O federalismo de cooperação é consagrado pelo parágrafo único do artigo 23 e caput do artigo 241 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88)[1], ou seja, há a possibilidade de ação conjunta entre os entes da federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) através dos consórcios públicos e convênios administrativos. Esses institutos são colocados à disposição dos estados para a gestão associada de serviços públicos, mas também à disposição da sociedade civil para a execução das políticas públicas, desde que se enquadrem dentro dos requisitos para travar com o setor público a avença.
Em relação aos consórcios públicos, somente poderão acontecer entre entes da federação, conforme a letra do art. 241 da CF/88. São habituais entre municípios, os chamados consórcios intermunicipais de saúde, proporcionando uma gestão associada de objetivos de interesse comum entre os mesmos para a prestação de serviços públicos. A Lei nº 11.107/05 regula o diploma constitucional com normas gerais, e cabe a cada ente da federação a sua normatização.
Por outro lado, o convênio de cooperação, também citado pelo art. 241 da CF/88, trata-se de sinônimo de convênio administrativo. Nomenclatura diferente é utilizada pelo poder constituinte por razão desconhecida, talvez para considerar somente os convênios entre entes públicos, incluindo-se a administração indireta, tema este pacífico na doutrina e jurisprudência o qual nos delimitamos a tratar.
Gustavo Alexandre Magalhães conceitua convênio como “acordo de cooperação celebrado pela Administração, em parceria com a iniciativa privada ou com outros entes estatais, no intuito de buscar o atendimento de finalidades públicas” (MAGALHÃES, Gustavo Alexandre, Convênios Administrativos: Aspectos Polêmicos e análise crítica de seu regime jurídico, Atlas, 2012, p. 333).
Assim como os consórcios, os convênios administrativos poderão ser celebrados entre entes estatais, e também entre poder público e entidades particulares.
A parceria realizada entre entidades públicas, ou seja, o convênio administrativo público (público-público), por exemplo, quando um Estado quer construir uma determinada escola estadual em um município e ao invés de realizá-la diretamente, trava com este um convênio e transfere para este a verba necessária para a execução, bem como para o aparelhamento da mesma. Deve-se lembrar que nem sempre no ajuste haverá repasse financeiro. Poderão ocorrer convênios públicos em que, por exemplo, haverá uma parceria entre a polícia militar e civil para a troca de dados relativos a investigações.
Já os convênios público-privados acontecem entre o poder público e uma entidade privada desde que tenha como objetivo institucional a não aferição de lucro e a finalidade social. Ocorre, por exemplo, quando um determinado munícipio transfere uma verba ou cede funcionários para uma determinada entidade beneficente como, por exemplo, uma casa de repouso de idosos.
Logo, se os consórcios, bem como os convênios podem ser celebrados entre entes da federação, qual seria a diferença entre os dois institutos? A contenda seria que no consórcio, se cria uma pessoa jurídica, na forma de associação pública ou pessoa jurídica de direito privado[2], que integrará como entidade da administração indireta, de todos os entes da federação que façam parte do consórcio, e é esta que executará o serviço.
Ao contrário, nos convênios não há criação de pessoa jurídica, trata-se de um acordo entre os entes estatais, em que aquele que recebe a contribuição (financeira) é que irá executar o serviço, ou no caso de convênios que não haja valores monetários, ambos poderão executar o pactuado.
A legislação federal pertinente aos convênios administrativos são os já citados dispositivos constitucionais, regulamentados pela Lei nº 8.666/93, Decreto nº 6.170/07, Instrução Normativa nº 01/97 da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e Portaria Interministerial CGU/MF/MP nº 507/11. Cabe aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentarem a seu nível.
Tanto nos convênios públicos quanto nos convênios público-privados a existência de um plano de trabalho é obrigatória; e neste deverá constar obrigatoriamente os requisitos do §1º, art. 116 da Lei 8.666/93, senão vejamos:
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.
§ 1o A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
I - identificação do objeto a ser executado;
II - metas a serem atingidas;
III - etapas ou fases de execução;
IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;
V - cronograma de desembolso;
VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas;
VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.
A existência ou não do plano de trabalho junto aos convênios é o que faz diferenciar de outros repasses de verbas entre o poder público e entre o Estado e a iniciativa privada. E que os fazem muito confundidos com as subvenções sociais[3], que têm como objetivo custear uma determinada entidade.
Gustavo Alexandre Magalhães tece o seguinte comentário a respeito das subvenções sociais:
‘Na subvenção social e no auxílio, as verbas transferidas destinam-se ao custeio de uma entidade determinada, ou seja, visam a atender a despesas de caráter geral, sem a vinculação a um plano de trabalho prévio. Considera-se, nessas hipóteses, que a entidade desempenha papel relevante para o interesse da coletividade e que, por isso, merece “ajuda estatal” para o pagamento de despesas permanentes ou mesmo para a cobertura de déficits orçamentários[4].”
Portanto, os convênios administrativos, ao contrário das subvenções sociais objetivam a efetivação de políticas públicas entre os entes da federação e entre esses e a sociedade civil - os convênios públicos, sendo que o convenente[5] assume um serviço público através do estipulado no plano de trabalho, e os convênios público-privados, em que o particular é fomentado pelo poder público (concedente[6]) a desenvolver alguma atividade de interesse público, também, através do estipulado no plano de trabalho.
O fomento pode ser definido como ação do Governo, visando estimular a iniciativa privada a desenvolver e prestar serviços de competência não exclusiva do Estado, através da concessão de benefícios, sendo eles financeiros ou não.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, define a ação de fomento como:
“[...] forma de incentivar a iniciativa privada de interesse público. Difere do serviço público, porque, neste, o Estado assume como uma atividade de atendimento a necessidades coletivas, para exercê-la sob regras total ou parcialmente públicas; no fomento, o Estado deixa a atividade na iniciativa privada e apenas incentiva o particular que queira desempenhá-la, por se tratar de atividade que traz algum benefício para a coletividade.
[...] o fomento aparece coma uma ajuda, um estímulo, tendente a que os particulares possam realizar suas próprias finalidades comerciais ou industriais[7].”
É importante ressaltar que essas entidades privadas fomentadas pelo governo, possuem vida própria e não dependem juridicamente do poder público, embora desenvolvam um papel de grande importância ao lado do Estado com a prestação de serviços de assistência social, saúde e educação. Esses serviços são denominados de terceiro setor, prestados por organizações não governamentais (ONG), pois não fazem parte do Estado (1º setor) e não fazem parte do comércio (2º setor), por não alvejarem o lucro em suas atividades.
Não paira dúvida alguma sobre o papel das ONGS no Estado Democrático de Direito, que absorveu um número grande de atividades como serviços públicos, impossibilitando uma prestação destes de forma adequada. Porém, nos últimos anos houve um aumento considerável de entidades do terceiro setor. E como a escolha da entidade é um ato discricionário e independe de procedimento isonômico de seleção do convenente; o favoritismo e os interesses contrários à finalidade pública são frequentes. Nada obstante, uma minoria na doutrina está a defender a obrigatoriedade da realização de licitação para a escolha do convenente.
Portanto, com a reforma administrativa e instituição de um Estado subsidiário ao Estado social, a atuação das organizações não governamentais em parceria com o Estado será imprescindível, pois estas assumirão grande parte, ou não todos os serviços públicos não privativos do poder público. Nada obstante, um procedimento de seleção, fundamentado nos princípios da impessoalidade, legalidade e probidade administrativa será imprescindível.
[1] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
[2] Art. 6o da Lei 11.107/05: O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:
I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;
II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.
[3] Art. 12. A despesa será classificada nas seguintes categorias econômicas:
[...]§ 3º Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:
I - subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;II - subvenções econômicas, as que se destinem a emprêsas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.
[4] MAGALHÃES, Gustavo Alexandre, Convênios Administrativos: Aspectos Polêmicos e análise crítica de seu regime jurídico, Atlas, 2012, p. 294.
[5] Art. 1º Este Decreto regulamenta os convênios, contratos de repasse e termos de execução descentralizada celebrados pelos órgãos e entidades da administração pública federal com órgãos ou entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, para a execução de programas, projetos e atividades que envolvam a transferência de recursos ou a descentralização de créditos oriundos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União. [...] VI - convenente - órgão ou entidade da administração pública direta e indireta, de qualquer esfera de governo, bem como entidade privada sem fins lucrativos, com o qual a administração federal pactua a execução de programa, projeto/atividade ou evento mediante a celebração de convênio;
[6] Art. acima citado [...] IV - concedente - órgão da administração pública federal direta ou indireta, responsável pela transferência dos recursos financeiros ou pela descentralização dos créditos orçamentários destinados à execução do objeto do convênio;
[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria pública-privada e outras formas. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 238.