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A cidadania brasileira em tempos de globalização.

Repensando o federalismo

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

CONCLUSÃO

Em um mundo globalizado cada vez mais dominado pela velocidade das informações e pela dinâmica da tecnologia, onde antigos conceitos são, incessantemente, derrubados e não substituídos, imperando o transitório, o contigente, sendo todo esse conjunto de fatores guiado por uma linguagem excludente, de cunho mercadológico-econômico, que substitui o cidadão pelo consumidor, a única forma de resistência possível é encontrarmos mecanismos de revalorização do indivíduo em sua intersubjetividade, do espaço de decisão local, sem negarmos o pluralismo e a alteridade que a modernidade apresenta, pois o Estado-Nação e seu tradicional aparato, não são mais capazes de enfrentarem, sozinhos, os inúmeros desafios oriundos de uma globalização que a todos parece querer igualar, massificar.

Conforme podemos depreender da análise desenvolvida no decorrer de todo este trabalho, necessitamos admitir que vivemos em um período histórico em que as certezas e verdades absolutas não mais existem, no qual o risco é algo inafastável, no qual convivem formas de vida diversas, até mesmo conflitantes, o que nos obriga a buscar possíveis soluções em contextos cada vez mais amplos de debates, fazendo com que a democracia seja entendida como um processo dinâmico, aberto e sempre incompleto, pois só assim, sem pretendermos ocultar a complexidade que nos cerca, é que teremos alguma chance de edificarmos uma sociedade mais justa e equilibrada, em que prevaleça o diálogo e o autogoverno, na qual o cidadão enfrente criticamente os imprevisíveis fatos da vida moderna.

Nesse sentido, podemos verificar, com Paulo Freire que:

"A própria essência da democracia envolve uma nota fundamental, que lhe é intrínseca – a mudança. Os regimes democráticos se nutrem na verdade de termos em mudança constante. São flexíveis, inquietos, devido a isso mesmo, deve corresponder ao homem desses regimes, maior flexibilidade de consciência." (FREIRE, 1982: 90)

Pensamos que para alcançar essa almejada inserção radical e consciente dos cidadãos, entendidos esses enquanto titulares de direitos procedimentais plenos de participação na seleção e implementação de políticas públicas, faz-se urgente revermos o nosso federalismo, privilegiando as esferas mais quânticas de decisão, desconstruindo velhos parâmetros que sustentam modelos arcaicos e conservadores de circulação e exercício do poder no Brasil. Sem essa reformulação geral é impossível trabalharmos uma inclusão transparente e democrática da cidadania brasileira nessa competitiva globalização.

O que, na verdade, pretende-se ao adotar essa perspectiva não autoritária do exercício do poder é fazer com que as decisões que se referem a todos objetivem fins comuns e que sejam legitimadas democraticamente através de procedimentos plurais de discussão pública. É a democracia participativa superando a simples representação eleitoral, como um processo contínuo de formação e avaliação crítica da Administração Pública e de seus atos, que tem como finalidade possibilitar que os indivíduos realmente consigam intervir na produção normativa e na condução dos negócios públicos, fazendo, então, com que a "democracia seja sinônimo de auto-organização política da sociedade." (HABERMAS, 1997: I, 20)

Seguindo essa linha de pensamento, entendemos que não é qualquer descentralização político-administrativa que nos conduzirá à concretização dos princípios fundamentais elencados na Constituição de 1998, os quais, por sua vez, configuram o nosso Estado Democrático de Direito, já que transferir poderes para entidades menores, não significa, por si só, como bem ressaltado, um incremento da democracia participativa. Existe, assim, a necessidade de ainda enfrentarmos alguns persistentes entulhos autoritários que subsistem, ainda que com novas roupagens, em nossa vida institucional, os quais têm impedido, entre outras coisas, o fim do clientelismo e do fisiologismo como meios de se fazer política, a quebra de uma estrutura tecnocrática altamente centralizadora e insensível, que origina governos de experts, não de cidadãos, contribuindo para que só agora comecemos a conhecer e trabalhar a existência de uma cultura respaldada em hábitos democráticos de cunho não assistencialista.

Em outras palavras, repensar o nosso federalismo, enfatizando a importância dos poderes locais significa, sobretudo em tempos de globalização, questionarmos como desejamos que a nossa cidadania seja configurada e exercida, pois cidadãos críticos, conscientes de seus direitos, mas também dos seus deveres e responsabilidades, tendem a se formar somente em contextos em que o diálogo e a participação sejam, constante e firmemente, apoiados e fomentados, o que impõe que superemos qualquer posicionamento que se fundamente tão-somente nos interesses do Estado ou do mercado, levando a novas formas de solidariedade e de integração social, já que os direitos da cidadania serão baseados no respeito ao outro e as suas diferenças.

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Sendo assim, o essencial na compreensão dos direitos da cidadania no Brasil, dentro de um contexto de revisão do modelo federalista brasileiro em uma época de globalização acelerada, como exposto, é de que estes só se realizarão inteiramente quando reformas democráticas autênticas e profundas tornarem os procedimentos decisórios concernentes às práticas deliberativas acessíveis a todas as camadas sociais. Desse modo, a conformação de um cidadão independente e atuante, a partir de sua própria comunidade e tradições, é elemento-chave na inserção da nossa sociedade em quadro de mundial de internacionalização crescente e de enfraquecimento de fronteiras e soberanias, portanto, devemos lutar por propostas que propiciem a retirada de entraves à democracia participativa, que aprofundem o aprendizado político-democrático, descentralizando o exercício do poder de decisão em uma sociedade heterogênea e fragmentada como a nossa, permitindo que novas posturas e determinações, mais suscetíveis às pressões advindas da base da nossa pirâmide social apareça.


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Notas

1. O fenômeno da globalização dos mercados em escala mundial não é, realmente uma novidade, sendo apenas seus efeitos mais radicais. Na verdade, após o fim da denominada Guerra Fria, ocorreu, a grosso modo, uma espécie de reestruturação macroeconômica, com uma releitura dos postulados liberais do famoso laissez- faire do século XIX, afirmando-se que o mercado livre, por si só, seria capaz de conduzir à democracia, é o chamado neoliberalismo.

2. É interessante conferirmos nesse sentido, entre outros, os seguintes autores e obras: (FURTADO, 1998) e (SINGER, 1997).

3. Ver nesse sentido: (CHOSSUDOVSKY, 2000).

4. "Se o aparato produtivo pudesse ser organizado e orientado para a satisfação das necessidades vitais, seu controle bem poderia ser centralizado; tal controle não impediria a autonomia individual, antes tornando-a possível." (MARCUSE, 1979: 24)

5. Ver nesse sentido, o interessante trabalho História Semântica do Conceito de Soberania: O Paradoxo da Soberania Popular. (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 2000).

6. "Ocorre que, na atualidade, o conceito clássico de soberania encontra-se submetido a pressões evolutivas que nos conduzem a uma reflexão acerca de sua adequação para a descrição da sociedade moderna." (NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, 1998: 361)

7. "Em outras palavras, a autêntica participação no poder de decisão está estreitamente relacionada à vontade de ser sujeito, e não objeto no processo social." (BATISTA, 2001: 168)

8. Ver, nesse sentido: (SANTOS, 2000) e (BATISTA, 2001).

9. "Descentralizar, portanto, significa transferir o poder de decisão e de execução de políticas públicas do governo central para as entidades federadas e para a sociedade." (BATISTA, 2001: 167)

10. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:........................................

§1.º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

11. A pouca ingerência da sociedade brasileira em assuntos que lhe dizem respeito, acaba por admitir, acriticamente, soluções externas para os problemas que afligem, especificamente, a nossa coletividade.

12. Ver, nesse sentido: (BARACHO, 1995: 41 – 82)

Sobre o autor
Francisco de Castilho Prates

acadêmico de Direito na UFMG, Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRATES, Francisco Castilho. A cidadania brasileira em tempos de globalização.: Repensando o federalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3394. Acesso em: 23 nov. 2024.

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