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O princípio da eficiência e a reforma administrativa do Estado brasileiro a partir da EC nº 19/98

Agenda 06/08/2016 às 10:42

A partir da Emenda Constitucional nº 19/98, o princípio da eficiência tornou-se explícito e norteador da Administração Pública, em uma reforma administrativa que inaugurou o modelo gerencial de gestão.

01. INTRODUÇÃO

A promulgação da Emenda Constitucional n. 19/98 no Brasil foi resultado de um processo de mudança paradigmática no modelo de administração do Estado brasileiro, consequência de uma necessidade dos governos encontrarem uma forma de prestação de serviços públicos de maneira mais satisfatória à população.

A eficiência na administração pública foi conceito introduzido pela reforma administrativa no Estado brasileiro, a qual teve início com o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa reforma administrativa foi a responsável pela mudança de paradigma do modelo de gestão burocrático da administração pública, dando impulso fundamental para a consolidação de um modelo gerencial, como tentativa de superar a crise que o Estado brasileiro vinha enfrentando desde os anos 80 em relação à prestação de serviços públicos.

O presente estudo destina-se a expor os fundamentos fáticos que levaram o governo brasileiro a organizar essa Reforma Administrativa, tendo como um de seus pilares a positivação no ordenamento constitucional do princípio da eficiência.


02. DESENVOLVIMENTO

Durante anos, a partir da crise do Estado de bem estar social, os estudiosos vinham apontando para a necessidade de se rever o crescimento descontrolado do Estado e suas relações com a sociedade. Esse agigantamento do Estado dificultava a obtenção de resultados positivos na prestação dos serviços públicos diante das crescentes demandas que lhe eram impostas e a limitação dos recursos públicos para fazer frente aos serviços prestados à população.

A reforma administrativa instalada no Brasil a partir da década de 90 pretendia a criação dos meios jurídicos necessários para estimular a transferência de determinadas atividades estatais a entidades particulares, as quais atenderiam a interesses públicos desvinculados do núcleo estratégico de realização de atividades públicas estatais, funções essenciais exclusivas do Poder Público (Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público e determinados setores do Poder Executivo).[1]

Desta maneira, alguns autores indicavam a necessidade da denominada reengenharia do Estado, para que este reduzisse o seu papel buscando maior eficiência na prestação de suas atividades básicas.[2] Com essa finalidade, foi promulgada a Lei 8.031 de 12.04.1990, posteriormente alterada pela Lei 9.491 de 09.09.1997, instituindo o Plano Nacional de Desestatização.

O legislador delimitou esse conceito de desestatização no 1º do art. 2º, da Lei 9.491/97:

§ 1º Considera-se desestatização:

a) a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade;

 b) a transferência, para a iniciativa privada, da execução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entidades controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade.

c) a transferência ou outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.161-35, de 2001)

Como destacado acima, a transferência para a iniciativa privada da execução de serviços públicos inclui-se no conceito de desestatização, constituindo-se em uma das características da adoção pelo Estado do modelo gerencial de administração. A transferência da prestação dos serviços públicos para o setor privado é essencial para a reestruturação do Estado e necessária à prestação de serviços públicos de modo mais adequado e eficiente.[3]

Diante da crise na Administração Pública pela qual passava o Estado brasileiro na década de 80 (proporcionada pelo agigantamento do Estado em decorrência da assunção de um modelo de Estado social), a doutrina administrativista vinha sustentando a necessidade das atividades estatais se espelharem nos métodos de administração das empresas privadas, buscando sempre atingir os melhores resultados com os menores esforços possíveis. Tratava-se naquele momento, da necessidade de se resgatar a noção de eficiência, a qual teve como resultado a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98. A atual Constituição da República se refere no art. 37, caput, ao princípio da eficiência.

A reforma administrativa propugnada pelo governo Fernando Henrique Cardoso representou uma mudança de paradigma na condução dos negócios e atividades estatais proposta pela doutrina administrativista. Sobre esse giro na compreensão do perfil da administração, dissertam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

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“Entendem, entretanto, que os controles a que está sujeita a Administração Pública, e o métodos de gestão que utiliza, acarretam morosidade, desperdícios, baixa produtividade, enfim, grande ineficiência, em comparação com a administração de empreendimentos privados. Propõem, dessa forma, que a Administração Pública aproxime-se o mais possível da administração de empresas do setor privado. Esse modelo de Administração Pública, em que se privilegia a aferição de resultados, com a ampliação de autonomia dos entes administrativos e redução dos controles de atividades-meio, identifica-se com a noção de administração gerencial, e tem como postulado central exatamente o princípio da eficiência.[4]

Com essa proposta é que surge o princípio da eficiência, que direciona o Estado a prestação do serviço público de forma eficiente, exigindo-se qualidade na prestação dos serviços aliada a uma economia gerencial de esforços e recursos financeiros. O eminente princípio, portanto, a partir da década de 90, já vinha sendo encontrado dentre inúmeros julgados, sem que houvesse uma tipificação expressa acerca do tema, sendo aplicado como um princípio constitucionalmente implícito.

A partir da Emenda Constitucional nº 19/98 a eficiência tornou-se princípio constitucionalmente expresso no texto da Constituição. Fernanda Marinela descreve os resultados práticos da adoção do princípio da eficiência da seguinte forma:

“A eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Consiste na busca de resultados práticos de produtividade, economicidade, com a consequente redução de desperdícios do dinheiro público e rendimentos típicos da iniciativa privada, sendo que, aqui, o lucro é do povo; quem ganha é o bem comum.”[5]

Celso Antônio Bandeira de Mello encontra fundamento do princípio da eficiência em um postulado superior que é o princípio da boa administração, o qual resulta no desenvolvimento de uma atividade administrativa da maneira mais congruente, oportuna e adequada aos fins a serem alcançados.[6]

A eficiência há de ser analisada de maneira mais ampla possível, abrangendo a atuação da administração pública quando da prestação dos serviços públicos, quanto aos servidores públicos e quanto à racionalização da máquina administrativa.

Com a inserção deste princípio, admitiu-se expressamente no ordenamento jurídico que os serviços públicos precisam ser aperfeiçoados, de modo a garantir melhor implementação e gestão dos mesmos, com a finalidade de se obter resultados qualitativos e quantitativos mais desejáveis.

Em relação aos servidores públicos, a eficiência surge como uma condição para a aquisição da estabilidade, conforme regras do artigo 41 da Constituição Federal, que pressupõe três anos de atividade pública e ser aprovado em uma avaliação especial de desempenho que irá avaliar, em linhas gerais, a eficiência do servidor.

Ainda no escólio de Fernanda Marinela, também representa a implantação do princípio da eficiência “as regras quanto à racionalização da máquina administrativa, definidas no artigo 169 da Constituição Federal”, qual seja:

“A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.”

 A lei complementar a que a Carta Magna se refere é a Lei Complementar n°101/00 que, em seu artigo 19, estabelece limites para as despesas com pessoal, sendo que a União não poderá gastar mais de 50% de sua receita corrente líquida em gastos de pessoal; já para os Estados e Municípios, o percentual máximo de gastos com servidores públicos é de 60%.

Hodiernamente, os Estados contemporâneos vêm buscando formas de gestão administrativa que representem uma ruptura com o antigo modelo de Estado burocrático então vigente, no qual existia grande concentração de atividades realizadas pelo Poder Público, que já há muito tempo revelava sinais de insuficiência, ineficácia, e desperdício de recursos públicos.

Na atual fase da gestão de negócios na Administração Pública, parte-se para um modelo denominado como administração gerencial, cujo objetivo é tentar reduzir ao máximo a atividade administrativa, concentrando-se apenas nas atividades em que não se admite delegação às pessoas privadas, devendo a atividade estatal se reduzir às denominadas competências exclusivas. Trata-se de uma tentativa de dar uma maior eficiência aos serviços públicos tidos como essenciais.

Percebe-se, portanto, a grande importância e influência deste princípio nas práticas administrativas e foi justamente por isso que o Estado gerencial buscou a implantação do trabalho de execução de serviços de interesse da coletividade por meio das organizações sociais, acreditando que este modelo possa gerar resultados mais práticos e eficientes para a administração pública.

A eficiência traduz, sobretudo, a necessidade de que as ações públicas estejam voltadas a produzir maiores e melhores resultados, sendo calcadas no critério da eficiência administrativa, dependendo de uma sinergia mais acentuada entre o público e o privado, aproximação de esferas essa que deve ocorrer a partir de bases jurídico-normativas transparentes, com o respeito e observância dos princípios e das regras de direito público.[7]

Com efeito, no Brasil, também como resultado prático da busca do princípio da eficiência, surgiram as parcerias com pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, não integrantes da Administração, para a prestação de serviços de utilidade pública e assistenciais. Essas parcerias tiveram positivação no ordenamento jurídico pátrio com as Leis nº 9.637/98 e nº 9.790/99, as quais disciplinam respectivamente, o procedimento de qualificação de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos como organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público.

Essas parcerias, sem dúvida, constituem-se em uma das principais alterações decorrentes da Reforma Administrativa, tendentes à adoção do modelo gerencial propugnado no “Plano Diretor da Reforma do Estado”, já que visam à futura transferência ao setor privado de atividades anteriormente prestadas diretamente pelo Estado.

No caso das organizações sociais, mesmo antes da previsão legal da Lei 9.637/98, estas já haviam sido mencionadas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE).[8]

O objetivo declarado pelos autores da reforma administrativa com a criação da figura das organizações sociais foi encontrar instrumento que permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo Poder Público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão.[9]

Com as organizações sociais, o legislador pátrio visou o fomento de atividades de interesse social, não exclusivas do Estado, mas que passaram a ter incentivo da Administração a partir da possibilidade do reconhecimento de uma pessoa jurídica de direito privado que se enquadre em uma das hipóteses previstas no art. 1º da Lei 9.637/98 como organização social. Na mesma medida em que se incentiva o alcance de finalidades de interesse público, suprime-se a participação direta da Administração na gestão de atividade, de modo que é possível que a Administração se reestruture para o atendimento de outras demandas e necessidades públicas.

A figura das organizações sociais, integrante de uma pretensa reforma administrativa, é expressão de um movimento doutrinário que pretende a submersão do Estado Social de Direito, apresentando-o com uma faceta de intervencionismo exacerbado, incompetência e qualificando-o como economicamente inviável, propondo então a partir da reforma do Estado uma redefinição de suas atividades.[10]


3.  DA CONCLUSÃO

De todo o exposto, constata-se que a Emenda Constitucional nº 19/98 foi o resultado de um processo político de imposição de mudanças exigidas pela sociedade brasileira a partir da década de 80 quanto à necessidade prestação dos serviços públicos com mais qualidade.

Nesse contexto, o princípio da eficiência da Administração Pública funciona como o sustentáculo da Reforma Administrativa realizada no Brasil, sendo que em suas bases foram lançadas diversas mudanças no ordenamento jurídico com o intuito de melhorar a prestação dos serviços, a exemplo das organizações sociais e das organizações da sociedade civil de interesse público.


4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2010.

BRASIL, Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, Presidência da Republica, Brasília, novembro de 1995, disponível em http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf, acesso em 24.10.2014.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 3 ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

MODESTO, Paulo. Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil”, disponível  em <http://www.reformadagestaopublica.org.br/Terceiros/Autores/Modesto,Paulo/terceirosetorreforma.PDF>, acesso em 11.12.2014.

MOREIRA, Egon Bockmann. Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e seus ‘vínculos contratuais’ com o Estado. Revista Zênite de Licitações e Contratos, março de 2002.

OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de (Coord.). Terceiro setor, empresas e estado: novas fronteiras entre o público e o privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. As Organizações Sociais e o Supremo Tribunal Federal. Revista Zênite de Licitações e Contratos, novembro de 2008.


Notas

[1] MOREIRA, Egon Bockmann. Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e seus ‘vínculos contratuais’ com o Estado. Revista Zênite, março, 2002.

[2] Sobre esse ponto, o Min. Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal assevera que a Reforma do Estado não visa à redução drástica do Estado e não prima pela predominância do mercado. Diz o Ministro que ao contrário disso, ela parte da constatação de que a solução para a crise do Estado não estaria no desmantelamento do aparelho estatal, mas em sua reconstrução adaptada para enfrentar os novos desafios da sociedade pós-industrial, um modelo de Estado que além de garantir o cumprimento dos contratos econômicos seja forte o suficiente para assegurar os direitos sociais e a competitividade de cada país no cenário internacional. (MENDES, Gilmar. ADI 1923 MC/DF. Informativo do Supremo Tribunal Federal nº 474: Transcrições).

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p 786.

[4] ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2010, p. 203.

[5] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7ª ed. Niterói: Editora Impetus, 2013, p. 44.

[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 125.

[7] OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de (Coord.). Terceiro setor, empresas e estado: novas fronteiras entre o público e o privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

[8] Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, Brasília, Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE, 1995.

[9] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 31ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p 786.

[10] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 227.

Sobre o autor
Victor Nunes Carvalho

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduado em Direito Público em ênfase em Direito Ambiental pela Universidade de Brasília. Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/MS. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Victor Nunes. O princípio da eficiência e a reforma administrativa do Estado brasileiro a partir da EC nº 19/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4784, 6 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35060. Acesso em: 22 dez. 2024.

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