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Os embargos infringentes no direito brasileiro.

Pressupostos e outras considerações

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

Sumário – 1. Introdução Histórica. 2. Cabimento. 2.1. Apelação em Mandado de Segurança. 2.2. Agravo Retido em Apelação. 2.3. Agravo de Instrumento. 2.4. Remessa Ex Officio. 2.5. Decisões de 1º Grau. 3. Efeitos. 4. A Petição. 5. Procedimento. 6. Preparo. 7. Limites da Divergência. 8. Efeitos infringentes dos embargos de declaração. Conclusões. Fontes de Consulta.


DOS EMBARGOS INFRINGENTES

Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.

Art. 531. Interpostos os embargos, abrir-se-á vista ao recorrido para contra-razões; após, o relator do acórdão embargado apreciará a admissibilidade do recurso.

Art. 532. Da decisão que não admitir os embargos caberá agravo, em 5 (cinco) dias, para o órgão competente para o julgamento do recurso.

Art. 533. Admitidos os embargos, serão processados e julgados conforme dispuser o regimento do tribunal.

Art. 534. Caso a norma regimental determine a escolha de novo relator, esta recairá, se possível, em juiz que não haja participado do julgamento anterior.


INTRODUÇÃO HISTÓRICA

No reinado de D. Afonso III (1248/1279) há registro de recurso que guardava semelhança com os embargos.

Totalmente desconhecido do direito romano, e em outros países, tem-se como incontroversa sua origem lusitana.

Subsistindo na vigência das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, continuou a vigorar no Brasil após sua independência, através de Decreto de 20 de outubro de 1823, sendo abolido em 1832 por caracterizar uma morosidade processual não desejável.

Seus contornos exatos encontram-se no Regulamento 737, de 1850, que o restabeleceu, permanecendo em nossa legislação até hoje.

Enquanto o direito português o abolia em 1939, o Código de Processo Civil brasileiro, naquele mesmo ano promulgado, o previa em seu art. 833:

"Art. 833. Além dos casos em que o permitem os arts. 783, § 2º, e 839, admitir-se-ão embargos de nulidade e infringentes do julgado quando não for unânime a decisão proferida em grau de apelação, em ação rescisória e em mandado de segurança. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência".

O anteprojeto do atual Código de Processo Civil, do Prof. Alfredo Buzaid, trazia restrições ao cabimento dos embargos infringentes, contudo reapareceram no projeto definitivo, mantendo os contornos da anterior codificação (1939).

Com a edição da Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, em vigor a partir de março de 2002, foram impostas algumas limitações, não mais se cabendo para postergar o direito perseguido.

Limitou a possibilidade para julgados que modifiquem o julgado anterior, seja em sede de apelação, com a reforma da sentença de mérito, seja em sede de ação rescisória, julgada procedente.


CABIMENTO

Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.

Do texto acima extrai-se que a admissibilidade dos embargos infringentes está subordinada a julgamento não unânime, modificador de decisão de mérito anterior, proferido em apelação ou ação rescisória.

Em síntese, tem como pressupostos:

1.julgamento proferido por maioria (não unânime);

2.julgamento proferido em apelação ou ação rescisória;

3.julgamento proferido que reforma a sentença de mérito (apelação) ou julgue procedente o pedido (ação rescisória).

Sobre a admissibilidade dos embargos infringentes, tanto o STF quanto o STJ tiveram a oportunidade de sumular a matéria.

Do Supremo Tribunal Federal:

Súmula nº 211 -Contra a decisão proferida sobre o agravo no auto do processo, por ocasião do julgamento da apelação, não se admitem embargos infringentes ou de nulidade.

Súmula nº 293 -São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em matéria constitucional submetida ao plenário dos tribunais.

Súmula nº 294 -São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão do Supremo Tribunal Federal em mandado de segurança.

Súmula nº 295 -São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão unânime do STF em ação rescisória.

Súmula nº 296 -São inadmissíveis embargos infringentes sobre matéria não ventilada pela Turma, no julgamento do recurso extraordinário.

Súmula nº 354 -Em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em que não houver divergência na votação.

Súmula nº 355 -Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não foram por eles abrangidas.

Súmula nº 368 -Não há embargos infringentes no processo de reclamação.

Súmula nº 455 -Da decisão que se seguir ao julgamento de constitucionalidade pelo Tribunal Pleno, são inadmissíveis embargos infringentes quanto à matéria constitucional.

Súmula nº 518 -A intervenção da União, em feito já julgado pela segunda instância e pendente de embargos, não desloca o processo para o Tribunal Federal de Recursos.

Súmula nº 597 -Não cabem embargos infringentes do acórdão que, em mandado de segurança, decidiu por maior de votos a apelação.

Do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula nº 88 -São admissíveis embargos infringentes em processo falimentar.

Súmula nº 169 -São inadmissíveis embargos infringentes em processo de mandado de segurança.

Súmula nº 207 -É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem.

Súmula nº 255 -Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito.

Do extinto Tribunal Federal de Recursos:

Súmula nº 48 -Não cabem embargos infringentes a acórdão proferido em agravo de petição, em execução fiscal, após a vigência do CPC de 1973.

Súmula nº 77 -Cabem embargos infringentes a acórdão não unânime proferido em remessa "ex officio" (Código de Processo Civil, art. 475).

À luz do direito sumulado, acima indicado, alguns pontos merecem discussão.

Cabimento – Apelação em Mandado de Segurança

No tocante à Súmula 597/STF, vê-se inadmissíveis os embargos se o julgado for proferido em apelação interposta em mandado de segurança, por não se entender previsto na lei especial, se bem que contestada tal teoria pela aplicação genérica prevista no art. 530, CPC. O STF, no entanto, contemplou a tese da excepcionalidade.

A partir da definição contida no art. 530, CPC, cabem embargos infringentes apenas contra julgado proferido em apelação (exceto em mandado de segurança – Súmula 597/STF) e em ação rescisória.

Cabimento – Agravo Retido em Apelação

Surge, aqui, uma questão a princípio intricada quanto ao recurso, no que diz respeito ao seu cabimento contra acórdão não unânime que decide agravo retido em recurso de apelação.

A Súmula 211/STF afasta tal possibilidade, contudo, a recém editada Súmula 255/STJ os prevê quando se tratar de matéria de mérito.

O posicionamento sumular já se encontrava adotado em outros tribunais, bem como pela doutrina.

A exemplo, julgado da 3ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (Embargos Infringentes 802.026-8/01 – RT 786/284) que não conheceu dos embargos ao fundamento de que a decisão proferida em agravo retido não envolvia questão de mérito.

Em igual sentido, o STJ, conforme se depreende dos acórdão a seguir ementados:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. VOTO VENCIDO EM AGRAVO RETIDO.

Situando-se o conteúdo do voto vencido apenas em examinar questão processual objeto de agravo, apreciada como preliminar, não conhece o art. 530 do CPC o acórdão que não conhece de embargos infringentes, para que prevalecesse o dito voto divergente".

"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AGRAVO RETIDO. CABIMENTO OU NÃO. CORRENTES. TEMPESTIVIDADE. PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE OFÍCIO NOS JUÍZOS A QUO E AD QUEM. DOUTRINA. PRECEDENTES. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA LEI FEDERAL. RECURSO DESACOLHIDO.

I-Sem embargo da substanciosa corrente doutrinária em contrário, com a qual se afina a posição do relator, a Turma, por maioria, tem entendido serem admissíveis os embargos infringentes contra acórdão que aprecia agravo retido, sempre que a questão versada estiver inafastavelmente vinculada ao mérito da apelação.

II-Não versando o agravo retido matéria vinculada ao mérito, incabíveis os infringentes mesmo para os que se posicionam na referida corrente. Destarte, deles não conhecendo o tribunal, no caso, permaneceu intacto o direito federal.

III-Não se configura a divergência jurisprudencial, a instaurar o acesso à instância especial, se dessemelhantes as situações de fato descritas no acórdão impugnado e nos arestos trazidos como paradigmas".

"Processo civil. Agravo retido. Decisão não-unânime, sem conotação com o mérito. Embargos infringentes. Descabimento. Hermenêutica. Recurso desprovido.

I-Tendo a decisão proferida em agravo retido, por maioria, tão-somente rejeitado a preliminar de cerceamento, inadmissível o manejo dos embargos infringentes.

II-Mesmo para a corrente que, no Superior Tribunal de Justiça, admite aviar-se embargos infringentes contra decisão majoritária proferida em sede de agravo retido, tal possibilidade se restringe às hipóteses em que neste decidida questão de mérito.

III-Os recursos processuais obedecem a um sistema, não sendo lícito ao intérprete tomar liberdades com ele inadmissíveis".

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. EMBARGOS INFRINGENTES. DESCABIMENTO.

- Se o agravo retido não envolve questão de mérito, os embargos infringentes não são cabíveis, como ocorre na hipótese.

- Orientação tranqüila deste STJ a respeito do assunto, ao interpretar o art. 530 do CPC.

- Recurso especial não conhecido".

Da doutrina, forçoso extrair os seguintes verbetes:

"O que se tem dito, quanto ao cabimento dos embargos no julgamento de agravo retido é que o mesmo se configura preliminar do recurso de apelação, sendo forçoso concluir, que julgado por maioria de votos, enseja embargos".

"Que caberão os embargos quando o agravo retido versar sobre matéria de mérito da causa".

Após a edição da Súmula 255/STJ, pacificou-se o entendimento no sentido de serem cabíveis embargos infringentes contra acórdão, não unânime, de agravo retido em recurso de apelação, quando envolver questão de mérito.

Já que a maioria das decisões interlocutórias que originam o agravo retido são meramente processuais, não envolvendo o mérito da demanda, necessária a definição do que seria questão de mérito atacável por agravo retido.

"Tratando-se desta questão, definiram os tribunais superiores e foram acompanhados pelos demais tribunais brasileiros, que questão de mérito é aquela prevista no art. 269, do Código de Processo Civil, ou mais especificamente, a questão de prescrição e decadência, bem como as que não precluem, ou seja, aquelas previstas no art. 267, IV, V e VI e parágrafo 3º, também do Código de Processo Civil (Neste sentido: RTJ 107/187 e STF-RF 286/243; REsp 36.005-SP, rel. Min. Peçanha Martins, DJU 10.03.1997, p. 5941; RTFR 99/84; RTJ 111/1359 e STF-RF 290/217; RJTJESP 99/334; JTA 50/242 e 65/217).

Portanto, sempre que o acórdão não unânime decidiu agravo retido reiterado em recurso de apelação, envolvendo as questões que não precluem, previstas no art. 267, do CPC, cabível será a interposição de embargos infringentes, com base no voto vencido". e

Cabimento – Agravo de Instrumento

Sendo o recurso do agravo previsto para atacar as decisões interlocutórias, e não sentença de mérito, na grande maioria interposto contra apreciação liminar ou questão processual, vê-se claramente o incabimento dos embargos infringentes contra acórdão, por maioria, que decidiu agravo de instrumento.

O agravo de instrumento, por imposição legal, difere-se do agravo retido não servindo de preliminar vinculada ao mérito da apelação.

Mesmo quando interposto contra decisão de tutela antecipada (interlocutória), não se aprecia, ali, o mérito em si, mas requisitos que tornem plausível o direito. Não o confirma, não discutindo o mérito da ação, que será objeto da sentença.

Da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, extrai-se:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICAÇÃO. ERRO GROSSEIRO.

1.Prevê o art. 530, CPC, ser cabíveis embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória, não sendo contemplado o agravo de instrumento como passível daquele recurso.

2.Inaplicável o princípio da fungibilidade, pois o recurso interposto estava eivado de erro grosseiro, não havendo de ser recebido como o recurso adequado.

AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO".

Cabimento – Remessa Ex Officio

Por fim, quanto ao cabimento, a questão do duplo grau de jurisdição (remessa ex officio) quando não interposto o recurso voluntário (apelação).

A teor do art. 530, CPC, ao indicar a apelação e a ação rescisória como recepcionárias dos embargos infringentes, tem-se, a princípio, afastada a possibilidade de cabimento no tocante ao recurso do juiz.

Não havendo o recurso voluntário (apelação) não se encontraria presente um dos pressupostos de admissibilidade dos embargos infringentes.

Contudo, como antes visto, o extinto Tribunal Federal de Recursos sumulou a questão (Súmula nº 77/TFR), admitindo tais embargos.

A considerar, necessário visualizar os fundamentos do aludido enunciado.

Quando do julgamento dos EAC 34.297-SP (j. un. 10.05.1979), apesar de opostos em embargos em remessa ex officio, não houve dúvidas quanto ao seu cabimento por se tratar de recurso ex officio manifestado ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1939, conforme entenderam os ministros Evandro Gueiros Leite e Carlos Mário Velloso, uma vez que o Recurso de Ofício, naquele ordenamento processual, tinha natureza e apelação, a teor do seu art. 822 e parágrafo único.

O Min. Amarílio Benjamin entendia, contudo, que a remessa ex officio, apesar de não constar do capítulo do atual Código que trata dos recursos, ao mesmo equivale, sendo dotado de ambos os efeitos, uma vez que a decisão depende de confirmação do tribunal e não é executável.

De acordo com o ele, "duplo grau de jurisdição traduz em si o princípio de duas instâncias apreciarem os litígios. Torná-lo obrigatório é instituir um recurso necessário dentro da mesma essência ou finalidade do recurso voluntário".

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No seu voto, traz o seguinte magistério:

"Por entender que tal medida não constitui recurso, como já expusera Buzaid, no anteprojeto, restringindo-a às sentenças que declaram a nulidade do casamento, excluiu-a do capítulo dos recursos, situando-a no da coisa julgada (art. 515).

No projeto enviado ao Congresso porém, cedeu às pressões opostas e reintroduziu no texto a revisão ex officio das sentenças contrárias à União, o Estado e o Município, bem como das que julgarem improcedente a execução da dívida ativa da Fazenda Pública (art. 479), com redação que se converteu, salvo pequena alteração, no art. 475 da lei em vigor.

Constando no parágrafo que o juiz deverá enviar os autos ao Tribunal, ‘haja ou não apelação voluntária’, Pontes de Miranda e José Frederico Marques deduziram que a remessa prevista no Código continua a constituir recurso, conquanto involuntário e contraposto ao outro, voluntário, de que fala a norma legal.

O argumento não é decisivo, mas sem dúvida serve de apoio à crítica endereçada ao teor do dispositivo, bem como a alimentará a polêmica que se pretendia encerrar".

"Na legislação anterior, ao lado dos recursos voluntários havia o recurso de ofício, que não era recurso, e sim um quase-recurso, ou ‘expediente análogo’ (como o disse José Carlos Barbosa Moreira) ao recurso, ‘para permitir-se nova apreciação da causa’. Embora não mais falando em ‘apelação necessária ou ex officio’ (como o fazia o Código de 1939, no art. 822), a nova legislação processual manteve aquele quase-recurso com os mesmos característicos essenciais, consoante se vê do art. 475 do Código de Processo Civil em vigor.

Está sujeita, por isso, no duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal a sentença: I) que anular o casamento; II) proferida contra a União, o Estado e o Município; III) que julgar improcedente a execução da dívida ativa da Fazenda Pública. Em tais casos, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida; não o fazendo, poderá o presidente do tribunal avocá-los (art. 475 e seu parágrafo único).

Esse quase-recurso tem efeito devolutivo e efeito suspensivo. Em relação ao julgamento nele proferido, aplicam-se as regras concernentes à apelação, pois se trata de remédio destinado a rever sentenças de primeira instância. Por isso mesmo, o vencido, ainda que não tenha interposto apelação voluntária, pode entrar com embargos infringentes, se for o caso".

"... na submissão da sentença do duplo grau de jurisdição, de acordo com o art. 475 do Cód. de Proc. Civil, há apelação de ofício, em decorrência da remissão que o parágrafo único da lei faz à apelação voluntária".

Por fim, a conclusão do XLII Simpósio de Curitiba:

"Cabem embargos infringentes ao acórdão, não unânime, proferido nas causas sujeitas ao duplo grau de jurisdição (por maioria)"

Em outro julgado, referência à Súmula nº 77/TFR, no caso os EREO 38.253-SP (j. por maioria 14.12.1979), vê-se uma situação diversa e peculiar: a parte embargante não é a parte favorecida pelo duplo grau de jurisdição. Ela foi vitoriosa na sentença de primeiro grau, não apelando, e restou vencida quando do julgamento da remessa ex officio.

Entendeu o extinto TFR que não poderia a parte vencedora insurgir-se (apelar) preventivamente, e também o tribunal "recusar embargos da parte contra a qual se desfez, em segundo grau, o favorecimento da sentença, por força de apelação branca e vazia que socorre as entidades públicas".

Por fim, do julgamento dos EREO 45.308-SP (j. por maioria 17.05.1979), os fundamentos do Min. Amarílio Benjamin, já explicitados nos EAC 34.297-SP, fizeram-se presentes.

No aspecto doutrinário, a partir das notas extraídas de Theotonio Negrão, vê-se que "na hipótese de reforma da sentença, por maioria, os embargos não podem deixar de ser cabíveis, porque o vencedor em primeira instância não tinha mesmo de que recorrer para o tribunal; não tendo embargos, ficaria em pior situação do que se a parte contrária, ao invés de conformar-se com a sentença, houvesse apelado".

No tocante à possibilidade da entidade pública, beneficiada com o duplo grau de jurisdição, e que não apelou, traz entendimentos diversos, a favor e em contrário, citando jurisprudências do extinto TFR.

Contudo, faz menção de haver o STJ revisa a Súmula nº 77/TFR, produzindo o seguinte enunciado:

"Embargos Infringentes são impróprios para desafiar acórdão não unânime proferido em remessa ex officio" (Edcl REsp 51.691-9/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. j. un. 09.11.94. DJU 12.12.94).

Tal julgamento teve como precedente, também relatado pelo Min. Humberto Gomes de Barros, da 1ª Turma do STJ, o REsp 29.800-7/MS, cujo acórdão vem assim ementado:

"PROCESSUAL CIVIL – REMESSA EX OFFICIO – NATUREZA DO FENÔMENO – CPC ART. 475 – EMBARGOS INFRINGENTES (DESCABIMENTO) – REMESSA EX OFFICIOREFORMATIO IN PEJUS – SÚMULA Nº 45 – STJ.

1.A decisão de primeiro grau, contrária ao Estado, constitui o primeiro dos momentos de um ato judicial complexo, cujo aperfeiçoamento requer manifestação do Tribunal.

2.Quando aprecia remessa ex officio, o Tribunal não decide apelação: simplesmente complementa o ato complexo.

3.Embargos Infringentes são impróprios para desafiar acórdão não unânime proferido em remessa ex officio (revisão da Súmula nº 77 do TFR).

4.‘No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública’ (Súmula nº 45 do STJ)"

Apesar de indicada a revisão da Súmula nº 77/TFR, julgados posteriores, de outras Turmas, mantêm sua vigência, como se depreende do seguinte aresto:

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. OPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO EM REMESSA EX OFFICIO. POSSIBILIDADE.

- São cabíveis embargos infringentes contra decisão por maioria em remessa ex officio. Súmula 77 do TFR.

- Recurso que se nega provimento".

No voto proferido pelo Min. Humberto Gomes de Barros, no REsp 29.800-7/MS, destaca-se:

"O recurso ex officio é uma contribuição lusitana ao direito processual.

Sua origem encontra-se no velho procedimento inquisitório da justiça penal.

Para Alfredo Buzaid o recurso obrigatório foi concebido como instrumento de controle ao arbítrio que o sistema inquisitivo possibilitava aos juízes.

José Frederico Marques sustenta que:

‘a apelação criminal ex officio foi instrumento de centralização monárquica de que se serviram os dinastas portugueses para a instauração paulatina do absolutismo, e em detrimento das Justiças locais.’ (Instituições de Direito Processual Civil – Forense – 1960 – Vol. IV – pág. 364)

No Direito brasileiro, o instituto foi adotado, mas no dizer do Mestre Frederico Marques – ‘não foi para ampliar a intervenção e controle judicial em processos relativos a direitos indisponíveis (o processo civil inquisitório) que adotamos o recurso de-ofício, e, sim, para maior garantia do Erário. Só mais tarde é que a apelação ex officio passou a ser usada em algumas questões e litígios de direito matrimonial’ (op. cit. Pág. 365).

Em verdade, o instituto traduz uma deformação cultural, herdada de nossas origens: a falta de confiança do Estado em seus agentes e a leniência em sancionar quem pratica atos ilícitos em detrimento do interesse público.

Se o juiz ou o advogado do Estado é desidioso ou prevaricador, outros povos civilizados o afastariam da Magistratura.

Nós, não: criamos uma complicação processual, pela qual, violentando-se o princípio dispositivo, obriga-se o Juiz a recorrer.

O Código de Processo Civil de 1973 racionalizou o sistema de recursos, especializando as diversas formas de apelos, em função do ato judicial a ser desafiado.

Racionalizou, também, a terminologia dos atos praticados pelo juiz, no processo.

Assim, o termo ‘sentença’ foi reservado para designar ‘o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa’ (CPC art. 161, § 1º).

Qualquer decisão que não ponha termo ao processo denomina-se ‘decisão interlocutória’ (art. 161, § 2º).

No que respeita à sistemática dos recursos, o art. 513, com admirável precisão, disse: ‘Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269)’.

Assim especializada a apelação, destinou-se o agravo de instrumento às demais decisões.

Já nos embargos infringentes tiveram o âmbito de atuação limitado aos acórdão provenientes de apelações. Vale dizer: aos arestos que apreciaram sentenças.

Na impossibilidade de romper com a tradição do ‘recurso ex officio’ o Diploma de 1973 concebeu fórmula em que procurou conciliar a velha anomalia com o princípio do dispositivo e a terminologia científica adotada.

A fórmula se traduziu no Art. 475, do CPC, (...)

O Artigo 475 se insere como corpo estranho no sistema do Código. A decisão contrária ao Estado:

a)julga o mérito e leva o apelido, mas não é sentença, porque não põe fim ao processo:

b)não se confunde com ‘decisão’, pois não preclui;

c)afasta-se destes dois atos do juiz por ser ineficaz. Enquanto os dois outros requisitam a atuação de atos da parte, para que tenham suspensos seus efeitos, o ato de que trata o art. 475 é absolutamente ineficaz. O dispositivo nele contido apenas ganha eficácia depois de confirmado pelo Tribunal.

Diante de tantas particularidades, o intérprete é levado a constatar que o ato do juiz – ao se pronunciar contra a pretensão do Estado – constitui o primeiro momento de um ato judicial complexo. O aperfeiçoamento deste ato complexo requer a manifestação de dois órgãos: o Juiz singular e o Tribunal.

O Juiz, nesta hipótese, apresenta ao Tribunal um projeto de sentença. Aprovado, o esboço transforma-se em sentença, eficaz e apta a gerar coisa julgada.

Em contrapartida, quando modifica o projeto, a Corte não estará reformando sentença. Estará ajustando a proposta ao que lhe parece deva ser a sentença correta.

Percebido este fenômeno, é de se concluir que na remessa ex officio não existe qualquer recurso. Muito menos, apelação.

Ora, os embargos infringentes servem apenas para atacar apelações. Não desafiam qualquer outro recurso".

Faz inserir, ainda, posicionamento dos Ministros Cunha Peixoto e Moreira Alves, no julgamento do RE 89.490 (RTJ 91/1084), onde restaram vencidos, acolhendo a tese de inexistir, na remessa ex officio, apelação a ensejar o cabimento dos embargos infringentes:

Min. Cunha Peixoto

"a redação do parágrafo único, a meu ver, leva à conclusão de não se tratar de apelação. Com efeito, o final desse parágrafo estatui: ‘não o fazendo, (quer dizer, não remetendo os autos) poderá o presidente do tribunal avocá-los’.

Não há apelação quando se trata de avocação. Ora, quando o Juiz não determina a remessa dos autos, o presidente pode avocar o processo, e não se pode dizer haver, aí, apelação.

Acho que basta este argumento para mostrar, data venia, que não é apelação.

Assim, com a devida vênia dos eminentes Ministros que votaram em sentido contrário, conheço do recurso mas lhe nego provimento"

Min. Moreira Alves

"Não há dúvida alguma de que a modificação em causa decorreu de intenção preconcebida de alterar o sistema atual, e a alteração se fez com a retirada, do Código atual, da ‘apelação ex officio’ do capítulo dos recursos, e a colocação de sujeição ao duplo grau de jurisdição no capítulo da Coisa Julgada, para caracterizar que a sentença, nesses casos, não transita em julgado com o ato do julgamento de primeiro grau, mas se desdobra em ato complexo. Para que ela transite em julgado, necessário se faz que, além do julgamento de primeira instância, haja o de segunda, tanto por maioria de votos, como por unanimidade.

Ora, no sistema do Código anterior, só se admitiam, quando houvesse divergência, embargos infringentes, porque estes eram cabíveis, quando não fosse unânime a decisão em apelação, e, no caso, havia apelação, embora ex officio.

É certo que, mesmo sob o império do Código de 1939, houve parte da doutrina que se manifestou em contrário, entendendo que a apelação necessária, ou ex officio, não era propriamente recurso. Mas, essa doutrina não vingou, porque a questão não era ontológica, mas devia ser resolvida em face do tratamento que a lei lhe dava, e este era o de apelação.

Em face do novo Código de Processo Civil, isso não mais ocorre, não cabendo, conseqüentemente, embargos infringentes, que, pelo artigo 530, só se admitem com relação a julgados proferidos em apelação e em ação rescisória.

Em face do exposto, Sr. Presidente, com a devida vênia dos que pensam em contrário, acompanho o voto do eminente Ministro Cunha Peixoto, e, portanto, conheço do recurso, mas lhe nego provimento".

Já no voto proferido pelo Min. Felix Fischer, no REsp 168.837/RJ, depreende-se:

"Embora o art. 530 do CPC fale que os embargos infringentes cabem apenas contra decisão por maioria em apelação e ação rescisória, entendo que, em se tratando de remessa ex officio, esse recurso é cabível.

Esse entendimento não se deve, nem de longe, pelo fato de se considerar o reexame necessário uma apelação. São duas figuras distintas, a começar pelo fato da apelação ser um recurso, o qual necessariamente pressupõe voluntariedade da parte que, inconformada com a decisão, busca sua reforma na instância superior. Já o reexame, como a própria denominação já indica – seja recurso de ofício, remessa ex officio ou reexame necessário – é obrigatório. É condição para que a sentença, nos casos previstos no art. 475 do CPC transite em julgado.

A necessidade de se admitir os embargos infringentes nos julgamentos de remessa ex officio prende-se, na verdade, a, nas palavras do sempre festejado mestre José Carlos Barbosa Moreira, ‘razões de ordem sistemática’. Trata-se de uma maneira de evitar distorções na ordem recursal, evitando assim situações inusitadas e que possam vir a favorecer uma das partes. Eis o que preleciona o citado autor em seus Comentários ao Código de Processo Civil, volume V, Rio de Janeiro, Forense, 6ª edição, página 512:

‘Embora não se identifique com a apelação, nem constitua tecnicamente recurso, no sistema do Código, razões de ordem sistemática justificam a admissão dos embargos infringentes contra acórdãos por maioria de votos no reexame da causa ex vi legis (art.475). É ilustrativo o caso da sentença contrária à União, ao Estado ou ao Município: se a pessoa jurídica de direito público apela, e o julgamento de segundo grau vem a favorecê-la, sem unanimidade, o adversário dispõe sem dúvida alguma dos embargos; ora, não parece razoável negar-lhe esse recurso na hipótese de igual resultado em simples revisão obrigatória – o que, em certa medida, tornaria paradoxalmente mais vantajoso, para a União, o Estado ou o Município, omitir-se do que apelar"

Em trabalho publicado na RTJE (183-184/15), "História do Processo: uma análise do Código de Processo Civil de 1939 sob o prisma terminológico", assim se expressa Juvêncio Vasconcelos Viana, ao apreciar a apelação ex officio:

"O art. 822, do Código dizia que a apelação ex officio (ou necessária) era interposta pelo Juiz mediante simples declaração na própria sentença.

Chega soar cômico que o Juiz pudesse ‘interpor’ medida de irresignação (recurso) contra sua própria sentença, produto final de sua atividade intelectiva, como se estivesse inconformado com o juízo que, ao final do processo, formou e proferiu.

O Juiz não ‘interpõe o recurso’ como dizia o Código, ele simplesmente remete os autos ao Tribunal.

Também o art. 814, parte final, desnecessariamente, vinha dizer que o Juiz estava dispensado de realizar preparo, nos casos de apelação ex officio.

A medida trazida no Código de Processo Civil, ou mesmo em leis extravagantes, não se trata de um recurso, mas, em verdade, de uma condição última para a eficácia de determinadas sentenças.

O instituto tem origem no instituto da Consulta, importado do direito argentino, venezuelano e colombiano. Foi criado inicialmente para situações previstas no processo penal (inquisitório) e, posteriormente, ante o movimento, cada vez maior, de ‘publicização’ do processo civil, foi estendida para algumas causas cíveis.

O Código de 1973 elimina a expressão, optando, mais acertadamente, por ‘duplo grau’ obrigatório (art. 475), remessa obrigatória, remessa oficial, desprezando os termos recurso ou apelação oficial".

Vê-se, maior razão assistir ao julgado do Min. Humberto Gomes de Barros, ressalvando-se o pensamento de José Carlos Barbosa Moreira, onde pretende a revisão da Súmula nº 77/TFR.

Hoje, com a redação dada pela Lei nº 10.352/01, sendo cabíveis os embargos infringentes quando o acórdão houver reformado a sentença de mérito, e, admitindo-se o cabimento também em sede de remessa ex officio, em prestígio à Súmula nº 77/TFR, tem-se, agora, sua possibilidade tão-somente em favor da parte vencedora em 1º grau, ou seja, não é mais possível à entidade pública beneficiária do duplo grau de jurisdição, tornando mais forte o pensamento expendido por Theotonio Negrão (nota 6 ao art. 475), objeto de transcrição em momento anterior, bem como de José Carlos Barbosa Moreira, onde se insere que a parte vencedora em 1º grau não poderia apelar (ausência de interesse recursal) e, modificando-se em seu desfavor, ficaria impedido da reapreciação da matéria em sede de recurso voluntário.

Cabimento - Decisões de 1º Grau

Apesar de previsto seu cabimento tão-somente contra decisão de 2º grau (apelação e ação rescisória), existe uma excepcionalidade, prevista no art. 34 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais).

"Art. 34. Das sentenças de primeira instância proferidas em execução de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração".

Apresenta-se, aqui, uma questão de semântica onde se verifica equívoco na nomenclatura.

Um dos pressupostos dos embargos infringentes é a decisão não unânime, logo, proferida por órgão julgador colegiado.

Inadequada a terminologia, no tocante à decisão monocrática.

Diferencia-se, ainda, quanto ao prazo de interposição, de 10 (dez) dias, devendo ser julgados em um prazo de 20 (vinte) dias.

A Fazenda Pública, apesar de beneficiária do art. 188, CPC, com o prazo em dobro para opor tais embargos, tem prazo singelo para impugnação.

Ao interpor tais "embargos infringentes", a parte vê-se impossibilitada de apresentar agravo (instrumento ou retido), apelação ou recurso especial, restando violado o princípio do duplo grau de jurisdição. Aliás não se entende admissível, neste caso, o reexame necessário.

Cabível, apenas, recurso extraordinário ao STF, embargos de declaração e ação rescisória (e nesta embargos infringentes, se for o caso).

Sobre o autor
Marcelo do Rêgo Barros Lapenda

Técnico Judiciário do TRF da 5ª Região, integrante da Assessoria do Gabinete da Des. Federal Margarida Cantarelli (área penal), bacharel em Administração (FCAP/UPe) e em Direito (FDR/UFPe), pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil (UNINASSAU) e pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal (ESA/OAB-PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAPENDA, Marcelo Rêgo Barros. Os embargos infringentes no direito brasileiro.: Pressupostos e outras considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3528. Acesso em: 23 dez. 2024.

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