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O princípio da proporcionalidade como solucionador de conflitos entre normas de direitos fundamentais na Constituição Brasileira de 1988

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Agenda 20/10/2014 às 16:25

7 A PROPORCIONALIDADE E O CAMPO DE TENSÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

O caráter essencial dos princípios está diretamente relacionado com a proporcionalidade, e esta, com aqueles. Assim, dizer que o caráter dos princípios nos remete à proporcionalidade é dizer que esta também, por meio de seus três elementos parciais, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, reveste-se logicamente de caráter principiológico.

Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado, o que constitui principal objetivo do presente trabalho, conforme a seguir.

7.1 Elementos do princípio da proporcionalidade e sua aplicação prática

A observância dos elementos que constituem o princípio da proporcionalidade se revela importante simplesmente porque a aplicação deste se dará em casos envolvendo conflito entre direitos fundamentais e, por consequência, importará em realização de um direito fundamental em maior grau que o outro. Assim sendo, é evidente que alguma restrição a direito fundamental ocorrerá na operação, porém, isto jamais pode significar supressão ou exclusão de tal direito que, no caso específico, teve aplicação preteria em nome de outro.

Tratando-se do elemento adequação ou conformidade (Geeignetheit), qualquer medida adotada com o propósito de restringir direitos fundamentais terá que possuir idoneidade, de maneira que haja correspondência entre o fim almejado e os meios adotados para tal finalidade, ou seja, “o subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos.” (MENDES; COELHO; BRANCO; 2008, p. 366).

A este respeito, cabe atentar à seguinte explicação:

O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à persecução do fim ou fins a eles subjacentes. (CANOTILHO, 2003). (grifos nossos)

No que se refere ao elemento da necessidade, também chamado de exigibilidade (Erforderlichkeit), caso haja adoção de medida que venha restringir direitos, esta deverá ser estritamente necessária, de modo a ser eficaz no salvaguardar direito fundamental. Isso quer dizer que tal medida não poderá ser preterida por outra, ainda que menos gravosa.

Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa. (MENDES; COELHO; BRANCO; 2008, p. 366).

Pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito o meio escolhido para a persecução de determinada finalidade deverá ser orientado pelo senso do razoável (o qual corresponde ao senso de um homem médio). A partir desse entendimento, se faz necessário que após as análises sobre a adequação e a necessidade, o operador da ponderação deverá verificar se os benefícios obtidos através da operação são maiores que a limitação imposta. Caso positivo, ter-se-á obedecido a proporcionalidade em sentido estrito e, caso contrário, não.

Nessa esteira, os benefícios de um determinado fim deverão ser superiores ao ônus imposto pela norma.

Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, entendido como princípio da “justa medida”. (CANOTILHO, 2003, p. 270).

Ambos os princípios componentes do “campo de tensão” são postos em uma “balança”, ou seja, são medidos e valorados a fim de concluir de acordo com o caso específico qual o de maior relevância. Assim, um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador.

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Sobre o procedimento de ponderação, devemos conceituá-lo como técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas de hermenêuticas tradicionais. Trata-se da ideia de ponderação e equacionalização de um determinado contexto, de modo estabelecer um equilíbrio entre os meios adotados e os propósitos almejados, o que atribui ao intérprete da norma papel extremamente importante no que se refere à correta aplicação do princípio, pois há grande discricionariedade conferida a este e caso não haja cautela, poderá interferir de forma profunda na esfera do titular do direito em questão.

Devem coexistir de forma harmônica os três elementos parciais do princípio da proporcionalidade para que se torne possível sua aplicabilidade. Havendo a inocorrência, ainda que de somente um dos elementos parciais, o aplicador da norma verificará, após submissão minuciosa do caso concreto à análise, que naquela situação específica o ato não é cabível ou proporcional, devendo abster-se de seu cometimento.

Dois casos brasileiros envolvendo colisão entre direitos fundamentais podem ser mencionados, sendo o primeiro deles julgado em 2012, onde a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (STF, ADPF54/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Plenário, julgado em 12.04.2012) objetivando afastar os efeitos da legislação nacional (art. 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal), que proibia a interrupção da gestação de fetos anencefálicos, pois a referida disposição só assim permitia agir em casos que a gestante fosse vítima de estupro ou que gestação pudesse colocar a vida da mãe em risco. A lei, por não distinguir outras situações específicas, criminalizava a conduta (da mãe e de terceiro) que interrompesse a gestação dos fetos, ainda que anencefálicos3, os quais, segundo comprovação científica, não possuem chances de vida extrauterina.

Transcreve-se um trecho da questão de ordem analisada pelo Tribunal, em que se apontou o envolvimento de direitos fundamentais previstos na Constituição brasileira (dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade, autonomia da vontade e direito à saúde) com o objetivo de sustentar o afastamento da sanção à gestante que desejasse interromper a gravidez de feto anencefálico, como a seguir se lê:

(…) Sob o ângulo da admissibilidade, no cabeçalho da petição inicial, apontou, como envolvidos, os preceitos dos artigos 1º, IV – dignidade da pessoa humana –, 5º, II – princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade –, 6º, cabeça, e 196 – direito à saúde –, todos da Carta da República (STF, ADPF54/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Plenário, julgado em 12.04.2012, p. 2).

Os propositores da referida ação alegavam que o fato de obrigar uma mãe a gerar uma criança a qual não reuniria condições mínimas de vida extrauterina configuraria condição muito prejudicial à sua saúde e tal obrigação violaria o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo-se excluir do ordenamento jurídico brasileiro a norma proibitiva da interrupção da gravidez em tais casos, deixando a decisão final sobre o prosseguimento da gestação a cargo exclusivo da gestante.

A “tensão” encontrada na predita situação reside no fato de que as normas vigentes – proibitivas da prática de aborto mesmo em casos de feto anencefálico – se prestaram à proteção do bem mais valioso do ser humano, qual seja, o direito fundamental à vida, em contrapartida àqueles direitos fundamentais já mencionados, que no caso se colocavam a favor da gestante.

É possível verificar, deveras, que os casos que chagaram até a corte se referem a um campo de tensão instalado entre o direito fundamental à vida (do feto), em contraposição aos direitos fundamentais da gestante (dignidade da pessoa humana, liberdade, autodeterminação, saúde etc), sendo todos eles expressados através de princípios.

Por esta razão, o Tribunal, em diversas passagens, ressaltou a importância da proporcionalidade (aplicação da ponderação dos bens jurídicos envolvidos) de modo a permitir a correta resolução da controvérsia.

(…) Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício desarrazoado. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. (STF, ADPF54/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Plenário, julgado em 12.04.2012, p. 65). (grifos nossos)

A corte ressaltou a característica dos princípios como normas diferenciadas, já que estas, ao apresentarem valores a serem observados, não comportam um estabelecimento de precedência entre uns e outros, ou de estabelecimento de pesos ou importâncias taxativas, afastando-se a ideia de que é possível estabelecer uma escala de valor predeterminada para cada um deles, já que é somente o caso concreto que será capaz de delinear os limites e alcance de cumprimento da referida espécie normativa.

(…) O princípio da proporcionalidade e a ponderação de valores que lhe é inerente comportam reflexão. Os sistemas ocidentais não admitem valores absolutos. Não há como estabelecer, a priori, qual o que se reveste de maior peso, diante do reconhecimento de que são relativos e de que a sociedade é plural [41][41]. Se os valores são relativos, não há como fundamentar um como superior ao outro. (STF, ADPF54/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Plenário, julgado em 12.04.2012, p. 124). (grifos nossos)

O julgamento privilegiou os direitos fundamentais em favor da gestante, po não considerar razoável a decisão que impusesse a esta manter a gravidez até as últimas consequências, mesmos nos casos em que comprovadamente o feto fosse “inviável”, ou seja, sem qualquer chance de vida fora do útero e por esta razão o Tribunal julgou “procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal” (STF, ADPF54/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Plenário, julgado em 12.04.2012, p. 1).

Dessa forma, o caso apresentado expressou o caráter distinto pelo qual se resolve os conflitos de direitos fundamentais, notadamente aqueles previstos através de norma-princípio. Diante da existência de normas jurídicas com consequências práticas antagônicas, se fez necessária a ponderação dos interesses envolvidos, porém, a prevalência de um dos interesses (no caso, os direitos fundamentais da mulher à saúde, liberdade, autodeterminação, etc.) não implicou, em nenhum momento, a invalidação da norma ou a sua exclusão do ordenamento jurídico.

Outro importante julgado em que a ponderação de valores é referida como fundamental à resolução de controvérsias entre normas-princípios também se deu perante o STF, no ano de 2008, ocasião em que foi apreciado o pedido feito pelo Procurador-geral da República, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (STF, ADI 3510DF. Rel. Ministro Ayres Brito, Plenário, julgado em 29.05.2008), requerendo a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º, da Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), que permitia a pesquisa científica utilizando células-tronco embrionárias.4

O argumento utilizado no intuito de impedir as pesquisas com células troncos-embrionária se fundamentou na proteção do direito à vida, assinalando que a permissão de pesquisas dessa natureza configuraria o crime de aborto. Contudo, entendeu-se que muito embora o direito à vida fosse um dos mais importantes do ordenamento jurídico, este não é absoluto, tampouco podendo se falar em precedência deste em relação aos demais, razão pela qual considerou a existência de outros direitos fundamentais em jogo, bem como ressaltou a importância do constitucionalismo fraternal, através do qual se fundamentada a busca pela cura de doenças e dos direitos fundamentais da autonomia da vontade, do planejamento familiar e à maternidade.

O Tribunal decidiu pela improcedência do pedido de inconstitucionalidade e consequente manutenção do dispositivo legal que permitia a utilização de células-tronco embrionárias para a realização de pesquisas científicas, após entender que o referido dispositivo não incorreria em violação do direito à vida, como se pode observar na passagem a seguir:

Como se sabe, a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais - como aqueles concernentes à inviolabilidade do direito à vida, à plenitude da liberdade de pesquisa científica (cujo desenvolvimento propicie a cura e a recuperação de pessoas afetadas por patologias graves e irreversíveis) e ao respeito à dignidade da pessoa humana - há de resultar da utilização, pelo Poder Judiciário, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, "hic et nunc", em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (STF, ADI 3510DF. Rel. Ministro Ayres Brito, Plenário, julgado em 29.05.2008, p. 452-453). (grifos nossos)

A ponderação de valores em face da contradição aparente entre princípios, conforme os exemplos apontados, se faz necessária, considerando que não existe princípio absoluto e a prevalência de um determinado princípio sobre outro, em um caso específico, não excluirá o princípio preterido, preservando-se a harmonia do ordenamento jurídico, em homenagem a uma finalidade ainda maior, que é a de proibição de contradição.

O modo através do qual são resolvidas as colisões entre princípios se dá, portanto, de modo absolutamente diverso daquele utilizado para o conflito de regras, pois não há que se falar em eliminação de um princípio para a aplicação de outro, em casos de colisão aparente, bastando, porém a realização de ponderação dos valores envolvidos, de modo a permitir a maior eficácia possível de ambos.

Sobre o autor
André Luiz Rocha Pinheiro

Exerce atualmente o cargo de Agente Técnico Jurídico no Ministério Público do Estado do Amazonas;<br>Ex-integrante da Comissão de Direito Digital da OAB/AM;<br>Especialista em Direito Processual Civil;<br>Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Argentina;

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