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Direitos humanos e o direito internacional do desenvolvimento

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Agenda 18/07/2016 às 15:37

As crises internas, as instabilidades políticas e econômicas levam à desestruturação social das nações, inibindo o cumprimento das normas dos direitos humanos.

Sumário: Introdução; 1 Histórico do Direito Internacional do  Desenvolvimento; 2 Direitos Humanos; 2.1 Origens e evolução; 2.1.1 Histórico; 2.1.2 Idade Antiga; 2.1.3 Idade Média e Moderna; 2.1.4 O século XX; 3 Desenvolvimento dos Direitos Humanos;Considerações finais;Referências Bibliográficas.

RESUMO: O presente artigo procedeu a uma apresentação inicial do histórico do Direito Internacional do Desenvolvimento, mediante uma abordagem cronológica, que se estende no capítulo 1. No capítulo 2, focaliza-se a evolução dos Direitos Humanos desde suas origens até a atualidade, quando o processo já se apresenta revestido de maior maturidade, assim considerado por ser um período em que foram firmados vários normativos para uma melhor execução de seu mister. No capítulo 3, procede-se à análise do desenvolvimento angariado com o exercício dos Direitos Humanos e de como vem ocorrendo sua implementação pelos operadores de Direito na atualidade.

PALAVRAS CHAVE: Direito Internacional. Direitos Humanos.


INTRODUÇÃO           

O presente trabalho visa a delinear os Direitos Humanos como componente do Direito Internacional do Desenvolvimento no mundo contemporâneo, abordando os quadros existentes. Também propõe o enfoque dos Direitos Humanos como elemento predecessor do Direito Internacional do Desenvolvimento, vindo aquele a associar-se a este para a consecução dos seus fins.

Neste sentido, optou-se por uma apresentação inicial do histórico do Direito Internacional do Desenvolvimento, mediante uma abordagem cronológica, que se estende no capítulo 1.  No capítulo 2, focaliza-se a evolução dos Direitos Humanos desde suas origens até a atualidade, quando o processo já se apresenta revestido de maior maturidade, assim considerado por ser um período em que foram firmados vários normativos para uma melhor execução de seu mister. No capítulo 3, procede-se à análise do desenvolvimento angariado com o exercício dos Direitos Humanos e de como vem ocorrendo sua implementação pelos operadores de Direito na atualidade.

Nas considerações finais são discutidas as perspectivas do Direito Internacional do Desenvolvimento, tanto em nível de Brasil, quanto dos demais Estados onde ocorre sua implementação.   


1 HISTÓRICO DO DIREITO INTERNACIONAL DO DESENVOLVIMENTO

O Direito Internacional do Desenvolvimento teve seu surgimento a partir do fim das últimas colônias, que em pleno século XX, justamente após a Segunda Guerra Mundial.  Entre outras motivações, seu surgimento deve-se ao fato de não haver, no contexto das nações, mais espaço para a exploração acintosa dos povos africanos e asiáticos por parte dos países europeus.  A situação se agravara a tal ponto que o grau de miséria dos países colonizados não comportava mais uma exploração tão vigorosa.

Com o fim da Sociedade das Nações, por falência de suas funções primordiais e já estando costurada pelas nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial (Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França), foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU) com mais de cinco dezenas de Estados[2]. Passados vinte anos de sua fundação, já contava com mais de uma centena de membros, em sua maioria composta por países oriundos das antigas colônias emancipadas da metrópole e outros países, também, em desenvolvimento, provocando junto à ONU, com essa adesão maciça, um maior debate dos próprios interesses.

A Carta das Nações Unidas tem como objetivo primordial a manutenção da paz e da segurança internacionais, responsabilidade recaída sobre o seu Conselho de Segurança, organismo que mantém uma preocupação latente com as questões decorrentes ao subdesenvolvimento[3].  Conforme salienta Seitenfus[4], a partir do momento em que a descolonização concede uma maioria aos Estados do Sul, a ideologia do desenvolvimento se transforma no leitmotiv de suas iniciativas. A solidariedade coletiva do denominado, à época, Terceiro Mundo se manifesta através de várias instâncias: o Movimento dos Não-Alinhados nas múltiplas conferências por ele patrocinadas, que tentam encontrar uma terceira via entre capitalismo e socialismo, notadamente a partir da reunião da Bandung (1955)[5]; o Grupo dos 77 (G 77)[6] e na Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), criada em 1964.

Insatisfeitos com o simples princípio de um direito à ajuda que rapidamente demonstrou seus limites, os países em desenvolvimento pleiteiam, num segundo momento, o direito à independência econômica e, finalmente, lutam para lançar as bases de um direito de uma nova ordem econômica internacional[7].


2  DIREITOS HUMANOS

Os Direitos Humanos são o passo para o enquadramento do homem como membro da sociedade, estando a evolução deles em consonância com o desenvolvimento do próprio homem como um ser social, motivo pelo qual começaremos a expor as origens dos Direitos Humanos.

2.1 Origens e Evolução

O estudo do aprimoramento dos Direitos Humanos abrange dois pontos principais: o filosófico e o normativo. O primeiro se concentra no patamar das cogitações; o segundo, no dos fatos. Em várias ocasiões, no percurso da história, esses dois planos têm estado em franco antagonismo.  Enquanto o pensamento filosófico busca estabelecer uma noção do justo, com suporte em dada concepção do justo e em dada concepção do homem, a ordem normativa se constitui em atenção a interesses conjunturais dominantes na sociedade, sejam econômicos, religiosos ou políticos.

Antes do Estado e da escrita, a lei precedeu também às cogitações filosóficas a respeito do Direito. Formou-se e desenvolveu-se apoiada na tradição oral, até que os primeiros escritos surgiram no Oriente Médio, por volta do século XX a.C., de que são exemplos as leis dos reinos de Schnuna e de Hammurabi[8].

2.2.Histórico

Na visão de Manoel Gonçalves Ferreira Filho[9], o remoto ancestral da doutrina dos direitos fundamentais é, na Antiguidade, a referência a um Direito superior, não estabelecido pelos homens, mas dado a estes pelos deuses. Nesse contexto, cabe a citação habitual à Antígona, de Sófocles, em que isso é literariamente exposto, em termos inolvidáveis A mesma ideia, com tratamento sistemático, acha-se no diálogo De legibus, de Cícero[10]. O Direito natural nasceu com Heráclito de Éfeso, desenvolveu-se com Aristóteles e passou da Antiguidade à Idade Média, quando Grócio[11] iniciou sua laicização. O jurista holandês entende decorrerem da natureza humana determinados direitos. Estes, portanto, não são criados, muito menos outorgados pelo legislador. Tais direitos são identificados pela “reta razão” que a eles chega, avaliando a conveniência dos mesmos, em face da natureza razoável e sociável do ser humano.

Tal como são hoje elaborados, os direitos humanos não foram conhecidos na Antiguidade. Isso aconteceu porque, naqueles tempos, não se tinha o mesmo conceito de pessoa natural que hoje serve de base a esses direitos.

O Direito que vigorava nas sociedades da Antiguidade, tanto no mundo ocidental como no oriental, limitava-se a proteger a vida, a integridade física, a honra, a família e a propriedade privada. Entretanto, essa proteção era restrita às camadas dominantes da sociedade da época, que eram autocráticas e divididas em classes isoladas ou castas. Admitiam a escravidão e o comércio de pessoas, a pena capital, as penas cruéis, a tortura e o tratamento desumano dos presos e a inferioridade da mulher, com sua consequente sujeição total ao homem.

Quase todas as sociedades da Antiguidade permitiam a poligamia, a ordália como prova de inocência ou de culpa, o poder absoluto e tirânico do pai sobre a família e do rei sobre os seus súditos, a sacralidade do poder real. Não toleravam a liberdade de culto, a liberdade de expressão do pensamento, a livre escolha do governo pelos governados, pois se organizavam segundo a concepção teológica do poder existente, emanado diretamente da divindade e atribuído ao soberano de igual forma, a que se devia sujeitar o povo. Nessa concepção, tornava impossível haver liberdade de culto: a religião do rei[12] era a do povo; também inexistente era a opinião política, porque o povo não era consultado. Nas repúblicas gregas, a opinião política era exclusividade de uma aristocracia rural e militar, o que também existia na república romana, antes do advento dos tribunais da plebe, no século III a. C.

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O código de Hammurabi (século XVII a.C.) tem sua matéria distribuída em 282 parágrafos e nele contém matéria processual, penal, patrimonial, contratual, familiar, sucessória, regulamentação de profissões, preços e remunerações de serviços. Já o código de Manu[13] (século XIII a.C.) compõe-se de 12 livros. Por ele, regia-se a sociedade hindu, composta de cinco castas. As castas eram estanques, de tal modo que, se o homem de uma casta se unisse à mulher de outra, o filho resultante dessa união passaria a compor uma das categorias de casta dos párias, a dos apasados.

Outra legislação expressiva da Antiguidade é a mosaica, assim conhecida por ser atribuída a Moisés (século XIII a.C.) e reunida nos primeiros livros da Bíblia sob o título de Pentateuco, o qual os judeus denominavam de Torá ou Lei. Composto de um conjunto de regras morais, sociais e religiosas, de obediência compulsória por parte do povo, e como as demais existentes naquele período, tinha como fundamento a vontade divina. Para os judeus, os mandamentos de Iavé eram superiores ao poder dos reis, que era, por isso mesmo, limitado. Todos, governantes e governados, estavam sujeitos às mesmas leis, demonstrando um direito comum a todos e representando um conceito próximo do jus naturae et gentium, inspirador dos ensinamentos do cristianismo[14].

2.3 Idade Antiga

No Direito Romano, a palavra pessoa designava o ser humano em geral, fosse ele livre ou escravo. Mas, somente o primeiro era sujeito de direito, o segundo era considerado coisa ou era objeto de direito. Só o civis, o homem livre, tinha personalidade e capacidade jurídica, tanto para a ordem privada (ius civile), quanto para a ordem pública (ius honorum, para eleger-se, e ius suffragu, para votar). A liberdade era fundamental para o exercício do ius civile. Mesmo quando se concederam personalidade e capacidade jurídicas ao estrangeiro (peregrinus), a condição de ser livre era essencial para isso.

O advento do cristianismo trouxe para os fundamentos do Direito uma contribuição inovadora, com a sua noção de homem fundada nos princípios da dignidade intrínseca do ser humano, da fraternidade humana e da igualdade essencial de todos por sua origem.

2.4  Idade Média e Moderna

Com o desenrolar dos séculos medievais sob o influxo do cristianismo, com suas noções fundamentais da pessoa humana e de poder, o reconhecimento dos direitos humanos aparece como uma reação contra os excessos da autoridade que os negava e quase sempre com caráter contratual e de atribuições de concessões ou privilégios particulares, como prerrogativas reconhecidas a grupos de pessoas.

Fatos expressivos referentes a esse processo evolutivo das instituições medievais, no sentido de proteger a pessoa, encontram-se nos Concílios de Toledo de 638 e 653; nos decretos da Cúria de Leão de 1189, procedido por Afonso IX; na Magna Carta, firmada pelo rei inglês João sem Terra, em 21 de junho de 1215[15], considerado o documento básico das liberdades inglesas, à qual se asseguram as provisões de Oxford, de 1258, impostas pelos barões ingleses a Henrique III, limitativas do poder do rei e dos seus sheriffs, mediante conselhos regionais; na Bula Áurea de André II, da Hungria, de 1222, que reconheceu o direito de resistência dos governados ao governante; as leis de Leão e Castela, de 1256, denominadas “As Sete Partidas”, que objetivavam a proteger a inviolabilidade da vida, da honra, do domicílio e da propriedade, assegurando aos acusados um processo legal, evitando a punição injusta, já que a primeira regra das “Sete Partidas” dispunha que “os juízes devem garantir a liberdade”; os Privilégios Gerais, de 1283, de Pedro III, de Aragão; a Carta das Liberdades, de 1253, de Teobaldo II, de Navarra; os Privilégios e Foros da União, de 1287, de Afonso XII; a Carta de Neuchâtel, dos condes Ulrico e Bertoldo, de 1214, que outorgava a cidadania ao estrangeiro e lhe dava proteção; o Código de Magnus Erikson, da Suécia, de 1350, segundo o qual o réu devia jurar o seguinte:

ser leal e justo com seus cidadãos, de modo que não proíba nenhum, pobre ou rico, de sua vida ou de sua integridade corporal sem processo judicial em devida forma, como o regido no direito e a justiça do país, e que tampouco ninguém proíba de seus bens senão em acordo com o direito e mediante processo legal.[16]  

Esses documentos revelam a lenta evolução dos direitos individuais, desde a Idade Média. O cristianismo, com seus conceitos fundamentais de pessoa humana e de poder, se apresenta com a maior contribuição para que estes direitos fossem reconhecidos naquele momento da história. Na Idade Moderna, especificamente na Inglaterra, foram produzidos no século XVII três documentos expressivos de proteção aos direitos individuais.

O primeiro foi a Petition of Rights, de 1628, que, conforme o próprio texto mencionava, foi redigida pelos “condes espirituais e temporais e os comuns assentos no Parlamento”, sob a invocação da Magna Charte Libertatum, na qual requeriam ao rei, entre outras medidas, que nenhum homem livre fosse detido ou aprisionado, nem despojado de seu feudo, suas liberdades e franquias, nem considerado fora da lei, nem exilado, nem molestado de qualquer outro modo, senão em virtude de sentença legal de seus pares ou de disposição das leis do país.

O segundo foi o Habeas Corpus Amendment Act, sendo esta uma das maiores conquistas da liberdade individual, em face da prepotência dos detentores do poder público.

O terceiro foi o Bill of Rights, que considerou ilegais os atos da autoridade real que, sem permissão do Parlamento, suspendessem as leis ou sua execução e mandassem arrecadar dinheiro pela ou para a coroa real além do permitido pelo Parlamento. Também considerava ilegal a perseguição à pessoa por motivo de petição dirigida ao rei, pois este era direito de todos.

O século XVIII foi marcado por três documentos expressivos de preocupação com o indivíduo. O primeiro foi a Declaração da Independência dos Estados Unidos como afirmação dos direitos inalienáveis do ser humano e a proclamação de que os poderes dos governos derivam de consentimento dos governados, afirmando o seguinte:

[...] temos como evidentes por si mesmas as verdades seguintes: todos os homens são criados iguais; eles são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; entre esses direitos encontram-se a vida, a liberdade, a busca da felicidade. Os governos são estabelecidos pelos homens para garantir esses direitos, e seus legítimos poderes derivam do consentimento dos governos.[17]

O segundo documento foi a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de junho de 1776, que deve ser considerado o primeiro cronologicamente, pois antecedeu em um mês a Declaração da Independência. Essa declaração afirmou

que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos naturais, dos quais não podem, ao entrarem em estado de sociedade, privar ou despojar sua posteridade por nenhuma convenção a saber: o gozo da vida e da liberdade, bem como dos meios de adquirir e possuir bens e de procurar e obter a felicidade e a segurança.[18]

O terceiro documento foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, de 26 de agosto de 1789, cujo preâmbulo afirmava que “a ignorância e o desprezo dos direitos do homem[19] são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos”. Proclamou que: todos os homens nascem livres e iguais em direitos; a meta de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem; esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão; a origem de toda soberania está alicerçada na nação; a liberdade consiste em poder fazer tudo que não cause danos ao demais; o exercício dos direitos naturais do homem tem por limites os que asseguram gozo deles aos demais; a lei só pode proibir as ações danosas da sociedade; tudo quanto não for proibido pela lei não pode ser impedido; ninguém será obrigado a fazer o que não mandar a lei, que a lei é a expressão da vontade geral.

O século XVIII encerrou, assim, sob a égide do liberalismo individual, abrindo caminho para que, no século XIX, ocorresse a consolidação do liberalismo. A sociedade reorganizou-se, seguindo as doutrinas políticas, econômicas e sociais do individualismo liberal. Os direitos do homem vieram a ser, no século XVIII e na primeira década do século XIX, apenas os direitos do indivíduo tomado isoladamente. Paradoxalmente, o uso amplo da liberdade individual acabou por desequilibrar a sociedade ocidental, criando um mundo de injustiças sociais.

2.5 O século XX

Em 1916, o Instituto Americano de Direito Internacional discutiu um projeto de Declaração de Direitos do Homem, apresentado por Alexandre Alvarez, mas sem obter qualquer resultado[20]. Na verdade, o início da nova fase dos Direitos Humanos viria acontecer após a Paz de Versalhes, com a criação da Sociedade das Nações, em 1919.

Com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, houve a mobilização de enormes contingentes de trabalhadores na Europa, recrutando-se parte deles para as frentes de batalha e parte para assegurar a atividade industrial destinada à ação bélica. Isso acentuou o valor do trabalhador e estimulou os movimentos reivindicatórios das classes operárias, que já se desenvolviam desde o século XIX.

Eclodiu um conflito entre o trabalho e o capital, ante um Estado indiferente e conivente com a opressão dos trabalhadores por parte dos empresários. O fim da Primeira Guerra Mundial trouxe em seu bojo a crise do Estado liberal, favorecendo o surgimento de Estados totalitários, formados dentro dos princípios fascistas e comunistas, em reação ao liberalismo. Estes Estados traziam a proposta de realização da justiça social, antes sequer cogitada pelo liberalismo. Entretanto, uns e outros incorreram na prática da opressão, suprimindo as liberdades políticas, sob a alegação de que, somente mediante um regime forte, seria possível realizar a justiça social desprezada pelo liberalismo.

Após a Primeira Grande Guerra, o quadro dos Direitos Humanos vem adquirir amplitude, de certa forma clara, na comunidade dos povos, consagrados no texto inaugural da primeira organização internacional: a Sociedade das Nações. Inicia-se, então, a fase denominada de promoção, separada ainda não em escala mundial, mas pelo menos já com a referência internacional a certos direitos.

Nesse sentido, a Liga das Nações feriu a estrutura jurídica mundial até então em vigor. De fato, a noção de que as relações do Estado com seus próprios cidadãos não admitem a intervenção de outros é parte do conceito de soberania. Até então, os poderes do Estado no seu território eram absolutos, exceto quando limitados por tratados. E constata-se ser através de tratados que se verificam as primeiras exceções ao total controle doméstico dos Direitos Humanos[21]. Considera-se como prova dessa prática nascente a inclusão no Pacto da Sociedade das Nações do princípio da proteção às minorias nacionais[22].

Em 1929, o Instituto de Direito Internacional elaborou uma Declaração Internacional de Direitos do Homem, inspirado no que foram as declarações da Virgínia e da França e que estavam inclusas nas constituições dos principais países do Ocidente, dando, assim, uma roupagem de universalidade a esses direitos.[23]

Em 1939, um novo conflito internacional levou as nações à Segunda Guerra Mundial. Com o fim das hostilidades, os países envolvidos procuraram estatuir, por meio de organismos internacionais, regras jurídicas destinadas à manutenção da paz futura. E, ao elaborá-las, processa-se uma tomada de consciência da íntima correlação entre a Paz e os Direitos Humanos[24]. A partir daí, sucedem-se os instrumentos internacionais que se ocupam diretamente do tema.

Na lição de Miguel Franchini-Netto, a Carta do Atlântico é o marco inicial, a central dinâmica do sistema jurídico em elaboração. A ela, segue-se, em 1o de janeiro de 1942, a Declaração das Nações Unidas, quando 28 nações, incluindo-se a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, associam-se nesse ato em Washington, abrangendo uma grande área geográfica, e incorporam um programa comum de propósitos e princípios em documento histórico. Os signatários declaram-se convictos de que sua vitória na guerra contra as potências do eixo Roma – Berlim – Tóquio era essencial para defender a vida, a liberdade, a independência e a liberdade religiosa. Esse documento tem uma grande relevância na reformulação ou humanização do Direito das Gentes, mencionando, expressamente, que “o empenho em preservar a justiça e os direitos humanos e não só nos seus respectivos países, como em outros” [25], afirmação que foi levada à Conferência de São Francisco.

São analisadas e obtidas, em reuniões sucessivas, novas formas de convivência mundial. De 19 a 30 de outubro de 1943, os Ministros das Relações Exteriores dos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética[26] , na Conferência de Moscou, foi esboçada a idéia de uma organização mundial mantenedora da paz e da segurança, e ainda faz pública uma declaração conjunta do Presidente Roosevelt, do Primeiro-Ministro Churchill e do Marechal Stalin, mostrando sua concordância com a punição dos oficiais, soldados ou militares do Partido Nazista, a ser efetuada nos países onde as atrocidades tinham sido cometidas. Aqui há a configuração jurídica do “criminoso de guerra” e da responsabilidade individual perante o Direito Internacional, assim como a dos crimes contra a Paz e a Humanidade.

A Carta do Atlântico[27] estruturou uma nova forma de convivência, divisando a noção de que a paz e a segurança entre as nações se apoiam na preliminar do respeito aos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana.

Em 7 de outubro de 1944, na Conferência de Dumbarton Oaks[28], foi submetido ao exame dos governos convidados o projeto de organização internacional, que visava a facilitar a solução dos problemas econômicos, sociais e outros de ordem humanitária, existentes entre as nações e promover o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.

De acordo com Júlio Marino de Carvalho[29], foi em 25 de abril de 1945 que os representantes de 50 Estados se reuniram em São Francisco, onde discutiram a problemática dos direitos humanos e confiaram os estudos sobre este tema a uma Comissão de Direitos Humanos. Concluída essa tramitação das nações empenhadas em criar a manter um clima de paz universal, em 26 de junho de 1945, foi firmada a Carta da ONU, que funcionou como inspiradora de um Direito Internacional moderno, revestido de novas características. Os textos normativos emanados da Sociedade das Nações, da Carta do Atlântico de 1941, da Declaração das Nações Unidas de 1942 e outros convênios foram considerados ultrapassados.

Com base nesses dispositivos, a Organização das Nações Unidas, amparada aos dispositivos de sua Carta, na qual reafirmam “sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher”, constituiu, em 1946, uma Comissão de Direitos Humanos, por meio do Conselho Econômico e Social. Depois de quase três anos de trabalho e após examinar 13 anteprojetos que recebera, a Comissão apresentou seu projeto para ser levado à Assembléia Geral. Ali, na terceira comissão, o projeto, com redação final de René Casin, recebeu mais de 150 emendas. Um dos juristas que acompanharam os trabalhos da comissão fez este registro: “Assistiu-se assim a discussões ideológicas, filosóficas, históricas, jurídicas, até mesmo linguísticas muito apaixonadas, revestidas de um estilo de debates acadêmicos sobre o alcance e a significação de cada artigo, cada frase, cada palavra”[30].

Nas palavras de Júlio Marino de Carvalho, a Declaração Universal de Direitos Humanos, foi aprovada afinal em 10 de dezembro de 1948. Não houve voto contra. Dos 58 Estados-Membros das Nações Unidas, 48 votaram pela aprovação, dois estiveram ausentes e oito abstiveram-se de votar: União Soviética, Bielorússia, Polônia, Tchecoslováquia, Ucrânia e Iugoslávia, por motivos ideológicos ligados a conceitos de liberdade e propriedade; Arábia Saudita e Egito, por motivos religiosos e pela recusa à igualdade dos direitos de homens e mulheres, e União Sul-Africana, por motivos econômicos e rejeição ao princípio da não-discriminação por motivo de raça e cor, que preparou o terreno para a internacionalização desses direitos[31]. O documento foi aberto à ratificação e à adesão em vigor desde 3 de janeiro de 1976 (Resolução 2.200). A ratificação de 75 Estados até 1982 demonstra a universalidade dessa importantíssima proclamação.

A Assembléia Geral das Nações Unidas tem o objetivo de apresentar o homem como um ser livre, liberto de constrangimentos e temores, capacitado a cumprir uma visão social sem as peias de interferências alheias abusivas que tolhem o pensamento e subjugam vontades. A Declaração dá realce aos direitos fundamentais, na demonstração da dignidade dos direitos do homem e da mulher, com o fim de criar um clima de paz, harmonia e colaboração não só nos lares com em todos os ambientes da interação humana.

Na pedra angular no arcabouço dos direitos humanos foi fixado o dogma de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (artigo1). No mesmo sentido, e antecipando-se um pouco às Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos aprovou, em maio de 1948, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, dando a base para estabelecer um sistema interamericano de proteção desses direitos. Ainda no mesmo ano, a Organização dos Estados Americanos aprovou a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais.

De acordo com que expõe Júlio Marino de Carvalho, a Declaração não tardou a produzir resultados positivos de ordem prática e a influir na vida dos povos. O tratado de paz com o Japão, o Estatuto de Trieste, a Convenção de Paris entre a França e a Tunísia foram os primeiros exemplos de sua presença nos planos político e jurídico internacionais, chamada que foi como um dos fundamentos daqueles atos.

Algumas constituições, como as da Indonésia, da Síria, da Jordânia, da Líbia, do Haiti, de Porto Rico e da Alemanha, foram expressamente influenciadas. No Brasil, o Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana foi criado pela Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, fazendo-lhe expressa referência. Decisões de tribunais, como a Suprema Corte dos Estados Unidos, e os da França, da Holanda e da Bélgica, da Itália e das Filipinas têm-na tomado como referência e fundamento. No Brasil, o Tribunal Federal de Recursos terá sido o primeiro a invocá-la para fundamentar uma decisão, da qual foi relator o Ministro Cunha Mello.[32]

Dois anos depois, os Estados europeus aprovaram a Convenção Européia de Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e instituíram a Comissão e a Corte Européia de Direitos Humanos, objetivando assegurar a garantia coletiva de certos direitos enunciados na Declaração Universal.

Em 1952, aprovou-se em Paris o protocolo adicional a essa convenção. No mesmo ano, foi reconhecido o direito de os povos disporem de si mesmos, mencionado nos dois pactos dos direitos humanos[33]. Em 1961, aprovou-se, em Turim, a Carta Social Européia. Em 1963, firmou-se em Estrasburgo outro protocolo adicional à Convenção Europeia.

Em 22 de novembro de 1969, em São José da Costa Rica, aprovou-se a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, cujo preâmbulo também alude expressamente à Declaração Universal como fonte de seus princípios e normas. A proposta para sua criação foi iniciativa da delegação brasileira na IX Conferência Interamericana de 1948, em Bogotá, e somente em 1959 o Conselho de Jurisconsultos elaborou, no Chile, o projeto da convenção. Dunschee de Abranches assim se manifestou a respeito do assunto: “Como era natural, o projeto se inspirou na Corte Europeia, mas houve a adaptação às peculiaridades do continente americano, onde a maioria dos governos ainda não estava preparada para aceitar a competência litigiosa da Corte, com caráter obrigatório”  [34].

É muito notável a dificuldade em encontrar fórmulas aptas para exprimir as idéias humanitárias comuns aos Estados signatários, conciliando as diferenças referentes a tradições jurídicas, sistemas políticos e fé religiosa. Essas diferenças não existem apenas entre os Estados ocidentais e os Estados de democracia popular, entre o mundo cristão e o mundo islâmico, entre as tradições continentais de direito civil e as anglo-saxônicas de common law. Todas foram superadas em prol do bem comum[35].

Sobre o autor
David Augusto Fernandes

Mestre e Doutor em Direito. Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, David Augusto. Direitos humanos e o direito internacional do desenvolvimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4765, 18 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35028. Acesso em: 8 nov. 2024.

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