Conclusão
O Estado, como detentor do jus puniendi, tem o dever indelegável e intransferível de punir qualquer pessoa que venha a praticar um delito. Todavia a sociedade é complexa, existindo diversos tipos de crimes, alguns bem mais graves que outros; como também existem vários tipos de criminosos, de baixa e alta periculosidade. É por isso que o Direito Penal deve adotar mecanismos que garantam a efetividade das leis, além do eficaz cumprimento das penas e de seus objetivos.
No Direito, por se tratar de uma exteriorização da sociedade, deve-se sempre aplicar a premissa de que aos iguais, tratamento igual, e aos desiguais, tratamento desigual na exata medida de sua desigualdade. No Direito Penal não é diferente. A aplicação de alguns crimes, de certas penas e medidas de segurança não atingirão suas efetividades máximas se aplicadas de forma unificada a todos os criminosos, de uma maneira geral.
É por isso que determinadas leis punem de forma mais gravosa alguns crimes que atentam contra bens jurídicos de suma importância; bem como tratam diferentemente alguns criminosos, principalmente aqueles de alta periculosidade. É nesse contexto que, justamente para dar maior efetividade ao Direito Penal e Processual Penal, são criadas leis influenciadas pelo Direito Penal do Inimigo.
Não se trata aqui de aplicar a teoria pura difundida por Jakobs, onde a sociedade seria dividida ente cidadãos e inimigos e a cada um deles aplicar-se-ia um tipo de Direito Penal, um visando a proteção e o outro a eliminação de perigos. Todavia, o Direito Penal do Inimigo é utilizado parcialmente, no tocante a criminalização de certas condutas e ao tratamento diferenciado de alguns criminosos.
Embora todos sejam iguais perante a lei, é admitido pela própria Constituição um tratamento desigual para os desiguais a fim de diminuir as desigualdades. É o que prega o Princípio da Isonomia.
As manifestações do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro, conforme explicado durante todo esse trabalho, não excluem os criminosos a quem se destina o Ordenamento Jurídico, mas buscam apenas dar maior efetividade a este. Não se esta extirpando direitos e garantias, o que esta acontecendo é sua relativização em prol de toda a coletividade e em benefício de um direito e garantia de maior expressão.
É fato que a criminalidade organizada se torna, muitas vezes, um Estado Paralelo que atenta contra a segurança de toda a sociedade. Quando um membro ou líder desse grupo é preso, se ele for tratado da mesma maneira que o ladrão de um carro, por exemplo, não haverá a mesma efetividade da punição em relação aos dois criminosos, pois eles são diferentes, um é bem mais perigoso que o outro.
Aplicar a esse líder do crime organizado o Regime Disciplinar Diferenciado não significa tratá-lo como um bicho, jogado em uma cela escura sem contato nenhum com o mundo. Significa apenas restringir – e não excluir – alguns privilégios e garantias, para que, durante o período em que esteja encarcerado, não venha continuar a praticar crimes e aterrorizar a sociedade.
O mesmo ocorre com o Tiro de Destruição. Com a entrada em vigor da Lei do Abate não significa que qualquer avião possa vir a ser derrubado sem nenhum critério. Estão previstos uma série de procedimentos com o fim de estabelecer uma comunicação entre o avião suspeito e o Estado. Serão feitas várias tentativas de comunicação para que a aeronave se submeta a soberania brasileira e respeite as ordens dadas pela Aeronáutica.
Agora, se essa aeronave, voando em uma área fronteiriça onde o tráfico de drogas reina, se recusa reiteradamente a responder aos comandos que lhe são dados, seus tripulantes escolheram continuar na irregularidade, e só então é autorizado o tiro de destruição. E mesmo assim, esses disparos destinados a aeronave hostil devem ser dados de forma que a obrigue a descer e não explodi-la no ar, por exemplo.
Em todos os casos, há um conflito entre direitos fundamentais, resolvidos pelos critérios da proporcionalidade. Nenhum direito é absoluto, nenhum princípio impera sem restrições. Vivemos em uma sociedade onde todos devem respeitar todos, e como já dizia o ditado “o meu direito se encerra onde começa o do outro”.
O Estado tem limites a respeitar para não impor ao cidadão medidas exageradas. Todavia, punir de menos também viola o direito da sociedade à segurança. O Estado deve evitar os excessos sim, contudo, punir de forma ineficiente.
Crimes e criminosos que atentam contra a própria estrutura estatal, contra a coletividade, contra a própria existência do Ordenamento Jurídico devem ser punidos com a rigorosidade equivalente.
Não se trata de ter um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo, muito menos de haver um exacerbado e irrestrito poder punitivo do Estado. Pelo contrário, visa-se a existência de um Direito Penal único, capaz de atender aos fins para o qual foi criado, de forma que a prática de crimes graves seja evitada, mas se tal delito vier a ser praticado, que a punição seja eficiente. Visa também que o criminoso perigoso seja tratado como criminoso perigoso e não como um mero contraventor. Busca-se, por fim, uma política criminal efetiva, e não leis sem eficácia.
Assim, a inserção de elementos do Direito Penal do Inimigo não é inconstitucional, desde que aplicada com cuidado, de forma ponderada e sempre em correspondência com o princípio da Proporcionalidade.
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