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Atos de improbidade administrativa – histórico e elementos

Agenda 22/11/2014 às 07:08

A tutela da improbidade administrativa não é recente no ordenamento jurídico, todavia foi com a Constituição Federal que tornou-se efetiva para coibir malversação do patrimônio público.

Resumo: A tutela da improbidade administrativa não é recente no ordenamento jurídico, todavia foi com a Constituição Federal que tornou-se efetiva para coibir malversação do patrimônio público.


1. Histórico legislativo

Mesmo após mais de duas décadas da promulgação da Constituição Federal vigente, o tema improbidade administrativa ainda provoca debates entre os estudiosos com mudanças repetitivas na jurisprudência nacional.  

A Constituição Federal (CF/1988) inovou no combate à corrupção administrativa, pois, em diversos artigos, prevê a proteção à probidade administrativa e, em especial, no art. 37, § 4.º, delimita sanções para os casos de improbidade administrativa.

Atribuiu à Lei Complementar o encargo de preservar a probidade administrativa no processo eleitoral estabelecendo novas hipóteses de inelegibilidade (art. 14, § 9.º, CF); determinou a suspensão dos direitos políticos para aqueles que cometerem atos de improbidade administrativa (art. 15, CF); incluiu entre os crimes de responsabilidade do Presidente da República os atos que atentem contra a probidade na administração (art. 85, V, CF) e conferiu ao cidadão a legitimidade para propor Ação Popular visando à anulação de ato lesivo à moralidade administrativa. Por fim, consagrou o princípio da moralidade entre os basilares da administração pública (caput do art. 37, CF) e estipulou sanções para aqueles que cometessem atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível (art. 37, § 4.º, CF).

Trata-se de uma inovação no ordenamento jurídico pátrio.

Antes da Carta de 1988, não havia a separação estanque entre aquilo que era propriedade da Administração e o que pertencia ao administrador. O Brasil passava por um regime ditatorial, um período de autoritarismo, sem órgãos de fiscalização e instrumentos de combate à “corrupção administrativa” como os da atualidade. Os instrumentos da época não tinham intuito sancionador como os atuais.

A Constituição Federal de 1946 determinava o sequestro e perdimento de bens para os casos de enriquecimento ilícito do administrador por abuso na função pública (na forma da lei). Cumprindo esse mandamento constitucional, foram editadas as Leis 3.164 de 01.06.1957 (Lei Pitombo-Godói Ilha) e, posteriormente, a Lei 3.502 de 21.01.1958 (Lei Olavo Bilac Pinto) regulamentadoras do sequestro e perdimento de bens dos servidores que enriquecessem ilicitamente por abuso da função pública.[1]

Nesse período, portanto, havia uma fórmula cível contra o enriquecimento ilícito, formando um verdadeiro código de conduta para todos os servidores públicos. Eram inexistentes instrumentos com eficácia coercitiva para coibir as condutas ilícitas dos servidores públicos.

Paralelamente aos instrumentos acima, a improbidade como ato ilícito era prevista na Lei 1.079 de 10.04.1950,[2] vigente até os dias atuais. A ementa desse instrumento normativo demonstra o seu conteúdo sancionatório: “Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento”. Portanto, havia a improbidade administrativa prevista como crime para punir os agentes políticos, com todos os consectários da esfera penal – tipicidade, presunção de inocência etc. Posteriormente foi editado o Decreto-lei 201 de 27.02.1967 com a tipificação de condutas específicas para os agentes políticos das esferas municipais (Prefeitos e Vereadores).

Após a promulgação da CF/1988, cumprindo o mandamento do art. 37, § 4.º,[3] foi sancionada a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992 – LIA) para estabelecer as condutas consideradas atos de improbidade administrativa, instituindo o procedimento e as sanções. Assim, foi com a promulgação dessa lei que se iniciou o tratamento sancionador para os atos de improbidade administrativa praticados por servidores públicos.

Cumpre ressaltar que o § 4.º do art. 37 da Constituição Federal antecipou algumas sanções (suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário), no entanto, foi apenas com a regulamentação pela LIA que tais sanções passaram a ter aplicabilidade, pois, estar-se-ia diante de uma norma constitucional de eficácia limitada com conteúdo sancionador irretroativo. Em suma, as Leis 3.164/1957 e 3.502/1958 continuavam a viger e reger as condutas neste período, pois recepcionadas pela norma constitucional.[4] Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica a não autoaplicabilidade da norma constitucional:

“Assim, embora a Constituição tenha sido promulgada em 5-10-88, já prevendo as sanções para os atos de improbidade, o artigo 37, § 4.º, não era autoaplicável, não podendo a Lei 8.429/1992 ser aplicada com efeito retroativo. Até a entrada em vigor dessa lei, apenas eram puníveis os atos que implicassem enriquecimento ilícito, sendo cabíveis, em sede judicial, apenas o sequestro e a perda de bens (na esfera cível) e as sanções penais cabíveis (na esfera criminal). Na esfera administrativa, as penalidades aplicáveis eram as previstas no estatuto dos servidores de cada nível de governo. As penas no artigo 37, § 4.º, da Constituição, repita-se, só podem ser aplicadas por atos de improbidade praticados após a entrada em vigor da Lei 8.429/1992."[5]

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Nesse ponto, destaca-se que a evolução legislativa e a semelhança dos tipos previstos na Lei dos Crimes de Responsabilidade e na Lei de Improbidade Administrativa são aspectos motivadores das divergências jurisprudências e doutrinárias.

“Sempre se considerou a questão da probidade do ponto de vista penal, sobretudo, pelo crime de responsabilidade. Desde a CF do império já havia previsão de crime de responsabilidade dos altos funcionários do rei. Traços incorporados no campo axiológico para outros ramos, para os níveis mais altos dos detentores do poder. Como o crime de responsabilidade. O mais alto mandatário da nação poderia perder o seu cargo, em face de infração aos valores constitucionais, a instituições importantes para o regime democrático. Quanto mais grave a infração, mais grave as penalidades contempladas.”[6]


2. Princípio da moralidade administrativa

O princípio da moralidade administrativa relaciona-se diretamente com a boa conduta dos administradores: lealdade, boa-fé, honestidades; devendo ser observado sob duas vertentes: i) moralidade comum: o certo ou errado do cotidiano; ii) moralidade administrativa: além do certo e errado do cotidiano, também exige-se uma atitude do administrador que se coadune com a função de gestor da coisa pública, administrando da melhor forma possível, em consonância com o princípio da eficiência.

O constitucionalista Alexandre de Moraes explica a ligação do princípio da moralidade com os atos de improbidade administrativa:

“A conduta do administrador público em desrespeito ao princípio da moralidade administrativa enquadra-se nos denominados atos de improbidade, previstos pelo art. 37, perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, permitindo ao Ministério Público a propositura de ação civil pública por ato de improbidade, com base na Lei 8.429/1992 para que o Poder Judiciário exerça o controle jurisdicional sobre a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público.” [7]

A moralidade administrativa também é protegida pelo regime da Lei dos Crimes de Responsabilidade:

“A Lei 1.079, de 10-4-50, que define os crimes de reponsabilidade, prevê, no artigo 9.º, os crimes contra a probidade administrativa; em alguns deles, há ofensa direta à lei, como na hipótese de infringência às normas legais sobre provimento dos cargos públicos; em outros, isso não ocorre, como na hipótese de omissão ou retardamento doloso na publicação de atos do Poder Executivo, na omissão de responsabilização dos subordinados por delitos funcionais e no de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.” [8]

Em resumo, o princípio da moralidade tem relação direta com os atos de improbidade administrativa, entretanto, estes não se esgotam naqueles, pois se configuram com a violação de outros princípios inerentes à administração pública (art. 11, Lei 8.429/1992).


3. Elementos constitutivos do ato de improbidade administrativa

Para o ato se tornar “ato de improbidade administrativa”, a Lei 8.429/1992 pressupõe a existência de elementos de índole subjetiva e objetiva.

Sob o aspecto objetivo, o ato danoso deve necessariamente assumir a tipicidade prevista em um dos artigos da lei: arts. 9.º, 10 e 11 da LIA. Já, sob o enfoque subjetivo, é imprescindível a presença de um sujeito ativo determinado, que adote uma conduta dolosa ou culposa,[9] em detrimento de um sujeito passivo também específico.

a) Elementos objetivos

Não é qualquer ato causador de prejuízo à Administração Pública que configura ato de improbidade administrativa, pois a legislação regente prevê a descrição típica:

i. Atos que importam enriquecimento ilícito – art. 9.º, LIA

ii. Atos que causam prejuízo ao erário – art. 10, LIA

iii. Atos que atentem contra princípios da Administração Pública – art. 11, LIA

Os atos de improbidade administrativa correspondem aos três grandes tipos acima, com núcleos centrais previstos no caput e condutas exemplificativas nos incisos.

“Na tipificação dos ilícitos, a Lei utilizou a técnica da descrição do núcleo central do tipo, seguida de especificações exemplificativas de condutas nele enquadráveis. O rol expressamente não exaustivo das condutas especificadas de modo algum compromete o princípio da tipicidade: o tipo está suficientemente descrito no caput de cada um dos dispositivos tipificados (arts. 9.º, 10 e 11 da Lei).”[10]

As sanções previstas pelo constituinte (art. 37, § 4.º) foram ampliadas pelo legislador ordinário para cada tipo nuclear (art. 12 da LIA). Segundo a doutrina, essa ampliação não compromete a constitucionalidade da LIA, pois o constituinte enumerou apenas algumas medidas possíveis, sem restringir a competência do legislador ordinário. [11]

b) Elementos subjetivos

Além dos elementos objetivos, para a configuração dos atos de improbidade administrativa, as condutas devem ser perpetradas contra as entidades previstas no art. 1.º da LIA[12] e, ainda, por um sujeito ativo próprio.  

O legislador ordinário definiu-os no art. 2.º,[13] utilizando-se do conceito amplo de agente público, dispensando, inclusive, o vínculo funcional stricto sensu com a Administração Pública, o que demonstra a vasta abrangência do conceito.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro bem observa os agentes compreendidos por este artigo:

“(a) os agentes políticos (parlamentares de todos os níveis, Chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal, Ministro e Secretários dos Estados e dos Municípios); (b) os servidores públicos (pessoas com vínculo empregatício, estatutário ou contratual, com o Estado); (c) os militares (que também têm vinculo estatutário, embora referidos na Constituição fora da seção referente aos servidores públicos); e (d) os particulares em colaboração com o Poder Público (que atuam sem vínculo de emprego, mediante delegação, requisição ou espontaneamente).”[14]

Além do agente público em sentido amplo, também comete o ato de improbidade aquele terceiro que induz, concorre ou se beneficia da prática do ato, sendo que, nesse caso, as medidas sancionatórias serão aplicadas “no que couber”.[15]

Todavia, para a punição do terceiro que participa do ato é imprescindível a existência de um agente público no fato (art. 2.º, LIA), pois, sem a sua presença, outros seriam os meios sancionatórios para o ilícito.

“O que fica realçado nos atos de improbidade é a necessária participação, em sua prática, de um agente público. A improbidade se caracteriza justamente por isso: por ser conduta lesiva a uma entidade pública (em sentido latíssimo), praticada não por qualquer pessoa, mas, sim, por pessoas de alguma forma vinculada ou responsável pela sua gestão, administração ou guarda. Se o terceiro induz ou concorre para a prática do ato, ou dele se beneficia, ficará, ele também, sujeito às penas correspondentes. Todavia, não se tipifica como ato de improbidade o que for praticado apenas por terceiro, sem nenhuma participação, nem mesmo indireta, de agente público. É claro que, também, nesses casos, o ato seria ilícito e punível, mas o será não pelo regime da Lei de Improbidade Administrativa, e sim pelas normas e princípios que disciplinam a responsabilidade civil e penal dos particulares que cometem infração contra os interesses do erário.”[16]

O legislador foi extremamente cauteloso ao estabelecer o âmbito de incidência subjetiva das normas da Lei de Improbidade, pois são diversos os conceitos de agentes públicos previstos pela doutrina. Assim, utilizando-se do conceito amplo de agente público, a ratio central da norma constitucional foi atendida, pois incluiu um amplo rol de sujeitos passíveis de sancionamento pela Lei.

Mesmo diante do conceito amplo previsto pelo legislador ordinário, há um dilema a ser resolvido a partir das seguintes indagações: Os agentes políticos submetidos ao regime dos crimes de responsabilidade serão responsabilizados pela Lei de Improbidade? Caso a resposta seja positiva, qual seria o foro de julgamento? Esse tema será objeto de análise em próximo artigo do autor.


Notas

[1]       DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 882.

[2]       Idem, ibidem, p. 879.

[3]       Art. 37, § 4.º, CF: “§ 4.º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

[4]       DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 884.

[5]       Idem, ibidem, p. 884-885.

[6]       OSORIO, Fábio Medina. Sanções da improbidade administrativa. 9.º Curso de Especialização em Interesses Difusos e Coletivos da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, São Paulo, 2012.

[7]       MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 345.

[8]       DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 79.

[9]       A conduta culposa é específica para os atos previstos no art. 10 da Lei 8.429/1992 (Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário).

[10]      ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 102.

[11]      DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, 901 p.

[12]      Art. 1.º da Lei 8.429/1992: “Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.”

[13]      Art. 2.º da Lei 8.429/1992: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

[14]      DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 891.

[15]      Art. 3.º da Lei 8.429/1992: “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”

[16]      DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

Sobre o autor
Jorge Arbex Bueno

Advogado, especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito e pós-graduado em Direito Coletivo pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Autor do livro Teoria da ação de improbidade administrativa, pela Editora Lumen Juris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Jorge Arbex. Atos de improbidade administrativa – histórico e elementos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4161, 22 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34120. Acesso em: 22 nov. 2024.

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