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Lei de arbitragem: quebra do monopólio jurisdicional estatal?

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

INTRODUÇÃO

É fato evidente e incontroverso, o anseio social por uma prestação jurisdicional efetiva, baseada no trinômio: rapidez, segurança e efetividade. Até porque, o Estado, em um certo momento histórico, diante de um litígio que envolve algum dos seus administrados, assumiu a responsabilidade de dizer a quem o direito pertence. O Estado passou a ter o dever-poder, conquanto a imposição da sua vontade, ao substituir à das partes, é uma obrigação.

Na prática, obriga-se a garantir, aos súditos, a tutela dos direitos dos cidadãos, já que, ao proibí-los de escolher a forma mais adequada para pacificar seus problemas, diante da resistência de um direito, que, subjetivamente, possuem, torna-se, então, o Estado-juiz, único possuidor do monopólio da jurisdição.

Para agir desta forma, foi montado um sistema jurídico que o capacita a impor medidas aos membros da sociedade, através do uso de seu imperium, dentre as quais, a possibilidade de punir os infratores, de criar leis, organizar a máquina estatal, delegar competências administrativas, aplicar sanções, cobrar impostos, dentre tantos outros.

Entretanto, com a aprovação da Lei 9.307/96 – Lei da Arbitragem – o Estado distribui parte da competência que detinha com exclusividade, e possibilita, ao particular, declarar às partes, na forma de laudo (ou sentença) arbitral, o direito, de forma semelhante à sentença estatal.

Com efeito, com a implementação da Lei, criam-se mecanismos práticos (pois a arbitragem sempre esteve no ordenamento jurídico do país, embora, sem a aplicabilidade necessária para que, saísse da teoria legal, e, fosse implementada, na prática) pacificação social, desta feita, particular. Ressalta-se que esse ato, embora, disjunto da chancela do Poder Judiciário, produz efeitos semelhantes aos do ente estatal.

Porém, surge um questionamento acerca dessa matéria, pois se é certo que jurisdição advém dos termos "juris" — direito, e "dição" — do verbo dizer, (daí, dizer o direito), teria, ainda, o Estado, a partir da Lei de Arbitragem, o monopólio da jurisdição estatal?

Para responder a presente questão, este trabalho foi dividido em cinco capítulos. O primeiro, abordará a importância da história e do direito na vida das pessoas. Ressaltará, em especial, a importância do estudo do Direito Romano, por ser de onde vêm os pilares do sistema jurídico brasileiro — civil law. Nesse capítulo, serão abordadas as principais fontes e registros históricos, donde se costuma recolher informações, sobre a história do Direito Romano.

O segundo capítulo tratará da evolução histórica da arbitragem e da jurisdição, em uma viagem histórica desde os tempos das antigas civilizações, com maior ênfase na cultura Romana, até a data que a arbitragem chega, efetivamente, ao Brasil, importada do direito lusitano, através do advento das Ordenações Filipinas.

O terceiro capítulo, abordará a lei da Arbitragem, já no território nacional. Relatará o caminho percorrido para se chegar à lei atual, como também, os principais fatos, as dificuldades e os questionamentos e debates em torno do assunto escolhido. Tratará dos três anteprojetos que antecederam a Lei, a saber: o anteprojeto de lei de 1981, o do ano de 1986, e ainda, o anteprojeto de 1988. Será narrada, também, a vitoriosa trajetória da "operação arbiter", do início dos trabalhos, adentra na tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional, até, sua publicação, em 24 de setembro de 1996, para que, sessenta dias após essa data, produzisse os efeitos no ordenamento jurídico nacional.

O quarto capítulo tratará da formação jurídica dos Estados, do Poder Judiciário, e abordará com profundidade acerca do tema monopólio jurisdicional estatal, e apresentará os benefícios da utilização da "justiça privada" para dirimir conflitos. Procurar-se-á, também, destacar a importância do princípio da autonomia das partes, e os limites impostos à atuação dos julgadores, tais como, a competência para a concessão (ou não) de medidas cautelares e antecipatórias da tutela pretendida na sentença, quando o objeto da lide versar acerca de direitos patrimoniais disponíveis, e as partes e os árbitros possuírem capacidade civil plena para instituir a arbitragem.

O quinto e último capítulo, tratará dos atos praticados pelo árbitro, ou tribunal arbitral. Dentre os atos decisórios, aprofundar-se-á no estudo da sentença arbitral, pois, encontra-se, aí, a manifestação acerca dos fatos, mormente, a declaração do próprio direito, pronunciada pelo julgador.

A abordagem consistirá em descobrir se há, embutido no instituto da arbitragem, o caráter jurisdicional, pois se demonstrado sua existência (caráter jurisdicional), decorrerão, ao menos, duas conseqüências: de plano, haverá necessidade de adequar os conceitos de jurisdição, à nova ordem de distribuição do direito, desta feita, concomitantemente privada. A segunda conseqüência, e sem dúvida a mais importante delas, é que de fato, restará rompido o monopólio jurisdicional estatal.


1 HISTÓRIA E DIREITO

O homem é um animal político. Impossível pensar lugar qualquer onde exista mais de um indivíduo, que não sejam criadas regras de convivência e harmonia. Esse conjunto de regras, latu sensu, estabelecerá direitos e deveres intersubjetivos.

Surge, assim, o direito, pois onde há pessoas, há direito ("ubi societas, ibi jus") (Cretella, 2001:18).

Mas as pessoas, independentemente de religião ou credo, dependem, sobremaneira, das coisas, dos objetos que as cercam. Muito além de propiciar conforto e prazer, os objetos são diretamente responsáveis pela vida e pela perpetuação da espécie humana. Desde a era primitiva, a vida depende dos alimentos, do calor, dos instrumentos para proteção, entre tantos outros elementos. E sempre dependerá.

Se há pessoas e coisas, haverá sempre uma forte relação entre ambas. O ser humano não encontra em seu habitat, todos os elementos de que necessita para a sua sobrevivência e bem estar. Esta escassez natural faz com que os indivíduos estabeleçam normas para delimitar a atuação do indivíduo em relação ao seu grupo social e aos objetos. Portanto, o direito regrará o comportamento dos indivíduos entre si, e a conduta que cada um deverá adotar com o que o rodeia.

A história é um meio que vai muito além de relatar fatos do passado. Deve-se, contudo, tentar eliminar a idéia de que há uma separação dos tempos: moderno e passado. A história é uma só: ontem e hoje combinam-se. Sendo impossível alterar fatos passados, cabe utilizar todos os meios e esforços para melhor entendimento do ocorrido, e, assim, os fatos podem servir como base para decisões futuras.

São os Gregos e Romanos os responsáveis pelos maiores relatos históricos ocorridos desde as civilizações antigas. Historiadores, por excelência, registraram fatos que permitiram conhecer toda a estrutura social da época. Destes registros são extraídas informações, que servem de paradigma na atualidade. Vale ressaltar, que a evolução técnica e científica contribui para entender melhor os fatos passados, permitindo a construção do futuro.

Desta reconstrução histórica, Cretella (2001:17) afirma que os romanos não conheciam o termo direito. "O vocábulo cognato e etimológico deste — directus — era adjetivo que significava: aquilo que é conforme a linha reta".

Ensina, ainda, que "em latim, o vocábulo que traduz nosso atual direito é jus, que pertence à raiz do verbo jubere, ordenar, ou ainda, a do verbo jurare, jurar. Jus é o ordenado, o sagrado, o consagrado" (id. ibidem).

"Justo é o que está em harmonia com Jus. E Justitia é a vontade constante de dar a cada um o que é seu" (op. Cit.).

Sendo certo que Direito é o conjunto de normas obrigatórias de conduta, impostas para garantir a convivência dos agrupamentos humanos, resta entender que o Direito vai à sociedade buscar elementos para que possa atingir seu principal objetivo. Assim, verifica-se que quanto melhor o estudo da história do Direito, melhor será a radiografia social, econômica, política e cultural da população. Mais que isso, permitirá identificar as causas e conseqüências das mudanças que nortearam as legislações.

O estudo histórico de uma experiência passada, presta-se a esclarecer inúmeras questões aparentemente sem solução nos quadrantes do direito de época contemporânea (Tucci, 2001:24).

Quando compreende-se o passado, eliminam-se as dúvidas e consegue-se levantar a estrutura do seu ordenamento, a solidez dos seus institutos, suas características, e chega-se, então, à razão de seu significado e conteúdo. Neste sentido, atinge-se o propósito da História do Direito. (Tucci, 2001).

A Grécia é o berço da doutrina do Direito Natural, onde a razão era associada à natureza de forma quase que inseparável. De lá vem a idéia de liberdade, educação, segurança, subsistência, aos bens da cultura, a vida. Confronta-se com a escola positivista do Direito Romano, que se exprime através das normas escritas (Cretella, 2001:21).

O conjunto de normas forma o ordenamento jurídico. Os princípios darão as diretrizes que as normas devem seguir e, junto o com ordenamento jurídico comporá o sistema jurídico presente ainda nos dias atuais, nas sociedades mundiais. Estes sistemas, aglomerados, formam três grandes grupos, a saber: romano-germânico (civil law), o common law anglo-americano e dos direitos socialistas. Ambos com o mesmo fim: propiciar um convívio harmonioso da sociedade, através da composição dos conflitos que nela possam existir.

Destaca-se ainda, que o sistema jurídico brasileiro está fincado no civil law, e sendo certa sua origem no Direito Romano, torna-se imprescindível uma abordagem histórica deste Direito, especialmente de suas fontes, seu ordenamento jurídico e as suas transformações.

1.1.Fontes do Direito Romano

Fonte do Direito é todo modo de formação do Direito, é todo documento, monumento, pessoa, órgão ou fato donde provém a norma jurídica. Fonte do direito romano é todo órgão revelador do direito romano. Indagar de que modo nasce ou se revela o direito romano em cada período é estudar as fontes do direito romano, nesse período (Cretella, 2001:27).

O Direito Romano, no seu período arcaico [1], à época da instauração da fase monárquica (510 a.C.), era caracterizada por decisões baseadas nos costumes (direito consuetudinário). Em 461 a.C., surge a Lex Tarantilla ou Lei das XII Tábuas, que é exaltada como fonte de todo o Direito Romano (fons omnis publici privatique iuris), por sua inequívoca relevância para o estudo do processo da época. O caráter Romano restou visível em praticamente todas as disposições da Lei: primitivo, prático, concreto, imediatista, religioso e violento (Tucci, 2001:29).

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No período clássico [2], aparece a figura dos pretores romanos — pessoas que detinham a função jurisdicional. Com a sua evolução, os pretores passaram a publicar editos anuais que continham, basicamente, o plano de atuação durante sua gestão. Estes editos (edictum perpetuum) constituíam-se verdadeiras fontes do Direito, e vieram para completar, suprir e interpretar as lacunas deixadas na lei.

Outra fonte importantíssima para a compreensão da época Clássica do Direito Romano são as Institutas de Gaio. Famoso jurisconsulto Romano que teria vivido no século II como professor de Direito, escreveu as Institutas em quatro livros, que serviram de estudo aos seus alunos. Sua relevância para o estudo do Direito Romano é incontestável, principalmente o que se pode extrair do livro IV das Institutas, no caso, vários conceitos dos institutos romanos, além do rito processual, o que muito interessa.

Acerca desta mesma época, vasto conhecimento pode ser extraído do Digesto. Embora seja compilação da época pós-clássica, o Digesto foi integralmente tecido por trechos de assuntos em comum, relatando fatos, tanto da época clássica, quanto da época pós-clássica [3], recolhidos da obra de mais de quarenta jurisconsultos clássicos. Extraem-se desta fonte, a identificação da ação, a apelação, o regime da coisa julgada, entre vários outros. Os códigos Gregorianos e Hermogeniano também são considerados como fontes, secundárias, do Direito Romano na época Clássica.

Extraem-se informações históricas das diversas obras literárias, tais como as escritas por Cícero, grande orador dos fins da época republicana [4], e Aulo Gélio, autor de Noites Áticas, tratando esta última das suas atividades como iudex.

No período pós-clássico, pode-se citar o Código Theodosiano. Esta obra é composta por dezesseis livros, contendo Constituições Imperiais (leges), desde o reinado de Constantino. Com grande relevância nos aspectos recursais, e embora ainda pouco explorado, mostra-se importante no âmbito da fase cognitio extra ordem ou conhecimento extraordinário.

Cabe citar, finalmente, que Justiniano nomeou uma comissão para organizar e compilar o Direito Clássico e pós-clássico. Sua magistral obra ficou conhecida como Corpus iuris Civile. Divide-se em quatro partes, a saber: Codex repititae praelectiones (534 d.C. e continham 12 livros com constituições imperiais desde o fim do século II), Digesta ou Pandactae (533 d.C., monumental compilação de fragmentos extraídos de mais de 14.000 livros escritos pelos juristas clássicos; é a principal fonte de estudo do Direito Romano na sua fase de esplendor), Intitutiones (533 d.C., inspiradas na obra de Gaio) e Novellae (compilação do Corpus iuris e correspondem as novas constituições, 168 d.C., já na época de Justiniano).


2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM E DA JURISDIÇÃO

Antes da formação dos Estados, os indivíduos pacificavam seus problemas através da força. A tutela dos seus direitos era garantida por atos de violência e imposição. Esta fase foi chamada de autotutela ou justiça de mão própria, onde cada um defendia à força sua pretensão.

A capacidade de uma pessoa agir, ou reagir, praticando qualquer atitude, mesmo que estivesse fazendo apenas prevalecer a força de seu instinto, era denominada agere. A tutela dos direitos originou-se nos povos primitivos do próprio instinto humano de preservação e da concepção individualista do justo e injusto.

A forma mais primitiva de composição de uma lide, utilizada pelos indivíduos, foi a força física. Estas ações eram exclusivamente privadas, visto que sequer idéia de Estado havia, menos ainda, de qualquer ordenamento jurídico que viesse coibir tais ações.

Num processo evolutivo, o homem vê-se obrigado a desprender da força física, passando a confiar em pessoas que, de certa forma, detinham a confiança de ambos os envolvidos em uma desavença, confiando, a terceiros, a tarefa de julgar suas lides.

A religião encontra-se presente em todos os povos. No afã de tentar entender a sua própria existência, o homem busca elementos divinos para explicar a razão da própria vida, e passa a confiar em Deus e nas pessoas por ele enviadas.

É com esse espírito de investigação que pretende-se constatar que o instituto da arbitragem é um dos que mais antigos que se tem na história do Direito e, especificamente, acerca da jurisdição ou justiça privada, noticiado na Babilônia de 3.000 anos a.C., na Grécia antiga e em Roma (Figueira Júnior, 1999:24).

Assim, dá-se continuidade à fase chamada justiça privada, todavia não mais diretamente pelo ofendido, mas pelo grupo social ou por terceiros designados especialmente para dirimir determinadas controvérsias. Apenas em momento histórico muito posterior é que vem à tona a justiça pública oferecida pelo Estado (Figueira Júnior, 1999: 25).

Com efeito, os árbitros incumbem-se de decidir a qual dos litigantes pertence o direito. O homem fez prevalecer seu lado racional, criando o instituto da arbitragem. Destaca-se que este fato não foi criado, apenas, a partir de um ato, já que faz parte da evolução do próprio homem.

A arbitragem substituiu a "lei da selva" pela "lei das gentes" ou das pessoas, prevalecendo a inteligência.

O desenvolvimento das técnicas arbitrais de conciliação de conflitos foi tão contundente e importante, que conduziu à sua própria jurisdicionalização. Tamanha sua força e benefícios práticos, que, embora, em momento histórico muito posterior, vem à tona a justiça pública oferecida pelo Estado.

Ressalta-se, que, ainda no século XXI, permanecem vários resquícios da possibilidade de defesa dos direitos com as próprias mãos, por exemplo, a legítima defesa, que torna lícito repelir a força através da própria força, assim como a autodefesa privada ativa (defesa do patrimônio), a qual possibilita o proprietário expulsar de seu imóvel animais alheios ou pessoas que nele ingressar, oculta ou violentamente.

Difícil traçar uma linha temporal da evolução da humanidade, na medida em que cada povo possui cultura com características próprias, e diferentes níveis de evolução.

A evolução da arbitragem aparece em quatro etapas. A primeira, a autotutela, é a força individual ou de um grupo, utilizada para decidir controvérsias. Com o passar dos tempos, estabeleceu-se regras para distinguir a violência legítima da ilegítima.

A segunda etapa, autocomposição facultativa ou arbitramento facultativo aparece quando os indivíduos, diante de uma controvérsia, resolvem, ao invés de utilizar-se da força individual ou de um grupo, fazer um acordo com a parte contrária e receber uma indenização, ou procurar pessoas que gozam de confiança de ambas as partes para fixá-la.

A terceira etapa é caracterizada pela determinação do Estado que impunha o arbitramento obrigatório enquanto as partes não indicavam árbitros de sua escolha para dirimir as controvérsias. O Estado passa, num determinado instante, a assegurar a execução forçada da sentença, caso o sucumbente não a cumprisse espontaneamente.

A quarta etapa, da justiça pública, é marcada pela solução de conflitos, advinda do poder Estatal, inclusive com execução forçada de sentença, se necessário. Muito embora a possibilidade de se instituir um árbitro não tenha sido excluída, apenas deixou de ser regra para transformar-se em exceção (Figueira Júnior, 1999:25).

A justiça privada antecedeu aos juízes ou tribunais. Assim, a instituição Estatal advém do Direito Romano, onde encontram-se as principais fontes do instituto da arbitragem ou do compromisso arbitral.

Quatro foram as fases evolutivas dos meios empregados pelos Romanos para a solução dos conflitos. A primeira, estabelecida ainda na Lei das XII Tábuas, trazia a idéia de vingança privada: olho por olho, dente por dente. A segunda ocorreu durante toda a evolução do direito romano, pois sempre se permitiu que os conflitos fossem conciliados por árbitros. O terceiro, nos dois primeiros sistemas de processo civil romano — o das legis actionem e o per formulas. Finalizando, o quarto meio de solução de conflitos encontra-se no terceiro sistema processual romano — a cognitio extraordinária (Figueira Júnior, 1999:25).

O direito subjetivo é tutelado pela ação (actio) que, no sentido restrito ainda a ele atribuído, nada mais sendo do que atividade processual, mediante a qual o particular procura concretizar a defesa dos direitos, pondo em movimento o aparelho judiciário do Estado. Para tanto, executa uma série de atos jurídicos ordenados, denominado processo.

Resta indispensável conhecer, para melhor compreensão do instituto da arbitragem, os três sistemas de processo civil romano: a) legis actiones — ações da lei; b) per formulas — formulário; c) cognitio extra ordem — extraordinário.

A organização da instância varia com relação aos três sistemas de processo civil romano. Nos dois primeiros (legis actiones e per formulas), vigora o ordo iudicium privatorum — ordem dos processos civis —, enquanto no último, cognitio extra ordem — fase do conhecimento extraordinário —, a justiça é pública.

Conhecida na antiga Roma, a primeira das formas processuais, legis actiones, já aparecia desenvolvida na época da Lei das XII Tábuas, e conservou-se por toda idade republicana, embora tenha sofrido algumas modificações. Apresentava resquícios da autodefesa e trazia uma forte influência dos elementos de natureza religiosa. Caracterizada por um rígido formalismo, resultante de uma estilização ou esquematização ritual, em gestos e formulários fixos, de atos de defesa privada (Figueira Júnior, 1999:26).

Havia na época, uma acentuada disparidade entre a plebe e os patrícios romanos. Esta rígida estratificação podia ser facilmente observada nos aspectos econômico e social, embora repercutisse efetivamente no direito dos cidadãos.

Diante de uma forte pressão das classes inferiores [5], e, com o intuito de suavizar tais diferenças, Roma passa gradativamente a buscar uma melhor equação de direitos (aequatio iuris). Ressalta-se que toda esta transformação não ocorreu por acaso. Na verdade, essa mudança só seria possível através de normas escritas.

Foi quando no ano 461 a.C., enfim, o tribuno da plebe Gaio Terentillo Arsa, criou uma magistratura encarregada de redigir um diploma legal que mitigasse o arbítrio dos cônsules — a Lex Tarantilla ou Lei da XII Tábuas. Após inúmeras protelações e resistências, foi aprovado (ou imposto), em Roma o texto definitivo das dez, que vieram a ser doze tábuas de bronze do ano de 455 a.C.. Compiladas e publicadas, as Leis contidas nas XII Tábuas passam a reger as relações jurídicas do povo Romano (Cretella, 2001: 33).

Com o advento da Lei das XII Tábuas em 455 a.C., o processo é bipartido em fases distintas. A fase in iure — desenvolvia-se perante um tribunal, com a presença de um magistrado. Por fim, a fase apud iudicem — transcorria diante de um cidadão privado. Na primeira fase fixava-se os pontos da controvérsia, enquanto que na segunda, o juiz privado analisava as razões das partes e proferia a sentença.

No período da realeza [6], em Roma, tudo se concentrava nas mãos do rei, chefe supremo e vitalício, o único depositário da potestas pública, reunindo por força de seu imperium, além dos poderes militares e religiosos, poderes civis, legitimando-o a julgar em primeira e última instância. Esse fato explica porque a estrutura jurídica do mais antigo sistema processual romano — legis actiones — era por demais formalista. A casta de sacerdotes, auxiliando o rei, ditava o comportamento dos cidadãos. Depreendendo-se daí, que nesta conjuntura havia um íntimo relacionamento entre direito (ius) e religião (fas).

Ao rei sucede o poder consular, dando início a república romana, período compreendido de 510 a.C. até 27 a.C. Nesta época, a magistratura foi posta, inicialmente, nas mãos de dois cônsules, que a exerciam em meses alternados. Estando a república exposta a perigos gravíssimos, o cônsul em exercício enfeixava o poder de ambos e tornava-se ditador, com poderes absolutos.

Roma estava em uma fase expansiva do seu território, marcada pelo aparecimento das províncias (territórios conquistados fora da Itália). Embora, no início, o encargo de declarar a justiça cabia exclusivamente ao pretor, com poderes que estendiam-se a todos os territórios submetidos, num segundo momento, o cargo de pretor vem a se desdobrar em dois.

A grande afluência de estrangeiros exigiu a descentralização dos poderes dos magistrados, e, assim, passam a existir a figura do pretor urbano, para as causas entre romanos, e a do pretor peregrino, para as questões entre romanos e peregrinos (estrangeiros) ou entre os próprios peregrinos.

Aparecem também as figuras do praefecti iure dicundo — delegados do pretor, encarregados de dizer o direito na área atualmente compreendida pela Itália, assim como os governadores de província, encarregados de distribuir justiça nos territórios dominados (Cretella, 2001:30).

Durante toda a época clássica, o direito romano era mais um sistema de actiones e de meios processuais do que de direitos subjetivos. Atualmente, tem-se um conceito genérico de ação; em Roma, a cada direito, correspondia uma ação específica.

Legis actio per sacramentum é considerada a primeira forma de processo institucionalizado. Era conhecida antes mesmo da Lei das 12 Tábuas. Havia duas modalidades de actio sacramentum: in rem e in personam.

Inicialmente, na actio sacramentum in rem (sacramento real), não era necessária a citação — in ius — do réu, bastando ao autor, portar a coisa ou algo que a representasse. Com o passar do tempo e a evolução gradativa da sociedade romana, o chamamento do réu perante o juízo tornou-se imprescindível, para que pudesse ser instalado o processo reivindicatório. Da mesma forma, a evolução do julgamento desenrolava-se diante do rex. Posteriormente, passa a ocorrer diante do pretor.

Aplicava-se a legis actio sacramentum in personam (sacramento pessoal), à lide cujo objeto versava sobre uma obrigação, e o autor deveria indicar uma causa pela qual se afirmava derivar a obrigação (oportere). Ao réu cabia: não comparecer, comparecer para confessar a dívida (hipóteses que estariam equiparados aos vencidos — iudicatus) ou ainda, contestar.

Muito embora, ambas as sentenças possuíssem um caráter declaratório, pois o juiz (iudex), após análise dos argumentos e provas, apenas dizia qual dos dois sacramentos seria o justo, na prática os efeitos eram diferentes nas duas ações. Os casos de sacramentos reais, o devedor insolvente estava sujeito aos efeitos da manus inectio, conquanto nos sacramentos pessoais, o demandante teria que fazer o chamamento do devedor (citação), dando início ao processo executivo.

O procedimento Legis actio per iudicis arbitrive postulationem foi instituído pela Lei das XII Tábuas, e era utilizado nos casos de partilha de herança e divisão de coisa comum, assim como, para as dívidas derivadas de uma promessa (sponsio).

Assim, diante da afirmação do autor, em um processo decorrente de uma promessa, o réu, porventura contestasse, solicitava-se ao pretor um juiz. O iudex escolhido ou nomeado vinha, possibilitando a evolução do processo.

Mais moderno que o sacramento, este procedimento foi exigido pelo desenvolvimento da economia romana, à medida que o comércio evoluiu e, as promessas (sponsio) tornaram-se cada vez mais freqüentes nas trocas de mercadorias.

Caso ainda mais interessante, eram as situações que envolviam partilha de bens hereditários (actio familiae irciscundae), quando após exposição das causas era solicitada ao magistrado, a nomeação de um árbitro (arbiter). Isto devia-se à natureza da de aquela ação exigir não somente a aplicação das normas jurídicas, mas como de fato, implicava na medição e avaliação das globas de terras, de animais e de vários outros bens que seria então, por ele dividido, o que certamente reclamava conhecimento e experiência extrajudicial.

O provimento final, nessa espécie de actio, tinha natureza constitutiva. Este mesmo procedimento fazia-se valer para a divisão de coisa comum (actio communi dividundo), a partir da lex Licinnia (210 a.C.) (Tucci, 2001:67).

A legis actio per conditionem foi introduzida no século III a.C., por duas leis: a lex Silia versava sobre créditos de certa pecúnia, e a lex Calpurnia, para os créditos de qualquer outra certa res. Pelo fato destes créditos teoricamente, poderem ter sido cobrados pela legis actio sacramentum in personam, acredita-se que a Legis actio per conditionem tenha vindo substituí-la, tornando mais rápido e eficiente o processo.

A Legis actio per manus iniectionem, típica ação de execução, tinha como requisito o inadimplemento de obrigação originada de sentença ou confissão perante a justiça. Geralmente era promovida em face do vencido (iudicatus) ou do réu confesso (confessus).

Nesta fase processual, o magistrado autorizava a manus iniectio propriamente dita, onde o credor apoderava-se do réu insolvente, imputando-o as mais desagradáveis situações.

A Legis actio per pignoris capio originou-se dos costumes da vida militar e muitos doutrinadores não a consideram possuir a natureza de legis actio, já que ela é efetivada sem a presença do magistrado (extra ius).

Permitia que o credor pegasse em penhor os bens móveis do devedor. A medida não permitia que tais bens fossem alienados, entretanto, servia para constranger o devedor de uma obrigação, pois a própria retenção da coisa, soava como pena contra o devedor faltoso, impondo ao cidadão uma posição vexatória, em um período que o respeito à palavra empenhada de uma pessoa, muito significa.

O período das ações da lei teve seu fim com a Lex Iulia iudiciorum privatorum, abolindo-a definitivamente.

Em idade republicana e estendendo-se até o século II a.C [7], firma-se um novo tipo de processo, concorrentemente ao já existente. Inicialmente aplicado às pessoas não legitimadas ao uso das legis actiones, a segunda das formas processuais romanas, per formulas, foi também utilizada em face de matéria que não encontrava tutela jurisdicional por intermédio dos trâmites das ações da lei. Com passar do tempo, torna-se o tipo processual civil normal, no início do principado (Figueira Júnior, 2001:26).

O processo formulário supera o rígido formalismo e ameniza-se a utilização da autodefesa [8], diante da consolidação da autoridade estatal. Conserva-se a separação do processo em duas fases — in iure e apud iudicem. [9] Adquire aqui, as partes, a atribuição do poder de decidir a controvérsia por parte de uma pessoa livremente escolhida entre as partes (Figueira Júnior, 2001:27).

Tanto nas ações das leis como no sistema por fórmulas, a fase denominada apud iudicem desenvolvia-se perante um juiz particular ou juiz popular (iudex), que procedia a cognição, apurava os fatos e proferia a sentença.

Nem sempre, no entanto, encontra-se, na fase apud iudicem, o iudex privatus; em certos processos, em lugar dele funcionam tribunais permanentes (isto é, órgãos formados por vários membros, e que existem permanentemente, ao contrário do iudex privatus, que é escolhido, para cada caso, pelas partes litigantes).

O processo formular, à época do seu surgimento, não teve reconhecimento legislativo (era essencialmente pretoriano), e, portanto, as sentenças pronunciadas por seus juízes não ostentavam relevância para o ius civile, e, em particular, nos processos entre cidadãos romanos, não poderiam ser equiparadas às sentenças dos juízes que julgavam com base em uma legis actio (Tucci, 2001:76).

A criação do pretor urbano (367 a.C.) e do pretor peregrino (242 a.C.) outorgou aos magistrados (cônsules, censores, governadores de província e pretores) o poder de conceber fórmulas não previstas no ius civile. O processo formulário, ou per formulas, era caracterizado pela publicação de um edito anual que continha basicamente seu plano de atuação durante sua gestão.

A fórmula correspondia ao esquema abstrato contido no edito do pretor, no qual eram feitos os ajustes necessários e era redigido um documento iudicium pelo magistrado, fixando o objeto da demanda que devia ser julgada pelo iudex popular.

Não há provas convincentes, para afirmar que o processo romano, entre o século II e III, tenha se originado da praxe jurídica das províncias — territórios dominados por Roma —, muito embora, sabe-se que as controvérsias pacificadas pelo meio de uma das legis actiones, eram admitidas, exclusivamente para os cidadãos romanos. Seja como for, pelo fato da criação do pretor urbano ter precedido a instituição da pretura peregrina, o agere per formulas teria sido instituído, em Roma como uma natural evolução das próprias ações da lei (Tucci, 2001:17).

O pretor urbano, na época, possuía além da jurisdictio, o imperium. Assim, pela jurisdictio, ele julgaria, dizendo o direito. Fixaria no fórum, em quais casos usaria seu imperium, fazendo cumprir suas decisões.

Existiam quatro tipos de editos: urbano (pretor urbano: o mais importante), perpétuo (sua duração estava adstrita à investidura do pretor, que por ser de regra anual, era chamado por Cícero de lex annua, e servia, via de regra, tanto para completar, suprir e interpretar as lacunas deixadas na lei, quanto para corrigir os rigores dos seus efeitos), repentino (de emergência, porém por haver originado abusos, foi abolido pela Lex Connélia em 687 d.C.) e "pars translaticia" (a parte aproveitada de editos anteriores). O novo pretor, além de criar novos editos — "pars nova" —, tinha o direito de alterá-los — jus edicendi (Cretella, 2001:36).

O instituto do juízo arbitral chegou merecer disposição expressa no Digesto (Liv. IV, Tít. 8; Cód. Liv. II, Tít. 55), sob a epígrafe De receptis. O receptum era uma assunção não formal de responsabilidade, sancionada pelo pretor de vários modos, da parte de determinados sujeitos, árbitros, armadores de navios, hoteleiros, estaleiros e banqueiros, do que resultam três diferentes formas de recepta: arbitrii, nautarum cauponum e stabulariorum, argentarii. (Figueira Júnior, 1999:28).

Dentre as três, a que mais nos interessa é a primeira. Porquanto a denominada recepta ou receptum arbitrii era a elevação, por parte de um árbitro escolhido mediante compromissum pelos litigiosos, da tarefa de emanar o juízo sobre a controvérsia apresentada à sua decisão.

O pretor, por sua vez, concedia no seu édito, em vez de uma ação, meios de coerção, tais como a irrogação de uma multa ou a pignoris capio, para que o árbitro executasse o compromisso assumido desde que não subsistissem causas de escusa (excusationes). Este pacto de compromisso serve para as hipóteses de ações em que os litigantes fixavam uma multa para o caso de inobservância da decisão do árbitro (Figueira Júnior, 2001:29).

Cita o Digesto, Livro IV, 8, 3, que o ato do árbitro consistente em aceitar o encargo se denominava arbitrium recipere e o julgamento recebia a designação de sententia.

No principado romano [10], com a concessão da cidadania romana a todos os seus habitantes, no século I a.C., desapareceram os praefecti iure dicundo. Assim, os litígios de menores valores processavam-se diante dos magistrados municipais; enquanto que os litígios, cujo objeto tivessem maior valor, a jurisdição era do pretor, devendo as partes, em conseqüência, se deslocarem para Roma.

Ainda à época do principado, as províncias distinguiam-se em: senatoriais, cuja jurisdição era exercida por um legado (legatus), que atuava como mandatário do governador, o procônsul, e por um questor que tinha a mesma função dos edis curuis em Roma; e imperiais, cuja jurisdição era delegada pelo Imperador aos legati iuridici, ou aos próprios governadores delas, no caso os propretores, que a exerciam com a assistência dos assessores.

A terceira forma processual romana, iniciou-se no período do principado romano. O novo processo, chamado de cognitio extra ordinem, diferencia-se das demais formas de processo ordinário que compõem a justiça de ordem privada (ordo iudiciorum privatorum) — legis actiones e per formulas.

Suas principais características eram o abandono do formalismo residual do processo formular e o incremento à participação estatal, com relativa abolição das duas fases (in iure e apudi iudicem), diminuição da intervenção das partes e redução da defesa privada. O desenvolvimento do processo transcorria, do início ao fim, perante órgão estatal. Este era o responsável por impulsionar o feito, e também a quem era reservada a emanação da sentença (Figueira Júnior, 2001:27).

No dominato [11], surge a hierarquização dos juízes, classificando-os em inferiores e superiores.

Os juízes inferiores eram os que julgavam, normalmente, em primeira instância e se denominavam iudices ordinari. Estes eram subclassificados, de acordo com seu local de atuação. Assim, o juiz que exercia suas atividades em Roma e Constantinopla, era o prefeito urbano (praefectus urbi), que veio a substituir o pretor urbano, nessas funções, a partir do século II d.C.

Havia, também, os que exerciam suas atividades nas províncias. Lá, os litígios mais importantes processavam-se diante do governador, ou por sua ordem; os litígios menos importantes, de valor inferior, desenrolavam-se diante de funcionários municipais, e nos fins do dominato, o defensor da cidade (ciuitatis).

Os juízes superiores, encontravam-se no cume da escala hierárquica. Eram os Imperadores do Oriente e Ocidente; abaixo deles, os praefecti praetorio, que representavam os imperadores, razão pela qual, suas decisões eram irrecorríveis para aqueles; e, mais baixo, os uicarii, de cujas decisões podia-se recorrer ao imperador.

Ainda no dominato, Constantino reconheceu que os bispos tinham jurisdição quando um dos litigantes, durante o processo, pedisse a sua suspensão, a fim de que passasse a correr diante de um bispo, cuja sentença, nesse caso, teria força executória. Entretanto, essa jurisdição foi revogada nos fins do século IV, ou durante o século V d.C.

Mister ressaltar, que Roma não conheceu o princípio da separação dos poderes: executivo, legislativo e judiciário, razão pela qual os magistrados judiciários romanos, além da função de distribuir justiça, desempenhavam atribuições administrativas, e, muitas vezes, militares.

No período inicial da queda do Império Romano e da conquista dos seus territórios pelos bárbaros percebe-se um drástico declínio cultural, permanecendo poucos vestígios das notáveis realizações da cultura clássica.

Os bárbaros encaravam a guerra como meio de adquirir tudo o que não conseguiam criar com seu trabalho. Pilhavam cidades e aldeias, aprisionavam cidadãos ricos e exigiam resgate, ou tomavam suas terras e pertences. Neste contexto, Roma foi saqueada mais de uma vez.

Os povos bárbaros viviam em numerosas tribos, a princípio no Norte e a Leste do Império, e foram fixando-se no Oeste e ocupando toda a Europa Ocidental e Ilhas Britânicas. Eram unidades familiares patriarcais primitivas, divididas em grupos de clãs formados por grandes unidades familiares. A procura por novas terras era inevitável, levando-os a invadir territórios romanos com mais freqüência.

O êxito foi alcançado e territórios foram anexados ao novo Império Bárbaro. Sem que estivessem capacitados para administrar seu novo território, surgem diferenças de posição nas próprias comunas bárbaras. Estas comunas eram governadas por representantes eleitos que se reuniam em assembléias de toda tribo, aldeia ou distrito. Ali eram deliberados os assuntos importantes e praticada a arbitragem na sua forma mais elementar (Manfred, 1990).

Os bárbaros avançaram sobre um enorme território. O trabalhador do campo muitas vezes não encontrava apoio ou proteção da parte dos companheiros de sua comuna de origem, que enfraquecera e desorganizara-se. Estes camponeses passaram, então, a buscar apoio com os homens ricos de sua própria região. Este processo levou a Europa a dividir-se em unidades independentes, e sem a noção de Estado, de nação.

A Idade Média foi marcada pelo empobrecimento do Estado, forte presença da Igreja, ausência de leis e a conseqüente falta das garantias fundamentais para os cidadãos, grande variedade de ordenamentos e conflitos entre igreja e Estado.

Este cenário em muito contribuiu para o ressurgimento, a partir do século XII, da arbitragem, desta feita, com uma nova roupagem: entre cavaleiros, barões, proprietários feudais e entre soberanos distintos.

Apareceram, na Europa, impulsionadas pela expansão marítima e suas novas descobertas, as arbitragens comerciais. Os comerciantes resolviam suas controvérsias evitando o dispêndio de tempo e buscando desvincular-se ao máximo do Estado soberano e absolutista.

Ainda neste período, a Igreja, uma extensa e rígida organização social, dotada de ordem jurídica interna das mais rígidas, também foi adepta da arbitragem. O direito canônico teve sua origem na arbitragem e na disciplina. O declínio desta prática ocorreu apenas no século XVI, com a decadência dos tribunais eclesiásticos. Segundo as epístolas de São Paulo era aconselhado aos cristãos a resolução de conflitos pela arbitragem da comunidade cristã.

No direito lusitano medieval, a arbitragem estava presente antes mesmo de Portugal ser elevada à condição de Reino. O Fórum Iudicium representou o direito presente na comunidade Hispânica. Na monarquia lusitana, D. Afonso III publicou normas sobre juyzes aluydores. Em seqüência, o instituto passou a ser regulado nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, sendo estas últimas, já com aplicação nas terras brasileiras, inclusive, mesmo depois da sua independência.

Sobre o autor
Carlos Guilherme de Abreu e Lima

acadêmico de Direito no Centro Universitário de Vila Velha (UVV)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Carlos Guilherme Abreu. Lei de arbitragem: quebra do monopólio jurisdicional estatal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3442. Acesso em: 24 nov. 2024.

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