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As cláusulas abusivas à luz da doutrina e da jurisprudência

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O CDC reequilibra as relações de consumo, impondo limites às cláusulas abusivas. Analisa-se a nulidade dessas regras, a competência da Secretaria de Direito Econômico e a cobrança extrajudicial de honorários advocatícios como exemplo de cláusula abusiva.

Sumário: 1. Introdução; 2. Cláusulas abusivas, 2.1. A Competência da Secretaria de Direito Econômico, 2.2. Da Aplicação das Portarias da SDE aos Contratos Utilizados no Âmbito do Sistema Financeiro Nacional, 2.3.O Controle das Cláusulas abusivas, 2.4.Efeitos nos contratos, 2.5.Contratos de Adesão, 2.6.A recepção do princípio da predominância da ordem pública pelo CDC como meio de afastamento das cláusulas abusivas nos contratos de adesão; 3. A cobrança extrajudicial de honorários advocatícios como cláusula abusiva; Conclusão; Referências Bibliograficas; Anexo- Sentença proferida em sede de ação de rescisão contratual; Notas.


1. Introdução

As relações contratuais em curso na atualidade, mormente as relações de consumo, são fortemente influenciadas pela economia de mercado, reflexo do processo de globalização no qual se insere toda a sociedade contemporânea; como o Direito não é subsistema normativo ético isolado dos demais, recebe essas influências que o tornam apto a regular as novas relações que emergem do desenvolvimento da sociedade; nesse quadro, vê-se que economia é uma das maiores influenciadoras no desenvolvimento jurídico.

O aumento das relações entre fornecedores e consumidores advindo da nova economia de mercado tornou perceptível uma situação, não vislumbrada até então, de desequilíbrio entre as partes contratantes, o que acabou por franquear o questionamento de institutos outrora inabaláveis, como o pacta sunt servanda, a qual atualmente se admitem restrições; há juristas, como Nelson Nery Junior, que entendem não existir mais, em um contexto atual de nosso direito, o instituto da pacta sunt servanda "stricto sensu" não existe mais. Em se reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor no mercado de massa, fez-se indispensável a criação de aparatos jurídicos capazes de repor equilíbrio entre os pólos contratuais, embora fosse para isso preciso afrontar o posicionamento tradicional dos mestres civilistas a respeito da força obrigatória dos contratos:

"O princípio da força obrigatória no contrato contém ínsita uma idéia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada em conformidade com a lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, é tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos."(Caio Mário da Silva Pereira) 1

"Essa força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é a pedra angular da segurança do comércio jurídico. Praticamente, o princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos significa a impossibilidade de revisão pelo juiz."(Orlando Gomes) 2

Com a crescente evolução de uma sociedade que prima pelo consumismo, surgiram os chamados contratos de adesão, largamente utilizados para a aquisição ou utilização de bens, destacando-se os de alienação fiduciária e o arrendamento mercantil, popularmente difundido como leasing. Trata-se de um contrato estandardizado, que dispensa a prévia discussão das bases do negócio instrumento, e onde vem sendo a praxe a inserção de cláusula abusiva onde se elege o foro do estipulante em detrimento do foro do domicílio do consumidor, de forma que, ao atrasar qualquer das prestações avençadas é o consumidor surpreendido com ação judicial promovida pelo estipulante no foro deste, o que significa uma verdadeira negação de acesso à justiça.

Antes do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas abusivas eram disciplinadas de maneira esparsa no direito positivo pátrio; o Poder Judiciário recorria às regras gerais contidas nos arts. 4.º e 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil para suprir essa lacuna: decidindo de acordo com a analogia, valendo-se do direito comparado e atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum. O art. 85 do mesmo diploma legal era também aplicado (Art. 85 - nas declarações de vondade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem). Outros diplomas legislativos também tratavam do assunto, tais como o Decreto n. 24.038/1934, o Decreto-Lei n. 857/1969, o Decreto n. 59.195/1966 e outros. Há apenas dois artigos no Código Civil brasileiro que proíbem o uso das cláusulas leoninas 3: o art. 115 e o art. 1.372.

Com o advento do CDC4, foram trazidos avanços ao tratamento da proteção contratual do consumidor, tais como: os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores se não lhes foi dada a possibilidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo ou se os respectivos instrumentos foram redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance; é possível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor; como regra básica, no caso de dúvida as cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas em favor do aderente; dentro do período de reflexão de sete dias, pode o aderente exercer o direito de arrependimento, no caso de o contrato de consumo ter sido concluído fora do estabelecimento comercial, tendo direito à devolução imediata das quantias que eventualmente pagou, corrigidas monetariamente pelos índices oficiais; há penalização se o termo de garantia não for adequadamente preenchido e entregue ao consumidor; todo produto ou serviço deve ser obrigatoriamente acompanhado do manual de instalação e instrução sobre sua adequada utilização, redigido em português, em linguagem clara e acessível; apresenta, em seu artigo 51, uma lista exemplificativa das chamadas cláusulas abusivas, que são aquelas cláusulas contratuais não negociadas individualmente e que, frente as exigências da boa-fé, causam em detrimento do consumidor um desequilíbrio importante entre os direitos e obrigações das partes. A previsão de cláusulas abusivas pelo CDC, portanto, não é exaustiva, sendo o Secretário Nacional de Direito Econômico autorizado, pelo art. 58 do Decreto nº2.181/97 (regula o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor), autorizado a editar anualmente um rol exemplificativo do que são tidas por cláusulas abusivas

É objetivo do estudo ora encetado a análise da posição doutrinária e jurisprudencial no que concerne às cláusulas abusivas, e sua conseqüente declaração de nulidade, assim como as implicações decorrentes, posto que, como se pode depreender da observância dos fatos acima expostos, é inegável a importância da devida compreensão acerca do que sejam cláusulas abusivas, e do tratamento dado pela doutrina e jurisprudência a este assunto.


2. Cláusulas Abusivas

Dispõe o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor:

"Art.51º "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade;.".

Cláusulas abusivas, no conceito de Nelson Nery Junior:

"são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusivas as expressões cláusulas opressivas, onerosas, vexatórias ou, ainda, excessivas...". 5

Segundo Hélio Zagheto Gama:

"As cláusulas abusivas são aquelas que, inseridas num contrato, possam contaminar o necessário equilíbrio ou possam, se utilizadas, causar uma lesão contratual à parte a quem desfavoreçam". 6

Assim, há que se entender cláusulas abusivas como sendo aquelas que estabelecem obrigações iníquas, acarretando desequilíbrio contratual entre as partes e ferindo os princípios da boa-fé e da eqüidade.

Conforme disposto no artigo supramencionado, tais cláusulas são nulas de pleno direito, e não operam efeitos, sendo que a nulidade de qualquer cláusula considerada abusiva não invalida o contrato, exceto quando sua ausência acarretar ônus excessivo a qualquer das partes; assim, somente a cláusula abusiva é nula: as demais cláusulas permanecem válidas, e subsiste o contrato, desde que se averigúe o justo equilíbrio entre as partes.

"Assim, a mais abalizada doutrina e atual jurisprudência, com os olhos postos no presente, têm decidido em casos tais que, cláusulas como essa do instrumento havido entre as partes ostentam-se indisfarçavelmente ineficazes e sequer possível o seu aproveitamento".

(STJ – AG Nº 170.699 –MG (97/0088907-6) (Anexo II)

"Conflito de Competência. Competência Territorial. Foro de Eleição. Cláusula Abusiva O juiz do foro escolhido em contrato de adesão pode declarar de ofício a nulidade da cláusula e declinar da sua competência para o juízo do foro do domicílio do réu. Prevalência da norma de ordem pública que define o consumidor como hipossuficiente e garante sua defesa em juízo".

(STJ, Processo N°: 21540, Órgão: Segunda Seção, Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ-24/08/1998)

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"Competência. Código de Defesa do Consumidor. Cláusula de eleição de foro. Contrato de adesão. Cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, de que resulta dificuldade para a defesa do réu. Tratando-se de ação derivada de relação de consumo, em que deve ser facilitada a defesa do direito do consumidor (Art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor), impende considerar como absoluta a competência do foro do domicílio do réu, não se exigindo, pois, exceção de incompetência. Conflito conhecido."

( STJ - 2ª Seção - j. em 13.05.1998, DJU de 16.11.98 )

O CDC apresenta dois momentos distintos de proteção contratual ao consumidor: no primeiro momento, compreendido até a efetiva formação do vínculo contratual (fase pré-contratual), cria novos direitos para o consumidor e deveres para o fornecedor; no momento posterior, são criadas normas proibindo expressamente as cláusulas abusivas nesses contratos, garantindo, assim, uma proteção a posteriori do consumidor, através de um efetivo controle judicial do conteúdo dos contratos.

Conforme anteriormente exposto, a previsão de cláusulas abusivas pelo CDC não exaure as hipóteses com o elenco ali exposto; compete ao Secretário Nacional de Direito Econômico editar anualmente um rol exemplificativo de cláusulas abusivas.

2.1. A Competência da Secretaria de Direito Econômico

A Secretaria de Direito Econômico (SDE) foi criada pelo Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997 e atua por meio de seu Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), sendo órgão do Ministério da Justiça, que integra o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

Compete à SDE, através do DPDC, a coordenação geral da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, conforme especificado no artigo 3º do Decreto 2.181/97. O DPDC deverá, dentre outras atividades, prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos, fiscalizar e aplicar as sanções administrativas previstas no CDC e solicitar a instauração de inquérito para apuração de delito contra o consumidor.

O artigo 56 do Decreto 2.181/97 estabelece que, a fim de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a SDE divulgará, anualmente, elenco complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas, em caráter exemplificativo, aplicando-se o disposto no inciso IV do artigo 22 do Decreto 2.181/97. São atos de natureza administrativa, que não têm força de lei, mas servem de roteiro para os operadores do Direito (advogados, promotores, Juízes) e de advertência, para os comerciantes.

Assim, as portarias publicadas pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, elencando as cláusulas abusivas, são editadas em cumprimento ao disposto no citado artigo 56 do Decreto 2.181/97, cabendo aplicação de multa ao fornecedor de produtos ou serviços que, direta ou indiretamente, inserir, fizer circular ou utilizar-se de cláusula abusiva, qualquer que seja a modalidade do contrato de consumo.

2.2. Da Aplicação das Portarias da SDE aos Contratos Utilizados no Âmbito do Sistema Financeiro Nacional

Ante o exposto, se pode concluir que a SDE tem competência e legitimidade para orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e uma das formas por que se realiza esta orientação é a divulgação anual de cláusulas contratuais consideradas abusivas, em complemento à listagem constante do artigo 51 do CDC.

Contudo, há instituições financeiras que pretendem questionar a validade/aplicação das portarias da SDE; duas alegações possíveis de serem articuladas por tais instituições seriam: questionar o conteúdo das portarias editadas pela SDE, alegando que determinadas cláusulas tidas como abusivas pela SDE, na realidade não o são; e/ou alegar que o CDC, e conseqüentemente as portarias da SDE, não se aplicam a determinados tipos de contratos utilizados no Sistema Financeiro Nacional (caso em concreto), uma vez que a figura do cliente da instituição financeira não pode ser equiparada à figura do consumidor, pois o cliente não é destinatário final dos serviços e/ou produtos oferecidos.

Não obstante as penalidades administrativas que a SDE ou qualquer outro órgão integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor possam vir a aplicar, as instituições financeiras não podem ser impedidas de recorrer ao Poder Judiciário para solucionar os conflitos gerados em razão da aplicação ou não de regras referentes às relações de consumo.

Sendo caracterizada a relação como de consumo ou demonstrada, de forma inequívoca, a existência de cláusulas obscuras ou abusivas, ou ainda configurada a excessiva onerosidade das obrigações assumidas livremente pelos clientes, não há que se discutir a não aplicação do CDC aos contratos bancários, e, por conseguinte, a anulação dos referidos contratos ou das cláusulas abusivas contidas no bojo destes.

2.3. Meios de Controle das Cláusulas abusivas

O fundamento jurídico em que sedimenta a doutrina brasileira o posicionamento acerca das cláusulas abusivas é o abuso de direito, contemplado pelo direito brasileiro de forma genérica, ainda que indiretamente, quando não considerou como ilícito o uso regular de um direito (Código Civil, art. 160, I, segunda parte). Do cotejo desta disposição, se pode depreender que o abuso estaria incluído, pelo uso anormal do direito, na classe dos atos ilícitos, pré-excluindo-se a contrariedade (Pontes de Miranda). As cláusulas abusivas seriam, portanto, uma especialização do fenômeno do abuso.Destarte, se pode concluir que o fundamento do repúdio às cláusulas abusivas assenta no princípio da boa fé. O princípio da boa fé pode encontrar amparo legal inserindo-se como conceito indeterminado numa cláusula geral, ou vigorar como um princípio subjacente ao ordenamento jurídico, aflorando casuisticamente na construção do caso concreto. Nesta feição é que o princípio da boa fé se faz largamente presente no sistema brasileiro. Tanto que está presente no rol das cláusulas abusivas, uma cláusula geral que autoriza o repúdio das disposições que "... sejam incompatíveis com a boa-fé e equidade". Segundo Arruda Alvim, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor é explícito a respeito da boa fé, como regra cardeal (arts. 4º., caput, e III; art. 51,IV).

A proteção contra cláusulas abusivas é direito básico, à luz do disposto no art. 6º, IV do CDC:

"Art.6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;"(grifo que não consta do original)

A lei fala em nulidade de pleno direito; o sistema de invalidade no direito civil comum é dúplice: os autores tratam das nulidades absolutas e das relativas, cuja diferença seria o grau de intensidade do defeito que macula o ato. Pontes de Miranda discorda dessa terminologia, dizendo ainda que Código Civil versa a figura da nulidade e da anulabilidade; aquela é sempre ipso jure, sem necessidade de ação judicial, enquanto esta depende sempre da manifestação judicial. O fato de ter o CDC estabelecido a nulidade de pleno direito das cláusulas, estabelecendo que o vício é meramente parcial, gera discussões acerca da natureza deste vício, se de nulidade absoluta, ou relativa ou anulabilidade.

Cumpre destacar por oportuno a questão da decretação judicial de nulidade da cláusula abusiva não suscitadas pelas partes, e a inovação trazida ao tratamento desta questão pelo CDC. Veja-se o RESP nº 90.162-RS, que teve como relator o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, cujo voto é a seguir transcrito, in verbis:

"Esta Eg. 4ª Turma tem reiteradamente decidido, com ressalva de meu posicionamento, sobre a inaplicabilidade das regras do Codecon às relações de consumo celebrados antes de sua vigência. Sem o comando dessa nova diretriz, prevalece a norma geral do artigo do Código de Processo Civil, que veda ao juiz conhecer de questões a cujo respeito a lei exige (exigia) a iniciativa da parte".

É patente a diferença de tratamento por esta turma do STJ, antes e depois da vigência do CDC; para os contratos formulado anteriormente ao CDC, era aplicado a inteligência dos artigos 128 e 460 do CPC, a seguir transcritos:

"Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte".

"Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado".

Sobre o princípio da congruência e o princípio da adstrição do juiz, ensina Moacyr Amaral Santos:

"A sentença deverá ser a resposta jurisdicional ao pedido do autor, nos limites em que este o formulou. Afastando-se desses limites, a sentença decide extra ou ultra petita". 7

Conforme esse entendimento, o juiz não pode declarar nulidade de cláusulas ex officio, independentemente de provocação das partes, não podendo a sentença extrapolar os limites da litiscontestatio. A causa deve ser julgada como proposta e contestada, para não ocorrer julgamento extra petita, violando os dispostos nos arts. 128 e 460 do CPC. Neste sentido:

"Código de Defesa do Consumidor. Proteção Contratual. Destinatário. Cláusulas abusivas. Objetivando a desconstituição de cláusulas, em homenagem ao princípio da congruência, deve a sentença ater-se ao pedido"

(TARGS – APC Nº 193051216- 7ª Câm. Cív. – Relator Juiz Antonio Janyr Dall’Agnol Junior)

"Conflito de competência. Competência territorial. Foro de eleição. Clausula abusiva. Segundo a orientação predominante na 2a. seção, a incompetência em razão do lugar, por ser de natureza relativa, deve ser suscitada pelo reu (sumula 033), ainda quando se trata de foro de eleição estabelecido em clausula de contrato de adesão. ressalva da posição do relator. conflito conhecido e declarada a competencia do juizo suscitado.

(STJ. Processo n°16253. Órgão: Segunda Seção. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar. DJ, 29/10/1996)

Contudo, a maior parte da doutrina diverge dessa orientação, admitindo assim a decretação ex officio, quando observado o vício. Constatada a cláusula abusiva, impõe-se ao juiz a sua decretação, independentemente de provocação das partes, posto que é decretável de ofício, dado o seu cunho de ordem pública.

Assim também manifestou sua posição Nelson Nery Jr, durante o Congresso Paranaense de Direito Processual Civil, realizado no hotel Bourbon em Curitiba. O juiz constrói, ele revê as cláusulas, criando uma nova realidade, participando, sendo sujeito ativo, adequando o contrato. Ele sugere uma nova hipótese de classificação de sentença, chamada de "Sentença Determinativa", onde o magistrado não somente muda um estado, mas é também sujeito ativo, integrando e construindo as cláusulas no contrato de modo que se possa dar execução ao mesmo, criando uma nova relação. Para ele, as cláusulas consideradas absolutamente nulas, devem ser declaradas nulas, assim que o vício é detectado, não sendo isto defeso ao juiz. Há inúmeros exemplos de jurisprudência que convergem com esta doutrina:

"Assim, a mais abalizada doutrina e atual jurisprudência, com os olhos postos no presente, têm decidido em casos tais que, cláusulas como essa do instrumento havido entre as partes ostentam-se indisfarçavelmente ineficazes e sequer possível o seu aproveitamento".

(STJ – AG Nº 170.699 –MG (97/0088907-6)

Resta inconteste que coaduna com a busca de equilíbrio na relação contratual a admissibilidade da intervenção judicial na base do contrato, com o fim maior de não se permitir a execução da onerosidade constatada em seu bojo, e que é na mais das vezes resultado direto da fragilidade econômica do consumidor, que concorda com todos os termos do contrato que lhe é apresentado, sem que tenha havido oportunidade de discussão do mesmo.

2.4. Efeitos nos contratos

A definição de cláusulas abusivas, e os efeitos dela decorrentes, são aplicáveis tanto aos contratos de adesão quanto aos contratos paritários e são sempre consideradas nulas, prevendo a norma geral a proibição de cláusulas contra a boa-fé. A teor do disposto no parágrafo 2º do multicitado artigo 51 do CDC, a nulidade de qualquer cláusula considerada abusiva não invalida o contrato, exceto quando sua ausência, apesar dos esforços de integração, acarretar ônus excessivo a qualquer das partes; o CDC adotou o princípio da conservação dos contratos ao determinar que somente a cláusula abusiva é nula, permanecendo válidas as demais cláusulas contratuais, subsistindo o contrato, desde que se averigúe o justo equilíbrio entre as partes.

Além do previsto no artigo 51, o CDC, em seu artigo 6º, institui como um direito do consumidor a possibilidade de modificação de cláusulas contratuais no sentido de restabelecer o equilíbrio da relação com o fornecedor. Destarte, o consumidor poderá solicitar ao juiz de direito que altere o conteúdo negocial de uma cláusula considerada abusiva. Aqui, o legislador baseou-se na chamada "redução de eficácia" da doutrina alemã, prevendo a ineficácia de uma cláusula abusiva e não simplesmente sua nulidade absoluta.

2.5. Contratos de Adesão

Os contratos de adesão surgem como forma de proporcionar maior uniformidade, rapidez, eficiência e dinamismo às relações de consumo, e sua importância em parte deriva da constatação que os contratos de consumo guardam intrínseca relação com a economia; o consumo depende do desenrolar da economia de mercado, e vice versa, tendo em vista que os contratos são instrumentos de circulação de riquezas.

Assim, os contratos de adesão podem ser tidos como uma necessidade do mundo globalizado, não obstante existam antes do processo de globalização, mormente na Itália. Entretanto, como anteriormente salientado, o contrato de adesão, por suprimir a prévia discussão do conteúdo entre fornecedor e consumidor, traz, via de regra, cláusulas abusivas, nas quais apenas uma das partes, isto é, aquele que está propondo a aderência a toda a proposta, sai beneficiado em relação ao aderente. Uma das mais comuns cláusulas abusivas em contratos de adesão é a de eleição do foro do estipulante em detrimento do foro do domicílio do consumidor.

Define-se o contrato de adesão como o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos da relação sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas. 8

Segundo Orlando Gomes:

"O contrato de adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja preconstruído por uma das partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos contratos". 9

Em sua formação, esse tipo de contrato apresenta-se como a adesão alternativa de uma das partes ao esquema contratual traçado pela outra, inexistindo as negociações preliminares e modificação de cláusulas, próprias dos contratos paritários. Caracteriza-se por ser um negócio jurídico bilateral, formado pelo concurso de vontades (embora restrito). Segundo Ana Maria Zauhy Garms, "As grandes instituições utilizam-se dos contratos de adesão para praticarem abusos contra os consumidores, isto por que neste tipo de contrato não há oportunidade de negociações, e devido à necessidade de adquirir o bem ou o serviço o indivíduo acaba por aceitar as condições que lhe são impostas, e que na maioria das vezes não são esclarecidas ou informadas pelo funcionário da instituição responsável pela realização do contrato". 10

Os contratos de adesão são unilaterais, o que gera grande desigualdade nas relações de consumo entre as partes contratantes.

O Código do Consumidor em seu art. 54 definiu o contrato de adesão:

"Art. 54 – Contrato de Adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."

Nos contratos de adesão, uma das cláusulas mais comuns é a de eleição do foro do estipulante em detrimento do foro do domicílio do consumidor; conforme exposto, e segundo corrente dominante na doutrina, deve o juiz reconhecer de ofício a nulidade da cláusula abusiva, e conseqüente afastamento desta, assim como declinar da competência para o juízo do domicílio do réu, in casu, o consumidor. Essa decisão não conflita com a Súmula 33 do STJ, porque a nulidade da cláusula faz desaparecer a razão pela qual a ação foi proposta no juízo que se dá por incompetente, enquanto que a exigência de que a parte suscite a incompetência do foro está inviabilizada pelas mesmas circunstância que levaram ao reconhecimento da abusividade da eleição do foro.

O Código de Processo Civil e as normas de organização judiciária dos Estados estipulam as diretrizes básicas para a definição dos limites da competência a serem observadas na prestação jurisdicional, como imperativo de ordem pública. Dispõe o art. 86 do aludido diploma legal:

"As causas cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos jurisdicionais, nos limites de sua competência, ressalvadas às partes a faculdade de instituírem juízo arbitral".

À luz desse dispositivo, as partes não podem escolher livremente o foro onde querem propor a ação, visto que devem submeter-se aos mandamentos insertos no Código de Processo Civil e nas leis de organização judiciária dos Estados. A única hipótese em que a ação pode ser proposta em qualquer foro do Brasil está estandardizada no artigo 94, § 3º "in fine" do CPC:

"Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer o foro".(grifo que não consta do original)

Isto posto, a propositura da ação no foro do domicílio do estipulante ou em qualquer outro que não seja a do domicílio do consumidor, torna o juízo absolutamente incompetente ante à flagrante violação ao "princípio do juiz natural", contido no comando do artigo 5º, LIII, da Constituição Federal:

"Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente".

Cumpre salientar a lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Maria Helena Diniz:

"Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumácia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra". (In NORMA CONSTITUCIONAL E SEUS EFEITOS, pág. 116, 1989, Saraiva - São Paulo).

Assim, em se tratando de ação que tenha por objeto contrato de adesão, que se destaca pela superioridade da vontade do estipulante e reduzido âmbito de escolha do aderente, a validade da cláusula de foro de eleição deve ser de logo examinada, para que não sirva de invencível acesso à justiça. Ao receber a petição inicial ao juiz cumpre examinar a validade e eficácia de tal cláusula e impedir que, através de seu cumprimento, esteja sendo sobremaneira dificultada a defesa do réu, especialmente quando há possibilidade de deferimento de medida liminar.

Nesse sentido:

"Foro Regional e Declaração ex officio de incompetência. Ainda que se reconheça que na divisão do foro de São Paulo em diversos Juízos há forte componente territorial que marca a delimitação da competência de cada um entre si, em determinada área da cidade, não se pode afirmar tratar-se o caso de competência territorial relativa. A divisão da competência estabelecida por lei de organização judiciária, dentro da cidade de São Paulo, confere a cada um parcela de competência funcional dentro do foro de São Paulo, ganhando por isso contornos de competência absoluta, declinável ex officio

(TJSP, Câm. Esp., Ccomp 24495-0, rel. Des. Nigro Conceição, j. 265.10.1995, v.u.)"

"COMPETÊNCIA - Foro de Eleição - Consórcio - Contrato de Adesão _ Prevalecimento do Código de Defesa do Consumidor para que o devedor tenha acesso aos órgãos judiciários e facilitação de sua defesa - Artigo 6º, incisos VII e VIII da Lei nº 8.078/90 - Hipótese que não se trata de declinação de ofício de incompetência relativa, mas sim de reconhecimento de normas de ordem pública a exigir a remessa dos autos à Comarca do domicílio do consumidor. m vista todo o exposto, emerge dos autos ser completamente incompetente o Juízo "a quo" e, por essa razão, nula de pleno direito a decisão objurgada, a teor do estabelecido no art. 113, combinado com o art. 122, ambos do Código de Processo Civil vigente. A decisão objurgada, sem sombra de qualquer dúvida tem cunho decisório, porquanto, determinou e ocasionou a apreensão do veículo pertencente a agravante e, à luz do que fora exposto, é nula de pleno direito por Ter sido editada por Juízo agora tido como absolutamente incompetente, o que impõe sua revogação".

(Embargos de declaração nº 98.000181-3. Embargante: Suy Mey C.M. Gonçalves. Embargado: Banco Fiat S/A, 1ª Câmara Cível. Rel. Marcos Antônio Souto Maior. Decisão unânime. Julgado em 23 de abril de 1998)

"CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA. DECLINAÇÃO. "EX OFFICIO". CONTRATO DE ADESÃO. ADMISSIBILIDADE. Inaplicabilidade da súmula 33/STJ. Abusividade da cláusula de eleição de foro, prejudicial à defesa do consumidor. Com o devido respeito àqueles que se filiam a outro entendimento, a propositura da demanda perante foro diverso do domicílio do consorciado dificulta seu acesso à Justiça, quando não o impossibilita, não obstante esse direito seja garantido constitucionalmente (CF/88, art. 5º, XXXV), o que configura a abusividade da cláusula e a sua nulidade de pleno direito, à luz do CDC (Lei nº 8078/90). É essa a posição que vem prevalecendo na melhor jurisprudência.

(TJSP, Ag. de Inst. 32959-4, Itu, Rel. Juiz Cesar, Julg. em 30/10/96).

"CONSÓRCIO. CONTRATO DE ADESÃO. COMPETÊNCIA. Direito do consumidor em ser demandado em seu domicílio. Competência absoluta. Lei 8.078/90 (CDC), art. 6º, VIII"..

(TJSP, Ag de Inst. 29240, Linbs, Rel.: Des. Júlio Vidal, Julg. em 30/10/96).

Também no mesmo sentido o voto do magistrado Antônio Carlos Marcato, em Agravo de Instrumento nº 477.406-2, da 79 Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:

"A cláusula eletiva de foro, estabelecida em contrato de adesão, pela parte economicamente mais forte, revela-se abusiva se e quando impuser, ao contratante mais fraco sérios (e por vezes insuperáveis) óbices ao pleno acesso à jurisdição e à sua defesa no processo, assim afrontando as correspondentes garantias constitucionais; e essa afronta, abstraídos outros aspectos processuais (de menor ou nenhuma importância em confronto com ditas garantias), seria suficiente, por si só, para justificar a pronta remessa dos autos ao foro do domicílio da parte hipossuficiente, na medida em que a existência e o exercício da técnica processual têm por objetivo, atender, precipuamente aos desígnos constitucionais e não, à evidência, impor ônus e gravames indevidos a um dos sujeitos processuais. No entanto, é justa e razoável a conclusão de que o reconhecimento e a proclamação afronta a preceitos constitucionais demandam exame, caso a caso, das circunstâncias que envolvem o contrato, não sendo lícita, nem jurídica, a pura e simples generalização de que toda e qualquer cláusula eletiva do foro seja, mormente quando não impõe ao réu maiores dificuldades para o pleno, exercício de seu direito de resposta, nem estabelece obrigação que possa ser considerada iníqua ou abusiva, colocando-o em desvantagem exagerada."

Os princípios constitucionais do juiz natural, de acesso à justiça, da ampla defesa e da supremacia do interesse público hão de ser preservados e aplicados em todas as situações processuais, ainda quando está a decidir sobre a competência de foro. Daí porque, em se tratando de foro de eleição favorável ao estipulante de contrato de adesão, quando desde logo evidenciado que o demandando terá extrema dificuldade para exercitar sua defesa, e assim caracterizada a abusividade da cláusula, incumbe ao juiz impedir que ela tenha eficácia, declinando da sua competência para o foro de domicilio do réu. É caso de nulidade de pleno direito, decretável de ofício.

A eleição de foro é tão somente a mais comum dentre as cláusulas abusivas comumente contidas nos contratos de adesão; todas elas, sejam quais forem, podem ser questionadas, uma vez que se amoldem ao disposto no art. 51 do CDC. Assim, "No que tange aos contratos de adesão o Código de Defesa do Consumidor é bem claro ao especificar que todos os contratos devem ser revistos quando tornarem-se excessivamente onerosos, e ainda, que as cláusulas abusivas devem ser desconsideradas pelo consumidor". 11

Por fim, cumpre salientar que nem toda regulamentação contratual pré-formulada pode ser entendida como abusiva, cabendo ao julgador verificar a abusividade ou não das cláusulas pré-elaboradas. As cláusulas negociadas destes contratos deverão subordinar-se à interpretação comum dos contratos. 12

2.6.A recepção do princípio da predominância da ordem pública pelo CDC como meio de afastamento das cláusulas abusivas nos contratos de adesão

Os princípios do juiz natural, da supremacia da ordem pública e da magnitude da defesa do consumidor, conforme exposto no presente estudo, são amplamente aplicados aos contratos de adesão, derrogando as cláusulas abusivas, por força dos dispositivos pertinentes à espécie contidos no CDC, pelo que pode e deve o juiz declarar de ofício sua competência para processar as ações de busca e apreensão, reintegração de posse decorrente de contrato de leasing, ou outra qualquer, quando a propositura da ação no foro de eleição, na sede da empresa estipulante, dificultará sobremaneira a defesa do réu em juízo; o juiz deve ainda de ofício reconhecer a nulidade de cláusula abusiva, tal como a que elege, em contrato de adesão, o foro do domicílio do estipulante, quando o seu cumprimento significar verdadeira negação de acesso à justiça.

A decisão judicial que reconhece a nulidade de cláusula abusiva e declara a incompetência de ofício, não ofende a Súmula 33 do STJ, porque a nulidade da cláusula faz desaparecer a razão pela qual a ação foi proposta no juízo que se dá por incompetente, enquanto a exigência de que a parte suscite a incompetência do foro está inviabilizada pelas mesmas circunstâncias que levaram ao reconhecimento da abusividade da eleição de foro.

Sobre a autora
Karla Karênina Andrade Carlos Cavalcante

acadêmica de Direito na Universidade Federal do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Karla Karênina Andrade Carlos. As cláusulas abusivas à luz da doutrina e da jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3387. Acesso em: 25 nov. 2024.

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