De acordo com José Naufel, define-se o nascituro como o “ser humano já concebido, em estado de feto, e que ainda, não veio à luz. Aquele que está concebido e cujo nascimento se espera como fato futuro certo” (Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, Vol. III, Rio de Janeiro, José Konfino, p. 205).
Dentre as diversas teorias explicativas desse fenômeno, destaca-se a concepcionista, que é o entendimento prevalente na doutrina atual, defendido por Silmara Juny Chinellato, Limongi França, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, Maria Helena Diniz, Flávio Tartuce, dentre outros, e na jurisprudência do STJ, v.g., REsp de n.º 399.028/SP e REsp de n.º 931.556/RS.
Para essa vertente, o nascituro tem personalidade jurídica desde a concepção, ou seja, ostenta direitos próprios protegidos pela lei, já com o seu surgimento.
Acerca da tese concepcionista, explica-nos, Silmara Juny Chinelato, que:
“juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tenham afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código chinês, art. 1º). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade” (Apud Gagliano, Pablo Stolze e, Pamplona Filho, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral, Vol. I. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 132/133).
Por oportunidade do julgamento da ADI de n.º 3510, que apresentou como objeto tracejar os limites da tutela da integridade física do embrião, por força do estatuído no art. 5º da Lei Federal de n.º 11.105/2005 – Lei de Biossegurança -, a Suprema Corte ao declarar constitucional o dispositivo questionado, utilizou como um dos fundamentos para dirimir a controvérsia estabelecida, essa teoria concepcionista, como se infere de trecho da ementa deste julgado:
“III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biosseguranca ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição.” (STF - ADI: 3510 DF , Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 29/05/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-01 PP-00134). (Negritamos).
Portanto, verifica-se que o STF mesmo que incidenter tantum, agasalhou a teoria concepcionista, a se permitir aduzir que o Excelso Tribunal também se filia a essa corrente hodiernamente.
A par da discussão da profundidade da proteção decorrente da aplicação da teoria concepcionista, efeito pragmático de sua adoção concreta é acarretar, automaticamente, a extinção do instituto afeito ao nascituro, o denominado natimorto.
Concebe-se como o natimorto, aquele ser humano que nasce morto, sem vida extra-uterina, assim, desprovido de personalidade jurídica, não obstante ter respaldo jurídico de seu nome, imagem e sepultura, conforme dispõe o Enunciado de n.º 01, da 1ª Jornada de Direito Civil: “Art. 2º: a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura.”
Cumpre sublinhar desse enunciado, assim, que o natimorto ostenta a mesma proteção relativa aos direitos personalíssimos do nascituro, mediante a interpretação do art. 2º do CC/2002, ou seja, somente lhe são garantidos esses direitos.
Nessa vereda, como premissa lógica, cabe observar que, cronologicamente, o nascituro precede ao natimorto e, de acordo com essa tese concepcionista, tem a tutela legal de seus direitos desde a concepção, a qual garante os direitos da personalidade ao nascituro, que são, como observado, igualmente assegurados ao natimorto.
Assim, com a adoção da corrente concepcionista, a qual assegura ao nascituro todos os direitos da personalidade, tecnicamente estaria “morta” a figura do natimorto, uma vez que totalmente contida pelo espectro de manifestação maior irradiado por aquele, em virtude do fato de que o concebido é ente que no plano temporal, por óbvio, antecede ao natimorto – o qual somente se configura com o nascimento com morte, enquanto o nascituro existe desde a concepção.
Para ilustrar a relevância dessa conclusão acerca da extinção da figura do natimorto neste contexto, o Projeto de Lei Federal de n.º 5.171/2013, que tramita no Congresso Nacional, que pretende alterar o texto do § 1º do art. 53 da Lei de Registros Públicos (Lei de n.º 6.015/73), para estender aos natimortos o direito de constar em sua certidão de nascimento, seu nome e sobrenome, seria redundante, a se constituir em manejo injustificado da máquina legiferante, tendo em vista que o nascituro já é titular desse direito em comento.
Além disso, todas as discussões jurídicas relativas ao feto nascido morto, principalmente nos campos da sucessão e da responsabilidade civil, se qualificariam como inócuas, porquanto transferidas para o domínio do nascituro, bem como desnecessário qualquer tratamento legislativo acerca do natimorto.