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Intimações judiciais por via eletrônica:

riscos e alternativas

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Resumo:


  • A introdução de tecnologias no processo judicial pode agilizar procedimentos, mas deve ser feita com cautela para não violar garantias constitucionais como o contraditório.

  • É fundamental que a transição do papel para o meio digital em processos judiciais mantenha a segurança e evite riscos, sendo a "substituição segura" um conceito chave para avaliar a eficácia e os perigos do uso da tecnologia na justiça.

  • As intimações processuais, um ato essencial de comunicação no processo, apresentam desafios quando consideradas para execução por meios eletrônicos, devendo-se buscar formas que garantam a ciência efetiva do ato pelo destinatário e isonomia no tratamento das partes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4.As possíveis soluções: o anteprojeto da AJUFE

Uma tendência que parece se formar aponta para o envio de intimações para o endereço de correio eletrônico do advogado. O anteprojeto dado à público pela AJUFE, que merecerá adiante algumas breves considerações, talvez seja a forma mais explícita de manifestação desta tendência. De modo mais informal, em seminários, debates, ou conversas, este modo de intimação muitas vezes é ouvido como um rumo possível. Se críticas eventualmente ásperas são aqui dirigidas a esta tendência, e por conseguinte à proposta da AJUFE, isso evidentemente se faz no plano das idéias e com o intuito de estimular o debate, sem jamais desmerecer seus seguidores, que certamente estão munidos do notável propósito de modernizar o Judiciário nacional, ideal que deve ser sempre festejado.

Contudo, uma análise criteriosa de tal proposta demonstra que o grau de segurança fornecido é pouco satisfatório.

Um sistema de intimações pelo correio eletrônico enviaria a intimação diretamente para a caixa postal eletrônica do advogado a ser intimado.

O correio eletrônico tem se tornado cada vez mais presente no cotidiano das pessoas e não demanda aqui qualquer explicação sobre o que seja ele. Entretanto, algumas palavras sobre seu funcionamento podem ser relevantes para melhor compreender sua fragilidade.

Quando um usuário remete uma mensagem eletrônica para alguém, esta é enviada por um protocolo conhecido por SMTP. É necessário, portanto, um programa que opere segundo este protocolo para enviar a mensagem até a caixa postal do destinatário. Normalmente, os provedores que fornecem contas e serviços de correio eletrônico disponibilizam um servidor SMTP para seus usuários. Ao enviar uma mensagem para [email protected], o computador do remetente envia a mensagem para o seu próprio servidor SMTP, com instruções para que este servidor reenvie a mensagem para o computador abcd.com, onde se encontra a caixa postal eletrônica do destinatário. Se o servidor SMTP estiver livre, este reenvio ocorre em um piscar de olhos; mas, se estiver sobrecarregado com muitas mensagens a despachar, pode-se experimentar alguma demora.

Feito o envio, a mensagem chega no computador abcd.com, que se encarrega de armazená-la na "caixa postal" de augusto. A mensagem fica, então, aguardando que o titular desta caixa postal faça o acesso e baixe as mensagens para o seu próprio computador. Para segurança do usuário, é necessário fornecer uma senha para o acesso, de modo que as mensagens, a princípio, só possam ser lidas ou apagadas por quem apresente esta senha. A segurança disso, porém, não é absoluta, de modo que é bastante previsível que alguém malicioso consiga ter acesso à caixa postal de terceiros, logrando apagar as mensagens ali acumuladas.

É possível, segundo os protocolos utilizados, que o remetente solicite uma confirmação tanto da entrega da mensagem na caixa postal (no caso, no computador abcd.com), como da sua abertura no computador do usuário. No entanto, tanto o servidor em que se encontra a caixa postal, quanto o programa de correio eletrônico do usuário podem desabilitar o envio deste "recibo", de modo que o usuário pode perfeitamente ler a mensagem sem ter que devolver esta confirmação eletrônica.

Feitas estas breves considerações, passemos a analisar a hipótese de envio de intimações pelo correio eletrônico.

Como as intimações já são normalmente públicas, não haveria necessidade de proteger o sigilo das mensagens eletrônicas. Questões envolvendo a prova do conteúdo das intimações assim realizadas não seriam preocupantes, desde que adotadas medidas corretas para demonstrar autenticidade e integridade do texto. É muito fácil adulterar uma mensagem eletrônica, ou forjá-la a ponto de parecer ter sido remetida por outrem. Assim, um nível mínimo de segurança exigiria o uso de assinaturas digitais. Com isso, ao receber intimações o advogado não estará apenas praticando um ato de fé acerca da sua autenticidade, mas poderá conferir esta autenticidade e, se necessário for, demonstrá-la judicialmente, em caso de divergência quanto ao seu conteúdo. Igualmente, não teria o intimando meios de adulterar o conteúdo da intimação, sem invalidar a assinatura. Não seriam esses os problemas a obstar a remessa, via correio eletrônico, das intimações processuais.

A principal dificuldade com um mecanismo assim é a impossibilidade de se demonstrar a inexistência da intimação. Sistemas eletrônicos estão sujeitos a falhas; e o operador destes sistemas também pode errar. Assim, pode falhar o servidor de e-mail do advogado, como pode o advogado, por erro humano ou falha técnica, apagar definitivamente a mensagem antes de tê-la lido; invasões do sistema poderiam apagar a caixa postal do intimando antes que este a acessasse; ou, ainda, pode o advogado perder o acesso à sua caixa postal, porque seu computador contendo configurações e senhas de acesso ficou fora de uso, ou o servidor de seu provedor de correio eletrônico saiu do ar. Falhas assim, técnicas ou humanas, podem igualmente ocorrer por parte do órgão judicial que envia a intimação. É, enfim, muito extenso e imprevisível o rol de possibilidades do que pode dar errado.

Logo, um sistema assim pode parecer adequado, enquanto não se pensar na possibilidade de existir uma divergência entre a afirmação do órgão judicial, no sentido de que uma intimação foi corretamente expedida, e a do advogado destinatário da intimação, de que não a teria recebido. Seria praticamente impossível ao advogado fazer esta demonstração, ainda que tenha razão.

De outro lado, se ocorrer algum acidente na baixa das mensagens, e o advogado apagar acidentalmente as intimações antes de sua leitura, o dano é irreparável. A intimação é única e enviada tão somente a ele. Não haveria como procurar esta intimação noutro lugar, noutro "exemplar", como se pode fazer com as intimações pela imprensa oficial.

Comparada essa possível forma de intimar com a publicação no Diário Oficial, resta a constatação de que teríamos uma intimação presumida bem mais insegura, que não preenche todas as funções que o uso do papel tem proporcionado atualmente. A ciência do advogado seria presumida a partir do mero envio de uma mensagem eletrônica para o endereço de sua caixa postal. Ora, nem se tem, aqui, a ciência direta do ato pelo destinatário, nem se compensa esta falta de entrega pessoal com a ampla publicidade do ato de comunicação.

Se a intimação pela imprensa transfere ao advogado o ônus de acompanhar diariamente o Diário Oficial, a intimação eletrônica nos termos acima alinhados transferiria o ônus de abrir diariamente sua caixa postal e - o que me parece inadmissível - que seu sistema, bem como o de seu provedor, funcionem adequadamente, livre de falhas técnicas ou humanas. E que não haja também a ação dolosa de terceiros tentando boicotar o recebimento do ato de comunicação. Não se pode descartar que isso daria ensejo ao mau litigante a tentar desviar ou apagar as intimações do advogado contrário.

Enfim, este sistema poderia ser comparado com o envio de uma carta simples, sem aviso de recebimento, ao endereço do advogado, e já com o envio presumir o recebimento, pois nenhuma outra notícia mais seria retornada. O uso do correio eletrônico apenas substituiria o papel, neste exemplo, pela mensagem eletrônica.

O anteprojeto da AJUFE, é verdade, só considera como feita a intimação se o destinatário enviar uma resposta eletrônica, confirmando o recebimento. Dispõe o artigo 5º desta proposta que as intimações serão feitas "por correio eletrônico com aviso de recebimento eletrônico". Se a preocupação com segurança é louvável, a praticidade e imperiosidade da intimação eletrônica são esvaziadas. Um mecanismo assim não passaria de perda inútil de tempo e recursos, pois só produziria uma intimação "semi-obrigatória", isto é, que só intimaria aquele que desejasse ser intimado e espontaneamente declarasse ter recebido a comunicação. Na verdade, seria apenas um "aceno" no sentido de que estamos usando computadores para modernizar a Justiça, mas sem nenhuma expectativa de encontrar resultados satisfatórios. Basta pensar naquele que, não desejando ser intimado, deixasse de receber as mensagens eletrônicas judiciais: perderíamos mais tempo e recursos materiais e humanos enviando a mensagem eletrônica, aguardando sua resposta, que não virá, para depois enviarmos a segunda intimação, esta sim imperiosa, pelos meios já conhecidos, ou, na proposta da AJUFE, pela "disponibilização dos dados no sistema eletrônico para consulta externa" [30]. Nenhum benefício real conseguiremos em prol da sonhada efetividade, com um sistema assim.

Além disso, em comparação com o que será proposto adiante, este mecanismo de intimação pelo correio eletrônico se mostra muitíssimo mais dispendioso. Primeiramente, para se enviar dezenas de milhares de mensagens diárias, é necessário um servidor de correio eletrônico de certo porte, muito bem configurado, para evitar falhas, e uma boa largura de banda para realizar tudo isso de modo rápido, a fim de que as intimações cheguem no mesmo dia. Mas não é só. Um sistema específico haveria de ser desenhado não só para emitir as mensagens, mas para conferir as respostas que seriam remetidas pelos advogados e, na negativa, encaminhar a intimação para publicação no Diário Oficial. E isso exige mais custos.

Um outro ponto sensível de um sistema assim seria a administração dos endereços eletrônicos dos advogados. Haveria o Judiciário de se preocupar em administrar uma base de dados com os nomes e endereços eletrônicos dos advogados de todo o país, mantê-la íntegra e atualizada e, principalmente, zelar para que as informações sejam fiéis, ou seja, que os dados fornecidos para o cadastro sejam verdadeiramente do advogado e remetidos pelo advogado. Sem contar que, dadas as diferentes Justiças, esta necessidade poderia acabar sendo multiplicada, com a replicação da mesma base e dos esforços para mantê-la em cada uma das esferas do Poder Judiciário [31]. Quero crer que os autores desta proposta não se deram conta do quanto o Judiciário irá perder em tempo e recursos materiais e humanos para administrar estas bases.

De outro lado, no sentido de estimular o cadastro dos advogados para fins de intimação, o anteprojeto da AJUFE oferece a possibilidade de peticionamento eletrônico, permitindo-o àqueles advogados que voluntariamente se credenciarem, conforme disposto no artigo 2º, do anteprojeto:

"Art. 2º - O envio de petições, recursos e demais peças processuais por meio eletrônico será admitido àqueles que se credenciarem junto aos órgãos do Poder Judiciário.

§1º - O credenciamento far-se-á mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação do interessado.

§2º - Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações.

§3º - Os órgãos respectivos de Segunda Instância poderão criar um cadastro único para as Justiças respectivas.

Apenas como um comentário paralelo, já que não é a finalidade deste artigo discutir esta questão, a forma de peticionamento eletrônico aqui prevista não demonstra ser a melhor solução. A única maneira segura, preservando autenticidade e integridade (esta não foi lembrada no anteprojeto) das petições enviadas é o uso de assinaturas digitais. O envio de petições mediante cadastro e acesso controlado por senha, que tem sido experimentado por alguns tribunais do nosso país, não só é vulnerável a ataques como não assegura minimamente que o arquivo recebido e armazenado nos sistemas do Poder Judiciário corresponde ao que foi efetivamente enviado pelo advogado.

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Esta exigência de cadastramento do advogado perante o órgão jurisdicional é profundamente criticável, e não só do ponto de vista do custo e esforços que acarretarão à Justiça. A inscrição do advogado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil é requisito bastante e suficiente para conferir-lhe plena capacidade postulatória e habilitá-lo ao exercício profissional. Exigir-se dele um cadastramento junto ao Poder Judiciário, ou junto a cada Justiça do país, para poder atuar profissionalmente, corresponde a um inadmissível esvaziamento da sua capacidade postulatória. Não pode o advogado, para exercer sua profissão, estar sujeito a qualquer tipo de prévio aceite por parte de órgão público outro, que não a OAB, por mais que este "aceite" tenha ares de mero procedimento técnico. A independência da Advocacia exige que seja assim, a fim de evitar qualquer possibilidade de constrangimento do advogado, ou outra forma de embaraçar-lhe o exercício da profissão.

A própria igualdade de tratamento é violada, se uma parte do processo puder ser intimada eletronicamente e a outra não. Nem é difícil prever os possíveis desvios: grandes litigantes poderiam manter em seus quadros advogados cadastrados, para os processos em que a celeridade convém, e advogados não cadastrados para atuar naqueles outros feitos em que o decurso do tempo lhes beneficia.

Poder-se-ia dizer que tais cadastramentos já ocorrem com o atual sistema PUSH, ou no antigo sistema RENPAC. Entretanto, esses serviços não se confundem com o objeto desta discussão. Fornecer informalmente serviços ou informações, como se faz por meio destes sistemas, é algo que os Tribunais poderiam conceder a qualquer um - mesmo não-advogados -, que evidentemente dependeriam de um cadastro para receber tais informações em sua caixa postal. E tais mecanismos de informação não têm caráter legal de intimação, nem representam a prática de qualquer ato processual.

Diversamente, quando se propõe cadastrar o advogado para intimá-lo, e como contrapartida se lhe oferecer outro benefício - a possibilidade de envio eletrônico de petições - está-se realizando o cadastro como condição para o exercício das funções típicas da Advocacia, ignorando que a inscrição perante a OAB é o único requisito para que o advogado tenha capacidade de representar a parte em juízo e praticar todos os atos do processo. Admitida a forma eletrônica em juízo, todo e qualquer advogado, bastando estar inscrito nos quadros da Ordem, deve estar automaticamente habilitado a postular por esta via [32].

Da mesma maneira, se um dia as intimações passarem a ser feitas por meio eletrônico, todos deverão ser intimados desta forma, e não apenas aqueles que se cadastrarem ou aceitarem utilizar o sistema. Isso é exigência da isonomia processual.

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Sobre o autor
Augusto Tavares Rosa Marcacini

vice-presidente da Comissão Especial de Informática Jurídica da OAB-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Intimações judiciais por via eletrônica:: riscos e alternativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3229. Acesso em: 25 dez. 2024.

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