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O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.

Histórico, desenvolvimento e a era digital

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VII. - A pública-forma:

Como demonstramos injurídica a utilização das atas notariais na busca em validar os atos de certificação eletrônica notarial, os defensores da tese tabelioa passaram a querer equipará-las às velhas públicas-formas (que, em São Paulo, já teve reconhecida sua extinção pelo item 51.2 do Capítulo XIV das Normas de Serviço da sua egrégia Corregedoria-Geral, que veda sua prática), como se pudessem ser repristinadas.

Mas, para logo pôr fim à celeuma, a verdade é que a Lei 8935/94, em seu artigo 7°, que limita as atribuições dos tabeliães de notas, suprimiu esse ato, derrogando as disposições em contrário.

O silêncio eloqüente das supressões legais, aliás, não é desconhecido dos advogados, pois ele operou, também, recentemente, quando da sanção da Lei 8952/94, a qual, suprimindo sua obrigatoriedade, eliminou a necessidade do reconhecimento de firmas apostas em mandatos ad judicia [30].

É isso mesmo. Face à natureza pública do serviço delegado, os Tabeliães de Notas só podem praticar, os atos elencados no artigo 7° da Lei 8935/94, e, esta, suprimiu de sua competência o ato de produzir a pública-forma.

E não o fez sem razão. Assim se deu porque, esta antiga prática tabelioa ¾ cuja previsão remontava às Ordenações ¾ já se encontrava em desuso face à modernização dos serviços extrajudiciais.

É igualmente sabido que as normas vedam o uso da pública-forma para duplicação de documentos. É vedada a criação de "clones" ou matrizes, em CD-ROM, para duplicação de documentos, como se pretendeu fazer.

Vê-se, pois, que, também a pública-forma não pode justificar a certificação de documentos eletrônicos pela via notarial.


VIII. - A comparação entre os serviços prestados em RTD e nos Tabelionatos de Notas:

Poderão alguns entender que, na prática, pouco importa quem irá realizar a autenticação do documento digital. Por isso, escusamos em confrontar a prática desses atos ante ambos os segmentos cartorários.

Não é a primeira vez que alguém levanta a bandeira da defesa dos interesses do cidadão em proveito próprio, alardeando a equivocada idéia de economia nos custos extrajudiciais. Um simples exame demonstra não serem verdadeiros os benefícios de uma ilegítima autenticação notarial frente ao registro em Títulos e Documentos.

Propugnam, os defensores da certificação notarial, valorizar o serviço que pretendem oferecer ao público, sugerindo que é vantajoso para as partes, porque podem desfazer-se dos seus papéis. Torçam para que nenhum de seus clientes sigam esses conselhos...

Em primeiro lugar, no aspecto jurídico, porque como já visto e é propedêutico, falta legitimidade aos Tabeliães de Notas para dar valor de original às cópias digitalizadas, porque não têm atribuição legal para a prática desse ato. A presunção de legitimidade inexiste. Não são os oficiais de RTD que o disseram. Foi a Corregedoria-Geral do Estado de São Paulo, ao afirmar que:

"a autorização legal para o emprego de tais tecnologias no serviço notarial e de registro, entretanto, não confere valor de original aos documentos arquivados em discos óticos. O documento microfilmado tem valor de original, mas porque existe Lei Federal que assim o garante (Lei 5.433, de 8 de maio de 1968, regulamentada pelo Decreto 1.799, de 30 de janeiro de 1996)"

e finaliza:

"Necessário seriam estatutos federais equivalentes para dar o mesmo valor legal às imagens digitalizadas de documentos, o que não pode ser obtido por norma administrativa"

"Desse modo, admissível é a utilização de discos óticos pelo serviço notarial e de registro, mas apenas na organização e execução de suas atividades, sem que se pretenda dar valor de original às cópias de documentos armazenadas nesse meio." (cf. Proc.CG-4268/96-Capital).

Quer dizer, a legitimidade dos registradores de títulos e documentos está garantida, não por sua fé-pública, mas pelo fato de que registra o documento em seus livros ou microfilme, conforme previsto em lei.

Em segundo lugar, porque as cópias autenticadas pelos Tabeliães de Notas são e sempre serão cópias, por isso incapazes de gerar novas cópias autenticadas [31]. A importância desse elemento está em que as cópias autenticadas têm valor probatório relativo, sujeitando a quem produzi-las em juízo ao desconforto de ter que apresentar seus originais, caso pairem dúvidas da parte contrária ou se faça necessária perícia técnica (grafotécnica, por exemplo).

Imaginemos a hipótese: um usuário, passa em frente a um Tabelionato e toma ciência da possibilidade de conservar seus documentos sob forma digital. Maravilhado com tamanha novidade oferecida por um cartório, manifesta interesse por digitalizar os documentos do seu Imposto de Renda. O tabelião, então, lhe oferece, por uma bagatela, além da digitalização, a lavratura de uma moderníssima ata notarial, a fim de possibilitar autenticá-los no futuro. O usuário, todo pimpão, contratada os serviços. Os documentos são digitalizados, é produzido e entregue a ele seu próprio CD-ROM! O feliz usuário vai para casa, passam-se três anos, algumas mudanças e arrumações feitas por sua irrequieta esposa, e o CD-ROM é extraviado. Coincidentemente, como na Teoria de Murphy, recebe uma alegre notificação da Receita Federal, convidando-o a apresentar "aqueles" documentos... Nosso personagem infla o peito, cheio de sí, e marcha em direção àquele Tabelião que lhe vendera um lugar no paraíso. Lá chegando, pedem-lhe o CD-ROM, para conferência. Ante a negativa, o Tabelião tenta explicar-lhe que, sem CD-ROM, sem cópia autenticada. "Surpresa". Perdeu tudo! Quer dizer, fora o risível do exemplo, se os clientes daquele Tabelião ou do advogado que o orientou, acreditaram em suas promessas, perderão seus direitos e seus processos.

De outra banda, o serviço proposto não traz nenhuma vantagem em comparação ao legalmente atribuído aos Oficiais de Registro de Títulos e Documentos.

De início, porque como bem ressaltou a douta decisão corregedora citada, só a conservação hoje feita em livro próprio ou microfilme tem o mesmo valor legal que o do original. Assim, faz-se necessário registrar o conteúdo do documento digital em microfilme para aferir-lhe necessária autenticidade.

Não fosse o bastante (mas é) e abstraindo-se o aspecto jurídico, pudessem, realmente, os Tabeliães de Notas, produzir CD-ROMs matrizes e entregá-los à parte usuária do serviço, sem "nada arquivar", surgiriam três problemas: um, quanto à segurança do sistema da fé pública; outro, quanto à anunciada economia de espaço; e, last but not least, o preço.

O primeiro, a segurança, porque os defensores da tese enfocada esquecem de dizer que, na tecnologia atual dos meios informatizados, violar a função hash é considerada excluída (não impossível, o que é diferente), porque seriam necessários vários computadores de grande porte, juntos, para realizarem as operações matemáticas necessárias, o que levaria muitos anos. Olvidam de lembrar que os avanços tecnológicos na área da informática desenvolvem-se de forma extremamente rápida e, com isso, o que hoje demandaria anos, amanhã poderá demorar segundos. Assim, ao "não arquivar nada" em seu cartório, o Tabelião de Notas fica impossibilitado de proceder uma segura conferência do conteúdo do CD-ROM que entregou, candidamente, ao usuário e terá de validar, com sorriso amarelo, o que nele estiver inserido no futuro. Registros para conservação, como o nome diz, têm de ser para a perpetuidade, para sempre.

Quanto à economia de espaço, parece a piada do bode. Ora, agora que vimos que o usuário não poderá desfazer-se dos seus originais se "registrados" em Tabelionatos de Notas, quer nos parecer que, além do volume em meio papel, o cliente do Tabelião de Notas terá de guardar, também, vários CD-ROMs.

Não parece um bom negócio, data venia.

A novelinha criada acima jamais aconteceria com um documento registrado em Títulos e Documentos. Porque nesses serviços, o conteúdo é materializado e perpetuado em microfilme, na forma da lei. Para facilitar a vida do usuário dos serviços de Registro de Títulos e Documentos, seus Oficiais, além de garantir o conteúdo dos documentos que lhes são confiados (porque microfilmados, na forma da lei em vigor), nenhum CD-ROM lhe exigem guardar. Passados anos, necessitando obter certidão fiel dos seus documentos, o usuário dos RTDs poderá comparecer, seguro, ao serviço registral e lá irá obtê-la com valor de original. Quer dizer, os serviços de RTD tiram o "bode" da vida de seus clientes!

Ademais, os Oficiais de RTD atestam a segurança jurídica do conteúdo dos documentos que registram, examinando-os na forma dos ditames dos artigos 142 e 156 e seu parágrafo único da Lei 6015/73.

O usuário dos serviços de RTD registra seu documento, não precisa e não leva nenhum CD-ROM desnecessário e, passados quantos anos o Criador permitir, poderá obter certidão integral (e fotográfica) dos seus preciosos documentos, válidas como o original, por força da Lei 5433/68. E ainda não falamos do preço!

Como visto, o virtual Tabelião de Notas, para dar ares de legalidade ao ato, obriga uma "venda casada" de serviços aos usuários (tipo: "autentique um documento e pague uma autenticação e uma ata notarial"). Acreditando menos burocrático, para o cidadão, trocar a prática de um ato, uno e indivísel, regitral (1 registro), feito na hora, por microfilmagem, pela prática de dois atos distintos notariais (uma digitalização autenticada e uma ata notarial de "reforço") - cuja lavratura terá de ser mais demorada, face à transcrição que enseja, por datilografia, ou extração de cópias reprográficas, para arquivo -, e, ainda, mais vantajoso, no aspecto econômico. Equivoca-se duas vezes.

Ora, consultando-se as Tabelas de emolumentos, hoje em vigor em São Paulo, teríamos:

RTDTABELIONATO

Registro conservatório autenticação digital

(doc. sem valor) (valor único)

R$ 14,30 R$ 0,91

+

ata notarial

(doc. sem valor)

R$ 33,04

=

totais: R$ 14,30 R$ 33,95

E, como vimos que, para dar validade à cópia digital, fez-se necessário exigir uma ata notarial e que esta é uma escritura, todas as futuras cópias (porque não poderão ser extraídas de cópias de cópias digitais, evidentemente) exigirão a emissão de certidões da referida ata notarial, na tentativa vã de validá-las.

Onde fica mais caro?

Demonstra-se, assim, mais uma vez, que, também para o público, não há vantagem em eventual usurpação do serviço dos RTDs.

A vista desses fatos, os Oficiais de Registro de Títulos e Documentos da Cidade de São Paulo, viram-se obrigados a postular junto à 2ª Vara de Registros públicos, desta Comarca, a declaração de que a eles, e tão somente a eles, é assegurada, legalmente, a atribuição para autenticar documentos particulares, garantindo sua perpetuidade, presunção de veracidade e efeitos perante terceiros.

Naquela oportunidade, decidiu, aquele mui digno Juízo Corregedor que não detém os Tabeliães de Notas atribuição para autenticar documentos digitais, muito menos extrair cópias das cópias em meio papel. Decidiu a Corregedoria:

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Como se sabe, na esfera do direito registrário, regido pelas normas do direito público, é de rigor a aplicação e a observância do princípio da legalidade. Aqui, tal como sucede em relação ao agente, na administração pública, ao Delegado do Serviço somente é permitido fazer o que a lei autoriza. Nesse ponto, é irrepreensível o invocado ensinamento do sempre lembrado Hely Lopes Meirelles: "Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ´pode fazer assim´; para o administrador público significa ´deve fazer assim´" (Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed., Malheiros Editores, 2.001, p. 82). Aliás, bem citada pelos representantes, como já o fizera o acatado jurista José Afonso da Silva, ("in" Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., Malheiros Editores, 1.992, p. 373/374), por incidir na espécie. É inegável que "o serviço notarial e de registros se subordina rigorosamente ao princípio constitucional da legalidade. O ato praticado ou praticável é sempre previsto em lei, para ser executado e cumprido na forma desta", como elucida o ilustre Advogado Walter Ceneviva, ao apreciar a matéria (op. cit. p. 211). Ademais, no quadro das atribuições legais, e da competência normativa, são distintas as atividades de cada categoria, cumprindo exigir-se a rígida obediência aos limites da atuação dos agentes delegados, que, embora não sejam servidores públicos, pertencem ao quadro de colaboradores do Poder Público, a que se referiu o ínclito Helly Lopes Meirelles (op. cit. p. 75), sujeitos aos mesmos princípios que regem o serviço público, pouco importando, para esse fim, que não ocupem cargo público. Portanto, em se tratando de serviço público, subordinado a regras específicas de Direito Público, é de exigência indeclinável o rigor na observância estrita das atribuições delegadas, sem margem para ampliação da função exercida, que não está legitimada por norma constitucional, tampouco por regra legal. No caso em exame, a oferta de serviços ultrapassou as atribuições pertinentes do representado, que são previstas no artigo 7º da Lei nº 8.935/94, incorrendo em extensão relativa a outros serviços delegados, conforme bem assinalaram os representantes, nos pontos destacados na inicial, a reclamar pronta vedação, por isso que extravasa do campo da atuação notarial delegada do representado, sem que houvesse atribuição residual, como sucede em relação ao registro de títulos e documentos (artigo 127 da Lei nº 6.015/73)...""De outra parte, a prática de atos de arquivamento, que não passaria afinal de registro de títulos e documentos, para fins de publicidade, para fazer prova perante terceiros, ou autenticar data, mesmo para mera preservação e perpetuidade, constitui atribuição exclusiva dos serviços registrais de títulos e documentos, nos termos da legislação vigente (artigo 12 da Lei nº 8.935/94; artigo 127 da Lei nº 6.015/73). Por seu turno, no tema da atuação notarial, sob o prisma da certificação digital, cabe lembrar que a matéria ainda não foi normatizada em nosso Estado, mas é induvidoso que a utilização do meio digital não afetou as atribuições respectivas, nem alterou o sistema de competência, na prestação dos serviços delegados. Aliás, o anúncio de serviços aos usuários, nesse capítulo, gera confusão em aspectos importantes relativos à segurança e ao arquivamento de documentos, com promessa de reprodução futura, como se fosse o próprio original. Do mesmo modo, inviável a prática de autenticação de cópia autenticada. É evidente que o avanço tecnológico exige a evolução no sistema de prestação de serviços registrários, para acompanhar seu desenvolvimento, mas não com o sacrifício de princípios legais e constitucionais indeclináveis e o risco à segurança jurídica e notarial, devendo o representado ficar limitado ao desempenho de suas funções no campo relativo à sua área específica de atuação, sem margem para extrapolar as suas atividades, nada justificando a invasão de competência legalmente reservada... Por conseguinte, acolhendo a representação, nos termos da postulação inicial, determino ao Tabelião que se abstenha da promoção de propaganda a que corresponde ao folheto de fls. 09/10vº, suspendendo a oferta dos atos impugnados, sob pena de instauração de procedimento disciplinar, vedada a prática desses atos (item "b", fls. 08), resguardando-se a atribuição legal dos serviços de registro de títulos e documentos [32].

Roma locuta, causa finita. Quem assim agiu, perdeu tempo e dinheiro; quem continuar a faze-lo irá responder civil e criminalmente por isso.

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Sobre o autor
Paulo Roberto de Carvalho Rêgo

oficial do Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Cidade de São Paulo, vice-presidente do Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos da Cidade de São Paulo, diretor da Associação de Notários e Registradores do Estado de São Paulo (ANOREG-SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Paulo Roberto Carvalho. O Registro de Títulos e Documentos: um instrumento jurídico para segurança da sociedade.: Histórico, desenvolvimento e a era digital. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3382. Acesso em: 25 abr. 2024.

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