Introdução
Muito se discute na Ciência Política contemporânea sobre a necessidade de maior inserção dos cidadãos nos debates e discussões políticas e que, consequentemente, passem a se interessar mais pela vida política, superando assim a atual, e perceptível, apatia a que estão inseridos, assim como há amplo debate sobre a função e relevância dos partidos políticos para o sistema político.
Bobbio, Matteucci e Pasquino entendem que
“O ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, ao corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação. Numerosas pesquisas levadas a cabo nos últimos decênios demonstraram claramente que a realidade é bem diferente” (BOBBIO et al, 2004, p. 889).
A discussão se inicia com a análise da noção dada pela teoria política clássica ao conceito de democracia, enquanto governo do povo, em que se supõe a efetiva participação dos governados no governo.
Por outro lado, esta conceituação é questionada a partir do desenvolvimento e aprofundamento de uma teoria democrática, em que diversos autores refutam a ideia de governo do povo, justificados na impossibilidade de se aplicar o fundamento da criação de um governo consubstanciado tão somente nas vontades do povo, bem como no risco de desestabilização do regime democrático caso haja maior participação e, consequentemente, satisfação dos interesses advindos da população.
Exemplo do acima exposto, Joseph Schumpeter, teórico procedimentalista, cuja tese concentra-se no fato de a democracia ser tão somente a competição pelo voto da população dentre aqueles que almejam tomar as decisões, e, refuta para tanto, a participação política como essencial à democracia, assim como entende por bem limitar as possibilidades do cidadão ao voto e à discussão, nada além. Todas as demais tentativas de participação são tidas como forma de controle aos governantes, o que se deve evitar efusivamente. (SCHUMPETER, 1961).
Diante desse quadro de omissão popular frente às questões políticas de determinado Estado, emerge a discussão sobre o papel dos partidos políticos para a consecução dos interesses e necessidades da população, a fim de se minimizar de certa forma o monopólio estatal nas tomadas de decisão, bem como contribuir para a formação e cultura políticas dos cidadãos.
O presente trabalho prezará pelo desenvolvimento da discussão sobre participação política, com apanhado teórico, estabelecendo-se uma relação com a doutrina clássica sobre partidos políticos, em que se levantará a função dos partidos frente à ínfima participação nas decisões pelos cidadãos, a partir da ideia de ser o partido político o elo de junção entre representantes e representados e instrumento fundamental para o exercício da soberania popular.
Participação política
A expressão participação política carrega consigo uma multiplicidade de sentidos e pode se referir a uma enorme variedade de atividades, em que o indivíduo vai de mero espectador à de protagonista de destaque, por exemplo, desde o ato do voto, até a pressão exercida aos dirigentes políticos. A sua maior utilização se dá no que tange à participação em sentido estrito, em que há a contribuição, direta ou indireta, pelo indivíduo na tomada de decisões pelo governo.
Valho-me neste momento dos conceitos e classificação dados por Bobbio, Matteucci e Pasquino, segundo os quais há três formas ou níveis de participação política:
“A primeira forma, que poderíamos designar com o termo de presença, é a forma menos intensa e mais marginal de Participação política; trata-se de comportamentos essencialmente receptivos ou passivos, como a presença em reuniões, a exposição voluntária a mensagens políticas, etc., situações em que o indivíduo não põe qualquer contribuição pessoal. A segunda forma poderíamos designá-la com o termo de ativação: aqui o sujeito desenvolve, dentro ou fora de uma organização política, uma série de atividades que lhe foram confiadas por delegação permanente, de que é incumbido de vez em quando, ou que ele mesmo pode promover. Isto acontece quando se faz obra de proselitismo, quando há um envolvimento em campanhas eleitorais, quando se difunde a imprensa do partido, quando se participa em manifestações de protesto, etc. O termo participação, tomado em sentido estrito, poderia ser reservado, finalmente para situações em que o indivíduo contribui direta ou indiretamente para uma decisão política. Esta contribuição, ao menos no que respeita à maior parte dos cidadãos, só poderá ser dada de forma direta em contextos políticos muito restritos; na maioria dos casos, a contribuição é indireta e se expressa na escolha do pessoal dirigente, isto é, do pessoal investido de poder por certo período de tempo para analisar alternativas e tomar decisões que vinculem toda a sociedade.” (BOBBIO et al, 2004, p. 888-889).
Em se tratando de participação política, certo é que sua forma mais utilizada se dá através da participação eleitoral, em que os indivíduos exercem o seu voto, sufrágio universal, direto e secreto em eleições includentes, limpas e competitivas. Insta mencionar que o dever cívico do voto em muitas situações é exercido por temor a possíveis sanções, econômicas, sociais, dentre outras.
Entretanto, a utilização de formas esporádicas de participação política, especialmente a participação eleitoral, não leva à criação de instrumentos organizativos, ou seja, não se constata uma institucionalização da participação política, permanecendo os cidadãos naquele status quo anteriormente exposto, de completa apatia política. Até porque a população se manifesta apenas quando há de reagir (reação) contra algum absurdo advindo do governo, inexistindo, portanto, a “criação” (ação) em matéria de participação.
Não se percebe um vínculo entre a atuação dos governantes e o povo. Vive-se em tempos de Democracia Delegativa, em que tão somente se delega o poder a alguém, sem nenhuma participação efetiva nos debates e decisões políticas. Para uma maior participação popular e efetividade democrática se faz extremamente necessária a discussão pública quanto às decisões do Estado. A discussão pública contribui ao enriquecimento do processo de tomada de decisões.
Neste panorama, de completa ausência popular nas tomadas de decisão pelo governo, surge a importância da existência de partidos políticos organizados e, principalmente, em contato direto com a população para a canalização e tentativa de satisfação das necessidades populacionais junto ao governo vigente à época.
Partidos Políticos
Inicialmente, insta mencionar que várias são as vertentes e antagonismos existentes na doutrina sobre o conceito, ou definição, de partidos políticos. Não se pretende maior divagação no presente trabalho sobre este ponto. Para tanto, utilizo da definição mínima dada por Giovanni Sartori, para o qual partido político é “qualquer grupo político identificado por um rótulo oficial que apresente em eleições, e seja capaz de colocar através de eleições (livres ou não), candidatos a cargos públicos” (SARTORI, 1982, p. 85). Percebe-se que o ponto central desta definição está na possibilidade de conquista do poder estatal, ou seja, a obtenção de êxito nas eleições.
Improvável imaginar um partido político, em sua acepção moderna, sem interesses parlamentares e eleitorais, de forma que, em nossa sociedade contemporânea um partido político renega suas ideologias, descaracterizando por vezes a “doutrina política”, mas não esquece a ascensão ao poder, inclusive, ao estabelecer-se imparcial política e ideologicamente.
Consensual a ideia de que os partidos políticos surgiram a partir da imersão de diferenças de interesses entre as classes sociais. Já em uma concepção moderna, há que mencionar a entrada das massas no processo político.
A criação e desenvolvimento dos partidos políticos estão diretamente associados à noção de democracia, especialmente à extensão do sufrágio popular, fator este que contribuiu para a ampliação do número de partidos, justificada na necessidade de defesa dos interesses dos novos grupos que passaram a ter o direito ao sufrágio. Com isso, houve a transformação dos grupos locais em grupos ideológicos, focados nos agrupamentos por afinidades e necessidades (DUVERGER, 1970, p. 20).
Cabe aos partidos políticos, portanto, estabelecerem o elo e comunicação entre os governantes e governados, de forma a aumentar a participação da sociedade na esfera política, contribuindo veementemente para uma conscientização política e ideológica dos cidadãos, com o intuito de envolverem-se com o processo democrático, seja ele eleitoral, durante as eleições, ou governamental, que engloba as ações efetuadas pelas esferas de poder.
Neste sentido, Sartori entende que “os partidos são canais de expressão. Isto é, pertencem, em primeiro lugar e principalmente aos meios de representação: são um instrumento ou uma agência de representação do povo, expressando suas reivindicações” (SARTORI, 1982, p. 48). Destacam-se aqui duas funções expostas por Sartori aos partidos políticos, quais sejam, funções representativa e expressiva, nesta, os partidos vistos como meios de comunicação.
Retomando a ideia de Schumpeter, claro é que os partidos políticos não se propõem à efetuar essa ligação tão somente pelo desejo e vontade de ver um Estado Democrático efetivo e funcional. Ao contrário, busca-se essa função objetivando a maximização dos votos, real (ou único) interesse existente dos partidos. Utiliza-se da canalização e expressão da vontade popular para fins eleitorais, uma vez que haverá maior visibilidade do partido frente à população e, como consequência, se terá a melhora nos resultados eleitorais.
Pode-se dizer então que os partidos políticos são canalizadores da vontade pública, bem como formadores da opinião pública, sendo que eles se tornaram os meios de expressão juntamente com o processo da democratização da política (SARTORI, 1982, p. 48).
Entretanto, questiona-se sobre o porquê de se valer dos partidos políticos para a obtenção de direitos e garantias e consecução das necessidades dos cidadãos. Não seria tão ou mais efetivo procurar diretamente o governo?
Esta resposta é dada por Sartori, ao entender que a transmissão das reivindicações será apoiada pelas pressões e forças próprias dos partidos, que carregam consigo a proximidade com o governo, com maior chance de êxito na satisfação dos pedidos, em comparação com os cidadãos considerados individualmente. Partidos enquanto instrumentos das vantagens coletivas e como parte de um todo que procura servir aos propósitos desse todo (SARTORI, 1982).
Um indivíduo não logrará êxito na exposição de suas ideias e vontades de forma a influenciar diretamente as decisões políticas. Por outro lado, esta tarefa se facilitará a partir do momento em que houver o agrupamento destas ideias e necessidades, no caso em estudo, com a formação dos partidos políticos, entendidos como grupos organizados em defesa de interesses de determinadas classes.
Para tanto, os partidos políticos têm especial relevância dentro do sistema político, por fazerem eles a organização e exteriorização da vontade popular, dentro do regime representativo, para que haja, pelo governo, a realização dos anseios sociais.
Ao se analisar a atual conjuntura política, percebe-se um substancial enfraquecimento dos partidos políticos, à exceção da arena parlamentar, causada principalmente pelo descrédito a eles dado pela população. Dentre outros aspectos, constata-se um personalismo exacerbado nos pleitos eleitorais, em que se prevalece a figura do candidato em detrimento do partido.
Diante desse cenário de partidos fracos e candidatos fortes, ficam os cidadãos expostos aos desmandos do governo, uma vez que não há participação popular política suficiente para definir a formulação e implementação das políticas públicas, em que seria necessária a intervenção dos partidos políticos na tomada de decisões, cuja influência tem diminuído com os problemas institucionais cada vez mais perceptíveis, dentre eles casos de corrupção, o que resulta no descontentamento pela população, com consequente declínio na relevância dos partidos dentro do sistema político.
Conclusão
Com a constante evolução da política, vê-se um aperfeiçoamento na ideia da relevância dos partidos políticos para o cenário político, a partir da aproximação entre os políticos dos cidadãos, criando a partir disso, princípios que levem à concretização da democracia representativa, apesar de, ao se analisar as discussões sobre a existência, enfraquecimento e fortalecimento dos partidos políticos, é que não há homogeneidade de opiniões na doutrina política.
É através dos processos eleitorais que há maior incidência da participação popular no jogo político, e o partido representa justamente o efetivo contato entre o eleitor e os representantes. Trata-se aqui da forma em que o eleitor está apto a se colocar contra o sistema existente, e, consequentemente, evitar os abusos dos detentores da autoridade estatal.
Entretanto, o que se tentou demonstrar no presente trabalho é que, diante da ausência de participação política, em que se configura a completa apatia e desinteresse políticos pela população, cabe justamente aos partidos políticos, instituições desacreditadas dentro da sociedade, a canalização e expressão das vontades coletivas frente aos governos, enquanto tomadores de decisão, não se limitando a relação aos pleitos eleitorais.
Os partidos políticos tratam-se, portanto, de instituições a realizarem a comunicação entre os governantes e governados, a fim da obtenção na consecução dos interesses destes. Objetiva-se a diminuição na disparidade existente entre a elite, detentora da “violência estatal”, do restante da população, a partir da formulação e implementação de políticas públicas a ela (população) direcionadas.
Bibliografia
BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: UNB, 2004.
DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
O'DONNELL, Guillermo. Contrapuntos: ensayos escogidos sobre autoritarismo y democratización. Buenos Aires: Paidós, 1997.
SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Brasília: UNB, 1982.
SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.