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Incorporação das cláusulas normativas aos contratos individuais de trabalho

Agenda 01/11/2002 às 00:00

Sabemos que as sentenças normativas não integram definitivamente os contratos de trabalho, não por seu esta uma disposição expressa da lei, mas por assim constar na Súmula 277 do TST, "verbis":

277 Sentença normativa. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho. As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.

Resta a indagação: a restrição às sentenças normativas (que salta aos olhos na leitura desse enunciado), é proposital, ou, por um lapso, deveria terem sido incluídos o acordo coletivo e a convenção coletiva?

Em outras palavras: O acordo coletivo e a convenção coletiva de trabalho, os quais são também instrumentos normativos, considerados fontes formais do direito do trabalho, porém de origem autônoma, INTEGRAM em definitivo os contratos de trabalho, ou seguem a mesma sorte das sentenças normativas, isto é, suas vantagens vigorarão apenas no prazo estabelecido, cujo limite é de 2 anos ? As cláusulas de um instrumento normativo possuem tal ultra-atividade ?

São duas as correntes de opiniões sobre o tema: a primeira, que considera as vantagens alcançadas, insuprimíveis pela caducidade ou perda de vigor do instrumento normativo, e sustentam sua tese na teoria do direito adquirido, lançando como fundamento legal o art. 468 da CLT.

A segunda corrente de opiniões segue o Enunciado 277 supra transcrito, ampliando sua aplicação também aos instrumentos de negociação autônoma, e não apenas às sentenças normativas.

Deixemos claro, de imediato, nosso posicionamento contrário à primeira corrente, respeitados os Doutos que a defendem. Louvável, até certo ponto, a sua manifesta peregrinação pelos campos do protecionismo ao operário, mas sufragar a tese de que um instrumento normativo com prazo delimitado no tempo possa incorporar em definitivo os contratos de trabalho quanto às vantagens através dele auferidas, é litigar contra o bom senso.

Primeiramente, não vislumbramos qualquer possibilidade de sustentação de referida tese, com base no art. 468 da CLT. Esse dispositivo prevê a inalterabilidade "in pejus" das condições de trabalho, e está inserido, no conjunto celetista, dentre os DIREITOS INDIVIDUAIS do trabalho, referindo-se expressamente ao conteúdo do contrato de trabalho, vide:

Art. 468: Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Verifica-se , portanto, que as ditas "respectivas condições" referem-se logicamente aos contratos individuais de trabalho. Não se pode dizer que as condições de trabalho previstas em instrumentos normativos sejam cláusulas contratuais, nas relações individuais do trabalho, porque efetivamente não o são. Quando previstas em instrumentos normativos, têm a mesma eficácia de uma lei, podendo, assim como esta, ter prazo de validade pré-determinado, produzindo efeitos apenas no período de sua vigência, sem que se cogite em uma fictícia ultra-atividade da norma. Nesse sentido, Arnold Wald nos ensina o seguinte:

"Cessa a vigência da lei em virtude de término ou decurso do prazo estabelecido, (...). Cessa em virtude de termo ou condição quando se trata da lei que prefixou a sua duração." (Curso..., Introdução e Parte Geral, Ed. RT, 1995, pág. 93)

Dessa forma, claramente não se há que falar em adesividade infinita e definitiva das vantagens normativas nos contratos individuais de trabalho. Fosse assim, e tais instrumentos normativos perderiam grande parte de sua característica normativa.

Visando facilitar a clareza de nosso posicionamento, citamos o histórico da Lei 8.542/92. Com efeito, esta lei, hoje revogada, dispunha:

as cláusulas dos acordos, contratos e convenções coletivas de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas em posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho" (Lei 8542/92, art. 1º, § 1º).

Tal disposição legal parecia ter colocado uma pá-de-cal sobre a controvérsia, e mesmo os simpatizantes da tese contrária, como nós, viram-se tolhidos em suas manifestações, alguns chegando ao extremo de considerar este mandamento legal aplicável unicamente quanto às cláusulas salariais, vez que a lei 8.542 era uma lei de política salarial. Contudo, tal argumento jamais convenceu, pois a lei pode dispor de vários assuntos, e não apenas ater-se à matéria que lhe empresta o título.

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Porém, demonstrando a total imprestabilidade do malsinado dispositivo, vigorou ele até que fosse revogado pela Medida Provisória n. 1.053, de 30/06/1995, medida esta que foi reeditada inúmeras vezes, culminando na edição da Lei 10.192/02, que revogou expressamente o § 1º do art. 1º da Lei 8.542.

Assim, concluimos que atualmente, vige entre nós a regra da não-incorporação das cláusulas normativas nos contratos individuais de trabalho, aplicando-se o Enunciado 277 não apenas às sentenças normativas, mas também aos instrumentos normativos de autocomposição.

O art. 468 da CLT protege o empregado contra possíveis abusos do empregador, o qual poderá facilmente convencer o seu operário a aceitar alterações "in pejus", apenas para ter preservado o seu emprego. Como se vê, a vigência de prazo de norma coletiva independe da vontade do empregador, daí porque não se há que falar, neste caso, em mudança "in pejus", muito menos em direito adquirido pelo empregado, uma vez que não se adquirem direitos com prazo de validade restrito no tempo.

Discordamos de Sergio Pinto Martins, quando diz que "A função principal da norma coletiva deve ser a de flexibilizar as normas de Direito do Trabalho...". Na verdade, a razão de ser das normas coletivas é justamente o oposto, isto é, conquistar melhores condições de trabalho para a categoria. A função flexibilizadora das normas coletivas constitui exceção.

É certo que as normas coletivas têm prazo de vigência delimitado. Não à toa. O tempo modifica as condições sociais e as relações jurídicas. Sobrevêm novas tecnologias, novos métodos, novas linhas de pensamento, novos produtos, e novos seguimentos.

Por uma questão de extrema praticidade, as normas coletivas não podem perdurar indefinidamente, seja pela certeza de que se tornarão obsoletas, seja pelo risco de tornarem-se extremamente onerosas para o empregador ou inúteis para os empregados.

De uma forma ou de outra, a duração limitada das normas coletivas decorre da própria natureza da relação de trabalho, isto é, uma relação continuada, de trato sucessivo, e portanto, sujeita aos efeitos do fator temporal.

Assim, a supressão das vantagens obtidas por norma coletiva, é decorrência natural do esgotamento do prazo do referido instrumento normativo, seja ele sentença normativa, acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho. Não se trata de um capricho ou de um abuso por parte do empregador, o qual está impedido de piorar a situação individual do empregado, seja através de alterações no próprio contrato de trabalho, seja através de regulamento empresarial. Esta, sem dúvida, é a interpretação que melhor se coaduna com o comando do art. 468 da CLT.

É certo que a supressão das vantagens estabelecidas em normas coletivas acarretam uma "piora" na vida laboral do empregado, porém, com ela não contribuiu o empregador, não podendo-lhe atribuir o emblema da ilicitude.

Findo o instrumento normativo sem prorrogação ou sem que outro o suceda, o contrato de trabalho será regido unicamente por suas cláusulas preestabelecidas individualmente, e pelas disposições constitucionais e legais mínimas de proteção ao trabalhador.

Lembramos, ainda, que as cláusulas convencionais e normativas, vantajosas aos empregados, não se incorporam nos contratos individuais dos trabalhadores, assim como, também, os empregadores não poderão beneficiar-se de flexibilização viabilizada por instrumento normativo, por período além do prazo de sua vigência – a recíproca, nestes casos, é verdadeira.

Sobre o autor
Alexandre Chedid Rossi

advogado em Sorocaba (SP), atuando na área de Direito do Trabalho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSI, Alexandre Chedid. Incorporação das cláusulas normativas aos contratos individuais de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3429. Acesso em: 22 dez. 2024.

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