Capítulo III: Nossas conclusões sobre o tema da segurança ecológica sob o prisma dos conflitos armados e dos direitos humanos.
Apesar da relevância emprestada pela comunidade internacional à matéria de direito internacional do meio ambiente, representada no expressivo número de tratados bilaterais e multilaterais que cuidam, em sua essência, da preservação do meio ambiente humano, não se pode identificar nestes instrumentos internacionais, tampouco no direito interno dos Estados, normas nem princípios universais que legitimem o estatuto de um princípio de segurança ecológica, sequer como um princípio decorrente do princípio de segurança internacional.
Nas três dimensões da segurança ecológica que procura identificar TIMOSHENKO - política, militar e humanitária, somente na questão militar pode-se identificar, de forma clara, elementos do princípio de segurança internacional que emprestam à segurança ecológica um status de direito universal, o qual remete a matéria sub judice à competência do Conselho de Segurança, nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas.
Na esfera política, considerados os efeitos transfronteiriços da poluição do meio ambiente, os quais podem causar instabilidade nas relações entre Estados, o tratamento da questão ambiental não se faz em termos de segurança internacional, não se trata de um ato deliberado de ameaça à paz e segurança internacionais, exceção feita aos atos de agressão ecológica que, apesar de não regulados pela Definição de Agressão das Nações Unidas de 1974, mas que não são atos essencialmente políticos ou de política, como os trata TIMOSHENKO, mas atos próprios regulados pelo direito dos conflitos armados, portanto próprios da dimensão militar da segurança ecológica.
Em matéria humanitária, de "direitos humanos", a segurança ecológica corre o risco de ser interpretada na amplitude leiga do termo, o qual erroneamente conduz a extremos em ambas as partes envolvidas, cujo equilíbrio talvez esteja no princípio de desenvolvimento sustentável, representado na equação - preservação e desenvolvimento - o qual se revela como um grande paradoxo entre os interesses concorrentes: precisamos de um meio ambiente saudável, de bem estar, mas o processo de desenvolvimento implica na modificação do meio ambiente; a economia baseia-se na circulação e especulação de riquezas, mas os deleites do lucro pressupõem a própria existência humana. Apesar da universalidade do termo, as iniciativas tendentes à implementação de um projeto de desenvolvimento sustentável, de modo especial no mundo em desenvolvimento e em grande parte do mundo desenvolvido esbarra no "Direito ao Desenvolvimento", que garante aos Estados a exploração sem interferências de outros Estados de seus recursos e riquezas, um princípio concebido em resposta negativa ao neocolonialismo que usurpou dos atuais países em desenvolvimento riquezas e que, de certa forma, deixaram como legado uma cultura de exploração desmedida do meio ambiente. Basta analisar o mote das preocupações com o meio ambiente: atmosfera, clima, espaços polares e cósmico, todas áreas comuns, economicamente interessantes ou essencialmente vitais para a preservação da humanidade, ou se poderia dizer, dos próprios interesses e nacionais dos países desenvolvidos.
Direitos humanos devem representar muito mais que instrumentos de política internacional, devem representar aspirações de uma comunidade internacional determinantes de sua própria autopreservação como Estados soberanos. Preservam-se os direitos humanos para se preservar os Estados, preservam-se os direitos humanos para preservar os homens e seus interesses revestidos de interesses dos Estados. É o Estado, pedra angular do direito internacional, a razão da preservação dos direitos humanos, mais um paradoxo. Soberania, autodeterminação dos povos, não-intervenção, segurança internacional, reciprocidade, todos elementos que podem ter justificada sua aplicabilidade universal enquanto "direitos humanos", isto porque se procura preservar nos indivíduos e em seus direitos fundamentais a própria perpetuação do modelo centralizador do Estado. Por estas razões é que defendemos que a segurança internacional não deve ser administrada sob uma vertente humanitária principiológica, mas casuística, pois não se pode atribuir à ecologia, apesar da relevância e extrema importância de seu escopo preservacionista da própria vida humana, o poder discricionário de atingir a soberania dos Estados, sob pena de um sério comprometimento da comunidade internacional e de seus legítimos interesses que não se resumem apenas à preservação da vida, mas também ao desenvolvimento que conduz (ou deve conduzir) à eliminação da pobreza, principal causa dos danos ao meio ambiente.
Bibliografia.
BULAJIC, Milan. Principles of International Development Law. Progresive Developrment of the principles of International Law Relating to the New International Economic Order, 2ª ed., Martinus Hijhoff Publishers, Londres.
BURMESTER, Henry, "National Sovereignty, Independence and Impact of International Standards". Sydney Law Review, vol. 17.
CINTRA, Celso. GRINOVER, Ada Pelegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996.
GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, v. 01., 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1989.
HOBBES, Thomas. Leviathan, Philosophie Politique, tradução de François TRICAUD, Paris, Édition Sirey, 1971, p. 124
LASKI, Harold J. El Estado Moderno - Sus Instituciones Politicas y Económicas, Barcelona, 1932.
ROSSEAU, Charles. Les Droit des Conflicts Armés, Éditions A. Pedone, Paris.
SCHWARZENBERGER, Georg. Power Politics. A study of international Society, Fredereick A Praeger, Inc., NY, 1951.
TIMOSHENKO, Alexandre S., Ecological Security: response to global challenges....
Outras fontes:
Le transferts internationaux de populations. Publicação da "République Française, Ministère de L’Economie Nationale - Institut National de la Statisque et des Études Économiques - Direction de la Conjoncture et des Études Économiques - Études et Documents, série B-2, Presses Universitaires de France", 1946.
International Legal Materials, publicação da American Journal of International Law, acervo da Faculdade de Direito da USP.
Internet: : texto integral das resoluções da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Notas
1. Em especial os artigos 24, 34, os Capítulos VI e VII (RANGEL,, Vicente Marotta, Direito e Relações Internacionais, 5ª ed. revista e atualizada., São Paulo, RT, 1997, p. 31).
2. É na identificação dos princípios de direito do meio ambiente que se verifica o elastério preocupante sobre a extensào do princípio da segurança ecológica. como um princípio de segurança internacional.
3. Princípio 24: "International matters concerning the protection and improvement of the environment should be handled in cooperative spirit bu all countries, big and small, on an equal footing."
4. 16 ILM 88; A/RES/31/72.
5. Declaração Universal dos direitos do Homem: artigo III. "Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal." (RANGEL, op. cit., p. 646).
6. O Pacto da Sociedade das Nações é a primeira parte do Tratado de Versailhes firmado entre os Aliados e a Alemanha em 28 de ujnho de 1919. No preâmbulo deste instrumento lê-se "...que a garantia da paz e da segurança internacionais importam na aceitação de certas obrigações de não recorrer à guerra". Paz, segundo o tratado, importava na redução de armamentos para um mínimo possível para a manutenção da segurança nacional (art. 8º). (in RANGEL, op. cit., p.19).
7. RANGEL, op. cit., p. 31.
8. SCHWARZENBERGER, Georg. Power Politics. A study of international Society, Fredereick A Praeger, Inc., NY, 1951, p. 492.
9. Os atos de agressão também foram objeto da Resolução da Assembléia Geral da ONU nº 3314 (XXIX), de 14 de dezembro de 1974.Vale anotar a distinção entre os "atos de agressão" e os "crimes de agressão": os primeiros são atos de Estado contra outro Estado, regulados diretamente pelo direito internacional; os segundos, são crimes cometidos por indivíduos, regulados indiretamente pelo direito internacional e carecedores de regulamentação pela Assembléia Geral da ONU, conforme dispõe o artigo 5º do Tratado de Roma de 1998, que estabeleceu a Corte Penal Internacional.
10. "Nenhum Estado ou grupo de Estados têm o dirieto de intervir direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro Estado. Este princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem" (RANGEL, op. cit., p. 87).
11. BULAJIC, Milan. Principles of International Development Law. Progresive Developrment of the principles of International Law Relating to the New International Economic Order, 2ª ed., Martinus Hijhoff Publishers, Londres, p. 5.
12. Adotado pela Assembléia Geral da ONU (A/RES/2200 A (XXI), em 16.12.66); entrou em vigor internacionalmente em 03.01.76, foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 226, de 12.12.91 e promulgado pelo Decreto 591, de 06.07.1992 (RANGEL, op. cit., p. 668).
13. A/RES/3201 (S-IV)
14. Do Preâmbulo da referida Resolução: "Recalling also the right of peoples to exercise, subject to the relevant provisions of both International Covenants on Human Rights, full and complete sovereignty over all their natural wealth and resources,... Considering that international peace and security are essential elements for the realization of the right to development,...Recognizing that the human person is the central subject of the development process and that development policy should therefore make the human being the main participant and beneficiary of development..Article 1, 2: The human right to development also implies the full realization of the right of peoples to self-determination, which includes, subject to the relevant provisions of both International Covenants on Human Rights, the exercise of their inalienable right to full sovereignty over all their natural wealth and resources....Article 2, 2: All human beings have a responsibility for development, individually and collectively, taking into account the need for full respect for their human rights and fundamental freedoms as well as their duties to the community, which alone can ensure the free and complete fulfilment of the human being, and they should therefore promote and protect an appropriate political, social and economic order for development."
15. "Principle 21: States have, in accordance with the Charter of United Nations and the principle of international law, the sovereign right to exploit their own resources pursuant to their own environmental policies, and the responsability to ensure that activities within their jurisdiction or control do not cause damage to the environment of other States or of areas beyond the limits os national jurisdiction."
16. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, in 31 ILM 1992, 874.
17. Resolução do Conselho de Segurança 713, de 25.09.91, que decidiu pelo embargo de equipamentos militares à Yugoslávia. Do preâmbulo lê-se: "Deeply concerned by the fighting in Yugoslavia which is causing a heavy loss of human life and material damage, and by the consequences for the countries of the region, in particular in the border areas of neighbouring countries,....Concerned that the continuation of this situation constitutes a threat to international peace and security,...Recalling its primary responsibility under the Charter of the United Nations for the maintenance of international peace and security,...Recalling also the provisions of Chapter VIII of the Charter of the United Nations..."; mais adiante, de suas resoluções extraem-se as seguintes: " 6. Decides, under Chapter VII of the Charter of the United Nations, that all States shall, for the purposes of establishing peace and stability in Yugoslavia, immediately implement a general and complete embargo on all deliveries of weapons and military equipment to Yugoslavia until the Security Council decides otherwise following consultation between the Secretary-General and the Government of Yugoslavia".."
18. Resolução do Conselho de Segurança 733, de 23.01.1992. Em setembro de 1994, ainda quanto à Somália, a resolução do conselho de Segurança 946 (1994) reconhecia a deterioração da segurança do meio ambiente na Somália, condenado por ataques contra a missão da ONU.(...........).
19. RANGEL, op. cit., p. 449.
20. Tratado sobre princípios reguladores das atividades dos Estados na exploração e uso do espaço cósmico, inclusive a lua e demais corpos celestes, in RANGEL, op. Ccit., p. 593). Também: Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas 1.962 (XVIII): "Declaração dos Princípios Jurídicos Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaco Cósmico", 13.12.63, a qual declara o espaço cósmico como patrimômio comum da humanidade em seu artigo I. No artigo III, estabelece o princípio de que a exploração e uso do espaço cósmico deverá se dar em conformidade com o Direito Internacional, a Carta das Nações Unidas, com a finalidade de manter a paz e a segurança internacionais e de favorecer a cooperação e compreensão internacionais.
21. Este tratado foi assinado em Brasília, em 03 de julho de 1978, entrando em vigor em 03 de agosto do mesmo ano. (RANGEL, op. cit., p. 129).
22. ROSSEAU, Charles. Les Droit des Conflicts Armés, Éditions A. Pedone, Paris, p. 2.
23. Litígios, nos dizeres de CHIOVENDA, são "conflitos de interesses"; para HOBBES ("Car la GUERRE ne consiste pas seulement dans la bataille et dans des combats effectifs; mas dansun espace de temps au la volunté de s’affrouter eu des batailles est suffisament avérée" (HOBBES, Thomas. Leviathan, Philosophie Politique, tradução de François TRICAUD, Paris, Édition Sirey, 1971, p. 124), podem ser também considerados como litígios a simples ameaça de conflito, ainda que este jamais venha a ocorrer. Para Francesco CARNELUTTI, citado por Vicente GRECO Filho, "Há conflito entre dois interesses quando a situação favorável para a satisfação de uma necessidade exclui a situação favorável para a satisfação de uma necessidade diversa." (CARNELUTTI, Francesco. Sistema del diritto processuale, Padova, 1936, v. 7,p. 3, citado por GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, v. 01., 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1989, p. 12, nota 2.. De qualquer forma, tem-se o litígio no "interesse" dos sujeitos, independentemente da resistência de outrem (Segundo ensinam CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (Teoria Geral do Processo, 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 20) os... " conflitos caracterizam-se por situações que uma pessoa, pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo - seja porque a) aquele que poderia satisfazer sua pretensão não a satisfaz, seja porque b) o próprio direito proíbe a satisfação voluntária da pretensão...").
24. "Nous entendous par transfert international de population la rupture volontaire ou forcée, mais définitive, des liens qui attachent un groupement humain détermine à un région qui l’avu naître, ou il la vécu pente-être depuisun temps immémorial, rupture suivie du transfert sur le territorie d’un autre Etat á la suite d’un accord international, qui en règle les modalités quant aux persones et quant aux biens." (Le transferts internationaux de populations, République Française, Ministère de L’Economie Nationale - Institut National de la Statisque et des Études économiques - Direction de la Conjoncture et des études économiques - études et documents, série B-2, 1946, Presses Universitaires de France)
25. TIMOSHENKO....
26. JEAN BODIN ("Les Six Livres de la République") esclarecia que a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma República.
27. BURMESTER, Henry, "National Sovereinty, Independence and Impact of International Standards". Sydney Law Review, vol. 17, p. 127.
28. HAROLD J. LASKI ("El Estado Moderno - Sus Instituciones Politicas y Económicas", Barcelona, 1932), professor de Ciência Política na London School of Economics, citando KATEZENBACH e KAPLAN, vê a soberania como um fenômeno político e conclui que os Estados, isoladamente, de modo absoluto, não sãocapazes de solucionar problemas de repercussão em toda a humanidade.
29. JELLINEK dizia que... "Na sua origem histórica, a soberania é uma concepção política, que somente mais tarde condensou-se numa índole jurídica." (Teoría General del Estado, p. 74).