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Aspectos jurídicos da reprodução humana assistida em face do meio ambiente ecologicamente equilibrado

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

Aspectos Jurídicos:

Do ponto de vista jurídico os progressos científicos oriundos da genética e da técnica aplicada à reprodução humana assistida permitiram ao homem dominar um setor até então regido pelas leis naturais.

O acesso, cada vez mais amplo do grande público a fórmulas inicialmente restritas a uma minoria, tem atingido em cheio os princípios seculares do Direito, demonstrando quão frágil é a estrutura de uma ciência que se passava por sólida, duradoura e inquestionável.

Sob esse aspecto e diante da nova problemática, não basta acenar com os argumentos da lacuna jurídica ou da incompletude da ordem jurídica; o judiciário, por meio do magistrado, tem obrigação de decidir os litígios que se apresentam a sua apreciação. (25) Sem questionar se o Direito deve ou não legislar sobre a matéria - e as questões estão aí para serem decididas - o juiz deve intervir delimitando a fronteira do admissível. A lei deve assegurar, guiar e modelar uma orientação social da prática médica, a fim de evitar possíveis abusos.

Contudo, o presente trabalho tem por escopo abordar o tema sob o enfoque do direito ambiental, afastando-se da clássica discussão quanto a questão sucessória proveniente do direito civil, bem como seus efeitos jurídicos, em especial o artigo 4º do Código Civil de 1916 que regulamenta os direitos do nascituro.

A questão que parece relevante, sob o ponto de vista ambiental, é o marco proveniente do advento da reprodução humana assistida, que trouxe esperanças a um grupo de casais (cada vez mais crescente), até então considerados irremediavelmente inférteis, permitindo-se o direito à sadia qualidade de vida, encartado de maneira principiológica no artigo 225, caput da Constituição Federal.

Sustentamos essa tese na medida em que as técnicas modernas de fertilização, já amplamente abordadas dentro dos aspectos médicos, contribuem para o melhoramento da qualidade de vida das pessoas de forma difusa, e por consequência, melhorando a vida dos indivíduos. Tem-se aí a possibilidade do ambiente ecologicamente equilibrado e essecial à sadia qualidade de vida.

Nesse sentido a capacidade humana de ordenar as relações a favor de uma vida digna é desafio da atualidade. E, seguindo a mesma linha de raciocínio adotada por CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO (26) o direito ao meio ambiente é voltado para a satisfação das necessidades humanas, resguardando-se uma visão sob a ótica antropocêntrica da matéria.

Logo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem jurídico, constitucionalmente protegido, não podendo ser desmembrado em parcelas individuais. Seu desfrute é necessariamente comunitário e reverte ao bem-estar individual.

O meio ambiente, enquanto bem jurídico, apresenta-se como garantia das condições básicas necessárias para a manutenção e desenvolvimento da vida em geral e da humana em particular, dessa forma deve ser preservado sob qualquer aspecto.

Nesse sentido, diante da argumentação até aqui desenvolvida, o que parece extremamente importante é a regulamentação legal da matéria, visto a ausência de legislação infra-constitucional.

Muito embora a lei 8.974/95 tenha estabelecido normas para uso de técnicas de engenharia genética e liberação do meio ambiente de organismos geneticamente modificados (OMGs), não tratou da manipulação e do armazenamento de embriões humanos enquanto fertilização assistida.

Portanto, na medida em que esta prática médica tem crescido de forma vertiginosa, o direito deve estar atento a essa evolução e de alguma forma regulamentar a aplicação dessas técnicas com respaldo nas questões éticas.

Contudo, essa regulamentação deve ser criteriosa, sob pena de atingir gravemente as liberdades individuais e os direitos do homem, posto que o direito de procriar é de cada um, e na hipótese de existência de erros nessa regulamentação, estar-se-ia diante da possibilidade de violação da intimidade do indivíduo, ferindo o disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que estabelece o seguinte:

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"são invioláveis a intimidade, a vida privada a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."

Portanto, a limitação da aplicação e utilização de técnicas de reprodução humana assistida, deve ter sensibilidade e critério suficientes para acompanhar a evolução nesse terreno tão especializado da medicina.


Conclusão:

O que parece fundamental em toda a discussão aqui apresentada é que o silêncio legislativo sobre a matéria de relevância capital e a liberdade com que os tribunais vem se posicionando frente aos casos concretos, tem gerado uma indefinição, ou, falta de uma linha de conduta clara, precisa e objetiva, capaz de determinar a exata dimensão dada pelo Judiciário às novas possibilidades tecnológicas surgidas no campo da biomedicina.

Não restam dúvidas sobre a necessidade da intervenção das autoridades políticas e do legislador, pois o recurso incontrolado a estas técnicas, métodos e procedimentos pode conduzir à consequências imprevisíveis e perigosas para a sociedade civil.

A recente experiência de clonagem humana levada a efeito por dois pesquisadores da Universidade George Washington (Jerry Hall e Robert Stilman), nos Estados Unidos, comprovou à opinião pública atônita, o que pode ser feito, em nível particular, se o Estado não se posicionar imediatamente, ditando normas e preceitos firmes sobre o assunto.

O desenvolvimento da ciência é irreversível e necessário, desde que não viole normas éticas que desconsideram a dignidade humana.

A despeito das divergências que continuam permeando a complexidade do problema criado pelas procriações artificiais, a análise do estágio atual dos estudos comprovou uma unanimidade do conjunto em favor do respeito devido à pessoa humana. O respeito à pessoa humana justifica todas as intervenções do Direito.


Bibliografia Básica:

CABAU, Anne e SERNARCLENS, Myriam. Aspectos psicológicos da infertilidade, Insler e Lunifeld, Ed. Manole, São Paulo, 1988;

DAVID, Didier. L’insémination artificielle humaine. Aspects psycologiques, Editions ESF, Paris, 1984;

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico", Max Limonad, São Paulo, 1997;

FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução, Antonio Sérgio Fabris Editor, Porto Alegre, 1991;

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito ambiental e legislação aplicável, Max Limonad, São Paulo, 1997;

___________________. Direito ambiental e patrimônio genético, Del Rey, Belo Horizonte, 1996;

GUICHENEY, M. e ROULLE, B.. La question du père ou le père en question, Fertilité Contraception, Sexualité, vol. 17, nº 7-8;

HANMER, J.. Reproduction trends and the emergence of moral panic, Sociedade de Ciência Médica, vol. 25;

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995;

MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro, Malheiros, São Paulo, 3ª edição, 1997;

RIZZARDO, Arnaldo. Fecundação artificial, Revista AJURIS, nº 52, ano XVIII, 1991;

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional, Malheiros, São Paulo, 2ª edição, 2ª tiragem;

VILLELA, João Batista. Desbiologização da paternidade, Revista Forense nº 71.


Notas

1. As primeiras manifestações artísticas do homem se expressaram na escultura e na pintura de mulheres grávidas (Vênus de Lespurgne, Vênus de Brassempouy, Vênus de Savinhano, Vênus de Laussel). A representação que os homens faziam do corpo feminino expressa a origem de sua perplexidade diante da fecundidade. Todo o realce das formas é dado ao ventre (origem de um novo ser), nádegas e seios (elemento sensual e de fertilidade) enquanto a cabeça e as pernas não passam de prolongamentos disformes do tronco. Na Vênus de Savinhano, por exemplo, a cabeça se alonga de forma indefinida e, em outras "Vênus", o rosto se dilui numa massa informe, o que nunca ocorre com o ventre e seios, dando uma imagem nítida de preocupação com os elementos da fertilidade. A mulher devia ser equiparada à terra e a todo seu misterioso e indecifrável poder de gerar, de criar, de dar vida.

2. "Os especialistas da reprodução são requisitados para preencher esta falta insuportável e escandalosa. Dos testes de Hünhner em espermograma, ou de curva da temperatura em histerografia (radiografia do útero) o responsável é revelado: o homem. Qualquer que seja o enunciado do veredicto, a esterilidade atinge o indivíduo na sua própria identidade. O ´eu não entendo mais nada´ traduz o ferimento narcísico profundo, e a 1revelação suscita reações negativas (angústia, agressividade, depressão, etc.)" - GUICHENEY, M. E ROULLE, B. "La question du père ou le père en question", in "Feretilité. Contraception, Sexualité", vol. 17, nº 7-8, p. 629.

3. Eduardo de Oliveira Leite. Procriações Artificiais e o Direito, RT, São Paulo, 1995, p. 22.

4. Nesse sentido deve-se discutir a aplicação do artigo 225 "caput" da Constituição Federal.

5. Cfr. João Batista Villela. Desbiologização da paternidade, Revista Forense nº 71, Rio de Janeiro, p. 49.

6. Cfr. Anne Cabau e Myriam Senarclens. Aspectos psicológicos da infertilidade, Insler e Lunifeld, Ed. Manole, São Paulo, 1988, p. 691.

7. Cfr. Anne Cabau e Myriam Senarclens, in op. cit., p. 692.

8. Foi adotada a expressão "mãe de substituição", para se evitar a expressão "aluguél de útero" que faz erroneamente pressupor que a técnica passa, necessariamente pela pecúnia, pela remuneração, induzindo a sociedade à idéia de que a mãe que carrega a criança em seu ventre, sempre recebe algum valor em dinheiro. Ledo engano, visto que a realidade tem demonstrado, na maioria dos casos, a substituição por mera benevolência, amizade ou vínculo de afeto à mulher estéril.

9. Eduardo de Oliveira Leite, in op. cit., p. 28.

10. HANMER, J. in "Reproduction trends and the emergence of moral panic", Sociedade de Ciência Médica, vol. 25, pp. 697/704.

11. Sérgio Ferraz. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1991, p. 51.

12. M. Soulé. L´enfant dans la tête; l´enfant imaginaire, Editions ESF, Paris, 1982, p. 18.

13. Didier David. L´insémination artificielle humaine. Aspects psychologiques, Editions ESF, Paris, 1984., p. 103.

14. Didier David, in op. cit., p. 104.

15. Eduardo de Oliveira Leite, in op. cit., p. 104.

16. Essa possibilidade tanto positiva quanto negativa, traz certo temor aos especialistas da área de reprodução humana, uma vez que os embriões poderiam ser selecionados baseando-se em questões triviais, como a cor dos olhos, por exemplo. Isso seria possível graças ao chamado "screening genético pré-implantatório". Por outro lado, essa técnica poderia, ao invés de interromper uma gestação já estabelecida, por exemplo, de um embrião portador da síndrome de down, identificar os embriões que estejam livres de doenças para serem transferidos ao útero.

17. Procuramos dar destaque à questão ética, tendo em vista que se encontra em região limítrofe à questão jurídica. Não há como separá-las.

18. "Ética (gr. ethike, de ethikós: que diz respeito aos costumes) (...) Diferentemente da moral, a ética está mais preocupada em detectar os princípios de uma vida conforme à sabedoria filosófica, em elaborar uma reflexão sobre as razões de se desejar a justiça e a harmonia e sobre o meio de alcançá-las". Dicionário de Filosofia, Marcondes, D. & Japiassú, H., Rio de Janeiro, Zahar, 1990.

19. Não há como escapar de um enfoque antropocêntrico do direito ambiental, como apregoado por Celso Antonio Pacheco Fiorillo de forma contundente em seus trabalhos acadêmicos.

20. O célebre relatório, "Report of the Committee of Inquiry into Human Fertilisation and Embriology", elaborado sob a coordenação de Mary Warnock.

21. Será oportunamente abordado dentro dos aspectos jurídicos.

22. Dipõe o artigo 4º do Código Civil de 1916: "A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro."

23. O que parece fundamental para a comunidade científica é a definição do momento do início da vida humana, uma vez que esta informação constitui a base de todas as discussões éticas e legais da manipulação e destino dos embriões na utilização de novas técnicas de reprodução assistida. Esta definição é importante para todos aqueles, que de forma minoritária, consideram o momento da fertilização, ou seja, o processo evolutivo do primeiro contato do espermatozóide com a superfície externa do óvulo o iníco da vida.

24. Só em França estima-se em 17.000 embriões conservados, sendo que 300 a 400 estão "sem projeto parental", quer porque o desejo de ter filhos já foi satisfeito, quer porque ocorreu o abandono do projeto parental, pela separação do casal, por exemplo - Apud, Marie-Oldile Alnot, in "Les CECOS et les embryons humains, Revista "La tribune des CECOS", novembro de 1991, nº 4 p. 8-9.

25. Artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito."

26. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, in op. cit., pp. 47/48.

Sobre o autor
Ecio Perin Junior

Head of the Business Reorganization Team; Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN JUNIOR, Ecio. Aspectos jurídicos da reprodução humana assistida em face do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3510. Acesso em: 22 dez. 2024.

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