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O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.

Histórico, desenvolvimento e a era digital

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

VI. - A ilegitimidade da autenticação notarial de documentos digitais:

Temos sido surpreendidos com equivocado enfoque sobre o documento digital, insistindo, alguns tabeliães de notas, em deter atribuição para extrair, de instrumentos e documentos originais, em meio papel, que lhes são apresentados, cópias em forma digital, as quais gravam em mídia eletrônica (CD-ROM, disquete ou similar), atestando, por meio de ata notarial, sua conferência com os aludidos originais, de modo a pretender extrair, no futuro, cópias autenticadas dessa mídia, materializáveis em meio papel, a qualquer tempo, e dispensada nova apresentação dos originais, que lhes deram origem (com perdão do pleonasmo, que ora se faz necessário para melhor compreensão do equívoco).

Alguns outros, cientes de que a atribuição legal para a preservação e perpetuidade do conteúdo desses documentos (em sentido amplo), bem como de sua necessária publicidade, prova de data e obtenção de efeitos perante terceiros, pertence aos registradores de títulos e documentos [22], para garantir que suas futuras "cópias", sejam oponíveis a terceiros, com efeitos de original, além de lavrarem a referida ata, acautelam-se com o registro do conteúdo dessa mídia, no serviço local de títulos e documentos, não deixando claro, entretanto, quem irá extrair as futuras e eventuais "cópias": se eles, tabeliães, atestando tratarem-se de "cópias autenticadas"; ou os registradores de títulos e documentos, que extrairão certidões, com legal efeito de original, dos documentos arquivados.

O engenho, todavia, em ambas as hipóteses, não os leva à pacificação dos procedimentos. Ao contrário, qual Sísifos, estão condenados no Hades a rolar, até o topo de uma colina, a grande pedra do equívoco, a qual, ao atingir o ponto mais alto, rolará novamente para baixo, de tal forma, que sua punição restará eterna [23], qual enigma insolúvel, posto que amparado em falsa premissa.

A questão, como vimos, versa conceito basilar, o de documento original, porque somente desse podem ser confrontadas e atestadas suas cópias, assim autenticadas (não autênticas!), não admitindo nosso direito a extração de nova cópia autenticada de outra cópia autenticada, anteriormente, porque só se pode autenticar reproduções em confronto com o original, o que deu origem.

Assim, sabendo-se que, em ambas as situações, seja através da simples digitalização de documentos, acompanhada de uma ata notarial que atesta sua conferência; seja adicionado, a esse ato, o registro dos documentos que formam seu conteúdo, em mídia reproduzida, resultante (CD-ROM, disquete, etc), em registro de títulos e documentos, o certo é que, em nenhuma das duas hipóteses, poderá, o Tabelião de Notas, extrair, dessa mídia, novas cópias autenticadas, por faltar-lhe o requisito essencial do confronto com o original, que essa mídia não é.

(Aliás, a rigor, nesse caso, nem mesmo o registrador de títulos e documentos poderia recepcionar, como se originais fossem, as reproduções contidas em mídia eletrônica, declarada em ata notarial, porque versam cópias; e, se os recepcionar como cópias, anexas à ata notarial, não lhes poderão conferir autenticidade, que, como cópias, não detém. As certidões dessas reproduções extraídas não poderão valer como originais, porque as reproduções apresentadas não o eram).

Nem se diga, também, que o próprio CD-ROM ou disquete retrata uma cópia autenticada, porque, como é óbvio, a cópia terá de manter similitude formal com o original, ou seja, se o original apresentado está em meio papel, somente em meio papel poderá ser extraída uma verdadeira cópia autenticada, porque se fará necessário atestar que a cópia "confere com o original", integralmente, com fidelidade de forma, e não sua mera similitude, não se admitindo a extração de atestado que refira a que somente o conteúdo confere com o original. A pública-forma não existe mais!

Aqui, faz-se necessário repisar que, tanto os atos de autenticação de cópias como os de reconhecimento de firmas possuem natureza de mera atestação e não de certificação, como pretendem alguns notários, porque somente têm natureza de certificação os atos que notários e registradores praticam por meio de extração de seus arquivos, de seus livros, onde constam perpetuados os registros, os conteúdos dos documentos por eles lavrados ou registrados.

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Não podendo arquivar os documentos originais (porque essa é atribuição dos registros de títulos e documentos), impedidos restarão, também, os Tabeliães de Notas, de extraírem certidões desses documentos (ao contrário dos registros de títulos e documentos, onde registrados, arquivados em seus livros) e a cópia digital, deles extraída, não terá nenhum valor, seja porque não conferem, a rigor, com a forma do original, seja porque não irão gerar nenhum efeito, eis que não foram extraídas, como certidão, de atos registrados em títulos e documentos, mas, e apenas, como um plus, gracioso, de um ato notarial anódino e sem nenhum efeito prático, que é a escrituração de uma ata notarial de conferência de documentos, declaratória, acompanhada de uma mídia, sem nenhum valor ou respaldo jurídico, porque os documentos reproduzidos não estão e nem poderão estar arquivados nos livros notariais. Não há possibilidade de sobreposição de atribuições na lei. A regra especial afasta a geral.

As atas notariais visam à autenticação de fatos (e não de documentos!), e as mídias delas assim resultantes, como acessórios, seguirão a nulidade antecedente do principal, pela ilegitimidade notarial para seu arquivamento.

Não sendo os documentos originais e, sendo inadmissível a extração de cópias autenticadas de outras cópias autenticadas (que, como visto, também não o poderão ser), de nada valerá essa mídia, quer dizer, não gozará de nenhum efeito ou valor jurídico.

Assim, por maior que seja a evolução digital, não se reveste de pedra filosofal, capaz de transformar mera reprodução de imagem de documento original em ouro, ou em outro documento original, como um clone de vida própria. Ou, como disse o douto magistrado Marcio Martins Bonilha Filho, ao decidir sobre a ilegitimidade dos notários para assim proceder, "é induvidoso que a utilização do meio digital não afetou as atribuições respectivas, nem alterou o sistema de competência, na prestação dos serviços delegados", destacando que, "a prática de atos de arquivamento, que não passaria afinal de registro de títulos e documentos, para fins de publicidade, para fazer prova perante terceiros, ou autenticar data, mesmo para mera preservação e perpetuidade, constitui atribuição exclusiva dos serviços registrais de títulos e documentos, nos termos da legislação vigente (artigo 12 da Lei 8935/94; artigo 127 da Lei 6015/73)." [24]

Por isso que essa cópia, assim digitalizada, como acessório de ata notarial, não é o documento, o original. É muito simples.

Como já vimos, os conceitos jurídicos de cópia e original se opõe, não podendo ser confundidos, porque o original é uno (independente do número de vias, que é outra coisa), é o escrito em que se materializou a vontade humana, que deu origem ao ato ou negócio jurídico. Cópia ou reprodução, autenticadas ou não, não são o original, não é o mesmo, é outro! É uma nova produção.

Foi visto acima que, os Tabeliães de Notas somente podem extrair certidões dos atos por eles lavrados e que, portanto, constam arquivados em seus livros de notas. Assim sendo, o documento, instrumento ou título particulares, em meio papel, que lhes sejam apresentados para mera conferência, ou atestação, jamais darão ensejo à criação de um "novo" original.

Sabendo disso, o legislador pátrio criou o serviço de registro público de títulos, documentos e outros papéis [25], onde o interessado deverá fazer transcrever os instrumentos particulares, para valer como prova das obrigações convencionais de qualquer valor e, facultativamente, de quaisquer documentos, para sua conservação, de modo a conferir, a esses, a necessária autenticidade, autoridade de prova, com presunção de veracidade, que nada mais é que "autorizar, legalizar juridicamente, comprovar legalmente a veracidade de alguma coisa". "A autenticidade do documento ou do ato indica que é ele verdadeiro, exato e está legal." Autêntico, "com a mesma significação da expressão latina authenticus (autorizado, validado, aprovado), significa todo ato que se faz revestido das formalidades legais ou das solenidades exigidas para que possa surtir sua eficácia jurídica. Quer assim significar solene, munido de autoridade, testemunhado publicamente, legalizado juridicamente.""Dá também idéia dos atos originais ou documentos originais." [26]

Vê-se, portanto, que, havendo lei especial, atribuindo somente aos registradores de títulos e documentos a legitimidade para conferir autenticidade aos documentos particulares, não se pode extrapolar da atribuição notarial, com utilização das atas notariais (que servem, apenas, para autenticar fatos presenciados pelo Tabelião de Notas – portanto não escritos pré-existentes, não documentos, com os quais não se confundem –), para mera conferência dos originais com cópias, em qualquer meio, porque essas sempre serão cópias e, como tal, não poderão gerar novas cópias autenticadas, eis que, para nova extração dessas, far-se-á necessário o novo confronto com os originais. A lei especial afasta a geral, não podendo ser utilizada a ata notarial para perpetuar documentos, porque essa atribuição compete aos registradores de títulos e documentos.

Fazendo-se necessário o novo confronto com os originais, demonstra-se sem qualquer nexo ou sentido a lavratura das desnaturadas atas notariais, bem como a extração de cópias digitais (ou mesmo em meio papel), porque vedada a autenticação de cópia confrontada com outra cópia autenticada. Na verdade, assim agindo, o Tabelião de Notas estará atuando ilegitimamente, por não deter a atribuição para conferir autenticidade aos escritos particulares (não sendo exagero tipificar essa atuação como usurpação de função pública [27]), sendo inválidas referidas atas notariais; e, de igual modo, seu acessório, ou seja, a extração de futuras reproduções dos documentos assim conferidos. Esvai-se a presunção de legitimidade do agente público delegado.

É certo que, na prática, pelo desconhecimento de alguns, o que se tem visto é o uso da autenticação de cópias reprográficas em geral. Mas o uso equivocado não justifica a insistência no erro.


VII. -

A adoção da ata notarial para validar o conteúdo de instrumentos digitais:

De início, lembramos que o direito comparado, no tocante às Atas Notariais não pode ser aplicado no Brasil, porque nosso direito prevê outra solução e há mais tempo, atribuindo aos registros de Títulos e Documentos a transcrição de documentos para que adquiram os efeitos da autenticidade, para o que somente agora os alienígenas despertaram.

Mas, apesar de saber disso, os dissidentes engendraram uma teoria e construíram mais um iter no fabrico de um pretenso instrumento público, submetendo o usuário dos serviços cartorários à "solicitação" da lavratura de mais um ato notarial, ou seja, uma ata notarial ― hoje tratada por alguns notários brasileiros como a panacéia universal, mas que, como ressalta GILBERTO VALENTE [28], não tem todo esse alcance e não lhes dá maior autonomia que a das atribuições taxativas concedidas por lei.

Esqueceram, todavia, de dar o devido destaque e ressaltar que, para que o "negócio" das autenticações digitais dê certo, tiveram de criar uma ata notarial e, nesta criação, transcrever o conteúdo do documento digital ou arquivar em sua pasta de escrituras uma cópia, em papel, do referido documento, para poderem, no futuro, quando procurados para extração de cópias autenticadas, fornecê-las.

Algo nos diz que já vimos este filme antes nos registros de títulos e documentos, para conservação e perpetuidade, conforme está disposto no art. 127, VII, da Lei 6015/73.

Quer dizer, de toda essa criatividade, resta uma cópia matriz(?), em vistoso CD-ROM ― porque o original, como vimos, será sempre o que deu origem e seus indevidos "clones" são e serão, sempre, cópias, sem vida própria ―; uma ata ― chamada notarial em razão de sua origem ―, meramente descritiva, declaratória, onde o notário não narra nenhum fato, mas, sim, transcreve ou confere documentos, desvirtuando sua característica e retirando-lhe qualquer valor jurídico, pelo desvio de finalidade (atas notariais visam a narrativa de fatos, não a descrição de documentos); e, um acessório da ata, ou seja, a possibilidade decorrente de extrair outras cópias, no meio papel ou novamente digital, que ficam arquivadas na pasta da escritura, no cartório, para o fim de, no futuro, a pedido do interessado, extrair novas outras cópias, agora pretensamente autenticadas!(?).

É um verdadeiro malabarismo para se obter aquilo que o legislador, em sua singeleza, chamou de "autenticação de cópia de documento".

Lembremos a definição ética e séria que nos dá o 28° Tabelião de Notas da Capital, Dr. Leonardo Brandelli, no site de seu serviço notarial:

"ATA NOTARIAL – Ata notarial é a narração circunstanciada de fatos presenciados ou verificados pelo notário, ou por substituto legal do mesmo, convocado para sua lavratura. É instrumento notarial no qual o notário ou seu substituto narra circunstancialmente um fato ou ato jurídico, relatando a forma de seu acontecimento, o estado das coisas e as manifestações de vontade. Na ata notarial não há juízo de valor do notário acerca do fato relatado. O objeto da ata notarial deve ser juridicamente relevante e que não seja de competência específica de outro oficial ou funcionário público." [29].

Ora, o direito é uma ciência e adota sistema lógico de separação de atribuições nos serviços notariais e de registro. A ata notarial brasileira não se presta a sobrepor atribuições aos notários, nem para abrir uma nova forma de conferência de ou autenticação documentos. Muito menos para a abrir a possibilidade de arquivamento de anexos. Serve, sim, para a lavratura de narrativa de fatos, para verbalizar meios de prova orais ou visuais, testemunhados por alguém ou presenciados pelo Tabelião, mas dos quais não existam provas materiais ou fotográficas suficientes. Havendo, registra-se, para adquirir autenticidade e apresenta-se certidão do registro ou o original em juízo ou a terceiros. Não havendo documento, visando preservar a prova oral ou visual, os fatos são narrados ao Tabelião que, aí, lavra uma ata notarial para o fim de perpetuar verbo ad verbum esse meio de prova oral ou visual ainda não verbalizado. Exemplo corriqueiro é a ata para arrolamento de bens, onde comparece o notário e declara que, na sua presença, foram arrolados bens móveis em determinado local.

Não há espaço, pois, para o aviltamento da ata notarial e nem ela pode "sobrepor-se", como querem sugerir seus defensores, em uma "competência concorrente", sobre a legitimação somente conferida aos registros de Títulos e Documentos.

Quem discorda desses elementares conceitos, estará afirmando: A lei ? Ora, a lei...

Assim, é de se observar que:

· o conteúdo gravado em CD-ROM, extraído de meio papel, não é o documento original;

· também não é publica-forma, porque não concertado por outro Tabelião e porque essa é forma banida do nosso sistema legal, porque implica em criar "clones" de originais;

· a ata notarial está desvirtuada de sua finalidade de descrever fatos, passando a ser utilizada para realização de atribuição dos RTDs, ou seja, transcrever ou arquivar documentos para conservação;

· a ata notarial está sendo impingida ao usuário como uma "venda-casada" de serviços, porque, sem ela, aquele CD-ROM de nada vale.

· as cópias extraídas do CD-ROM são cópias de cópias, não podendo ser autenticadas em Tabelionatos de Notas.

Vejamos, agora, porque afirmamos ser inadmissível a utilização da pública-forma para autenticar documentos.

Sobre o autor
Paulo Roberto de Carvalho Rêgo

oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Cidade de São Paulo, vice-presidente do Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos da Cidade de São Paulo, diretor da Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (ANOREG-SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Paulo Roberto Carvalho. O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.: Histórico, desenvolvimento e a era digital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3382. Acesso em: 5 nov. 2024.

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