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Intimações judiciais por via eletrônica:

riscos e alternativas

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

1.Processo e novas tecnologias

A introdução de novas tecnologias aplicadas ao processo tem sido vista como um promissor mecanismo para a agilização dos procedimentos, contribuindo, assim, para a sua tão almejada efetividade. De fato, são muitos os ganhos de tempo, trabalho e recursos materiais que o uso da informática pode proporcionar a um processo judicial. Entretanto, a transposição de atos processuais para o meio eletrônico deve ser feita com cautela. Não nos podemos deixar impressionar com os meios tecnológicos, ao ponto de venerá-los cegamente, sem perceber os riscos, inconvenientes, ou mesmo as dificuldades que podem causar ao serem implementados de modo descuidado.

O mero uso da informática, em qualquer atividade, não pode ser vista como positiva por si só. Depende do que se faz com ela, e esta é uma decisão a ser tomada pelos humanos, não pelas máquinas. A tecnologia que cura também pode ser usada para matar. Não basta instalarmos alguns computadores no foro - ou, menos que isso, apenas prever seu uso na lei - para supormos que estaremos avançando em direção a um processo mais justo e efetivo. Se uma informatização bem planejada pode promover eficiência, simplicidade dos atos e economia de recursos nos procedimentos judiciais, o mau uso do computador pode tornar o processo algo (ainda mais) kafkiano.

Entre muitas questões que podem ser consideradas num planejamento como este, é fundamental pensar que, com a introdução da informática, deve-se buscar dar mais segurança às partes, diminuindo a chance de erro judiciário. Não se pode admitir que, em nome da desejável celeridade, violem-se garantias constitucionais superiores, como o sagrado princípio do contraditório. Mas, como já dito por Bruce Schneier, "if you think technology can solve your security problems, then you don’t understand the problems and you don’t understand technology" [1] (se você pensa que a tecnologia pode resolver seus problemas de segurança, então você não entende nem os problemas nem a tecnologia). A tecnologia, enfim, não pode ser vista como uma panacéia a resolver todos os problemas do processo atual.

Um momento processual que muitas vezes é lembrado, quando se propõe utilizar meios eletrônicos, é o da intimação dos atos processuais. Como já salientei em estudo anterior [2], pode-se notar uma certa tendência do legislador, observável em leis recentes, no sentido de tentar acelerar o processo "simplificando" o ato citatório. Com a Reforma Processual, não só a forma da própria citação foi modificada [3], ampliando a incidência da citação postal, como também se suprimiu no artigo 296 a menção de que o réu será citado para responder à apelação interposta contra a sentença de indeferimento da inicial [4]. E, antes das alterações feitas no Código de Processo Civil, a nova lei de locações, em 1991, instituiu a possibilidade de ser feita a citação mediante telex ou fac-símile, desde que autorizado expressamente pelo contrato, sendo o réu pessoa jurídica ou firma individual [5].

Em verdade, pouca notícia se tem do uso do fax ou telex como meio para realizar a citação. Aparentemente, as próprias partes contratantes não se animaram a utilizá-los, dada sua insegurança e o risco de alimentar questões processuais. Caiu no mesmo desuso das regras processuais que prevêem o uso do telefone na transmissão das cartas precatória e de ordem [6]. Como lição, fica a certeza de que não basta a lei prever o uso de apetrechos modernos, se eles não inspirarem a confiança dos sujeitos processuais.

Conquanto entenda criticável e arriscada, no geral, a proposta de tentar obter celeridade à custa da simplificação de atos de comunicação [7] e, no particular, de iniciar a implementação de novas tecnologias justamente para praticar atos tão delicados, como o são as intimações, quando tantos outros poderiam ser automatizados em primeiro lugar [8], ao menos quanto a essas últimas é bem possível obter largas vantagens com a introdução de meios eletrônicos e, ao mesmo tempo, manter níveis de segurança compatíveis com a importância do ato.


2.O princípio da equivalência instrumental ao papel

Basicamente, todo o problema de introduzir meios eletrônicos no processo pode ser resumido à questão da substituição segura do meio papel pelo meio digital. Uma primeira observação preliminar a considerar é que não existe segurança em termos absolutos. Nada pode ser seguro contra tudo ou contra todos, de modo que por substituição segura do meio papel não se quer dizer uma segurança inatacável. Do ponto de vista técnico, a segurança é avaliada levando-se em conta os riscos contra os quais se quer defender o sistema informático, que será havido como seguro se puder fazer frente a esses riscos. Por outro lado, subestimar os riscos nesta avaliação preliminar é um fator de insegurança. Este mesmo enfoque, além de ser levado em conta no presente estudo como um dado técnico-informático, também pode ser extrapolado para o ângulo jurídico-processual: a substituição do papel, no processo, será considerada segura se de antemão estabelecermos quais os tipos de riscos, questões incidentes, ou erros materiais que se quer tentar evitar e, com a transposição para o meio eletrônico, sejam alcançados resultados mais satisfatórios do que aqueles que são obtidos hoje, com os meios tradicionais.

No sentido de lançar as diretrizes fundamentais que possam orientar a migração para o formato eletrônico, um princípio inicial há de ser formulado, podendo ser batizado como princípio da equivalência instrumental ao papel.

O uso do papel atinge algumas finalidades ou proporciona funcionalidades com as quais nós, operadores do Direito, estamos tão acostumados, que normalmente não se pensa em analisá-las de modo mais detido. No entanto, no momento em que se propõe a abolir o papel, esta percepção é um dado fundamental para o sucesso da migração. Não se trata, evidentemente, de resistir ao avanço da tecnologia, nem de ficar com os pés fincados no passado, ao tentar reproduzir o papel em si, no meio digital. O que se deve compreender com precisão é a totalidade das funções que o papel preenche, desde as mais evidentes, até as menos perceptíveis, de tão óbvias que parecem ser, mas nem por isso irrelevantes, para tentar obter do formato eletrônico estas mesmas funções, ao menos enquanto sejam importantes e mereçam sem mantidas.

Este princípio da equivalência instrumental ao papel guarda evidentes pontos de contato com o princípio processual da instrumentalidade das formas. Apenas que, enquanto o princípio da instrumentalidade das formas está preocupado em aferir a validade do ato, cuja forma não foi observada, o princípio da equivalência instrumental dirige-se a orientar modificações legislativas no sistema processual. Com a transposição para o meio digital, a forma do ato processual, embora diversa da forma tradicional, deve ser definida de modo a preencher as finalidades essenciais que as antigas formas logravam atingir. Enquanto um autoriza a validação do ato cuja forma legal foi desrespeitada, o outro sugere caminhos para propor novas formas legais; mas sempre tendo em vista a finalidade essencial que se quer atingir pelo ato processual.

Assim sendo, a análise da possibilidade de realização das intimações processuais por meio eletrônico tomará como ponto de partida a observação do que se tem em uso atualmente, com o papel, os problemas e vantagens conhecidos, antes de nos aventurarmos em propor novas soluções.


3.Intimação e os atos de comunicação

Intimação, segundo o artigo 234, do CPC, " é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa". A função essencial da intimação, em verdade, é dar ciência de algo a alguém, podendo ou não conter "eventual comando agregado" [9]. A princípio, a intimação só se perfaz quando o fato a ser comunicado chega ao conhecimento do destinatário. Essa ciência ocorre quando o advogado tem vista dos autos, ou quando a intimação é entregue pessoalmente à parte ou ao seu defensor, que, com o recebimento, passam a conhecer o conteúdo do ato.

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O atual Código cuidou de traçar clara distinção entre os dois atos de comunicação nele previstos: a citação e a intimação. Mais preciso do que a legislação anterior, define citação como um ato inicial de comunicação, ao réu, acerca da existência do processo, para que se defenda. A citação completa a formação da relação jurídica processual, integrando o sujeito passivo ao feito. Todos os demais atos de comunicação são tratados por intimações, tendo sido abolido o uso da expressão "notificação", existente no CPC de 1939. Conquanto o Código anterior destacasse os contornos de intimações e notificações, que, para Gabriel Rezende Filho eram "expressões inconfundíveis" [10], doutrina mais recente afirma que, "na prática, difícil era a distinção" [11]. Com efeito, o anterior conceito de notificação foi incorporado ao de intimação, de modo que a comunicação de atos processuais se faz, segundo o CPC em vigor, por meio de citações ou intimações.

Necessário se faz, antes de prosseguir neste estudo, atentar para os possíveis destinatários das intimações judiciais. Em sua imensa maioria, são intimações dirigidas à parte, mas realizadas na pessoa do advogado que a representa nos autos, já que é deste que se espera a prática de um ato processual, ou é ele que tem condições de entender o significado da comunicação. Em situações especiais, quando se espera uma atividade da própria parte, é a esta que a intimação deve ser dirigida, como nos casos previstos nos artigos 267, §1º, 343, §1º, 669, 676, e 687, § 5º, do CPC. Também o Ministério Público será intimado dos atos processuais, quando integrar o feito na posição de fiscal da lei. De outro lado, terceiros (testemunhas, peritos, credor pignoratício, credor hipotecário, cônjuge do executado, devedor de obrigação objeto de penhora ou de ação de anulação e substituição de títulos ao portador, construtor e operários de obra embargada) também podem receber intimações.

Como comunicações eletrônicas geram sempre uma ciência presumida, nem todos esses atos poderiam ser realizados por esta via. A citação inicial desde logo deve ser descartada. E, entre as intimações, somente se pode pensar em fazê-las de modo presumido àqueles que tenham o dever de acompanhar o modo pelo qual tais intimações serão efetuadas e de não se ausentar durante os momentos em que podem feitas. Não se pode obrigar que a parte só tenha compromissos pessoais ou profissionais, ou saia em viagens, durante as férias forenses. Nem que seja obrigada a acompanhar as intimações publicadas em periódicos oficiais.

Já o advogado, por dever funcional, ao assumir o mandato para a causa, está obrigado a acompanhar o processo, durante o período em que este se encontra em seu curso normal. Não estando o foro em férias, ausentar-se de suas atividades ou de seu escritório se faz por sua conta e risco, assumindo a lei que mesmo ausente poderá ser intimado. É partindo dessas premissas, que a lei estabelece a possibilidade de que seja intimado pelo Diário Oficial. Seriam estas mesmas premissas que iriam sustentar a intimação por meios eletrônicos que eventualmente venham a ser previstos. Daí, mostra-se oportuno analisar os contornos das intimações que são feitas pelo Diário Oficial, a fim de verificar em que medida a experiência com este tipo de intimação pode nos ensinar algo de proveitoso.

É oportuno notar, por outro lado, que as expressões "intimação" e "citação" nem sempre foram empregadas no sentido hoje dado pelo nosso Código de Processo Civil, sendo freqüente em legislações passadas o uso da expressão "citação" para designar comunicações feitas no curso do processo que, na moderna terminologia, são tratadas como "intimações". Nem há uniformidade no uso dessas expressões e de seu significado na doutrina estrangeira [12]. Por isso, quando este estudo se refere às intimações, deve-se ter como certo que a palavra está sendo utilizada na acepção do direito pátrio atual, ou seja, como um ato de comunicação que se faz no curso do processo, para dar ciência a alguém de algum ato processual.

Com a legislação estrangeira pouco podemos comparar, em termos de intimações pelo jornal. Em Portugal, as intimações (ali chamadas de "notificações") se fazem pessoalmente ou pelo correio, por força do artigo 253 do Código de Processo Civil. Também não há notícia de prática semelhante na Itália, que prevê intimações pessoais ou pelo correio, que foram recentemente simplificadas por lei de 1994, admitindo-se que possam ser efetivadas pelos próprios advogados [13]. E há quem diga que nosso processo civil é exageradamente formalista...

Pode-se considerar a citação por edital um antecedente próximo das atuais intimações pelo Diário Oficial. Assim como essas intimações, trata-se, a citação por edital, de uma comunicação presumida que, evidentemente, noutros tempos, não se fazia como hoje, pelos jornais. Inexistente nas primeiras duas fases do processo civil romano, a citação por edictis surge no período da extraordinaria cognitio: "ausente o réu, ou desconhecido seu paradeiro, expediam-se editais, a princípio tornados conhecidos por meio de proclamas lançados, de viva voz, pelo arauto (praeco) e mais tarde, afixados em lugares destinados para tal fim" [14]. Ao tempo da Lei das "Sete Partidas", com a recepção do Direito Romano-Canônico, o demandado que se ocultasse seria citado por pregões, "por três mercados, para que seus parentes e amigos o façam saber da demanda que lhe foi posta" [15]. Nas Ordenações Afonsinas, "embora o ideal fosse a citação realizada na própria pessoa do citando, ‘e não de outra guisa’, sobe pena de anulação do processo (Tít. I, 12), em alguns casos fazia-se necessário recorrer a uma quarta maneira de se conseguir a citação, qual fosse, aos editos, apregoando-se o nome das partes junto às praças e pelourinhos" [16]. Daí, segue-se pela legislação portuguesa e brasileira até nossos dias.

Paula Baptista registra que, antes de o Regulamento 737, de 1850, determinar a publicação pela imprensa da citação editalícia [17], "alguns juízes já haviam tomado o esclarecido arbítrio de mandarem dar publicidade aos editais pelos jornais nos lugares onde os havia". Percebe-se, com isso, que a introdução do uso da imprensa escrita contribuiu para melhorar a expectativa de ciência do destinatário da citação, com a mais ampla divulgação do ato, antes restrita à exposição em lugares públicos, onde possivelmente o citando não teria acesso, já que ali não se encontrava para ser citado diretamente. Estende também a possibilidade de que terceiros, amigos ou parentes do citando, tomando ciência do edital agora publicado na imprensa, levem a ele o conhecimento da causa.

O Código Estadual de São Paulo, de 1930, não traz referência a se fazer pelos jornais as intimações dirigidas aos advogados das partes. Exceto as citações feitas "no começo da causa e da execução e para o depoimento pessoal" [18], que deveriam ser dirigidas à própria parte, "qualquer outra citação ou intimação será feita: I - a procurador judicial constituído nos autos; II - por pregão em audiência, se não houver procurador constituído, ou se nenhum dos constituídos for encontrado no lugar que houver indicado (art. 59)" [19]. A intimação prevista no inciso I seria direta; já no inciso II encontramos a intimação presumida, no caso do revel (o que, diga-se, significa tratá-lo melhor do que o tratamos hoje...) ou de não ter sido o advogado localizado no endereço que forneceu ao se apresentar nos autos com o instrumento de mandato, conforme estabelecia o artigo 59 daquele Estatuto. Mas, "no caso do n. II, o pregão será precedido de aviso ao procurador, por carta do escrivão, registrada antes do dia da audiência" [20]. A regra deste dispositivo cobria todas as hipóteses: se a parte não estava representada, seria intimada em audiência pública; se representada, mas não encontrado pessoalmente o procurador, uma carta ser-lhe-ia previamente dirigida, anunciando a futura audiência em que a intimação ficta seria realizada. Deste modo, é possível supor que os advogados não eram intimados de outra forma, não se utilizando, para tanto, dos jornais. A citação por edital, sim, passa a ser melhor regulada, em nítida tentativa de incrementar-lhe a segurança, fazendo-se referência às publicações "no Diário Oficial do Estado e em jornal do lugar, se houver, feita pelo menos duas vezes em cada um, na primeira metade do prazo" [21].

Ainda ao tempo dos códigos estaduais, já dispunha o Código de Processo Civil e Comercial do Distrito Federal, o Decreto nº 16.752/24, sobre a intimação pela publicação no Diário do Foro:

"Art. 52. Se o prazo depender de abertura de vista ao advogado, ou procurador, só começará a correr da data em que for publicada naquele Diário, por diligência do escrivão ou do secretário da Corte de Apelação, a notícia desse ato do cartório, ou da secretaria".

O Código de Processo Civil de 1939, por sua vez, já trazia inscrita regra bastante semelhante à atual:

Art. 168 -Salvo disposição em contrário, as intimações serão feitas pessoalmente às partes, ou a seu representante legal, ou procurador, por oficial de justiça, ou pelo escrivão.

§ 1º -No Distrito Federal e nas Capitais dos Estados, ou Territórios, as intimações considerar-se-ão feitas pela só publicação dos atos no órgão oficial.

§ 2º -Nas demais comarcas aplicar-se-á o disposto no parágrafo anterior, quando as pessoas referidas neste artigo, não sendo revéis, estiverem fora da jurisdição do juiz. Se não houver jornal encarregado das publicações oficiais, as intimações serão feitas por carta registrada do escrivão ou edital afixado na sede do juízo.

§ 3º -Quando a lei não marcar outro prazo, as notificações ou intimações somente obrigarão a comparecimento depois de decorridas vinte e quatro (24) horas.

Em reforma subseqüente, inseriu-se na parte final do §1º a expressão "desde que constem os nomes exatos dos advogados de todos os interessados" [22]. Antes mesmo desta alteração legislativa, a jurisprudência já pendia para a inclusão do nome do advogado nas intimações, como requisito de sua validade, sempre com o intuito de facilitar a leitura e identificação da publicação [23]. O Código atual, porém, retirou a expressão "nomes exatos", determinando que esses nomes sejam "suficientes para sua identificação":

Art. 236.No Distrito Federal e nas Capitais dos Estados e dos Territórios, consideram-se feitas as intimações pela só publicação dos atos no órgão oficial.

§ 1º.É indispensável, sob pena de nulidade, que da publicação constem os nomes das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação.

§ 2º.A intimação do Ministério Público, em qualquer caso será feita pessoalmente.

Conquanto não se possa deixar de considerar uma inovação interessante, pela agilidade que imprime ao ato, também não se pode olvidar que o uso da imprensa para realizar intimações produziu numerosos problemas. A citação por edital, já realizada por pregões há séculos, e mais recentemente pela imprensa escrita, é ato de natureza sempre excepcional, e que deve o mais possível ser evitado em favor da citação direta e pessoal. As intimações ao advogado, no entanto, são cotidianas. E, possivelmente, o volume de trabalho do funcionário encarregado deste expediente conduz a pequenos erros, erros esses que freqüentemente se traduzem em não poucas questões processuais; a diversidade de interpretação quanto à forma destes atos também deu ensejo a outros tantos incidentes.

Luiz Fux, respaldado por extenso ementário, apresenta não menos do que vinte e seis conclusões baseadas na jurisprudência dominante, acerca de questões controvertidas que as intimações pela imprensa oficial têm suscitado [24]. Entre dúvidas sobre o termo inicial (se da circulação do periódico na sede do Tribunal que praticou o ato, ou na Comarca ou Estado de onde provém a causa; ou diante da alegação de que o jornal não circulou efetivamente na data de seu cabeçalho) e erros grosseiros como a publicação em seção diferente da destinada às publicações judiciais, o que realmente impressiona é a profusão de situações em que se alega erro material ou omissão de algum elemento identificador da causa, que pode ter prejudicado a ciência efetiva do ato que se quis comunicar.

O erro material na publicação é extremamente preocupante, porque a apreciação de suficiência na identificação da causa pode-se tornar tarefa puramente casuística e subjetiva. Difícil é avaliar a posteriori o quanto, aos olhos do destinatário da intimação, o erro material realmente impediu-lhe de tomar ciência do ato e apresentar a manifestação que dele se esperava. Vê-se que o Superior Tribunal de Justiça tem assumido em seus julgados posição mais benevolente para com o intimando do que se constata em outros tribunais de segundo grau. Assim, em acórdão profundamente atual, que reconhece as dificuldades práticas da leitura do volumoso Diário Oficial e o auxílio indispensável do computador nesta tarefa, anulou-se intimação em que constou o nome do advogado como "Vanderlei", em vez de "Wanderlei", afirmando o relator "que ao se referir a ‘nome’, a Lei se refere ao nome correto. Nome erradamente grafado não é nome" [25]. Noutro, também anulado omitiu-se "Júnior" no sobrenome [26]. Já o Tribunal de Justiça de São Paulo deu como válida intimação em que "Jorge" foi impresso no jornal, em vez de "George" [27].

Outra questão que dá ensejo a inúmeras discussões em juízo é a da publicação feita em nome de apenas um dos advogados da mesma parte, quando esta é defendida por mais de um. Quando expressamente solicitado que as intimações sejam dirigidas a um destes advogados, a intimação em nome de outro tem sido entendida como inválida por nossos tribunais. À falta de pedido, tem-se como válida a intimação feita na pessoa de qualquer dos patronos [28].

É terrível imaginar que, nestes variados casos que a doutrina e jurisprudência apresentam, alguns muitos jurisdicionados podem ter perdido o direito material que tinham porque, primeiramente, um funcionário descuidado produziu uma intimação com erros ou omissões; um advogado, confundido com o erro, perdeu um prazo importante; e, por fim, não sem antes arrastarmos o feito por meses ou anos discutindo a validade do ato de comunicação, juízes consideram suficiente a intimação e encerram a questão com base na frieza das preclusões e presunções decorrentes do silêncio, ao invés de julgar efetivamente o direito que as partes têm. A verdade é que, mais do que formar extensa jurisprudência sobre quais desvios podem ou não ser admitidos, ou que podem ou não ser considerados mínimos, o melhor para a Justiça seria eliminar estes desvios e procurar evitar incidir em novos enganos. As intimações são essenciais à realização prática do contraditório, que, como se sabe, consiste na "ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los" [29].

Estas questões acima alinhadas devem servir para reflexão, quanto às mudanças que se pode fazer na realização das intimações. Se falhas no ato de comunicação atentam contra as garantias constitucionais do processo, deve-se, portanto, calcular muito bem como utilizar meios eletrônicos na realização desses atos, para que com sua introdução seja possível diminuir o erro e o volume de questões processuais paralelas, de modo que o processo possa atingir os seus escopos, merecendo destaque o de julgar a lide com justiça. Uma introdução acertada e bem planejada da informática pode produzir, sem custos maiores, resultados surpreendentes nesta direção.

Ao se pensar na utilização dos meios eletrônicos na realização das intimações, deve-se procurar compreender todas as finalidades que são desempenhadas pela intimação feita via Diário Oficial, pois a intimação eletrônica será, igualmente, uma intimação presumida.

Além de estar arraigado em nossa cultura processual, não se pode negar que a forma de intimação pela imprensa oficial goza de razoável grau de segurança, afastadas, evidentemente, as situações patológicas em que defeitos do ato, decorrentes de falha humana, geram problemas práticos preocupantes. Por mais esta razão, seria de todo oportuno aproveitar a experiência de nosso país no uso deste tipo de intimação, ao se pensar em transpor para o meio eletrônico.

De um lado, a publicação pelo Diário Oficial permite, evidentemente, provar que a intimação foi feita e quando foi feita. Mas, ao mesmo tempo, e esse é um dado importante a ser levado em conta, permite provar que a intimação não foi feita, ou que tenha sido feita invalidamente. Permite confronto, permite contraprova.

Sim, pois, reunidas todas as intimações feitas pelo órgão judicial em um mesmo periódico de ampla circulação e publicamente conhecido, fica possível demonstrar a inexistência ou o vício da intimação. Se, na edição do dia em que se diz ter sido feita a intimação, não se encontrar a alegada publicação, prova-se sua inexistência; encontrá-la, sem as formalidades essenciais, demonstra a sua invalidade.

Outro dado que merece consideração é que as mesmas intimações estão reunidas em todos os exemplares do Diário Oficial, o que permite ao advogado folhear qualquer deles, a fim de procurar pelas intimações que lhe são dirigidas. Assim, se o advogado é assinante e, num dado dia, pelo motivo que for, não recebe o jornal em seu escritório, ainda poderá consultar outro exemplar do dia, de quem o tenha; se ausente da sede do escritório, poderia encontrar o D.O. noutra Comarca do Estado; ou outra pessoa pode fazer a leitura por ele; se não no mesmo dia, ao menos no dia imediato, em algum lugar o advogado há de encontrar as publicações que não recebeu, por falha de entrega. Pode-se dizer, então, que o rigor da presunção de ciência do ato se contrabalança com a mais ampla publicidade do ato de intimar. Sendo a intimação dirigida ao mundo, não poderia o advogado negar tê-la recebido, presumindo-se seu dever profissional de acompanhar o Diário Oficial.

Feita esta análise, vejamos como realizar intimações por meio eletrônico, procurando fazer com que sejam tão ou mais seguras que as formas hoje utilizadas e ao mesmo tempo combater os muitos problemas práticos que se tem encontrado com as intimações pelo Diário Oficial.

Sobre o autor
Augusto Tavares Rosa Marcacini

vice-presidente da Comissão Especial de Informática Jurídica da OAB-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Intimações judiciais por via eletrônica:: riscos e alternativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3229. Acesso em: 24 nov. 2024.

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