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O atendimento jurídico da família

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Agenda 25/03/2015 às 14:28

Em virtude da natureza peculiar das relações familiares e dos conflitos gerados entre membros de uma família, é preciso oferecer um atendimento jurídico diferenciado, por um profissional capacitado e especializado nesse tipo específico de conflito.

EMENTA: 1- Introdução. 2- A formação profissional. 3- O atendimento da família. 4- Serviços oferecidos às famìlias de baixa renda. 5- A advocacia privada da família 6- A importância de um atendimento interdisciplinar 7-Conclusão 8- Bibliografia


1- INTRODUÇÃO

Como qualquer outro grupo social, uma família é composta por indivíduos diferentes entre si, que possuem diferentes formas de pensar e agir, se relacionando cada qual a sua maneira com os acontecimentos cotidianos. E, pelo contato constante, pela existência de vários papéis a serem desempenhados pelos sujeitos, pela necessidade de troca de opiniões, conflitos às vezes muito sérios são gerados no seio familiar[2].

E, diferente de outros tipos de conflitos, os vividos em família atingem uma infinidade de esferas, tanto dos membros familiares (seus ambientes de trabalho, de estudo, de lazer) como da sociedade como um todo (poder judiciário, programas sociais), ficando fácil perceber a peculiaridade e complexidade desse tipo específico de conflito.

Portanto, é extremamente necessário que se pense num modo eficaz de resolução dos mesmos, e muitos podem ser os profissionais procurados para auxiliar nesse processo. Há quem busque ajuda espiritual, e então um líder religioso será provocado a intervir; há ainda a possibilidade de se recorrer a um auxílio terapêutico, em que profissionais da área de saúde mental serão procurados; ou ainda, existe a opção (ou necessidade) de se buscar respostas jurídicas, situação em que o advogado será a opção certa de profissional.

E essa variedade de profissionais que podem atuar num processo de resolução de conflitos familiares, exemplificados acima, só faz confirmar o caráter complexo dos mesmos, uma vez que possuem diversas nuances.

No que diz respeito às necessidades de respostas jurídicas das partes que vivenciam um conflito familiar, é geralmente o advogado o profissional que primeiro é provocado a atuar. E a maneira como esse profissional conduz o problema pode ser determinante para o fim do mesmo, pois ele detém grande responsabilidade por conduzir o processo de resolução de modo mais satisfatório para os indivíduos envolvidos.

No entanto, ao pensarmos um processo judicial em que se discute uma lide familiar, que comumente se arrasta por anos, questionamos a maneira escolhida pelos profissionais de conduzir esses conflitos. E, indispensavelmente, ao analisar e questionar uma prática profissional, é preciso discutir a formação acadêmica do mesmo, para após refletir sobre as possibilidades de tranformar o atendimento jurídico da família mais eficaz para a resolução dos litígios.


2- A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

O ensino jurídico no Brasil há algum tempo vem passando por uma crise, e aos poucos sendo reformulado. Acredita-se que a principal causa dessa crise é a dificuldade em se acompanhar a evolução da sociedade como um todo. O direito, por meio do legislador e também de seus aplicadores, tende a tratar as mudanças sociais com muita resistência, o que torna seu processo evolutivo demasiadamente lento e retardado.

Essa conjuntura obviamente chega ao ambiente acadêmico, e essa postura conservadora acaba sendo transferida entre as gerações. Mas, o que se percebe na atualidade é que as demandas judiciais estão exigindo cada vez mais uma reformulação dessa postura.

Essa necessidade pode ser explicada, por exemplo, pelo aumento de pessoas que recorrem ao Poder Judiciário a procura de resolução para seus conflitos, o que, acredita-se, se deu principalmente na década de 90, com a criação e implementação dos Juizados Especiais Cíveis. Dessa forma, o Judiciário, por meio dos aplicadores do direito, tem recebido conflitos com novas roupagens, que acompanham o ritmo das mudanças sociais.

Portanto, o Estado, as instituições de ensino e os profissionais da área da docência estão sendo cada vez mais pressionados a revisar a política de ensino, adequando-a aos anseios sociais. Os Cursos Jurídicos precisam estar voltados a esses anseios, às necessidades atuais da sociedade contemporânea como um todo, buscando atender a todos os interesses de forma igualitária e não somente um segmento específico.

Nesse sentido, é preciso humanizar os cursos de direito, trazendo o homem para o centro de qualquer disciplina lecionada, colocando-o como destinatário principal de toda norma. No que tange à esfera processual, essa idéia pode ser posta em prática agindo de acordo com princípios éticos, e valores como lealdade e honestidade.[3]

Especificamente no direito de família, ainda há muito que mudar. Ao analisarmos a maioria das grades curriculares das faculdades de direito é fácil perceber o quão privilegiado é o aspecto processual do conflito. Ou seja, existe toda uma cultura em que se valoriza os meios pelos quais um processo deverá se desenvolver, desvalorizando por sua vez o estudo dos caracteres intrínsecos ao conflito. Assinala Monica Guazzelli Estrougo que “quando se aprende Direito, limitamo-nos a estudar as leis que regem aquela sociedade e as regras do jogo, em caso de litígio, mas se esquece o principal: o sujeito de direito”[4]. No entanto, é essencial que se conheça o conflito, suas características, suas dimensões, suas causas, assim como os sujeitos que o estão vivendo, para dessa forma encontrar a melhor forma de solucioná-lo[5].

Ressalta-se que não se pretende aqui reduzir a importância do processo, pois sem ele não há que se falar em solução para o conflito, sendo este o meio necessário a ser utilizado[6]. O que precisa ser frisado é que, até para que o processo seja eficiente, e consiga fazer cumprir sua função de conduzir um problema a uma decisão justa, é preciso ter mais atenção para o que se está discutindo por meio dele[7].

Além disso, o que se percebe nos cursos jurídicos da atualidade é que há um certo estímulo ao conflito, esquecendo-se que uma das funções principais do direito é justamente estabelecer a paz social, mediante uma decisão justa, que atenda da melhor forma possível aos interesses das partes litigantes. O que se vê é que os estudantes de direito recebem como lição principal a de que, para aplicar o direito, basta detectar o conflito existente e subsumi-lo à norma aplicável.

Ao nosso ver, essa é uma postura um tanto quanto simplista. Muito mais complexa é a atitude de se debruçar sobre os fatos trazidos, buscando compreender suas causas, e dessa forma evitar as tristes conseqüências de um procedimento inadequado ao caso em foco. Esse posicionamento torna-se mais forte diante de um conflito de natureza familiar.

O profissional do direito precisa ainda ser habilitado a trabalhar de forma atenciosa com qualquer tipo de litígio que a ele chega. Para tanto, é certo que na graduação ele precisa ter um contato, ao menos básico, com outras áreas de conhecimento, diferentes e complementares ao direito.[8]

Quanto a área específica do direito de família, resta evidente que conhecimentos básicos de psicologia, por exemplo, são essenciais para o desenvolvimento de um bom trabalho. Isso por que, conforme dito anteriormente, os conflitos familiares têm toda uma dinâmica particular, diferenciando-se dos demais conflitos levados ao poder judiciário.[9] O que motiva um conflito familiar nem sempre é de fácil compreensão pelo profissional, e para se encontrar a melhor solução para o conflito é necessário se chegar às suas causas, que muitas vezes se encontram nos detalhes do discurso trazido pelas partes. Nesse sentido ensina Mônica Guazzelli Estrougo:

O Direito de Família e os operadores deste sistema, exatamente, porque adentram no universo íntimo das pessoas, não podem ignorar que a subjetividade permeia praticamente todas as suas questões. Com efeito, quando os conflitos são familiares, existem muitas insignificâncias cheias de significado e, por isso, o que se diz soa tão importante quanto como se diz.[10]

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O Conselho Nacional de Educação, atento a essa necessidade, por meio do Parecer nº 0146/2002, aprovado em 03/04/2002[11], em que traça as diretrizes curriculares do curso de direito, determina que os cursos de graduação deverão contemplar, em seus projetos pedagógicos e em sua organização curricular, conteúdos que atendam a determinados eixos interligados de formação, e entre eles prevê a psicologia aplicada ao direito.

Mas o que vemos na grande maioria das faculdades de direito é que não há qualquer disciplina que trate da matéria em questão. Além disso, disciplinas auxiliares, como, por exemplo, a filosofia, a economia e a sociologia, que são extremamente importantes para a construção do saber jurídico, não são adequadamente executadas nas faculdades. Oferecidas no início do curso, estas deveriam ser passadas aos alunos de forma coerente com o direito, e não de maneira isolada e independente, como vemos na maioria dos casos. Se são ministradas no curso, é por que são relevantes para o exercício da profissão de qualquer área dentro do sistema jurídico. E, portanto, seria estimulante que desde o início tais matérias fossem mostradas com essa conexão com o direito.[12]

Percebemos então a necessidade de se educar em prol de uma visão crítica de tudo o que é levado ao judiciário. O ensino tradicional, baseado em procedimentos lógico-formais, apresenta-se como um grande entrave ao desenvolvimento e atualização dos profissionais do direito. Percebemos que não há orientação das academias no sentido de se intervir de modo consistente no sistema jurídico que já existe. Na prática, o jurista pode até melhorar o direito, mas não interfere na sua essência.[13] Em conformidade com esse pensamento, também se expressa José Eduardo Faria:

Trata-se, em síntese, de conceber as escolas de direito não apenas como loci de progresso cultural e científico, mas, também, como loci de transformação e liberação social. Se é certo que a Universidade não deve ser reduzida a um mero campo de batalhas políticas e ideológicas, também é certo que não se deve incorrer no erro oposto – o de se aceitar acriticamente a pretensa objetividade do conhecimento e da aplicação do direito, recusando-se a reconhecer que os sistemas jurídicos são ambíguos, encerrando inúmeras contradições as quais, muitas vezes, propiciam soluções normativas paradoxais e mesmo injustas.[14]

E em matéria de família, que vive um sistema dinâmico, com freqüente mudança de padrões e valores, para que seja possível encarar e resolver um conflito é preciso deixar de lado todo o tradicionalismo exacerbado, e dessa forma buscar métodos modernos de resolução alternativa de conflito, o que melhor se adeque ao mesmo.

E acreditamos que esse seja o maior desafio do profissional que opta pela atividade advocatícia familiar. No entanto, os recém-formados já saem da faculdade com uma grande dificuldade: esse desafio geralmente não é colocado pela academia e ele se vê perdido no mercado de trabalho. Perdido, pois, quando começa a praticar, percebe que nem sempre (ou quase nunca) os ensinamentos extremamente processuais e formais serão suficientes para o deslinde de uma questão.

Percebe-se então que a faculdade se preocupou em passar regras, esquecendo-se de construir o saber jurídico através de princípios e valores. E isso pode ser perfeitamente exercitado no âmbito acadêmico mediante estudos de casos, por exemplo, aproximando dessa forma o direito dos fatos sociais. E o melhor é que esse estudo se realize por meio de diálogo entre professor e aluno, para que este seja estimulado a fundamentar suas idéias e seus pontos de vistas.[15]

E, diante de tais dificuldades na vida profissional, cabe a cada um ter a iniciativa de buscar se atualizar, participando de cursos de especializações, realizando estudos, pesquisas, para que possa reverter esse quadro formado em prol do conflito, estudando e aprendendo mais sobre os meios mais adequados de se atender um cliente, especialmente quando o mesmo lhe traz uma demanda da área do direito de família.


3- O ATENDIMENTO DA FAMÍLIA

O Poder Judiciário pode ser provocado de várias formas, e aqueles que precisam se socorrer ao Estado a fim de buscar uma solução para seus problemas hoje podem o fazer por diversas vias.

Numa época em que o acesso à justiça ainda significava “essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação”[16], certo se faz que esse acesso era facilitado àqueles que possuíam melhores recursos financeiros. Mas, tendo em vista que esse conceito de acesso à justiça é hoje discutido de forma mais ampla, a realidade tem se mostrado diferente nos dias atuais. Há serviços públicos e particulares disponibilizados àqueles que pretendem acionar o poder judiciário.

Como vimos até então, a família, formada por diferentes indivíduos, com diferentes personalidades e modos de agir, é campo de ocorrência de diversos tipos de conflitos, que são por suas vezes extremamente complexos. Essa é uma regra. No entanto, entre as famílias existem diferenças, e estas influenciam no modo com que os conflitos são vistos e enfrentados, assim como nos meios procurados para auxiliar na busca por uma solução.

Importante nesse ponto fazermos uma diferenciação quanto ao nível social e econômico das famílias. As famílias de menor renda e pior situação econômica não têm o mesmo acesso a profissionais da área jurídica, e, portanto o atendimento aos conflitos por elas vividos será diferente.

No momento em que as partes envolvidas não conseguem resolver tais conflitos no próprio ambiente familiar, elas buscam ajuda profissional, que muitas vezes é o advogado. A família que não possui uma boa situação financeira se socorre geralmente com os serviços gratuitos que lhes são oferecidos, enquanto aquela que possui melhor condição pode optar por pagar um advogado particular.


4- Serviços oferecidos às famílias de baixa renda

Essa realidade acerca da ampliação do conceito de acesso à justiça alcança o atendimento às famílias que estão vivendo algum tipo de conflito. Certo se faz que hoje, com os serviços de atendimento jurídico gratuitos oferecidos, tanto pelo poder público, como pela iniciativa privada, não será a condição financeira menos favorecida que impedirá a família de obter um serviço que possa auxiliá-las.

O Estado Brasileiro, tendo em vista o seu dever de proteger a aplicação e observância dos direitos fundamentais dos cidadãos, é obrigado pelo Artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal[17] a prestar assistência jurídica àqueles que não o podem custear por insuficiência de recursos próprios.

A família de baixa renda, portanto, tem como uma opção de atendimento jurídico público oferecido pelo Estado a Defensoria Pública, regulamentada Lei Federal Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994[18], que tem como missão a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, acima citado. Mas, como a maior parte dos serviços públicos oferecidos no Brasil, a Defensoria Pública não consegue atender de modo satisfatório à demanda existente.

Nesse ponto, surge a atividade privada como auxiliar do Poder Público. Um bom exemplo são os Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito, que disponibilizam à comunidade assistência judiciária gratuita em diversas áreas, inclusive na área de direito de família.

Além de identificar os serviços que estão sendo oferecidos às famílias em conflitos, cabe-nos discutir a maneira como os mesmos estão sendo realizados no dia-a-dia. No que diz respeito à Defensoria Pública, devido ao acúmulo de demanda e ao problema comum à maioria dos serviços públicos, que é o de insuficiência frente à demanda existente, essa análise resta prejudicada, pois entendemos ser complicado prezar pela qualidade quando, antes disso, existe a preocupação de ao menos atender, para que o cidadão não tenha um direito fundamental violado. Diante dessa realidade, é preciso que o estado estude formas de melhorar o serviço oferecido aos cidadãos, realizando Concurso Público para aumentar o quadro de defensores, ou até mesmo, setoriando o atendimento, de modo que profissionais sejam preparados especificamente para o atendimento à família.

Quanto ao serviço público oferecido pelas faculdades, temos que o mesmo pode ser considerado relativamente melhor, pois que exercido por acadêmicos de direito (sempre sob supervisão de advogados/professores), que ainda estão estudando e que visam o melhor aprendizado possível. Além disso, a própria estrutura acadêmica permite que o profissional trabalhe com um pouco mais de conforto, podendo dessa forma atender melhor às famílias que ali se socorrem.


5- A advocacia privada da família

O advogado, considerado pela própria Constituição Federal profissional indispensável à administração da justiça[19], é geralmente a porta de entrada do Judiciário para o indivíduo que não consegue por meios próprios solucionar seus conflitos, necessitando, portanto, da ajuda do Estado.

Numa primeira visão, o advogado seria o responsável por captar o problema que está ocorrendo na sociedade, buscar uma norma que regule referido problema e lhe dê uma solução, e apresentar todo esse conjunto ao Poder Judiciário, para que, por meio de seus Magistrados, ele possa dizer se a relação feita pelo advogado está correta ou não, se é realmente a melhor opção ou não ao fato ocorrido. Essa visão, no entanto, é um tanto quanto incompleta, se considerarmos alguns conflitos específicos.

Conforme estudado, a família é o lugar em que se formam e desenvolvem relações extremamente subjetivas, e por conseqüência, os conflitos que se originam a partir dessas relações também são eivados de elementos subjetivos, muitas vezes intrínsecos e de difícil percepção. Diante disso, torna-se claro que o direito não pode querer resolver tais situações com regras pré-formuladas, ignorando as diferenças e as particularidades de cada caso concreto.[20]

Temos, portanto, que a atividade do advogado que se dispõe a trabalhar com o direito de família deve ser vista de um modo um tanto diferente de como se vê a dos profissionais que se dedicam a outras áreas. Dessa forma, ensina Eduardo de Oliveria Leite:

O advogado familiarista exerce uma missão que extrapola em muito as questões unicamente jurídicas, na medida em que sua atuação é, antes de tudo, uma experiência relacional. O papel do advogado vem imantado de significação já que, além do discurso aparentemente real das causas e motivos apresentados, deve descobrir a realidade da mensagem inconsciente que subjaz disfarçada no discurso do cliente.[21]

Num litígio familiar, como, por exemplo, um divórcio, é certo que há questões objetivas a serem resolvidas, como divisão de bens, pensão alimentícia a ser prestada ao cônjuge e aos filhos, etc. No entanto, dependendo de como essa ruptura está acontecendo, outras questões menos objetivas precisarão de uma atenção, o que exigirá do advogado de família um olhar diferenciado, uma atenção especial, seja para trabalhar tais questões ou para orientar a procura de um profissional especializado.[22]

Portanto, o advogado de família precisa compreender o indivíduo que está ali procurando auxílio jurídico – lembrando que nem sempre é só do auxílio jurídico que ele precisa, e também toda a dinâmica familiar quando for tratar de um conflito de natureza familiar. É preciso entender que o sujeito que é parte jurídica de um conflito familiar é, antes disso, membro de uma família, sujeito de desejos e expectativas que estão deixando de existir em virtude do rompimento do vínculo.[23]

Uma dificuldade que se apresenta ao advogado de família é o diálogo problemático entre casais em conflito. E, diante de toda essa dificuldade, percebe-se que muitos se valem do judiciário para falar o que precisam e não conseguem, o que às vezes provoca a existência de infindáveis demandas judiciais. Ou seja, os casais se valem do processo judicial como forma de manter um vínculo com aquele com o qual dividiu sua vida, seus planos e seus anseios, durante a união conjugal. Obviamente que não é essa a função da justiça, no entanto, como órgão auxiliar dos cidadãos na resolução dos seus conflitos, ela não pode ficar alheia a essa necessidade.[24]

O advogado, então, pode exercer uma importante função de desafogar o poder judiciário, ao oferecer um atendimento que possibilite ao casal trabalhar essas questões que não possuem cunho jurídico e ainda não estão resolvidas, e que acabam por comprometer a resolução efetiva do processo judicial.

Existem, para tanto, meios alternativos de resolução de conflitos, cujo estudo se percebe fundamental para a atividade da advocacia familiar. Um deles é a mediação de conflitos, que possui características próprias extremamente eficazes, quando aplicadas a um litígio familiar.

Ao participar de um processo de mediação, as partes que estão vivendo um determinado conflito familiar têm a oportunidade de buscar soluções bem mais favoráveis para todos os envolvidos, uma vez que são conduzidos a encontrarem essa solução, evitando dessa forma que um terceiro decida por eles. Ricardo Vainer define muito bem a mediação de conflitos:

A mediação pode ser definida como uma ideologia ou metodologia de trabalho que busca devolver o controle das decisões ao casal e/ou família, favorecendo, facilitando e respeitando a capacidade de negociação das partes interessadas. Busca, com criatividade, a resolução das controvérsias de forma pacífica, evitando o litígio e indo ao encontro de acordos possíveis.[25]

Ao apresentarmos um possível conceito do que seria um processo de mediação, percebemos a necessidade de, mesmo que sucintamente, diferenciá-lo de outros meios extrajudiciais de solução de conflitos, como por exemplo, a conciliação e a arbitragem, tendo em vista que na prática muitos confundem tais institutos.

A arbitragem é um meio relativamente mais simples do que um processo judicial, utilizado para solucionar conflitos quando convencionado pelas partes de uma determinada relação jurídica, mediante escolha de um terceiro (árbitro), que geralmente é um expert sobre o assunto sobre o qual gira a relação jurídica, e é esse terceiro o responsável pela decisão que dará fim ao conflito. Ou seja, a autonomia das partes se limita à escolha do procedimento e à escolha do árbitro, sendo que a solução propriamente dita para o conflito passa a ser responsabilidade desse terceiro[26].

Já na conciliação também existe um terceiro, que tentará, mediante técnicas específicas, fazer com que as partes cheguem a um acordo cobre a controvérsia existente. Ou seja, esse é o principal objetivo de um processo de conciliação: fazer com que as partes celebrem um acordo, admitindo algum tipo de perda, para que esta não seja maior.[27]

A mediação, conforme visto anteriormente, terá como um dos principais objetivos otimizar a comunicação entre as partes, estimulando a autodeterminação de cada uma delas, fazendo com que cada uma possa refletir sobre suas responsabilidades sobre a resolução ou não do conflito. Essa reflexão será fundamental, pois é a partir dela que os envolvidos poderão chegar a uma solução que seja boa para todos.

Esse processo, portanto, deverá ser conduzido por um terceiro imparcial, sendo que o mesmo irá intervir apenas aconselhando e guiando as partes, nunca impondo qualquer tipo de idéia ou solução. É muito importante ressaltar que na mediação as partes têm total autonomia sobre as decisões que serão tomadas. E nesse sentido esclarecem Andréa Menezes Rios Valladares de Lago e Cristiano Álvares Valladares do Lago:

O mediador vai colocar as partes a par de toda a situação real do conflito em que se encontram, tentando fazer com que estas separem suas dificuldades pessoais com relação ao outro envolvido para poder ter maior discernimento ao decidir questões materiais de uma forma a não se prejudicar e nem prejudicar outros interessados, propiciando assim o controle da situação e apropriando-se do poder de gerir seus conflitos.[28]

E, no que diz respeito principalmente a conflitos familiares, as características de um processo de mediação são extremamente interessantes para as partes. Conforme já dito, as partes possuem total autonomia sobre as decisões tomadas em torno do conflito existente, uma vez que o mediador não tem qualquer poder para apresentar uma solução.

Tem-se ainda que, como a mediação é um meio extrajudicial de resolução de conflitos, as partes evitam a exposição de seus problemas familiares, tendo, portanto, muito mais privacidade do que teriam durante um processo judicial, pois só terão que compartilhar seus problemas com o mediador, ao contrário do que aconteceria numa demanda judicial, onde, no mínimo, um Juiz, um Promotor e dois advogados teriam acesso a todos os fatos que envolvem o conflito, sem contar os servidores públicos que trabalham nos Cartórios das varas de família.

E, ainda, se comparada a um processo judicial, a mediação tem como característica vantajosa o baixo custo, uma vez que não há que se falar em pagamento de taxas ou custas, ressaltando-se que as judiciais são relativamente altas. Além disso, como possuem autonomia para decidir as questões, as partes podem economizar tempo, uma vez que é pública e notória a morosidade da justiça brasileira. Portanto, só dependerá deles o tempo que se levará para se chegar a uma solução para o conflito.

Além disso, a atividade do mediador de estimular o diálogo entre as partes, oferecendo um espaço para que as mesmas exponham suas aflições e seus sentimentos, acaba por estimular um equilíbrio das relações entre as partes, que deixam de se ver em lados opostos, como adversários, para se encararem em níveis iguais, como pessoas que estão em busca da melhor solução para o embate criado.[29]

Ademais, essa postura de adversários adotada pelas partes pode ser um difícil obstáculo a ser transpassado pelo profissional, durante o processo de mediação. Atualmente, o que se percebe nos tribunais nos processos de separação e divórcio é que os cônjuges estão cada vez mais agressivos, buscando por meios extremamente violentos sair do relacionamento com algum tipo de vantagem financeira. As mulheres buscam grandes valores a título de pensão alimentícia ou uma vantajosa partilha de bens, enquanto os homens buscam se esquivar da obrigação alimentícia[30]. Acreditamos que um eficiente processo de mediação pode inverter esse caminho, pois é certo que as partes podem sair desse embate deveras machucadas. E essa situação trará ainda piores conseqüências se em meio a todo esse campo de batalha existirem filhos.

Diante do estudo das características de um processo de mediação, bem como de todas as vantagens que o mesmo pode oferecer àqueles que estão vivenciando um conflito, especialmente um conflito familiar, entendemos ser extremamente necessário que o Estado busque, de alguma forma, regulamentar a mediação, de modo que a mesma possa ser praticada com mais freqüência e profissionalismo no Brasil.

A despeito disso, já se encontra em trâmite na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que regulamenta a prática da mediação no Brasil, a dizer, Projeto de Lei 4.827/98[31]. Certo se faz que a aprovação de referida Lei trará muitas vantagens ao cenário jurídico e social brasileiro, uma vez que possibilitará a muitos o acesso à mediação, desafogando dessa forma o judiciário e proporcionando importantes melhorias à população, no que diz respeito a forma de solução de seus conflitos.[32]

Diante disso, entendemos que é extremamente necessário difundir formas alternativas de busca por soluções de conflitos, especialmente os de âmbito familiar, pois conforme demonstrado, essa busca pode trazer boas conseqüências na resolução dos mesmos, uma vez que esses meios possibilitam um atendimento mais amplo e interdisciplinar do conflito existente.

Sobre a autora
Hosana Leandro de Souza Dall’Orto

Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal), Especialista em Família pela FDV (Vitória, ES), Graduada em Direito pela FDV (Vitória, ES). Professora de Direito Civil da Faculdade São Geraldo (Cariacica, ES) e advogada familiarista. Associada ao IBDFAM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALL’ORTO, Hosana Leandro Souza. O atendimento jurídico da família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4284, 25 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32320. Acesso em: 23 nov. 2024.

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