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A necessária modernização e aperfeiçoamento da lei de licitações

Agenda 30/05/2015 às 08:22

Este texto analisa as modificações feitas na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a fim de torná-la mais moderna e alinhada à nova realidade e anseios nacionais.

INTRODUÇÃO

Faz mais de duas décadas que a Lei de Licitações e Contratos Administrativos - LLCA (Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993) foi editada. Tal diploma legal refletiu, de forma inconteste, na esteira da recém promulgada Constituição Federal de 1988, a busca pela efetividade dos princípios que regem a Administração Pública, sobretudo os princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa e, mais recentemente, da eficiência.

Ademais, a lei em comento também elencou como objetivos a serem perseguidos a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, além da vinculação ao instrumento convocatório, ao julgamento objetivo das propostas, dentre outros.

Sem sombra de dúvidas, a edição da Lei n.º 8.666, de 1993 foi um marco, possibilitando o início de um processo de mudança de paradigma que se protrai até os dias atuais.

Entretanto, afigura-se necessário contextualizar o momento político e, sobretudo, econômico em que mencionada norma foi gestada e editada.

Nas décadas de 1980 e 1990, o país enfrentou a hiperinflação. Dentre os incontáveis efeitos maléficos, pode-se destacar a impossibilidade ou, pelo menos, a grande dificuldade de se realizar um planejamento de médio e longo prazo.

Tal dificuldade prejudicava profundamente não só os investimentos privados na produção e comercialização de bens e serviços, mas também as obras e aquisições do setor público.

Mais especificamente no que se refere às obras de grande vulto, que dizem respeito à infraestrutura básica do país, pode-se dizer, sem exagero, que foram duas décadas perdidas. Em outros termos, naquele período, nada ou muito pouco se avançou na melhoria e expansão da infraestrutura nacional. Aliás, os efeitos dessa deficiência são até hoje sentidos e, no mais das vezes, apontados como uns dos principais motivos pelos quais o país não cresce economicamente de forma mais robusta, uma vez que a deficiência estrutural representa importante parcela do denominado custo Brasil.

Dado o ambiente econômico em que a LLCA foi editada, impossível não ter sofrido os efeitos das dificuldades enfrentadas pelo país ante a hiperinflação.

Outra característica atribuída à LLCA refere-se ao grau elevado de exigências burocráticas, consistindo em inúmeras declarações e licenças, dentre elas, as de natureza ambiental, que se tem que apresentar antes e durante a execução de uma obra, por exemplo.

Segundo lembram os críticos, tais exigências, em boa parte, são impostas não só às obras contratadas por entes da Administração Pública, mas a qualquer obra executada no país. Entretanto, dado o regime jurídico a que se submete a Administração Pública, tais exigências são ainda maiores, o que acaba por tornar difíceis, confusas, demoradas e caras as contratações levadas a efeito pelo setor público.

TENTATIVAS DE MODERNIZAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DA LLCA

Como respostas às críticas acima mencionadas, buscou-se implementar modificações na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a fim de torná-la mais moderna e alinhada à nova realidade e anseios nacionais.

Além das alterações no próprio texto legal, outros instrumentos normativos foram editados, tais como a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns. Outrossim, pode-se mencionar o Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, que regulamenta o pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências.

Tais normativos visam à adoção de procedimentos mais simplificados para as contratações públicas. Ademais, almejou-se lançar mão com mais veemência de mecanismos informatizados, otimizando a participação dos pretensos licitantes e propiciando à Administração Pública meios para alcançar as melhores propostas.

Contudo, tais inovações restaram restritas às contratações que têm por objeto a aquisição de bens e serviços comuns. Dito de outro modo, para as contratações de obras e serviços de engenharia não comuns a modalidade pregão não pode ser utilizada.

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Portanto, ainda se faziam necessários aperfeiçoamentos no Estatuto geral das licitações, haja vista que no que dizia respeito às obras de grande vulto, as dificuldades já abordadas persistiam.

A necessidade de alterações na norma tornou-se premente ante as dificuldades e consequentes atrasos nas obras necessárias aos grandes eventos desportivos dos quais o Brasil afigura-se como sede. Em outros termos, com o objetivo de viabilizar os procedimentos licitatórios e as contratações necessárias à realização da Copa das Confederações Fifa 2013, da Copa do Mundo Fifa 2014 e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, foi aprovada a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações – RDC.

Vale consignar que, posteriormente, outros dois objetos passíveis do RDC foram incluídos, quais sejam: as contratações para as ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e para as licitações e contratos de obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino. Tais objetos foram incluídos pelas Leis nº 12.688 e 12.722, respectivamente, sendo ambas de 2012.

Mais recentemente, houve outra expansão dos objetos em que o RDC passou a ser aplicável, com a inclusão dos contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS (Lei nº 12.745, de 2012) e das contratações de obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo (Lei nº 12.980, de 2014).

Apesar da intenção em imprimir algum tipo de eficiência e celeridade às contratações realizadas pelo setor público, o Regime Diferenciado de Contratações não foi poupado de críticas.

Nesse sentido, pode-se mencionar que a Lei nº 12.462, de 2011 que instituiu o RDC é derivada da Medida Provisória nº 527, de 2011, entretanto, esta não dizia respeito ao Regime Diferenciado, mas sim à Lei nº 10.683, de 2003, a qual modificou a organização da Presidência da República e dos Ministérios, criou a Secretaria de Aviação Civil, alterou a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), dentre outras coisas.

Dessarte, foram inseridos na Lei dispositivos que versavam sobre o Regime Diferenciado de Contratações, originando um vício formal. Dessa maneira, de acordo com a ADI nº 4665, tal inserção violou o princípio do devido processo legal, malferindo os arts. 2º, 59 e 62 da Constituição Federal.

Ainda com relação às críticas dirigidas ao RDC, pede-se vênia para transcrever breve trecho do magistério de José dos Santos Carvalho Filho:

Alguns estudiosos têm considerado inconstitucionais certos aspectos do RDC previsto na referida lei. Um deles consiste na imprecisão do que sejam obras, serviços e compras efetivamente voltados aos eventos esportivos internacionais, já que a lei não indica os respectivos parâmetros. Haveria ofensa ao art. 37, XXI, da Constituição.

Outra impugnação recai sobre o regime da contratação integrada (art. 9º, § 1º), que contempla a possibilidade de um só interessado ter a seu cargo não só a elaboração dos projetos básico e executivo, como também a sua própria execução, concentrando atividades que, por sua natureza, reclamariam executores diversos. Aqui também haveria vulneração ao art. 37, XXI, da CF, por afetar o princípio da ampla competitividade consagrado em sede constitucional.

No campo do meio ambiente, há irresignação contra o art. 4º, § 1º, II, da Lei nº 12.462/2011, em razão de permitir a mitigação por condicionantes e compensação ambiental, a serem definidas quando do licenciamento ambiental. A ofensa, nesse caso, incidiria sobre os arts. 215, 216 e 225, IV, da CF, dispositivos voltados à proteção do meio ambiente.

No RDC a lei admite que o orçamento estimado para a contratação só seja tornado público após o encerramento da licitação (art. 6º). Embora o legislador tenha considerado que, com essa diretriz, se evitaria superfaturamento de obras e serviços, há um grande temor de que o efeito seja inverso, no caso de conluio entre agentes da Administração e grandes sociedades econômicas, fato que, lamentavelmente, se noticia diuturnamente. (Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2012).

CONCLUSÃO

Ante o exposto, percebe-se que os desafios não são diminutos. Se por um lado, as mudanças são prementes, a fim de que o arcabouço normativo aplicável às contratações públicas possa se adequar às necessidades da Administração e, em última análise, ao interesse público; por outro lado, as alterações devem observar, em sua integralidade, todos os princípios e limitações aplicáveis.

As alterações não podem ser implementadas malferindo as normas postas, sob pena de, ao invés de se promover a pretendida modernização e aperfeiçoamento do sistema, instaurar-se a insegurança jurídica, com os efeitos maléficos daí resultantes.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo e VICENTE, Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 21. ed. São Paulo: Método, 2013.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Método, 2013.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENESES, Fabrício Cardoso. A necessária modernização e aperfeiçoamento da lei de licitações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4350, 30 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33006. Acesso em: 28 dez. 2024.

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