VII- Anexo II (7)
Veja a ementa e os principais fragmentos da decisão
RO 0504/2002
Relatora: Juíza Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro
Revisor: Juiz Douglas Alencar Rodrigues
Recorrente: HSBC Seguros Brasil S/A
Recorrente: Omitido
Recorrido: Os mesmos
Origem: 13ª Vara do Trabalho de Brasília – DF
(Juiz José Leone Cordeiro Leite)
EMENTA: JUSTA CAUSA. E-MAIL. PROVA PRODUZIDA POR MEIO ILÍCITO. NÃO-OCORRÊNCIA. Quando o empregado comete um ato de improbidade ou mesmo um delito utilizando-se do e-mail da empresa, esta em regra, responde solidariamente pelo ato praticado por aquele. Sob este prisma, podemos então constatar o quão grave e delicada é esta questão, que demanda a apreciação jurídica dos profissionais do Direito. Enquadrando tal situação à Consolidação das Leis do Trabalho, verifica-se que tal conduta é absolutamente imprópria, podendo configurar justa causa para a rescisão contratual, dependendo do caso e da gravidade do ato praticado. Considerando que os equipamentos de informática são disponibilizados pelas empresas aos seus funcionários com a finalidade única de atender às suas atividades laborativas, o controle do e-mail apresenta-se como a forma mais eficaz, não somente de proteção ao sigilo profissional, como de evitar o mau uso do sistema internet que atenta contra a moral e os bons costumes, podendo causar à empresa prejuízos de larga monta.
(...)
MÉRITO
RECURSO DA RECLAMADA
JUSTA CAUSA. MEIO DE PROVA. LICITUDE.
O juízo a quo não acolheu a justa causa pretendida pela reclamada, alegando que as provas obtidas o foram de modo ilegal, com violação ao artº 5º, XII, da Constituição, razão pela qual condenou a reclamada no pagamento das seguintes verbas rescisórias de direito.
Renova a reclamada, em sede de recurso ordinário, a tese da justa causa. Diz que o autor utilizou indevidamente do correio eletrônico e do e-mail da empresa, os quais que lhe foram concedidos para o exercício regular das suas atividades, para a transmissão de fotos de conteúdo pornográfico.
Aduz, ainda, que existe norma do Banco determinando que e-mail recebido por empregado deverá ficar restrito a assuntos inerentes ao trabalho.
Alega a reclamada que, ainda que assim não se considere, mesmo na hipótese de se entender que tenha sido a prova produzida através de meio ilícito, é importante que seja utilizado ao presente caso o princípio da proporcionalidade, de forma a afastar os extremos, qual seja, a total inadmissibilidade da prova considerada ilícita.
Comungo dos fundamentos lançados nas razões de recurso da reclamada acerca do princípio da proporcionalidade.
A aplicação do princípio da proporcionalidade tem o objetivo de impedir que através do dogma ao respeito de determinadas garantias, sejam violados outros direitos, senão maiores, de igual importância, ou que, igualmente, precisam ser preservados, no caso dos presentes autos, a própria reputação da reclamada, que poderia ter a sua imagem abalada.
A referida teoria, portanto, tem por objetivo sopesar os interesses e valores em discussão, quando da consideração da prova obtida através de meio ilícito, de forma que seja possível a verificação da relação custo-benefício da medida, através da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos.
A proteção à individualidade, à liberdade, à personalidade ou à privacidade, apesar de ser essencial no respeito ao Estado de Direito, não pode ser absoluta, de forma a resultar no desrespeito a outras garantias de igual relevância. Tal fato resulta na necessidade de que haja a ponderação do que gerará maior prejuízo ao cidadão, se é a admissibilidade ou não da prova ilicitamente obtida.
De acordo com a decisão de 1º grau, a reclamada teria utilizado de meios ilícitos, substanciados no rastreamento do e-mail do reclamante, para descobrir quem teria passado as fotos pornográficas para outras pessoas dentro da empresa.
A reclamada, com o objetivo de averiguar quem dentro da empresa estava a praticar tal fato, rastreou não só o e-mail do reclamante, como o seu próprio provedor.
Entendo que, sendo a reclamada detentora do provedor, cabe a ela o direito de rastrear ou não os computadores da sua empresa, mormente quando são fornecidos aos empregados para o trabalho. A partir do momento que surge uma dúvida de uso indevido dos e-mail, por um certo grupo, só se poderá tirar esta dúvida através do rastreamento do seu provedor.
A empresa poderia rastrear todos os endereços eletrônicos, porque não haveria qualquer intimidade a ser preservada, posto que o e-mail não poderia ser utilizado para fins particulares.
É importante frisar que o obreiro, em seu depoimento, conforme se vê às fls. 117, não infirmou as alegações patronais no sentido de que a utilização do e-mail estaria restrita para fins de trabalho, tendo em vista ter declarado "...que o depoente não tem certeza se a reclamada tinha restrição em relação ao uso de e-mail para assunto que não de serviço..."
Nestas circunstâncias sequer se poderia falar em privacidade; o fato é que a reclamada concedeu ao autor um e-mail com vistas à exclusiva utilização para o trabalho, visto que o provedor era do HSBC.
Não há qualquer violação ao e-mail do reclamante, posto que isto não era de sua propriedade. Sendo o e-mail propriedade da reclamada, a mesma poderia ter amplo conhecimento da forma como estava sendo utilizado.
Ocorre que muitos funcionários vêm se utilizando da internet e da intranet para fins outros que não os inerentes às atividades da empresa. Tal conduta traduz-se em ato faltoso e, do ponto de vista de muitos juristas, inclusive, ensejador de rescisão contratual por justa causa. Há que se concordar que tal situação não pode ser enquadrada no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, que dispõe:
"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal ".
O legislador constituinte, ao criar este dispositivo, o fez com o intuito de proteger a intimidade das pessoas, em situações que comumente ocorrem em locais privados. Entretanto, é evidente que dentro de uma empresa, onde todos os instrumentos são de sua propriedade e disponibilizados aos empregados com o único objetivo de melhor desenvolverem suas atividades, a situação é diversa, sendo até mesmo óbvio que não exista "confidencialidade" dentro das empresas e que os usuários, acima de tudo, não confundam sua vida particular com a atividade profissional.
Quando o empregado comete um ato de improbidade ou mesmo um delito utilizando-se do e-mail da empresa, esta, em regra, responde solidariamente por tal ato. Sob este prisma, podemos então constatar o quão grave e delicada é esta questão, que demanda a apreciação jurídica dos profissionais do Direito. Enquadrando tal situação à Consolidação das Leis do Trabalho, verifica-se que tal conduta é absolutamente imprópria, podendo configurar justa causa para a rescisão contratual, dependendo do caso e da gravidade do ato praticado.
Considerando que os equipamentos de informática são disponibilizados pelas empresas aos seus funcionários com a finalidade única de atender às suas atividades laborativas, o controle do e-mail apresenta-se como a forma mais eficaz, tanto de proteção e fiscalização às informações que tramitam no âmbito da empresa, inclusive sigilosas, quanto de evitar o mau uso do sistema internet, que pode, inclusive, atentar contra a moral e os bons costumes, causando à imagem da empresa prejuízos de larga monta.
Desta forma, não há qualquer indício de que a reclamada tenha tentado invadir, deliberadamente, a suposta privacidade do autor, ressaltando-se que, diante da gravidade das denúncias recebidas, cabia ao empregador promover as diligências necessárias à apuração dos fatos denunciados, sob pena de incorrer em omissão.
Assim, não vejo, com a mesma clareza do Juízo a quo, a suposta violação à garantia da intimidade do reclamante, razão pela qual, no presente caso, não há que se falar na obtenção de provas por meio ilícito.
Afastada a pretensa violação ao art. 5º, XII, da Constituição Federal, passo ao exame da valoração do ato praticado como ensejador, ou não, de falta grave.
Entendo que a resolução do vínculo laboral, a par de representar a maior penalidade que pode ser imposta ao trabalhador, na medida em que gera reflexos pecuniários imediatos e profissionais futuros, contraria os princípios da boa fé, do qual deflui o dever de execução leal das obrigações assumidas, e o da continuidade da relação de emprego, no qual se presume o interesse do empregado na manutenção do vínculo empregatício, eis que fonte de sua subsistência.
Justa causa, segundo leciona WAGNER D. GIGLIO, "poderia ser conceituada como todo ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a outra a rescindir o contrato, sem ônus para o denunciante". (In JUSTA CAUSA, Ed. Ltr, p. 13).
Segundo EVARISTO DE MORAES FILHO, é a "justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, sem ônus de espécie alguma para o rescindente, toda e qualquer falta grave que importe em flagrante e profunda quebra de confiança mútua que este contrato supõe". (In A JUSTA CAUSA NA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, p. 35 e 36).
Para que a falta configure justa causa para a extinção do pacto laboral, é necessária a conjugação dos seguintes requisitos: gravidade, atualidade e relação causa-efeito (nexo etiológico).
Analisando a prova dos autos, constato o perfeito atendimento aos requisitos acima.
A doutrina e a jurisprudência já solidificaram entendimento no sentido de que, rompida a fidúcia pelo cometimento de falta grave, a inexistência de sanções anteriores não inibe a aplicação da pena capital.
Vislumbro que o ato praticado pelo reclamante, ou seja, a utilização pessoal de e-mail funcional para fins estranhos ao serviço e de conseqüências nocivas à imagem da empresa, é ato grave e suficiente para a sua dispensa por justa causa.
No presente caso, como já relatado, foram enviadas fotos pornográficas através do provedor da reclamada. Tais e-mail eram enviados com o domínio "@HSBC.COM.BR". O fato, por si só, é suficiente para que fosse atingida a imagem da seguradora perante, inclusive, os seus clientes, eis que fotos pornográficas estariam sendo enviadas de suas instalações.
Verifica-se, portanto, que o autor contrariou as normas da empresa, utilizando-se do correio eletrônico da reclamada, como se seu fosse, o que é suficiente para comprovar a sua má conduta, sendo conveniente rememorar, sob tal aspecto, que as alegações patronais, para a utilização do e-mail, estaria restrita para fins de trabalho, as quais não foram infirmadas pelo reclamante em seu interrogatório.
Na hipótese dos presentes autos, resta patente a total quebra de confiança depositada na mão do empregado, que utilizou o e-mail do seu empregador para receber e repassar fotografias pornográficas, sendo certo que quem arcaria com as conseqüências seria o HSBC, dono do provedor.
Portanto, neste contexto probatório, verifica-se que a quebra abrupta de confiança entre empregado e empregador afigura-se clara, tornando impossível dar continuidade à relação de emprego.
Ficou devidamente demonstrado nos autos o comportamento malicioso e impróprio do reclamante, que compromete definitivamente o vínculo de confiança em que deve se basear a relação empregatícia.
Mau procedimento é uma figura de difícil conceituação, no dizer de WAGNER GIGLIO. Todavia, pode ser tipificado como ato faltoso grave, praticado pelo empregado, que torne impossível ou sobremaneira onerosa, a manutenção do vínculo empregatício, e que não se enquadre na definição das demais justas causas, ainda no dizer do doutrinador. Assim, amparado na doutrina de WAGNER GIGLIO, temos que a conduta do reclamante se enquadra no tipo do artigo 482, "b" da CLT, posto que incompatível com a função exercida na empresa.
Ante o exposto, dou provimento ao apelo da reclamada para, reformando a sentença recorrida, validar a dispensa por justa causa do reclamante.
Finalizo a análise do recurso, colacionado os seguintes arestos:
"Deve ser confirmada a justa causa para dispensa do empregado que, valendo-se da fidúcia especial inerente ao cargo ocupado, causa sensíveis prejuízos ao reclamado, fazendo, em conseqüência, decair a confiança necessária para a manutenção do vínculo de emprego, em face da caracterização de falta grave de desídia, indisciplina e/ou insubordinação pelo obreiro. (TRT 3º Reg., 5ªT. Proc. RO 3844/97; Rel. Juiz Marcos Bueno; DJ dez/97)".
"Assim que tome conhecimento da prática de um ato faltoso deve o empregador providenciar a aplicação da penalidade. Não o fazendo o empregador manteria, por assim dizer, engatilhada e apontada contra o empregado a arma de que dispõe: o poder de aplicar punições. E isso traria inconvenientes para estabilidade das relações trabalhistas, pois o empregado viveria, nesse regime, sob constante ameaça, coagido e impotente, entregue de mãos atadas à vontade discricionária do patrão. No momento em que melhor conviesse à empresa - por ocasião dos aumentos coletivos, por exemplo - romperia o contrato, desenterrando do fundo do arquivo uma falta antiga, cometida pelo assalariado, para justificar a dispensa. Além disso, vivendo sob permanente ameaça de punição, o empregado não teria liberdade para manifestar sua vontade, transformando-se num semi-incapaz. Ora, tal situação é incondizente com a segurança que deve imperar nas relações de emprego. Por isso exige-se que a falta determinante da punição seja atual, sob pena de se lhe negar valor, considerando-a, por presunção comum, perdoada, caso não tenha sido punida imediatamente, após ter chegado ao conhecimento da direção da empresa. Assim, perdendo a atualidade, o ato faltoso não poderá justificar qualquer pena" (in Justa Causa, Ed. Ltr)
Logo, provada a justa causa para a dispensa do Autor, exclui-se da condenação à reclamada o pagamento das seguintes verbas rescisórias: aviso prévio indenizado, 6/12 de salário trezeno e 4/12 de férias proporcionais acrescidas em 1/3.
(...)
EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS PARA APURAÇÃO DE INDÍCIO DE CRIMES.
Requer o Ministério Público do Trabalho a expedição de ofício ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para que cogite da incidência de crime de violação de correspondência e ao Ministério Público Federal para que tome as providências cabíveis para verificar possível veiculação de material pornográfico envolvendo menores.
Considerando-se o teor do voto pelo não-reconhecimento do crime de violação de correspondência e, ao contrário, possibilidade total de a empresa rastrear "e-mails" enviados por meio de seu provedor e, ainda, pela análise relativa tão-somente à incontroversa veiculação de material pornográfico com total utilização de equipamento da empresa, sem identificação das pessoas que neles figuram, indefere-se o requerimento de remessa de ofícios ao MPDFT e Ministério Público Federal, por total incompatibilidade com a decisão ora proferida.