio, que foi logo após regulamentado pela Lei no. 6.515, de 26 de dezembro do mesmo ano, modificando todo o sistema do Código Civil der 1916 que fundamentava-se na indissolubilidade do matrimônio.

A Lei do Divórcio, como ficou conhecida, foi inspirada no Direito Francês, punindo o cônjuge que não cumprisse com os deveres matrimonias, diferentemente das leis de países como Inglaterra, Holanda, Alemanha e Itália, que o permitiram pela simples comprovação da falência do casamento [62]. Sempre que falamos em divórcio no Brasil, pensamos imediatamente em responsabilizar um dos cônjuges, esquecendo-nos de que o casamento é a união de duas pessoas diferentes, que, embora digam-nos as Sagradas Escrituras, não deixam de ser distintos para formarem uma só carne, uma só pessoa. Acreditamos que sempre existe um culpado pelo desenlace conjugal, como se fosse impossível a falência da união e o fim do amor.

De imediato a Lei do Divórcio enfrentou severas criticas da sociedade conservadora, que considerava o instituto um golpe na já atacada família; mas aos poucos foi encontrando adeptos e defensores em todos os níveis sociais: juristas, sociólogos, humanistas, filósofos e até mesmo um número de religiosos iconoclastas.

O Código Civil de 1916 teve os artigos 315 a 328 revogados pela Lei 6.515 de 1977. Cuidando a lei de disciplinar a dissolução da sociedade conjugal, dispondo que se daria: pela morte de um dos cônjuges; pela nulidade ou anulação do casamento; pela separação judicial; e, pelo divórcio indireto, após conversão da separação judicial, e, direto, em casos excepcionais.Em um primeiro momento, era admitido apenas após três anos de desquite amigável (a expressão foi posteriormente substituída por separação judicial) ou litigioso.

Passados onze anos da Lei 6.515, o legislador constituinte se viu na necessidade de adotar uma postura mais flexível em relação ao divórcio, sendo o Direito um fenômeno social sempre em mutação, cabia a Lei Maior abordar a matéria. Com a Constituição Federal de 1988 o divórcio passou a ser admitido em um prazo de tempo de separação fática menor. Declara-nos a Constituição Federal de 1988 no parágrafo 6º do artigo 226, in verbis:

"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos."

Pela Lei do Divórcio previa-se a separação-sanção e a separação-remédio. A separação-sanção consistia na medida judicial fundamentada na conduta desonrosa ou na violação de um dos deveres do casamento, a saber: a fidelidade recíproca, a vida em comum no domicílio conjugal, a assistência mútua e o sustento e a guarda dos filhos. Por sua vez, a separação-remédio dava-se nos casos de doença mental grave que comprometesse a convivência conjugal, manifestada após o casamento civil, bem como nos casos de ruptura da vida comum por prazo superior há um ano.

Outra mudança provocada com a Lei 6.515/77, deu-se em relação ao regime de bens, que passou a ser de comunhão parcial, salvo estipulação contrária em contrato antenupcial.

A Constituição em vigor manteve o divórcio como forma de dissolução da sociedade conjugal, mas passou a admiti-lo de forma direta, bastando dois anos de separação comprovada ou um ano da separação judicial, sem necessidade de comprovação da causa motivadora da separação, facilitando assim a dissolução da sociedade conjugal, o que por sua vez também facilitou a convolação de novas núpcias, não ficando a união sujeita ao rótulo de concubinato impuro por haver um de seus componentes envolvido em um outro vínculo conjugal já suspenso pela separação fática.

Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – o número de separações cresceu desde a instituição do Divórcio; para alguns, é culpa do Estado que permitiu a dissolução da sociedade conjugal, outros mais liberais e reais crêem que este fato apenas revela uma mudança no próprio pensamento humano, que deixa de associar a preservação do casamento à felicidade, reconhecendo que as uniões chegam ao fim e que não é uma lei, ou um registro civil que vai dizer-nos o contrário.

Hoje, o casamento nasce não mais com as juras de "até que a morte os separe" o que não implica em um menor comprometimento dos noivos, mas também não mais os obriga a darem prosseguimento a uma união fracassada. As famílias modernas baseiam-se no amor, e quando este chega ao fim, as uniões se desfazem, garantindo cada um a sua dignidade e prosseguindo em busca da felicidade com outros parceiros, não mais exigindo-se que mantenham-se unidos por motivos econômicos ou religiosos.

Sobre a autora
Simone Clós Cesar Ribeiro

acadêmica de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Simone Clós Cesar. As inovações constitucionais no Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3192. Acesso em: 22 dez. 2024.

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