Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Cautelas Necessárias na Aplicação de Multas Tributárias

Princípios e Elementos Constitutivos

Agenda 14/11/2014 às 16:46

Trata-se de estudo acerca dos excessos cometidos pela Administração Fazendária ao aplicar penalidades por descumprimentos legais tributários e dos cuidados cujas observâncias são imprescindíveis para evitar tais iniquidades no arbitramento de multas.

1. Princípios tributários como norteadores para aplicação de multas

As normas infraconstitucionais têm de ser interpretadas à luz dos princípios incrustados na Lei Maior. Trata-se de exegese necessária, a qual se presta a evitar a banalização da essência do texto constitucional, a minoração da importância daquilo que nele está implícito.

Logo, este exercício hermenêutico acerca das normas postas, de interpretá-las sem se olvidar dos princípios do direito pátrio, torna-se precípuo para a efetivação de um ordenamento harmônico e verdadeiramente justo.

Em matéria tributária, no que se refere, especificamente, às exações de caráter punitivo – isto é, as multas - as observâncias da Proporcionalidade, Razoabilidade e Não confisco são imprescindíveis.

A fim de compreender a razão desta importância, válido destrinchar cada um dos princípios destacados alhures, de forma resumida.

Partindo do pressuposto de que princípio é um enunciado dotado de elevado valor axiológico, pode-se dizer que a Proporcionalidade tem por fito: i) garantir a adequação das normas aos fins aos que elas se destinam; ii) assegurar o emprego dos meios menos prejudiciais para a consecução dos objetivos normativos; iii) fazer com que se tenha a certeza de que os benefícios gerados com a aplicação daquele excerto legal sejam superiores aos ônus que ele acarreta. Assim, têm-se o trinômio adequação-necessidade-proporcionalidade stricto sensu.

A razoabilidade, por sua vez, consiste no limite entre o aceitável e o inaceitável, restringindo a discricionariedade concedida ao Estado.

E o não confisco, como espécie de resultado da cumulação dos dois princípios anteriormente descritos, aplicada ao estudo tributário, objetiva obstar o arbitramento de cobranças exorbitantes, incompatíveis com os contextos em que se inserem tais exações, simbolizando proteção ao contribuinte, na medida em que perseguida a melhor e a menos onerosa solução para os direitos e liberdades do sujeito passivo em questão.

Pois bem. A aplicação de multas consistidas em valores altos implica em um desvirtuamento do próprio instituto da penalidade tributária. O fito da multa é coibir a reincidência do sujeito passivo na prática daquilo considerado ilícito, e, portanto, a renda auferida com o pagamento desta é de caráter excepcional, eventual.

Diferentemente do tributo, da obrigação tributária principal, os frutos dos adimplementos de multas por descumprimentos obrigacionais (i) não se destinam à arrecadação de recursos para suprir os gastos da União, (ii) não constituem receita ordinária, (iii) nem se prestam a incrementar a receita pública.

Logo, a recorrência de arbitramentos, pelos órgãos fazendários, de valores exorbitantes de punições por descumprimento de obrigações tributárias simboliza a deturpação da finalidade imanente à criação de penalidades. Elide-se, portanto, com esta prática, a diferença precípua entre multa e tributo.

De conseguinte, há de se ter uma proporção entre os danos advindos do inadimplemento obrigacional do contribuinte e a multa que vai ser cobrada, sob pena de se tornar a penalidade mais um instrumento de arrecadação, quando, em verdade, esta consiste em meio apto apenas a coibir a prática reiterada do ilícito, conforme explicado anteriormente.

Neste mesmo sentido, posicionou-se o Egrégio TRF4:

MANDADO DE SEGURANÇA. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA DESCUMPRIMENTO. MULTA. EFEITO CONFISCATÓRIO. - A multa, como sanção pelo descumprimento de obrigação acessória, deve guardar proporção com o "dano" causado por este mesmo descumprimento, não podendo desvirtuar sua natureza, a ponto de se tornar mero instrumento arrecadatório, de efeito nitidamente confiscatório. - Em que pese não ser o sigilo de dados não um princípio absoluto, há que se valer, no caso, dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no que tange à aplicação da multa pelo descumprimento de obrigação acessória. Assim, é devido a aplicação de multa, todavia, deve ser aplicada a tese da interpretação mais favorável ao contribuinte, aplicando-se, no caso, a multa contida no inciso I do art. 46 da MP nº 2158-35/2001, qual seja, a de R$ 5,00 (cinco reais) por cada grupo de cinco informações omitidas, nos termos da legislação aplicável à espécie. (TRF-4, Relator: ALCIDES VETTORAZZI, Data de Julgamento: 17/06/2003, SEGUNDA TURMA)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Portanto, deve-se, sempre, imprimir as noções de Proporcionalidade, Razoabilidade e Não Confisco no exercício de quantificação das punições a serem postas, a fim de que haja coerência entre o descumprimento e a multa a ser cobrada. Assim dispõe Hugo de Brito Machado, em trecho de sua obra:

"O que impede a cominação de multas exorbitantes é o princípio constitucional de proporcionalidade, no que alberga a ideia de que deve haver uma proporção, em sentido estrito, entre a gravidade do ilícito e a sanção ao mesmo correspondente."[2]

E, em consonância, o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2. º E 3.º DO ART. 57 DO ATO DAS DOSPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPUBLICA. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente. (STF - ADI: 551 RJ, Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 24/10/2002, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 14-02-2003 PP-00058 EMENT VOL-02098-01 PP-00039)

2. Necessidade de coerência quanto ao lastro utilizado para o cálculo das penalidades

Outro erro, quase sempre perpetrado pela Administração Pública, consiste em calcular multas por descumprimento de obrigações acessórias a partir da base de cálculo de tributo.

Pertinente, portanto, traçar uma distinção entre as penalidades que decorrem do não recolhimento do tributo e aquelas advindas do descumprimento de obrigações acessórias, vez que o arbitramento da multa deve guardar conexão com o ilícito ao qual ela se vincula.

Se o inadimplemento é de obrigação principal, relativa ao pagamento de imposto, por exemplo, é bastante adequado que a valoração da punição a ser aplicada baseie-se no montante do tributo não recolhido ou em sua base de cálculo.

Por outro lado, quando o descumprimento é de alguma incumbência do contribuinte referente a ato que tenha por fito facilitar a arrecadação ou fiscalização por parte da Administração Pública, no âmbito tributário – ou seja, de obrigações acessórias – afigura-se incoerente arbitrar a respectiva multa calculando-a com lastro no quantumou base de cálculo do tributo com o qual tal dever descumprido se relaciona.

Leciona, neste sentido, Hugo de Brito Machado:

“A multa, como sanção que é, há de se corresponder à não-prestação. Assim, se o inadimplemento concerne a obrigação de pagar um tributo, é razoável seja uma multa proporcional ao valor deste, ou de sua base de cálculo. Entretanto, se é sanção pelo inadimplemento de uma obrigação acessória, a multa não pode ser aquela proporcional ao valor do imposto, ou de sua base de cálculo do tributo. Salvo, repita-se, nos casos que a multa fixa, cominada especificamente para o inadimplemento de obrigação acessória, seja mais onerosa.”[3].

Cabível, neste passo, reiterar a construção retórica tecida anteriormente: em sendo o fundamento da multa o descumprimento de dever legal, cujo objetivo é o de sancionar o inadimplemento, e não arrecadar patrimônio, mostra-se inapropriado que o valor do tributo consista no parâmetro para definição do quantum da penalidade a ser paga.

Viola a proporcionalidade e a razoabilidade a aplicação de multas em percentual da quantia do tributo, ou de sua base de cálculo, pois dá margem à constituição de valores incompatíveis com a obrigação descumprida, com o dano causado – ou com a falta dele – além de subverter o sentido em aplicar-se multas com caracteres distintos para o descumprimento de obrigações principais e para o de acessórias.

3. Conclusão

Neste toar, várias balizas, constantemente esquecidas pela Administração Pública, devem ser utilizadas no exercício aplicador de multas tributárias. Os princípios, os elementos constitutivos, aqui resumidos anteriormente, prestam-se como diretrizes ao hígido arbitramento de penalidades.

Contudo, a ânsia arrecadatória parece se sobrepor à necessidade técnica, ao respeito aos preceitos do ordenamento, à despeito das orientações legais.

E, no final das contas, o destinatário do prejuízo é sempre o mesmo: o contribuinte.

4. Referências Bibliográficas

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34ª Ed. Malheiros Editores. São Paulo, 2013.

MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997.

JANCZESKI, Célio Armando. Multas por descumprimento de obrigação acessória e sua interpretação e aplicação segundo princípios constitucionais. São Paulo: Revista Dialética de Direito Tributário nº 198, 2012.


[2] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 34ª Ed. Malheiros Editores. São Paulo, 2013. P. 42

[3] MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos Fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética, 1997. P. 227

Sobre o autor
Leonardo Barros

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Estagiário de Direito Tributário em Sá Monteiro, Caribé & Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!