Anexo 1
Apesar de inicialmente tenhamos concordado com a sentença ora em anexo, acabamos por nos convencer que em situações nas quais o ato administrativo é discricionário e ampliativo de direito, se não gera conflito de interesses, não haveria necessidade de motivação.
Por tal motivo, exposado no rodapé n.º 108, não podemos concordar com a sentença ora colacionada, pois, tratando-se de gratificação a um dado servidor público, considerado pelo agende que o avaliou, individualmente, não seria imprescindível a motivação. Não há qualquer ato restritivo de direito na situação em concreto. Não há, então, porquê se defender.
Vejamos o inteiro teor da sentença monocrática:
3ª VARA FEDERAL DE CURITIBA/PR.
Mandado de Segurança n.º 2000.70.00.031430-6.
Impetrante: NORBERTO ANTUNES SAMPAIO.
Impetrado: SUPERINTENDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DA 9ª REGIÃO FISCAL EM CURITIBA/PR.
S E N T E N Ç A
1. RELATÓRIO:
NORBERTO ANTUNES SAMPAIO, já qualificado na exordial (fls. 03/23) ajuizou Mandado de Segurança contra do SUPERINTENDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DA 9ª REGIÃO FISCAL EM CURITIBA/PR, pedindo que se reconheça a ilegalidade do ato administrativo consubstanciado na FADI (Ficha de Avaliação de Desempenho Individual) do Impetrante, declarando sua nulidade e fixando a GDAT (Gratificação de Desempenho da Atividade Tributária) no teto máximo de 30% (trinta por cento), referente à parcela individual no trimestre de abril, maio e junho de 2.000.
Suscita o Impetrante que a carreira de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional reestruturou-se, substituindo a RAV (Retribuição Adicional Variável) pela GDAT (atribuída de acordo com o efetivo desempenho e das metas de arrecadação fixadas pela Administração). Alega que a Medida Provisória n.º 1.915/99 fixou, enquanto não fosse regulamentada a GDAT, em 30% o percentual máximo dessa gratificação. O valor do quantum aferido a tal título estaria condicionado à avaliação de desempenho aferida trimestralmente.
Argúi ainda em sua peça pórtico que submetido à sua primeira avaliação, correspondente ao segundo trimestre de 2.000, teria sido injustiçado e perseguido politicamente, tendo em vista atividade sindical a qual já esteve vinculado. Assim, obteve resultado que entendeu insatisfatório quanto à sua avaliação, resultando na redução do percentual relativo à GDAT.
Ingressou na via administrativa através de pedido de reconsideração à Chefia do Setor, porém, não obteve êxito e, tendo recorrido, o Superintendente Regional da Receita Federal ratificou parecer anteriormente proferido (fls. 26/48).
A liminar foi indeferida às fls. 51/52.
A autoridade impetrada prestou informações (fls. 54/58) argüindo, preliminarmente, a falta de comprovação documental do impetrante a fim de que se provasse que a avaliação não refletiu seu efetivo desempenho, aduzindo que não é qualquer pontuação abaixo da máxima que deve ser justificada porquanto o administrador não teria tempo para outra tarefa.
Afirma que a motivação do ato de avaliação é padronizada pela própria norma que instituiu a GDAT tendo em vista a necessidade de uniformização; que a motivação e o motivo do ato administrativo de avaliação estão contidos de plano nas próprias normas que instituem a Portaria do SRF n.º 625/2000 vigente na época dos fatos; que a avaliação do desempenho funcional que ora se impugna é ato discricionário, e a presente lide não apresenta qualquer extravasamento da autoridade hierarquicamente superior que avaliou o servidor, ou por parte da autoridade que julgou o recurso administrativo, ensejando a impossibilidade da manifestação do Poder Judiciário.
Às fls. 72/75 o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da segurança.
É o relatório. Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
PRELIMINARMENTE.
Primeiramente, é importante relatar que o direito líquido e certo auferido como condição da ação para o exercício da via mandamental é aquele que recai sobre fatos incontestáveis. Conforme a lição de Costa Manso, "desde que sejam incontestáveis os fatos, resolverá o juiz a questão de direito, por mais intrincada que se apresente. E, se concluir que a regra jurídica, incidindo sobre aqueles fatos, configura um direito da parte, haverá direito líquido e certo".
Alega preliminarmente o impetrado que há ausência de prova documental no sentido de que a avaliação não refletiu seu desempenho funcional.
Considera-se líquido e certo o direito, independentemente de sua complexidade, quando os fatos a que deva aplicá-lo sejam demonstráveis de plano; é dizer, quando independam de instrução probatória, sendo comprováveis por documentação acostada quando da impetração da segurança ou, então, requisitada pelo juiz a instâncias do impetrante, se o documento necessário estiver em poder de autoridade que recuse fornecê-lo (art. 5º, parágrafo único, da Lei 1.533). Posto que esta medida judicial destina-se a proteger o direito violado ou que esteja sob iminente ameaça de violação, o juiz, em sendo requerido pela parte, deverá liminarmente, inaudita altera parte, suspender o ato impugnado, caso sejam relevantes os fundamentos do pedido e haja risco de que, não sendo adotada tal providência, resulte ineficaz a decisão final, se vier a ser concessiva da segurança (art. 7º, II, da lei citada). 135 (grifo nosso)
Assim, resta incabível a preliminar ora suscitada, pois os fatos foram demonstrados de plano pelo impetrante quando da impetração do writ (fls. 26/48), destacando-se sua Ficha de Avaliação de Desempenho Individual (ato administrativo) e o processo administrativo interposto.
Apenas adentrando no exame do mérito do presente Mandado de Segurança restará comprovada ou não a existência do direito para a concessão da segurança.
DO CONTROLE JUDICIAL.
É entendimento majoritário que o Poder Judiciário não pode analisar o mérito (conveniência e oportunidade) do ato administrativo, revogando-o, cabendo este apenas à própria Administração.
Excetua-se a assertiva nos casos de desvio ou abuso de poder, ou quando a Administração Pública utiliza motivos inverídicos para praticar o ato (Teoria dos Motivos Determinantes). Porém, caberá então ao Poder Judiciário tão só anular o ato administrativo fulminado de ilegalidade. 136
Igualmente a falta de motivação gera nulidade do ato a qual pode ser declarada pelo Poder Judiciário, pois, o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício.
O pedido do impetrante de que seja fixado por este juízo a GDAT no seu teto máximo de 30% (trinta por cento) relativo ao trimestre de abril, maio e junho de 2.000 resta improcedente, pois, tratando-se de ato discricionário, "o controle judicial é possível mas terá que respeitar a discricionariedade nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei." 137
Desse modo, o Poder Judiciário quando provocado deverá dizer se a Administração Pública agiu de acordo com a lei e sua competência, ainda que tal ato emanado tenha sido realizado calcado na faculdade discricionária por parte do agente emanador do ato administrativo. Isso se deve em razão de mera possibilidade de lesão ao patrimônio individual ou até mesmo público.
DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO — Art. 93, X da Constituição Federal.
Sustenta a autoridade impetrada à fl. 56. do presente mandamus que "Portanto, a motivação e o motivo, este o conteúdo daquele, estão contidos nas próprias normas que instituem a avaliação funcional, principalmente na citada Portaria. Pois não poderia ser de outra maneira, já que, se fosse deixado ao livre alvitre de cada avaliador o preenchimento do conteúdo da motivação, haveria uma excessiva liberdade por parte deste avaliador que se utilizaria de critérios próprios provocando distorções".
Todavia, doutrina majoritária é refratária à argumentação supra aduzida.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo Moderno, ed. ATLAS, 13ª edição, 2.001, p. 82, "O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões".
Salienta Di Pietro que a doutrina segue uníssona no sentido de que é obrigatório o cumprimento do princípio ora em tela em qualquer tipo de ato, seja ele vinculado ou discricionário, tendo em vista servir essencialmente como controle da legalidade dos atos administrativos.
"A imparcialidade é igualmente reforçada e garantida pelo dever de motivação dos atos administrativos. A exposição dos fundamentos do ato é um dos pontos em que se tornará ainda mais claro o prestígio e essa face do princípio da moralidade.
Todas as razões das partes envolvidas na relação processual devem ser expressamente enfrentadas e motivadamente decididas. Caso contrário a decisão será parcial e, também por esse motivo, nula". 138
Aludido entendimento também encontra sustentáculo no princípio do devido processo legal, no seguinte sentido: Como pode o cidadão defender-se, seja num processo administrativo ou jurisdicional, apenas de meras notas de avaliação que se utiliza de parâmetros padrões, tanto para avaliações de critérios subjetivos ou objetivos, exaradas por autoridade hierarquicamente superior sem ao menos fundamentá-las? Assim, fulminado estaria princípio constitucionalmente consagrado pela Carta Magna, no art. 5º, inciso LIV, já que, se obstado o direito do servidor em tomar conhecimento de qualquer motivação da nota que lhe tenha sido dada, o processo administrativo está maculado de vício insanável.
Aplicando-se o devido processo legal em seu sentido material (substantive process) ter-se-á a garantia dos direitos individuais, coletivos e difusos, além do correto exercício da função administrativa.
Relacionando os incs. LIV e LV (do art. 5º da Constituição Federal), pode-se dizer que o segundo especifica, para a esfera administrativa, o devido processo legal, ao impor a realização do processo administrativo, com as garantias do contraditório e ampla defesa, nos casos de controvérsia e ante a existência de acusados. No âmbito administrativo, desse modo, o devido processo legal não se restringe às situações de possibilidade de privação de liberdade e de bens. O devido processo legal, desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo. 140 (inserção nossa)
Assim, resta prejudicado o direito ao recurso no âmbito do processo administrativo, pois, não obstante ele seja ofertado, ninguém pode exercer o contraditório e a ampla defesa sobre atos administrativos desertos de motivação, tão pouco a autoridade que analisa o referido recurso interposto poderá julgá-lo sem o conhecimento do porquê da atribuição ao servidor público de nota 10,0 (dez) ou 7,0 (sete), seja critério de índole objetiva ou subjetiva (já que avaliar qual critério de avaliação pode ser classificado como um ou outro também é de ordem eminentemente intersubjetiva), seja ato discricionário ou vinculado.
Ademais, deve-se ter em mente que a GDAT, apesar de tratar-se de gratificação, é direito e interesse do Requerente. Portanto, a avaliação exarada, se inferior à nota máxima, já obsta parte desse direito à gratificação. Partindo do pressuposto que se partirmos do marco zero, estar-se-ia realizando juízo de exceção. Desse modo, a autoridade avaliadora deve partir do marco máximo, isto é, de avaliação com nota máxima (10,0 — dez) ensejando gratificação integral e, a partir de então, ao analisar cada critério avaliatório, deduzir de acordo com a média final das notas o percentual a ser descontado do máximo que se pode obter a tal título (conforme preconiza a indigitada Portaria). Todavia, isto deve ser realizado de modo fundamentado, seguindo o princípio de que se deve dar os fatos para que seja dado o direito a fim de que seja ofertada a possibilidade do exercício do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal com grau máximo de efetividade.
Sustenta-se o entendimento acima explicitado na Lei n.º 9.784/99 — que regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal Direta e Indireta. O princípio da motivação está elencado no seu art. 2º, caput, devendo-se ainda observar o seu parágrafo único, inciso VII, além do art. 50, inciso I, aplicáveis ao caso concreto:
"Art. 2º — A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência". (grifo nosso).
"Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
(...)
VII- indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;"
(...)
"Art. 50 — "Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos, quando:
I- Neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;"
Tendo em vista o caráter subsidiário da Lei n.º 9.784/99, conforme reza o art. 69. ("Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei."), entendo que totalmente aplicável à lide sub judice, impondo-se como dever de interesse público do servidor e até mesmo da própria Administração Pública a ampla motivação dos critérios de avaliação.
A argüição do impetrante de que estaria sendo vítima de perseguição política, tendo em vista que já participou de atividade sindical inclusive como Presidente da Delegacia Sindical da Região, indicando mero indício de tendenciosidade do avaliador não encontra na seara estrita do Mandado de Segurança foro adequado para sua comprovação.
3. DISPOSITIVO:
Isso posto, concedo parcialmente a segurança, reconhecendo a ilegalidade do ato administrativo consubstanciado na Ficha de Avaliação de Desempenho Individual — FADI (fl. 42) e portanto sua nulidade, devendo a autoridade que primeiramente emanou o referido ato administrativo efetuar nova avaliação referente ao período de abril a junho do ano de 2.000, motivando cada nota atribuída ao impetrante.
Incabível a condenação em honorários advocatícios, em conformidade com entendimento sumulado pelo STF e STJ.
Custas na forma da lei.
Decorrido o prazo legal para recursos voluntários, com ou sem eles, encaminhem-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para reexame necessário.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Curitiba, 09 de abril de 2.001.
JOEL ILAN PACIORNIK.
Juiz Federal da 3ª Vara.